Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3008/14.5TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DIREITO DE DEFESA
IRREGULARIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, 526.
- Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 3.ª ed., 223.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º 1, ALÍNEA E).
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 74.º, 77.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 355.º, N.º 1, 356.º, N.º 1, 389.º, N.º 2, 390.º, 391.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 18.º, 32.º, N.º 10, 53.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 7 DE MAIO DE 2014, PROCESSO N.º 553/07.2TTLSB.L1.S1.
Sumário :
1 – Integra violação do princípio do contraditório e do direito à defesa no âmbito do procedimento disciplinar consagrados nos artigos 355º, nº 1 e 356º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009, acarretando a respectiva invalidade, não se ter a instrutora pronunciado sobre o requerimento de junção duma conta corrente pretensamente existente entre a empresa e o trabalhador, e que este havia apresentado na resposta à nota de culpa.

2 – Embora o empregador disponha da possibilidade de indeferir a realização de diligências de defesa requeridas pelo trabalhador, por as considerar totalmente impertinentes, tem, no entanto, de fundamentar esta recusa, pois só assim é possível ao tribunal ajuizar da bondade da posição do instrutor do procedimento.

3- Não se tendo o instrutor pronunciado sobre tal requerimento, esta postura pode ter inviabilizado a defesa do trabalhador, pois perante o despacho de indeferimento e as razões que fossem apresentadas, sempre poderia este ter adoptado uma diferente estratégia para a sua defesa, e que, nomeadamente, tivesse em consideração as razões invocadas para indeferir a realização da diligência probatória requerida.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1----

AA intentou uma acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do seu despedimento, contra

FEDERAÇÃO EQUESTRE PORTUGUESA (FEP).

Como a audiência de partes não derivou na sua conciliação, veio a empregadora apresentar articulado de motivação, pedindo que se declare lícito e regular o despedimento do trabalhador e que seja absolvida do pedido.

Requereu ainda que, em caso de condenação, seja excluída a sua reintegração.

O A. contestou e reconveio pedindo que o tribunal

a) Considere improcedente, por não provados, os fundamentos do procedimento disciplinar e, consequentemente, declare ilícito o despedimento de que foi alvo;

b) Subsidiariamente, considere igualmente improcedente o procedimento disciplinar, por força das nulidades, vícios e irregularidade de que o mesmo padece e, que, consequentemente, se declare igualmente ilícito o despedimento;

c) Subsidiariamente, declare o despedimento do A. ilícito por inexistência de justa causa e dos respectivos requisitos legais previstos no artigo 351.º e seguintes do CT;

d) Se condene a R. a reintegrar o A. ou, alternativamente, e caso opte pela indemnização em substituição da reintegração, condene a R. a pagar-lhe uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, a qual, tendo em conta o valor da retribuição do A e o grau de ilicitude, não deverá ser inferior a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, fixando-a provisoriamente em 87.190,51 euros;

e) Se condene, igualmente, a R. no pagamento de todas as retribuições que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, acrescidas dos respectivos juros de mora legais vencidos e vincendos desde a data de cada um dos respectivos vencimentos;

f) Subsidiariamente, se condene a R. no pagamento dos créditos peticionados em sede de reconvenção, respeitantes a créditos vencidos pela cessação do contrato de trabalho, que se computam em 10.079,28 euros, acrescidos dos respectivos juros de mora legais vencidos e vincendos desde a data de cada um dos respectivos vencimentos;

g) Se condene ainda a R. no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais que causou ao A. e que se computam em valor não inferior a € 10.000, pela humilhação e difamação a que foi sujeito e consequentes perdas de oportunidade no mercado de trabalho.

h) Considere improcedente, por não provados, o preenchimento dos requisitos e dos fundamentos da exclusão de reintegração requerida pela Ré, devendo ser reintegrado, caso mantenha a sua opção por essa solução;

i) Subsidiariamente, caso assim não se entenda e sem conceder, deverá a R. ser condenada a pagar ao A. uma indemnização a fixar nos termos legais entre 30 a 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, a qual, tendo em conta o valor da retribuição do A. e o grau de ilicitude, em caso de procedência da exclusão de reintegração não deverá ser inferior a 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, fixando-a provisoriamente em 116.227,55 euros;

j) E se condene a Ré nas custas processuais e de parte.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que:

A) Julgou improcedente a acção e, consequentemente, absolveu a Ré do pedido (de ilicitude do despedimento e consequências legais) contra si formulado pelo Autor;

B) E julgou parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelo Autor e, consequentemente, condenou a Ré a pagar-lhe a quantia total de € 9.866,65 (nove mil oitocentos e sessenta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de créditos laborais (relativos a retribuições durante a suspensão, a diferenças de férias não gozadas, de subsídio de férias e de proporcionais, e a formação profissional não ministrada), e absolveu a Ré do demais contra si peticionado.

O A., inconformado, apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acordado em julgar parcialmente procedente o recurso, alterando a sentença no sentido de declarar irregular o despedimento, face à irregularidade do procedimento disciplinar por falta de fundamentação da não realização da diligência de prova requerida na resposta à nota de culpa, condenando, em consequência, a R. a pagar ao A. a quantia de € 25.396, a título da indemnização prevista no art. 389º, nº 2, conjugado com o art. 391º, nº 1 do CT, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 30/7/2014 até integral pagamento.

No demais, confirmou-se a sentença recorrida.

           

É agora a R que inconformada, nos traz a presente revista, tendo concluído a sua alegação da seguinte forma:

1. O acórdão recorrido viola o disposto no art. 615º, nº 1, alínea e) do CPC, na medida em que condena a recorrente a pagar ao recorrido uma indemnização e juros que este não pediu, condenação essa que tem por base os arts. 389º, nº 2 e 391º, nº 1 do CT.

2. A indemnização baseada nas disposições acima referidas bem como os juros não são indisponíveis, pelo que também viola o art. 74º do CPT.

3. Neste caso de condenação surpresa, deveria ter sido dada oportunidade à recorrente de exercer o contraditório, pelo que também se verifica a violação do disposto no art. 3º, nºs. 1 e 3 do CPC (neste sentido veja-se o Acórdão do TC nº 605/95, de 8 de Novembro, in DR, 2ª Série, de 15 de Março de 1996).

4. O acórdão é nulo em função das disposições violadas identificadas nos pontos anteriores, quer quanto à condenação em indemnização, quer quanto à condenação em juros de mora sobre o valor da indemnização.

Pede assim que a nulidade invocada seja julgada procedente.

E quanto ao objecto do recurso concluiu que:

1. O recorrido no requerimento probatório documental que fez na resposta à nota de culpa, não indicou os factos da acusação e da defesa que justificavam a junção pela recorrente dessa prova documental, conforme exige o art. 429º, nº 1 do CPC.

2. O recorrido fez-se representar por mandatário na inquirição de testemunhas e a testemunha BB, Director Financeiro da recorrente foi categórico em declarar que não existia conta corrente entre a recorrente e recorrido e em identificar e separar as infracções disciplinares objecto de acusação, daquilo que era a prestação mensal de contas pelas despesas que o recorrido efectuava por força do exercício das suas funções.

3. O recorrido tinha pleno conhecimento da inexistência de conta corrente entre ele e a recorrente, bem como conhecia os documentos mensais de prestação de contas e da respectiva inaptidão para a defesa das infracções disciplinares de utilização indevida para fins pessoais de dinheiros da recorrente, de que era acusado.

