Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
418/13.9TVCDV.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONDUTOR POR CONTA DE OUTREM
COMISSÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
VALOR DA CAUSA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA / INTERPOSIÇÃO E EXPEDIÇÃO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE PELO RISCO / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017- 4ª Edição, p.431;
- Alberto Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, p. 203;
- Álvaro Dias, Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Almedina, 2001, p. 272;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8.ª Edição, p. 640 ; Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9.ª Edição, p. 628;
- Pessoa Jorge, Ensaio, p. 48;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, 4.ª Edição, p. 501.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 662.º, N.º 1 E 674.º, N.ºS 1, ALÍNEA B) E 3.
CÓDIGO CIVIL (CP): - ARTIGOS 349.º, 503.º, N.º 3 E 566.º, N.º 3.
REGIME DO SISTEMA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL, APROVADO PELO DL N.º 291/2007, DE 21 DE AGOSTO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 16.01.1993, IN CJ/STJ, ANO I, TOMO III, P. 183;
- DE 21.10.1993, IN CJ. STJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 11.10.1994, IN CJ/STJ, ANO VII, TOMO II, P. 49;
- DE 12.01.1995, IN CJ. STJ, ANO III, TOMO I, P. 19;
- DE 05.06.1997, IN CJ, ANO IV, TOMO III, P. 892;
- DE 10.02.1998, IN CJ/STJ, ANO 1998, TOMO I, P. 65;
- DE 11.05.1998, PROCESSO N.º 98A1262;
- DE 07.10.2004, PROCESSO N.º 2970/04;
- DE 24.05.2007, PROCESSO N.º 07A1187, IN WWW.DGS.PT;
- DE 18.12.2008, PROCESSO N.º 2661/08;
- DE 05.11.2009, PROCESSO N.º 381/2009.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20.05.2010, PROCESSO N.º 103/2002.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07.10.2010, PROCESSO N.º 457.9TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28.10.2010, PROCESSO N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11.11.2010, PROCESSO N.º 270/04.5TBOFR.C1.S1;
- DE 15.11.2011, PROCESSO N.º 106/08;
- DE 06.12.2011, PROCESSO N.º 52/06.TBVNG.G1.S1;
- DE 10.10.2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10.10.2012, PROCESSO N.º 3008/09;
- DE 21.03.2013, PROCESSO N.º 565/10.9TBVL.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25.11.2014, PROCESSO N.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04.06.2015, PROCESSO N.º 1166/10.7BBVCD.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25.05.2017, PROCESSO N.º 868/10.2TBALR.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05.12.2017, PROCESSO N.º 1881/13.3TJVNF.G1.S1;
- DE 05.12.2017, PROCESSO N.º 1452/13.4TBAMT.P1.S1;
- DE 05.12.2017, PROCESSO N.º 505/15.9T8AVR.P1.S1;
- DE 07.12.2017, PROCESSO N.º 559/10.4TBVCT.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07.12.2017, PROCESSO N.º 1509/13.1TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07.12.2017, PROCESSO N.º 1509/13.1TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14.12.2017, PROCESSO N.º 589/13.4TBFLG.P1.S1.
Sumário :
I. Na apensação de ações, mantêm-se distintos os pedidos deduzidos pelos vários autores nas ações apensadas e permanece, para cada um deles, a utilidade económica das demandas, pelo que não se altera o valor do processo principal.

II. O Supremo Tribunal de Justiça, não obstante tratar-se de um  tribunal de revista, não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, nos casos em que está em causa averiguar se houve violação ou errada aplicação da lei processual ( art. 674º, nº1, al. b) do CPC) e/ou dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório ( art. 674º, nº 3 do CPC).

III. Não obstante o papel relevante da imediação na formação da convição do julgador e de essa  imediação estar mais presente no Tribunal da 1.ª Instância, daí  não se retira que a convição formada pelo julgador na 1ª instância deva, sem mais, prevalecer sobre o juízo probatório  formado pelo Tribunal da Relação  sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convição, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos  do Código Processo Civil, em ordem a verificar a ocorrência de erro de julgamento.