4. O recorrido no âmbito do processo de impugnação do despedimento requereu a junção dos mesmos documentos, tendo sido juntos os que existiam, tendo no processo judicial ficado demonstrado que tal diligência probatória requerida num e noutro processo não era uma verdadeira diligência probatória.

5. Aliás, para a não junção da invocada "conta corrente", o recorrido nem recorreu ao mecanismo processual do art. 431º, nº 1 do CPC.

6. No caso concreto, pelos elementos constantes do processo disciplinar, da acusação, dos fundamentos para o procedimento disciplinar e a respectiva confirmação judicial, é manifesto que a prova documental requerida na resposta à nota de culpa, não podia ser considerada uma verdadeira diligência probatória para efeitos do disposto nos artigos 355º, nº 1 e 356º, nº 1 do CT e, por isso, a omissão da sua junção, ou a omissão de fundamentação para a sua não junção, não viola o direito de defesa do recorrido, nem os dispositivos dos artigos do CT acima identificados.

7. Assim, por estas razões o Tribunal recorrido violou o disposto nos art. 355º, nº 1 e 356º do CT.

8. A norma do artigo 389º, nº 2 do CT é inconstitucional por manifesta violação do princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, ínsitos no art. 18º da CRP.

9. Há, igualmente, inconstitucionalidade da mesma norma do CT por não conferir ao empregador semelhante mecanismo sancionatório, em violação do princípio da igualdade, ínsito no artigo 13º da CRP.

Pede assim que o presente recurso seja julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido.

O A também alegou, tendo concluído que:

 

1) A título prévio suscita-se a questão do valor do recurso, porquanto no Douto Acórdão do TRL ora Recorrido, a Apelada ora Recorrente apenas sucumbe parcialmente no pedido da Apelante, pelo valor de 25.396 euros, no qual é condenada;

2) A sucumbência em sede do Acórdão ora recorrido é por isso de 25.396 euros e não mais, não podendo por isso em sede do presente Recurso de Revista ser apreciado qualquer outra condenação da Recorrida, designadamente a condenação da Ré/Empregadora a pagar ao Autor/Trabalhador a quantia total de € 9.866,65 (nove mil oitocentos e sessenta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de créditos laborais, entretanto transitada em julgado;

3) É por isso determinável o valor da sucumbência em 25.396 euros no presente Recurso, pelo que deverá ser esse o valor do recurso e não o indicado "valor da acção".

4) Pelo que se impugna o valor imputado ao Recurso de Revista pela Apelada ora Recorrente, requerendo a V. Exa. seja suprida a correcta fixação do mesmo.

          

5) São três as questões suscitadas pelo presente Recurso de Revista.

a) Da Nulidade do Acórdão, por violação do disposto no art. 615°, nº 1, e) do CPC, com fundamento no facto de o Acórdão ora recorrido condenar em objecto diferente do pedido;

b) Da declaração de irregularidade do despedimento, face à irregularidade do procedimento disciplinar;

c) Da inconstitucionalidade do disposto no nº 2 do art. 389° do CT, por violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da igualdade, ínsitos nos artigos 18º e 13º da CRP, respectivamente.

6) Quanto à questão da Nulidade do Acórdão, e a titulo prévio, deveria a mesma encontrar-se suscitada no requerimento de interposição do recurso, no entanto dúvidas não podem existir que a mesma se encontra plasmada em sede das alegações do Recurso de Revista, pelo que em manifesta violação pelo formalismo que à nulidade invocada é por lei estatuído.

7) A presente acção foi intentada pelo A., ora Recorrido, sobre a forma de acção especial de Impugnação Judicial de Regularidade e Licitude dos Despedimentos;

8) Na sua fundamentação, designadamente em sede da sua Contestação o A. escalpelizou detalhadamente um sem número de vícios formais que entendia enfermarem o processo disciplinar objecto de apreciação da regularidade judicial nos presentes autos, sob a epígrafe “e) Dos inúmeros vícios do Procedimento Disciplina,” entre os quais, inequivocamente, se identificava o vício “e.5) Da falta de realização da diligência probatória de junção de documentos requerida pelo A. na sua defesa”, pelo que a ora judicialmente reconhecida irregularidade sempre esteve presente na fundamentação do pedido do A.

9) E a questão também se encontrava vertida no pedido do Recorrido A, quer no requerimento inicial, porquanto ali se "requer a V. Exa. seja declarada a i1icitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências", quer na sua contestação, porquanto ali se peticiona que “b) subsidiariamente considere igualmente improcedente o processo disciplinar, por força das nulidades, vícios e irregularidade que o mesmo informa e, consequentemente declare igualmente ilícito o despedimento de que o A. foi alvo” sendo que obviamente em ambos os casos se reclama uma verificação da regularidade do procedimento disciplinar.

10) É certo que se pede a condenação pelo seu máximo, a declaração de i1icitude, mas obviamente ali se admitindo a condenação por menos, no caso a declaração da irregularidade.

11) Assim se concluindo pela inexistência de qualquer nulidade do Acórdão, com fundamento na violação do disposto no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, e como tal pela improcedência da requerida nulidade do Acórdão.

12) No que respeita à questão da declaração de irregularidade do despedimento, face à irregularidade do procedimento disciplinar, incorre desde logo a Recorrente na discussão sobre a matéria de facto, tentando apresentar uma justificação para não ter promovido a realização da diligência probatória requerida pelo ora Recorrido, como que tentando reabrir a matéria de facto, há muito considerada assente e que não tem discussão nesta instância por impossibilidade processual;

13) Certo é que sobre a matéria de facto em causa veio o n.º 67 da Matéria de Facto dada por provada estatuir que “No processo disciplinar, a Instrutora não determinou a realização nem se pronunciou sobre a diligência requerida pelo Autor/trabalhador,” consistente em “Documental: Requer a junção aos autos da Conta Corrente existente entre o Trabalhador -Arguido e a FEP relativa ao último ano, bem como os documentos comprovativos da prestação de contas mensais, igualmente relativa ao último ano, os quais lhe deverão ser igualmente notificados”.

14) Pelo que esta matéria esta dada por provada e entretanto transitou em julgado, pelo que é inabalável;

15) Improcede a justificação ou desconsideração da irregularidade processual verificada, com fundamento em que "o recorrido não especificou os factos da nota de culpa que pretendia provar com os documentos pedidos (art. 429°, nº 1 do CPC)", ou que "no caso em apreço, a requerida prova documental, quer no âmbito do processo disciplinar, quer no âmbito do processo de impugnação do despedimento não é uma verdadeira diligência probatória".

16) A requerida junção de documentos é objectiva e inequívoca, e ao invés do argumentário da Recorrente, uma efectiva e verdadeira diligência probatória, no caso requerida pelo Trabalhador Arguido, ora Recorrido, no âmbito do procedimento disciplinar, incidindo claramente sobre a matéria da acusação e, designadamente como suporte de prova documental da defesa deduzida pelo Trabalhador Arguido, pelo que a sua não realização carecida obviamente de uma justificação, mais não fosse, e sem conceder, para dizer que o documento não existia ou que fora requerido à Ré/Entidade Patronal, ora Recorrente, e foi informada da sua inexistência, e como tal da inviabilidade de realização da diligência;

 

 17) E também, porque a condução do processo disciplinar cabe ao Instrutor do Processo o qual, caso fosse exigível dar cumprimento ao disposto no art. 429°, nº 1 do CPC, sem conceder, no mínimo deveria ter interpelado o Trabalhador/Arguido para vir especificar os factos da resposta à nota de culpa que pretendia provar com os requeridos documentos;

18) E, em todo o caso, porquanto, ainda que a diligência não fosse necessária, ou que se revelasse inútil ou dilatória, ou até questionável quanto ao seu objectivo, sempre e em todo o caso, não poderia deixar a Sra. Instrutora do Processo Disciplinar de esclarecer e fundamentar da motivação que justificava prescindir da realização da diligência probatória requerida pelo Trabalhador/Arguido, ora Recorrido, quando não o fez nem ao longo do processo, nem no relatório final do processo disciplinar;

19) Pelo que se tem de concluir pela impossibilidade de alterar, na presente instância, a matéria de facto dada como provada, e entretanto transitada em julgado, e constante do exposto no nº 67) da matéria de facto provada.

20) Assim se concluindo, necessariamente que a aplicação do direito que o Acórdão recorrido faz aos factos provados, em nada se encontra ferida pela alegada violação do art. 429°, nº 1 do CPC, confirmando-se que efectivamente o procedimento disciplinar em apreço violou o disposto nos arts. 355º, nº 1 e 356°, nº 1 do CT;

21) Pelo que o Acórdão recorrido decidiu correctamente pela verificação da irregularidade do procedimento, e pelas consequências jurídicas que daí retirou para decidir a procedência do recurso de apelação, devendo improceder quanto a esta matéria a requerida Revista.

22) Quanto à suscitada inconstitucionalidade da norma estatuída no nº 2 do art. 389° do Código do Trabalho, por violação do princípio da igualdade, não parece assistir qualquer razão à Recorrente, porquanto aquela parece desde logo esquecer a maior de todas as desigualdades e desequilíbrios, é que é esse mesmo Empregador para quem a Recorrente ora apregoa defesa, que tem o poder de designar o Instrutor e julgador desse mesmo processo disciplinar, visando apenas as exigências de regularidade e conformidade legal assegurar que o processo e o julgamento ínsito são menos desequilibrados e no mínimo respeitam os princípios orientadores e conformadores da realização de um processo de natureza acusatória como é aquele, designadamente o princípio da audição prévia do trabalhador e o princípio do contraditório

23) Facilmente se entende que o estatuir de uma eventual sanção às diligências realizadas pelo Trabalhador Arguido no processo disciplinar, tolheriam e intimidariam a parte que naquele processo se encontra integralmente desprotegida e exposta ao poder de um instrutor, não raras vezes completamente parcial.

24) Mas ainda que assim não fosse, e sem conceder, sempre se diria que a ora Recorrente não identifica em concreto qual o "excesso, falha, irregularidade processual, requerimento injustificados, requerimento dilatórios no âmbito do processo disciplinar praticados pelo trabalhador" que no caso em apreço nos presentes autos ocorreu e deveria ser sancionado e em face da invocada inconstitucionalidade não se verificou, e que permitiria suscitar a verificação da inconstitucionalidade em concreto.

25) Pelo que carece de qualquer fundamento a reclamada inconstitucionalidade do disposto no nº 2 do art. 389º do Código do Trabalho por violação do princípio da igualdade perante a lei, e como tal também quanto a este fundamento deverá o presente recurso de Revista improceder.

26) Quanto à suscitada inconstitucionalidade da norma estatuída no nº 2 do art. 389° do Código do Trabalho, por violação do princípio da proporcionalidade, não parece assistir qualquer razão à Recorrente, porquanto o disposto no nº 2 do art. 389° do CT é exactamente um exemplo de aplicação do princípio da proporcionalidade, em que no caso se gradua, por contraposição com o disposto no nº1 do art. 391º do CT, para metade o valor previsto para o caso da i1icitude, o que claramente estabelece uma evidente proporcionalidade entre a verificação da i1icitude do despedimento, de maior gravidade, e a verificação de mera irregularidade por omissão das diligência probatórias, como ocorreu no caso em apreço, de acordo com a factualidade dada por provada.

27) Pelo que igualmente carece de qualquer fundamento a reclamada inconstitucionalidade do disposto no nº 2 do art. 389° do Código do Trabalho por violação do princípio da proporcionalidade, e como tal também quanto a este fundamento deverá o presente recurso de Revista improceder.

 

Pede assim que se confirme o acórdão impugnado.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, emitiu o Senhor Procurador-Geral Adjunto parecer no sentido da improcedência da revista, a que respondeu a recorrente pugnando pela procedência do recurso.

Cumpre pois decidir.

2----

A Relação, depois de ter julgado improcedente a impugnação da matéria de facto, atendeu à seguinte factualidade que já vinha da primeira instância:

1) A Ré/Empregadora FEDERAÇÃO EQUESTRE PORTUGUESA (FEP) é uma pessoa colectiva de direito privado constituída sob a forma de associação, sem fins lucrativos, com estatuto de utilidade pública desportiva e tem por finalidade promover ou superintender em todos os aspectos relacionados com a prática, controlo, regulamentação, formação, promoção e organização do desporto equestre, em todas as suas disciplinas.

2) O Autor/Trabalhador AA foi admitido ao serviço da Ré em 19.03.2001,

3) Tendo a Ré/Empregadora e o Autor/Trabalhador subscrito, na qualidade de «primeira outorgante» e de «segundo outorgante» respectivamente, o escrito particular denominado «CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO», cuja cópia consta de fls. 222 a 226 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e no qual está consignado:

«… Cláusula Primeira - Pelo presente contrato, o segundo contraente é admitido a exercer as funções de Secretário Geral da primeira contraente, nos termos previstos e regulados nos estatutos desta, com subordinação directa à sua Direcção, mas segundo princípios de estrita objectividade, confidencialidade e neutralidade…

Cláusula Terceira - No exercício das suas funções de Secretário Geral, o segundo contraente é genericamente responsável pela gestão dos assuntos correntes da primeira contraente, e, em especial, compete-lhe:

1.1 Auxiliar a Direcção no exercício das suas funções, designadamente sempre que tal lhe for cometido, executando ou fazendo executar as respectivas deliberações;

1.2 Superintender nos serviços da primeira contraente e, bem assim, no seu restante pessoal, incumbindo-lhes neste aspecto, designadamente:

 • Preparar o plano de organização e o número de postos de trabalho da P.E.P assim como o respectivo orçamento;

 • Estabelecer a tabela de retribuições a pagar pelos serviços prestados a terceiros com aprovação prévia da Direcção; • Propor a contratação de pessoal permanente ou eventual da primeira contraente.

1.3 Tomar parte, sem direito a voto, nas reuniões da Direcção, salvo aquelas em que se tratar de assuntos que lhe digam directamente respeito, bem como nas reuniões das comissões e, em qualquer caso, elaborar as respectivas actas;

1.4 Assistir e participar nas reuniões do Congresso, ainda que sem direito de voto;

1.5 Representar, nacional e internacionalmente, a F.E.P. nos termos definidos pela Direcção.

2. Não obstante a definição do enquadramento de funções acima referido, o que é feito a título meramente exemplificativo e não com carácter exaustivo, o segundo contraente fica obrigado, em qualquer circunstância, a subordinar-se à orientação geral e às instruções particulares que venham a ser definidas e traçadas pela Direcção da primeira contraente, não podendo, de alguma forma, obstaculizar, condicionar ou impossibilitar tais directrizes e instruções, reconhecendo, assim, o vinculo inequívoco de subordinação jurídica e económica aos interesses e objectivos da primeira contraente….».