IV. As presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do Código Civil.

V. Face à competência alargada da Relação em sede de reapreciação da decisão de facto e em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, é de  admitir que o STJ  pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.

VI. A condução por conta de outrem, a que alude o art. 503º, nº 3 do Código Civil,  pressupõe a existência  de uma relação  de comissão, ou seja,  uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este.

VII. O dano biológico, para além de se apresentar como um dano real ou dano evento, é também um  “dano primário”, na medida em que, enquanto dano corporal lesivo da saúde física ou psíquica, está na origem de outros danos (danos-consequência), designadamente a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades  ou tarefas  para além  da atividade profissional habitual do lesado, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas.

VIII. Um défice funcional genérico permanente de 5%,  não deixa de  relevar enquanto  dano biológico, quando consubstanciado na  diminuição, em geral, da capacidade  profissional do lesado,  sendo passível de indemnização, pois pese embora não represente  uma incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, exige-lhe esforços suplementares  no desempenho das tarefas específicas da sua atividade profissional habitual.

IX. A indemnização deste dano biológico  não deve ser calculada com base no rendimento anual do autor  auferido no âmbito   da sua atividade profissional habitual na medida em que o sobredito  défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa actividade, envolvendo apenas esforços suplementares.

E também não deve ser fixada com  recurso  às  tabelas estabelecidas para efeitos de apresentação aos lesados de proposta razoável de indemnização, nos termos do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.08,  por estas se destinarem  a ser aplicadas na esfera extrajudicial, não sendo  lícita a sua sobreposição ao critério legal da equidade previsto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.

X. Correspondendo as limitações de mobilidade de que o autor  ficou afetado a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos percentuais, a partir da  consolidação das lesões em  11.03.2011, data em que o autor contava 32 anos de idade, e implicando este défice, para   além do acréscimo de esforço físico no desenvolvimento  da sua atividade de empresário agrícola que vinha então exercendo, uma inegável redução da sua capacidade económica geral, mormente para se dispor ao desempenho de outras atividades económicas concomitantes ou alternativas que, presumivelmente, ainda lhe pudessem surgir na área da sua formação profissional, ao longo da sua expetativa de vida de cerca de 44 anos, julgamos ser de manter a indemnização, no montante de € 26.381,91,  arbitrada ao autor no acórdão recorrido, que a pecar, só  peca por defeito.

XI.  Resultando dos factos provados que o autor, à data do acidente de viação, tinha 30 anos de idade e era uma pessoa saudável e cheio de vida e que, em consequência  do acidente, sofreu várias fracturas; esteve internado durante 14 dias, tendo  sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses;  teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais  com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%;  teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de ereção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar atividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação anti-álgica, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000,00.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


*

I – Relatório

1. Os  autores AA e mulher, BB, instauraram contra CC, S.A., a  ação nº  418/13.9TBCDV, pedindo a condenação da ré  a pagar-lhes  a quantia de 6.889,87€, a título de indemnização dos danos por eles sofridos em consequência do acidente e decorrentes da reparação do veículo e da sua paralisação, acrescida de juros à taxa legal de 4% a contar da citação até efetivo pagamento.

2. O autor DD, instaurou contra CC, S.A.,  a ação nº 419/13.9TBCDV, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe  a quantia de 373.825,17 €, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais  por ele sofridos em consequência do acidente, acrescida de juros à taxa de 4% a contar da citação até efetivo pagamento,  bem como no pagamento de todas as despesas com consultas médicas, tratamentos, intervenções cirúrgicas e cuidados médicos futuros que vier a necessitar para tratamento e recuperação das lesões sofridas em consequência do acidente, nas partes que não forem comparticipadas pelo Estado.