4) O Autor detinha à data do procedimento disciplinar a categoria de Secretário-Geral, auferindo a retribuição base mensal ilíquida de € 3.598,99,

5) Acrescida de IHT no valor mensal de € 719,80 e de Diuturnidades no valor mensal de € 28,78, pagos 14 vezes por ano,

6) E acrescida de subsídio de refeição no valor de € 6,41 por cada dia de trabalho.

7) O local de trabalho do Autor/Trabalhador era na sede da Ré/Empregadora, sita na Av. …, em ….

8) Desde a data referida em 2) até à data em que foi despedido, o Autor/Trabalhador continuou a desempenhar as mesmas funções de Secretário-Geral para a FEP, sob as ordens, direcção e fiscalização desta.

9) Em 19 de Maio de 2014, foi determinado pelo Presidente da Direcção da Ré/Empregadora a instauração de procedimento disciplinar contra o Autor/Trabalhador.

10) No dia 22 de Maio de 2014, foi deduzida Nota de Culpa contra o Autor/Trabalhador, a qual foi por este recebida em 26 de Maio de 2014, e consta de fls.32 a 35 dos autos que constituem o Apenso A (processo disciplinar) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

11) Posteriormente, o Autor/Trabalhador contactou a mandatária da Ré/Empregadora tendo em vista a consulta dos autos de procedimento disciplinar, que lhe foi facultada.

12) O Autor/Trabalhador apresentou resposta à nota de culpa, que foi recebida pela Ré/Empregadora no dia 11 de Junho de 2014, a qual consta de fls. 59 a 77 dos autos que constituem o Apenso A (processo disciplinar) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

13) Em 28 de Julho de 2014, o Presidente da Direcção da Ré/Empregadora proferiu a decisão de despedimento com justa causa, cuja cópia consta de fls. 132 e 133 dos autos que constituem o Apenso A (processo disciplinar) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

14) Através da carta de registada com aviso de recepção datada de 28/07/2014, a Ré/Empregadora remeteu ao Autor/Trabalhador, que a recebeu a 29/07/2014, a decisão referida em 13) e o relatório da Instrutora cuja cópia consta de fls. 134 a 157 dos autos que constituem o Apenso A (processo disciplinar) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

15) No âmbito das suas funções, competia ao Autor/Trabalhador a gestão corrente da FEP, exercida sob supervisão da Direcção e nos termos que a mesma concretamente definia, competindo-lhe, designadamente, auxiliar o Presidente da Federação e a Direcção no exercício das suas funções, executando e fazendo executar as respectivas decisões; promovendo e supervisionando a preparação do orçamento e das contas da Instituição; dirigindo e coordenando os Serviços, manter as ligações, e quando caso disso, a representação operacional junto da Federação Equestre Internacional (F.E.I.) e de outros organismos e instituições.

16) No mês de Dezembro de 2013 foi entregue pelo Director Financeiro da Ré/Empregadora ao Secretário-Geral, o Autor/Trabalhador, uma importância em dinheiro no montante de € 1.625,00, destinada à atribuição de prémios na “…”,

17) Quantia essa, que na oportunidade foi entregue em mão pelo Autor/Trabalhador, à organizadora do evento, “…”.

18) Em virtude de não ter sido aplicado todo o dinheiro na entrega dos prémios, pelo facto de alguns cavaleiros não terem levantado os respectivos prémios, a organização “…” devolveu em dinheiro a quantia não reclamada no valor de € 565,50, à FEP, na pessoa do Autor/Trabalhador,

19) O que se verificou entre o final de Janeiro e o início de Fevereiro de 2014.

20) Nessa mesma data, o Autor/Trabalhador recebeu também da “…” os documentos “Declarações para recebimento de Prémios”, o que permitiu ao Dr. BB, Director Financeiro na FEP, apurar a quantia efectivamente despendida em prémios e o valor excedente.

21) O Autor/Trabalhador não entregou de imediato, nem nos dias seguintes, nos cofres da FEP a quantia referida em 18).

22) Atenta a não entrega referida em 21), o Dr. BB insistiu com o Autor/Trabalhador, de forma verbal e em número de vezes não concretamente apurado, para que devolvesse essa importância aos cofres da FEP, pois tinha necessidade de encerrar o processo e as contas da “…”, bem como regularizar as contas na contabilidade.

23) A tal pedido o Autor/Trabalhador ia respondendo que tinha o dinheiro em casa mas que o tinha guardado em sítio onde os filhos não pudessem mexer, e que se ia esquecendo de efectuar a devolução.

24) No dia 15 de Maio de 2014, o Dr. BB, por meio de contacto telefónico, solicitou ao Autor/Trabalhador para entregar a quantia referida em 18),

25) Insistindo nessa solicitação pois foi informado pela Direcção da FEP que na 2ªfeira, dia 19 de Maio iria ser feita uma auditoria ao Caixa da Instituição.

26) No dia 16 de Maio de 2014 o Autor procedeu à entrega da quantia referida em 18), ao Dr. BB, em dinheiro.

27) No dia 21 do mês de Abril de 2014, o Autor/Trabalhador pediu ao Dr. BB, Director Financeiro da FEP, que lhe disponibilizasse o valor de € 500,00,

28) Com o pretexto de comprar pneus novos para a sua viatura particular.

29) Por se tratar de um pedido do Secretário-Geral,

30) O Dr. BB emitiu o cheque nº…741 que tinha em sua posse com a assinatura do Vice-Presidente da Direcção, Dr. CC, no qual o Autor/Trabalhador apôs a 2ªassinatura necessária, quantia essa levantada pelo colega encarregue do serviço externo da FEP e entregue o montante em dinheiro de 500,00€ ao Autor/Trabalhador.

31) No referido contacto telefónico do dia 15 de Maio de 2014, o Dr. BB, solicitou também a restituição do valor levantado de € 500,00 em 21 de Abril de 2014,

32) Face à informação da Direcção da Federação referida em 25).

33) No dia 16 de Maio de 2014, o Autor/Trabalhador foi ter com o Director Financeiro para lhe restituir também o montante referido de € 500,00, que entregou em dinheiro e que o Dr. BB depositou na conta da FEP no mesmo dia.

34) Do referido em 18) a 23) e 27) a 30), o Dr. BB deu conhecimento ao Vice-Presidente da FEP, Dr. CC, no dia 15 de Maio de 2014.

35) Em 23 de Janeiro de 2014 realizou-se reunião de Direcção da FEP, na qual um dos pontos da ordem de trabalhos tratava da Assembleia Extraordinária da Federação Equestre Internacional (FEI), na qual a Ré/Empregadora é federada, a realizar dia 29 de Abril, que tinha como ponto principal da agenda a alteração dos Estatutos, no que se refere aos mandatos do respectivo Presidente.

36) Na referida reunião de Direcção da FEP, foi deliberado que a Instituição se deveria abster na referida votação.

37) Para além do Presidente e elementos da Direcção, esteve também presente na reunião de direcção de 23 de Janeiro de 2014, o Autor/Trabalhador que procedeu à assinatura da respectiva acta.