3. Como fundamento destes pedidos, alegaram os autores que, no dia 28 de Dezembro de 2008, pelas 11h00m, na Estrada Florestal de ..., ocorreu um acidente de viação  entre o motociclo, moto quatro, de matrícula ...-BC-...2, conduzido pelo autor DD e propriedade dos autores AA e BB, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-JE, conduzido por EE, e seguro na ré. O acidente consistiu num choque entre o BC e o reboque do JE, que circulavam em sentidos opostos e ficou a dever-se a culpa exclusiva do  condutor do veículo ...-JE, por ter invadido a faixa de rodagem por onde circulava o veículo conduzido pelo autor DD.

4. A ré contestou ambas as ações, impugnando a descrição do acidente efectuada pelos autores e imputando a responsabilidade pela produção do mesmo ao autor DD, por circular em excesso de velocidade.

5. Apensadas estas ações, foi proferido despacho saneador e foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova.

6. Realizada a audiência de  discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes as duas ações.

7. Inconformados com esta decisão, os autores dela apelaram  para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão proferido  em 28.09.2017,  julgou o recurso parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, condenou a ré a pagar:

a) ao autor DD, a indemnização de 34.172,91€ a título de danos patrimoniais, e 50.000€ a título de danos não patrimoniais.

b) e aos outros autores, a indemnização de 5.389,87€.

c) juros de 4% ao ano, vencidos sobre cada uma das referidas quantias 34.172,91€ e 5389,87€ desde a data da citação, e  vencidos  sobre a quantia de  50.000€  desde a data desta sentença, acrescendo  juros  vincendos até integral pagamento.

8. Inconformada com este acórdão, a  ré seguradora dele interpôs  recurso de revista para o  Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso  com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«1- Ao Supremo Tribunal de Justiça não está vedada a apreciação da legalidade do apuramento dos factos e, consequentemente, se for caso disso, a emissão de um juízo de censura, sobre a existência de algum obstáculo legal à convicção que no Tribunal da Relação se formou.

2 - O STJ como Tribunal de Revista só pode proceder à análise da matéria de facto nas hipóteses contidas nos artigos 674° n° 3, e 682° n°s 2 e 3 do CPC, ou seja só pode usar os seus poderes censórios desde que esses erros estejam plasmados nos autos.

3 - Erro evidenciado no douto Acórdão, ora recorrido, que estriba a revogação da Sentença absolutória, no desvalor que atribui, de forma escrita e expressa, da prova testemunhal produzida em audiência, aconchegando-se, em alternativa, na utilização de presunção judicial de culpa, para concluir pela condenação da Ré.

4 - O Tribunal da Relação de Lisboa, partindo do dado objectivo - expresso e escrito a fls. 8 do Acórdão - de que : "Sobre a velocidade do BC e a parte da estrada por onde seguia, apenas se pronunciaram o autor DD e o condutor do JE. Ninguém mais viu o acidente e por isso ninguém mais podia saber algo sobre isto.", formula o seguinte juízo: " Os condutores do BC e do JE não merecem nenhuma credibilidade quanto a factos favoráveis às teses dos autores e da ré, respectivamente. Naturalmente o autor está interessado na procedência da acção e o condutor do JE está interessado em não ficar moralmente responsável pelas lesões sofridas pelo autor DD, quer aos olhos dos autores - que conhece pessoalmente - quer aos seus próprios. Ambos naturalmente atiram a culpa para o outro. Assim, na parte favorável às teses respectivas, apenas têm valor se corroborados por outros meios de prova.

5 - Na apreciação da prova cometida às diversas instâncias judiciais, relativamente aos depoimentos prestados em audiência, prevalecem os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.

6 - Tendo sido apresentados, o autor para declarações de parte (art° 466° do CPC) e o condutor do JE como  testemunha (art° 498° n° 1 do CPC), é lícito e, até exigível, que o Tribunal no âmbito do princípio da sua livre apreciação, em concreto, valorize uma em detrimento de outra, até nem confira credibilidade a nenhuma, baseada no conteúdo da oralidade produzida.

7 - O STJ tem como imperativo legal, conhecer do Juízo formulado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, quanto à matéria de facto, já que este, deu como provados factos, sem, ou a produção de prova indispensável para demonstrar a sua existência ou, em desrespeito por normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico, maxime, a prova testemunhal.

8 - A lei oferece solução para os casos em que é compreensível a dificuldade e dúvida do julgador, colocado perante duas teses divergentes quanto à "culpa", determinando o n° 2 do art° 506° do C.Civil : "Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores".

9 - O bom uso do processo judicial não pode, arbitrária e previamente desconsiderar prova testemunhal, substituindo-a pelo recurso ao uso de presunções naturais ou judiciais.

10 - " Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte" (Ana Luísa Geraldes," Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto" in Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I pág. 609.

11 - "O Supremo não faz censura da convicção formada pelas instâncias quanto à prova, limita-se a reconhecer e a declarar a existência de obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado" (Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, 3a ed. vol. III, pág. 278).

12 - O erro na apreciação das provas e fixação dos factos materiais da causa não pode, em princípio, ser sindicado pelo STJ; apenas o poderá ser se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força a determinado meio de prova. E especificamente no que ao uso de presunções judiciais concerne o Supremo poderá censurar a decisão da Relação, quando o uso de presunções tiver conduzido à violação de normas legais, isto é, decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso de tais presunções." Ac de 22-05-2012, CJSTJ, Tomo III, pág. 90.

13 - O Acórdão recorrido, desconsidera a presunção legal  constante do normativo  do nº 3 do art. 503º do CPC.

14 - A factualidade provada nos pontos 54, 19 e 20 teria necessariamente, de implicar por parte do condutor do veículo BC, a prova de que “ não houve culpa da sua parte”, nos termos do nº 3 do art. 503 do C. C.

15 - O  Acórdão  recorrido, ao alterar para: provada a factualidade dada como não provada e como não  provada a que vinha da 1ª instância, desconsiderando a prova testemunhal e substituindo essa prova, utilizando, para tanto, presunções judiciais, violou o art. 351 do C. Civil. E ao não considerar a presunção legal constante do nº3 do art. 503º do C.C., violou os arts 349 e 350º do C. C.

16 - Em defesa e aplicação dos princípios  da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, se requer seja revogado o Douto Acórdão recorrido, por violação  das regras legais na apreciação da prova, designadamente a desconsideração da prova testemunhal produzida, substituindo-a pela aplicação de presunção judicial.

17 - Do elenco dos factos, ressalta, desde logo, que  não se provaram quaisquer danos patrimoniais, porquanto  a incapacidade parcial, não tem qualquer rebate profissional como expressamente é referido  nos pontos 123 e 124 - O autor  ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos que, em termos de repercussão permanente da actividade profissional, é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares”.

18 - Assim a decisão sufragada no douto Acórdão recorrido de “ Condenar a Ré a pagar ao Autor  DD a indemnização de 34.172,91 € a título de danos patrimoniais assenta em pressuposto não verificado, já que, mesmo ponderada a incapacidade nada nos autos faz inculcar a ideia de que o A. em virtude da incapacidade esteja afectado numa diminuição da capacidade de ganho.

19 - Dos factos provados nada resulta em favor do entendimento de que o lesado sofreu, directa ou indirectamente qualquer incapacidade que lhe diminua ou incapacite o exercício da sua actividade no presente ou no futuro, podendo e estando na realidade o mesmo a exercer a sua profissão na plenitude das suas funções, não estando a sua capacidade afectada.

20 - Deveria ter sido arbitrada indemnização única e exclusivamente a título de dano não patrimonial. E quanto a este segmento indemnizatório o valor encontrado excede também largamente o que se exigiria de um julgamento equitativo e proporcional.   