38) Em reunião de Direcção da FEP realizada no dia 1 de Abril de 2014, a propósito do interesse da participação da FEP no FEI Sports Fórum e da realização nas mesmas datas da Assembleia Geral da FEI, foi deliberado que seria o Autor/Trabalhador a deslocar-se aos respectivos eventos em representação da Federação Equestre Portuguesa.

39) Na Assembleia-Geral da FEI, o Autor/Trabalhador, em nome e representação da FEP, votou de modo diferente ao deliberado em reunião de Direcção: em vez de usar o voto de abstenção, usou o voto favorável à alteração dos Estatutos da FEI.

40) No regresso, o Autor não informou a Direcção do voto que tomou e das razões para alterar o sentido de voto deliberado pela Instituição,

41) E só na reunião de Direcção realizada em 7 de Maio de 2014, o Autor/Trabalhador informou que na Assembleia Geral da FEI, realizada em 29 de Abril, votara a favor da proposta de alteração dos respectivos Estatutos, em vez de se abster.

42) Os Estatutos da FEP constam do escrito particular de fls. 106 a 126v dos autos que constituem o Apenso A (processo disciplinar) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consta que:

«… Artigo 41º

1.- O Presidente representa a Federação, assegura o seu regular funcionamento e promove a colaboração entre os seus órgãos, competindo-lhe em especial:…

f) Contratar e gerir o pessoal ao serviço da Federação…

Artigo 46º (Competência da Direcção)

1. A Direcção exerce a administração das actividades da F.E.P…

2. Compete à direcção administrar a Federação, definir e prosseguir os seus objectivos estratégicos, em especial, o seguinte:…

h) Administrar todos os negócios da federação em matéria não abrangidas pela competência de outros órgãos;…

z) Deliberar sobre todas as demais questões que, por lei ou pelos Estatutos, não sejam expressamente reservadas a outro órgão social da F.E.P…

Artigo 62º (Secretário Geral) .

1. A gestão corrente da F.E.P. será exercida sob supervisão da Direcção e nos termos que a mesma concretamente definir, por um Secretário Geral.

2. O Secretário Geral exerce as suas funções reportando directamente à Direcção, cabendo-lhe designadamente:

a) Auxiliar o Presidente da Federação e a Direcção, no exercício das respectivas funções, executando e fazendo executar as respectivas decisões;

b) Promover e supervisionar a preparação do orçamento e das contas da F.E.P.;

c) Dirigir e coordenar os serviços da F.E.P.;

d) Manter as ligações, e quando for caso disso, a representação operacional da F.E.P., junto da FEI e de outros organismos e instituições.

3. O Secretário-Geral tomará parte nas reuniões da Direcção e do Congresso, sem direito a voto…».

43) Desde a data da admissão até ao dia em que foi despedido, o Autor/Trabalhador sempre trabalhou na dependência, sob supervisão e em relação directa com a Direcção da FEP.

44) Desde a data da admissão até ao dia em que foi despedido, o Autor/Trabalhador desempenhou funções junto de 4 Direcções diferentes, designadamente e no desempenho funções relativamente aos seguintes mandatos: a) 2001 – 2005 – Mandato sob a Presidência de DD até 2004 e sob a Presidência de EE de 2004 a 2005; b) 2005 – 2009 – Mandato sob a Presidência de EE; c) 2009 – 2013 – Mandato sob a Presidência de EE de 2009 a 2010 e sob a Presidência de FF de 2010 a 2013; d) 2013 – 2014 – Mandato sob a Presidência de FF.

45) Anteriormente ao seu despedimento, a Ré/Empregadora não aplicou ao Autor/Trabalhador qualquer sanção disciplinar.

46) Em 25 de Julho de 2014, a Ré/Empregadora juntou aos autos que constituem o Apenso A (processo disciplinar) o escrito particular denominado «ACTA nº 872 12 de Maio 2014» que consta de fls. 128 desses autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado «A 12 de Maio de 2014 reuniu… o Presidente… e os Vice-Presidentes Srs. Dr. CC, GG, TCor. HH, Eng.º II e Eng.º JJ, tendo sido o Presidente encarregue de elaborar a presente acta

1. O Presidente relatou as conversações havidas com o Secretário Geral, com vista à cessação de funções, face aos factos ocorridos. Pela Direcção foi aprovado o montante de 40.000 € com vista a uma rescisão por mútuo acordo. No caso deste não ser aceite, deverá ser elaborado o correspondente processo disciplinar, com vista ao seu despedimento, sendo nomeada Advogada a Dra. KK…» e o qual está apenas assinado pelo Presidente.

47) Até à data de 25 de Julho de 2014, não constava dos autos que constituem o Apenso A (processo disciplinar) qualquer documento que integrasse a decisão de nomeação da Dra. KK como instrutora do processo disciplinar.

48) Na data da reunião a que se reporta o escrito particular referido em 46), o Presidente da Ré/Empregadora não tinha conhecimento dos factos referidos em 18) a 23) e 27) a 30),

49) E apenas tinha conhecimento dos factos aludidos em 39) a 41).

50) Ao fim do dia 12 de Maio de 2014, o Presidente da Ré/Empregadora chamou o Autor/Trabalhador ao seu gabinete e disse-lhe que a relação de confiança estava quebrada e que era impossível manter o contrato de trabalho.

51) No dia seguinte, 13/05/2014, o Presidente da Ré/Empregadora contactou telefonicamente com o Autor, pelas 18h00, solicitando-lhe que comparecesse nos escritórios da Mandatária da Ré, a Dra. KK, para reunir com aquela, no dia seguinte às 12h00.

52) Na sequência do referido em 50) e 51), decorreram conversações entre Ré/Empregadora e Autor/Trabalhador tendo aquela proposto o pagamento de uma quantia monetária pela cessação do contrato de trabalho por acordo,

53) Não tendo o Autor/Trabalhador aceite.

54) No dia 23/05/2014, o Vice-Presidente da Ré/Empregadora, Dr. GG, informou cavaleiros da Equipa Nacional e outros interlocutores da Ré/Empregadora de que, nesse dia, o Autor/Trabalhador tinha deixado de exercer as suas funções na FEP e que a partir de agora era ele próprio que assumia as funções do Autor/Trabalhador.

55) Em data não concretamente apurada mas ocorrida poucos dias depois do dia 26/05/2014, a Ré/Empregadora cortou a conta de e-mail …@fep.pt e mandou cortar a conta de telefone com o nº…317, atribuído ao Autor/Trabalhador.

56) Em data não concretamente apurada, a Ré/Empregadora decidiu cancelar o seguro de saúde de que o Autor/Trabalhador beneficiava enquanto seu trabalhador.

57) No dia 28/05/2014, o Autor/Trabalhador e o seu Mandatário deslocaram-se à sede da Ré/Empregadora para consultarem o processo, e, ali chegados, foram informados que não existia processo disciplinar para consultar.

58) Os serviços da Ré/Empregadora contactaram então telefonicamente com a Instrutora do Processo que se manifestou surpreendida pelo pedido de consulta do processo pelo Autor/Trabalhador.

59) Foi então solicitado ao Autor/Trabalhador e seu Mandatário para comparecerem dali a uma hora no escritório da Instrutora do Processo, apesar de a distância entre a sede da Ré/Empregadora e aquele escritório não ser superior a 10/15 minutos.

60) Ali chegados, foi-lhes entregue para o efeito uma pasta que continha apenas algumas folhas, desorganizadas, não numeradas e muito menos rubricadas,

61) Sendo que o “processo” apenas dispunha da Nota de Culpa e dos documentos que constam de fls. 6 a 21 dos autos que constituem o Apenso A (processo disciplinar),

62) Não constando então do mesmo os documentos que constam de fls. 22 a 28 dos autos que constituem o Apenso A (processo disciplinar),

63) Os quais foram juntos após ter sido proferida a Nota de Culpa e sem que tenha sido dado qualquer conhecimento ao Autor/Trabalhador.

64) A Inquirição da Testemunha Sra. LL no âmbito do processo disciplinar ocorreu após a Resposta à Nota de Culpa e a Ré/Empregadora nunca deu conhecimento ao Autor/Trabalhador, pelo que apenas com o Relatório Final este soube que aquela testemunha tinha sido ouvida no dia 24/06/2014.

65) Não foi dado conhecimento ao Autor da junção ao processo disciplinar pela Instrutora dos documentos que constam de fls. 106 a 128 dos autos que constituem o Apenso A (processo disciplinar).

66) À data da consulta do processo disciplinar, o documento que actualmente consta de fls. 55 dos autos que constituem o Apenso A (processo disciplinar), estava inserido antes da Nota de Culpa.

67) No processo disciplinar, a Instrutora não determinou a realização nem se pronunciou sobre a diligência requerida pelo Autor/Trabalhador consistente em «Documental: Requer a junção aos autos da Conta Corrente existente entre o Trabalhador-Arguido e a FEP relativa ao último ano, bem como os documentos comprovativos da prestação de contas mensais, igualmente relativa ao último ano, os quais lhe deverão ser igualmente notificados».

68) Na reunião referida em 35), no que concerne ao Ponto relativo à «Assembleia Extraordinária da FEI», foi dada informação que a Assembleia Extraordinária da FEI terá lugar no próximo dia 29 de Abril, tendo como ponto principal da agenda a alteração dos Estatutos, no que se refere aos mandatos do Presidente, e foi entendimento dos 6 membros da Direcção presentes que a FEP se deverá abster nesta votação.

69) Na reunião referida em 38), no que concerne ao Ponto relativo à «FEI Sports Forum», foi referido pelo Secretário-Geral a importância da sua presença no Forum da FEI dado que, será a oportunidade ele poder estabelecer contactos para a participação da FEP nos WEG. Acresce também a realização da Assembleia Geral da FEI nas mesmas datas, o Presidente considerou que não se justificaria a representação na A.G. da FEI, mas concorda que será importante a presença do Secretário-Geral para tratar dos assuntos dos WEG, e foi assim autorizada a referida deslocação com o custo aproximado de 700 euros (avião e hotel).

70) Na Assembleia Extraordinária da FEI, no momento de votar, e porque ao contrário do que estava previsto o voto não foi electrónico e secreto, foi necessário votar de braço no ar, demonstrando o sentido de voto,

71) Apresentando a tendência daquela votação um desequilíbrio acentuado, e que se traduziu numa esmagadora maioria de 103 votos a favor, contra apenas 3 votos contra, e nenhuma abstenção.

72) Na reunião referida em 41), o Autor/Trabalhador informou a Direcção que por se ter apercebido da tendência da votação e para não colocar a FEP numa situação incómoda, não se absteve, conforme tinha sido decidido anteriormente em reunião de Direcção, e, por este facto e lamentando a situação, apresentou as suas desculpas a todos os presentes, e o Presidente manifestou o seu desagrado por esta decisão, que já estava tomada antes, e lamentou profundamente não ter sido avisado atempadamente da mudança de sentido de voto.

73) O Autor/Trabalhador é estimado, considerado e respeitado por todos que trabalham na Ré/Empregadora.

74) Com a notificação da Nota de Culpa, a Ré/Empregadora suspendeu o Autor/Trabalhador das suas funções até à conclusão do processo disciplinar.

75) Nos meses de Junho e Julho de 2014, a Ré/Empregadora não pagou ao Autor/Trabalhador o valor referente à respectiva IHT.

76) No recibo de Junho de 2014, a Ré/Empregadora procedeu a redução dos valores de Subsidio de Alimentação e IHT referentes ao mês de Maio, pelos montantes de € 25,64 e € 95,97.

77) No recibo de Julho de 2014, a Ré/Empregadora procedeu ao desconto de 1 dia de falta com perda de retribuição, pelo montante de € 120,93.

78) O Autor/Trabalhador não gozou as férias vencidas a 01/01/2014.

79) Relativamente a férias não gozadas no ano de 2014, a Ré/Empregadora pagou ao Autor o valor de € 3.627,77.

80) Relativamente a subsídio de férias vencido a 01/01/2014, a Ré/Empregadora pagou ao Autor/Trabalhador o valor de € 2.849,22.

81) Relativamente ao subsídio de Natal de 2014, a Ré/Empregadora pagou ao Autor/Trabalhador o valor de € 1.049,72.

82) Relativamente a proporcionais de férias e de subsídio de Férias vencidos ao longo do ano de 2014, a Ré/Empregadora pagou ao Autor/Trabalhador o valor de e 2.116,20 e o valor de € 1.058,10 respectivamente

83) O Autor/Empregadora não recebeu qualquer formação por parte da Ré/Empregadora nos 3 anos anteriores à data do despedimento.

84) O Autor/Trabalhador tem uma vida de trabalho dedicado ao meio equestre, primeiro nos clubes e depois, nos últimos 13 anos, ao serviço da FEP e do meio equestre português.

85) As informações referidas em 54) foram prestadas pelo Vice-Presidente da Ré/Empregadora, Dr. GG antes do Autor/Trabalhador tomar conhecimento da Nota de Culpa e antes de conhecer do decurso e do resultado do processo disciplinar.

86) O meio equestre é um meio pequeno e com poucas oportunidades de emprego,

87) E onde todos se conhecem e a propagação das notícias se espalha rapidamente e com grande repercussão.

88) A carta registada com aviso de recepção referida em 14) foi entregue nos CTT às 16 horas 11 minutos e 52 segundos do dia 28/07/2014.

89) Na data de 28/07/2014, pelas 17 horas, foi realizada uma reunião da Direcção da Ré/Empregadora, com a presença do Presidente e de 6 Vice-presidentes, na qual foi deliberado «proceder ao despedimento do funcionário AA, com funções de Secretário Geral, porquanto no processo disciplinar que a Direcção decidiu instaurar-lhe ficaram provados os factos pelos quais foi acusado. Esses factos são graves e comprometem a confiança que a Direcção da FEP nele depositava» e mais deliberam «aprovar a decisão final referente ao processo disciplinar, elaborada pelo Senhor Presidente da Direcção».

90) Por força da decisão da Ré/Empregadora de despedir o Autor/Trabalhador, este sentiu-se angustiado e preocupado e, nos meses seguintes, evitou ver ou falar com as pessoas do meio, deslocando-se no limite do indispensável a provas ou eventos equestres, apenas para acompanhar os seus filhos praticantes da modalidade.

3----

E decidindo:

Questão prévia da inadmissibilidade da revista:

Alega o recorrido que a sucumbência do acórdão ora recorrido é de 25.396 euros, sustentando assim que deverá ser esse o valor do recurso e não o indicado como "valor da acção".

Requer por isso que seja suprida a correcta fixação do mesmo.

Mas não tem razão

Efectivamente na sentença foi fixado o valor da causa em 107 269.79 euros.

Como ninguém reagiu, o despacho que o fixou transitou em julgado, pelo que improcede a pretensão do recorrido.

Além disso, e conforme resulta do artigo 629º, nº 1 do CPC só é admissível recurso quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.

Ora, no caso presente reúnem-se os dois requisitos do valor da causa (fixado na sentença) e da sucumbência, pois discutindo a recorrente na revista a sua condenação no montante de 25.396 euros, estamos perante um valor superior a 15 000 euros que corresponde a metade da alçada da Relação, que está fixada em € 30.000, conforme resulta do artigo 44º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto, norma que já se aplica ao presente processo ajuizado depois de 1/9/2013.

Pelo exposto, improcede esta questão prévia suscitada pelo recorrido.

4----

A recorrente suscita as seguintes questões:

Nulidade do acórdão;

Nulidade do procedimento disciplinar;

Inconstitucionalidade da norma do artigo 389º, nº 2 do CT por violação do princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, ínsitos no art. 18º da CRP e por violação do princípio da igualdade, ínsito no artigo 13º da CRP.

Vejamos então cada uma delas.

4.1----

A recorrente imputa ao acórdão recorrido a nulidade do excesso de pronúncia, em violação do disposto no art. 615º, nº 1, alínea e) do CPC, alegando que foi condenada a pagar uma indemnização e juros que o trabalhador não pediu, condenação que tem por base os artigos 389º, nº 2 e 391º, nº 1 do CT.

Tendo suscitado esta questão no requerimento de interposição da revista, dando assim o devido cumprimento ao disposto no artigo 77º do CPT, vamos conhecer desta matéria, tanto mais que a Relação apreciou-a, indeferindo a pretensão da recorrente.

E fez bem em indeferi-la.

Efectivamente, a condenação está contida no pedido (subsidiário) deduzido pelo trabalhador na alínea b) do seu petitório, em que pede que se considere nulo o procedimento disciplinar, atentos os vícios e irregularidades de que o mesmo padece e, que, consequentemente, se declare igualmente ilícito o despedimento por essa razão.

Por outro lado, e quanto ao valor da indemnização está também contido na amplitude do pedido deduzido em d), onde se pede, em alternativa, e caso o trabalhador opte pela não reintegração, a condenação da R. a pagar-lhe uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade.

Improcede portanto esta questão, não padecendo o acórdão da Relação de qualquer nulidade, e não violando também o disposto no artigo 74º do CPT, pois inexiste uma condenação para além do pedido, ou em objecto diverso do peticionado.

4.2---

A Relação, depois de apreciar os inúmeras vícios que o trabalhador imputou ao procedimento disciplinar, acabou por concluir pela sua irregularidade em virtude da instrutora não ter determinado, nem se ter pronunciado sobre a diligência requerida pelo Autor na resposta à nota de culpa, e em que solicitava a junção aos autos da conta corrente existente entre o trabalhador e a FEP relativa ao último ano, bem como os documentos comprovativos da prestação de contas mensais, igualmente relativa ao último ano, solicitando ser notificado dos mesmos.

Enfrentando esta questão diz-se no acórdão:

“…

e) Nem sequer o facto de a instrutora não ter conhecido do requerimento formulado na resposta à nota de culpa para que fosse junta aos autos a “conta-corrente existente entre o trabalhador arguido e a FEP relativa ao último ano, bem como os documentos comprovativos da prestação de contas mensais, igualmente relativa ao último ano” constitui actualmente invalidade do procedimento, podendo eventualmente constituir mera irregularidade.

Conforme refere Pedro Furtado Martins[1] “…no Código do Trabalho de 2009 a falta ou a deficiência da realização da instrução solicitada pelo trabalhador, mesmo quando se previa a sua obrigatoriedade, deixou de ser causa de invalidade do procedimento[2].  (…) os vícios ou falhas da instrução determinam a irregularidade do despedimento, que, apesar de conservar a sua eficácia extintiva, constitui um acto ilícito, que gera a obrigação de indemnizar o trabalhador (art. 389º, nº 2). Este entendimento acaba de ser vertido na nova redacção que a lei 23/2012 deu ao art. 389º, nº 2, cominando a irregularidade (e não a ilicitude) dos despedimentos realizados com omissão das diligências probatórias referidas no art. 356º, nºs 1 e 3. (…)”

E mais adiante acrescenta que

“…embora as deficiências de instrução constituam hoje mera causa de irregularidade do despedimento, sem inquinar a sua eficácia extintiva, continua a ter aplicação o que, juntamente com Bernardo Xavier, sustentámos acerca do ónus de alegação escrita e fundamentada, considerando que este não deve ser entendido de forma simplista, de modo a considerar-se que a mera verificação da «falta de justificação da recusa na realização de diligências probatórias é suficiente para se concluir pela violação das garantias de defesa do trabalhador e pela consequente nulidade do processo disciplinar» (hoje, pela consequente irregularidade do despedimento). Importa sim, apurar um critério material que justifique a invalidade do processo de despedimento, partindo do fim visado pela lei, cujo objectivo é garantir «que as possibilidades de defesa não sejam coarctadas pela entidade patronal quando desta dependa a realização das diligências probatórias». A esta luz, compreende-se a exigência de realização das diligências requeridas e de justificação da sua não efectivação. Contudo, quando tais diligências forem patentemente infundadas, não é razoável que o processo disciplinar seja automaticamente invalidado (ou, actualmente, que o despedimento seja automaticamente considerado irregular, com os efeitos previstos no art. 389º, nº 2) pelo simples facto de o empregador não ter cumprido o ónus de alegar fundamentadamente a impertinência ou a irrelevância da diligência requerida pelo trabalhador.”

E continuando a seguir o acórdão:

“Ora, no caso, ainda que se possa admitir - face ao depoimento da testemunha BB - que não existia na R. qualquer conta corrente com o A., isso à luz do procedimento disciplinar não era de forma alguma evidente, pelo que não podia deixar de ser explicitado pela R., se não na decisão final, pelo menos no relatório, para o qual aquela remete, qual o fundamento e justificação para a não realização da diligência de prova requerida, conforme estipula o art. 356º nº 1 do CT. A omissão absoluta de qualquer fundamentação, não havendo motivo manifesto para considerar infundado o requerimento determina que tenhamos de considerar que o procedimento padece de irregularidade.”

Foi com este fundamento que se atribuiu ao trabalhador a indemnização de 25.396 euros, apesar de se ter concluído que a sua actuação integrava justa causa de despedimento.

É contra esta decisão que reage a recorrente, mas sem razão.

Efectivamente, resulta do nº 1 do artigo 355º do CT/2009 que o trabalhador tem 10 dias para responder à nota de culpa que lhe foi dirigida, podendo invocar, por escrito, os elementos que considere relevantes para esclarecer os factos de que é acusado e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar a realização de diligências probatórias que sejam pertinentes para descoberta da verdade.

E estabelece o nº 1 do artigo 356º do CT (na versão da Lei 23/2012, de 25/6), que o empregador deve realizar as diligências requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias, ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito.

   .

Ora, como se escreve no acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 553/07.2TTLSB.L1.S1 (Leones Dantas), e cuja argumentação vamos seguir de perto, estes dois dispositivos são expressão do princípio do contraditório no procedimento disciplinar, estabelecendo os mecanismos da sujeição do procedimento àquele princípio, e que por isso, se assume como um dos elementos estruturantes do procedimento conducente à aplicação duma sanção disciplinar.

É nesta linha que se compreende que a recusa de realização das diligências requeridas pelo trabalhador, nos termos do n.º 1 do artigo 355º, há-de assumir a forma escrita e tem de ser fundamentada, conforme exige o nº 1 do artigo 356º, fundamentação que há-de transmitir as razões objectivas que levam a entidade empregadora a considerar as diligências requeridas como impertinentes e dilatórias, ou seja, sem interesse para a defesa do trabalhador.

A empregadora tem, assim, de ajuizar as diligências requeridas e os objectivos com as mesmas visadas pelo trabalhador e se concluir pela sua inutilidade, deve plasmar as respectivas razões em despacho do instrutor, não bastando considerar as diligências impertinentes, sem mais.

Por isso, as razões em que assenta o juízo da sua inutilidade devem constar da fundamentação desse despacho, impondo-se-lhe demonstrar a inutilidade das mesmas, quando ponderadas à luz dos objectivos que podem justificar a sua realização.

“E só perante a justificação documentada na fundamentação o tribunal pode considerar ajustada ou não a recusa e afastar qualquer suspeita de invalidade do procedimento que seja associada a tal recusa”, conforme concluiu o acórdão que vimos seguindo.

Como suporte desta posição invoca-se o disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa, que impõe a observância dos direitos de audiência e de defesa do arguido em quaisquer processos sancionatórios, não existindo dúvidas de que o processo disciplinar laboral se apresenta como um dos processos sancionatórios abrangidos pela previsão da dita norma constitucional, nos termos da qual “é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas”

E assim sendo, não é possível um processo sancionatório que não assegure os direitos de defesa dos arguidos, sendo inelutável o surgimento dos direitos de audiência e defesa como regra inerente à ordem jurídica de um Estado de direito (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 526).

E continuando a seguir o supracitado acórdão, não é, seguramente, o facto de o trabalhador poder impugnar o despedimento, relegando para a fase jurisdicional a apresentação das suas provas, que minora a consequência da falta da realização da diligência requerida, pois a eventual preterição dos direitos de defesa do trabalhador para o momento jurisdicional pode colocar definitivamente em causa o efeito útil de tais direitos.

Por outro lado, da garantia da segurança no emprego, prevista no artigo 53.º da Constituição, decorre que o despedimento deve satisfazer exigências procedimentais, pois estamos perante a imputação de um facto censurável a um trabalhador, cuja relevância em termos disciplinares pressupõe a existência dum procedimento com vista à criação de uma sanção.

Por isso, perante a natureza sancionatória da consequência que pode derivar para o comportamento do trabalhador, temos de concluir pela relevância do procedimento sancionatório para os efeitos do disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República.

Por outro lado, não é a exigência de fundamentação da decisão de despedimento que pode preencher o vazio de não ter sido, em tempo, exercido o direito de defesa, já que é o trabalhador que sabe a forma como deve empreender a sua defesa, e, sobretudo o modo e a altura de a exercitar.

Pelas supracitadas razões não podemos deixar de sufragar o acórdão da Relação, na parte em que considerou que o procedimento padece de irregularidade, pois a instrutora não podia deixar de ter explicitado as razões por que não satisfez a pretensão do trabalhador de ser junta a conta-corrente que invoca na resposta à nota de culpa, pois só perante elas é que se poderia ajuizar da sua inutilidade face à defesa apresentada.

Por outro lado, improcede completamente a alegação da recorrente quando diz que o arguido não indicou os factos da acusação e da defesa que justificavam a junção da prova documental requerida, pois tal necessidade advém, nomeadamente, do facto invocado no artigo 37º da resposta à nota de culpa, e onde o trabalhador invoca que várias vezes tinha feito acertos de contas com a R.

Além disso, mesmo admitindo que a testemunha BB, Director Financeiro da recorrente, tivesse sido categórico em declarar que não existia qualquer conta corrente entre a recorrente e o arguido (facto que não consta do acervo factual apurado pelas instâncias), era essa a razão que a instrutora devia ter aduzido para não satisfazer a pretensão da junção desse elemento de prova, pois só assim é que o tribunal poderia ajuizar da sua bondade.

Nada tendo feito perante o requerimento do arguido, temos de considerar que esta postura da recorrente pode ter inviabilizado a defesa do trabalhador, tanto mais que perante o despacho da instrutora e as razões que fossem apresentadas, sempre poderia este ter adoptado uma diferente estratégia para a sua defesa, e que tivesse em consideração as razões invocadas para o indeferimento da realização das diligências probatórias requeridas.

Improcede por isso, esta questão suscitada pela recorrente.

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Quanto à pretensa inconstitucionalidade da norma do artigo 389º, nº 2 do CT por violação do princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, ínsitos no art. 18º da CRP:

Alega esta que a sanção prevista no preceito é excessiva, desproporcionada e que, através dela, o legislador veio, de forma enviesada, sancionar o empregador, que procede a um despedimento com justa causa. E mais argumenta que se consagra uma penalização para o empregador semelhante à do despedimento ilícito, pois o trabalhador acaba por obter uma indemnização.

Mas não tem razão.

Efectivamente, basta referir que os efeitos da irregularidade do procedimento a que se refere o nº 2 do artigo 389º são muito mais atenuados do que os que resultam dum despedimento ilícito, face às gravíssimas consequências que o nº 1 do mencionado preceito e o artigo 390º, ambos do CT, ligam à cessação ilícita do contrato de trabalho.

Na verdade, a indemnização no presente caso corresponde apenas a metade da que caberia ao trabalhador ilicitamente despedido (nº 2 do artigo 389º do CT, e que remete para o nº 1 do artigo 391º), para além de lhe não serem atribuídas as retribuições intercalares que são mencionadas no artigo 390º, nº1.

Por isso, não podemos aceitar que o legislador tenha sido excessivo nas consequências que associou à mera irregularidade do procedimento disciplinar, pois distinguiu notoriamente a situação quando confrontadas as suas consequências com as dum despedimento ilícito.

Diga-se ainda que também improcede a invocada violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13º da CRP, por pretensa desigualdade de armas do empregador perante o trabalhador.

Efectivamente, trata-se duma mera afirmação da recorrente que não contém qualquer suporte argumentativo.

Por outro lado, nunca podemos falar de qualquer tipo de desigualdade de armas, pois quem dá origem à irregularidade do procedimento é a recorrente, por não ter justificado por que razão não satisfez a pretensão de junção da conta corrente requerida pelo trabalhador na resposta à nota de culpa.

Assim sendo, e improcedendo também estas questões, resta-nos confirmar o acórdão recorrido.

    

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Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista.

Custas a cargo da recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão

Lisboa, 16 de Junho de 2016

Gonçalves Rocha 

Ana Luísa Geraldes

Ribeiro Cardoso

 

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[1] In “Cessação do Contrato de Trabalho”, Principia, 3.ª ed., pag. 223.

[2] Era essa a consequência que a legislação anterior associava à falta ou deficiência da instrução, quando se demonstrasse que daí havia resultado desrespeito do direito de defesa do trabalhador. Cfr. no CT/2003, o art. 430º nº 2 al. b), na LCCT, os art. 10º nº 5 e 12º nº 3 al. b).