21 - Os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização.

22 - O recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judiciais relativas a casos semelhantes, transitados em julgado, sem prejuízo das especialidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do Tribunal.

23 - Tendo em conta a sempre desejável igualdade de julgados, a indemnização fixada pelo Tribunal “a quo” ao arbitrar a quantia de 34.172,91€ a título de danos patrimoniais e 50.000,00€ a título de danos não patrimoniais mostra-se verdadeiramente excessiva em face da matéria provada, pugnando-se para que este valor seja reduzido, alterando-se para valor global que contemple uniformemente o dano não patrimonial também na sua vertente de Dano biológico em quantia não superior a 20.000,006.

Pelo exposto, deve a matéria de facto vinda da Ia Instância ser mantida, revogando-se o Acórdão Recorrido e, em consequência, confirmar a absolvição da R. do pedido. Todavia, caso assim não se entenda,

Deve o douto Acórdão ser revogado e substituído por outra que reduza os montantes indemnizatórios, alterando-se estes, para valor global que contemple uniformemente o dano não patrimonial também na sua vertente de Dano biológico em quantia não superior a 20.000,00€.

COMO É DE DIREITO E INTEIRA JUSTIÇA».

9.  Os autores contra alegaram, concluindo nos seguintes termos:

« Questão Prévia:

a) No dia 03.12.2013, os A.A. AA e BB intentaram contra a Ré FF, S.A., a ação de processo comum que foi distribuída sob o nº 418/13.9TBCDV no extinto Tribunal Judicial da Comarca do ..., e, após a extinção daquele Tribunal, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de 6.889,87 €.

b) Subsequentemente, o A. DD propôs contra a Ré FF, S.A. a ação de processo comum que foi distribuída sob o nº 419/13.9TBCDV, no extinto Tribunal Judicial do ..., e após a extinção daquele Tribunal, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 373.825,17 €.

c) Por douto despacho de 12.03.2014, foi ordenada a apensação à ação de processo comum 418/13.9TBCDV da ação de processo comum 419/13.9TBCDV.

d) A Ré foi condenada a pagar aos A.A. AA e BB a quantia de 5.389,87 €, acrescida de juros à taxa de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento.

e) O recurso interposto pela Ré visa, declaradamente, esse segmento da decisão, sendo óbvia a pretensão da Recorrente de ser absolvida da condenação.

f) O recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça da douta sentença recorrida na parte em que condenou os A.A. AA e BB é inadmissível, porquanto a ação de processo comum 418/13.9TBCDV tem o valor de 6.889,87 €, valor que é inferior à alçada do Tribunal da Relação, e o douto Acórdão da Relação de Lisboa impugnado é desfavorável à Ré recorrente no valor de 5.389,87 €, em valor muito inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação, ex vi do disposto no nº 1 do art.º 629º do C.P.C., a contrario.

g) A ação de processo comum instaurada pelos A.A. AA e BB contra a Ré FF, S.A. é a ação principal e a ação apensa, 418/13.9TBCDV-A (antes 419/13.9TBCDV) é autónoma.

h) A ação 418/13.9TBCDV tem o valor de 6.889,87 €, sendo que, quando a mesma foi proposta, e atualmente se mantém, a alçada da 2.ª instância é no valor de 30.000,00 € (artigo 24.º, n.º 1, da LOTTJ), pelo que, no que à ação 418/13.9TBCDV concerne, não é admissível a impugnação por via de recurso (artigo 629º nº 1 do C.P.C.).

i) O recurso interposto pela Ré do douto Acórdão da Relação de Lisboa de 28.09.2017 não pode abranger a parte referente à ação de processo comum nº 418/13.9TBCDV, pelo que os A.A. requerem que se profira decisão que indefira, por não ser admissível, o recurso interposto do douto Acórdão da Relação de Lisboa de 28.09.2017 no segmento que se refere à ação de processo comum nº 418/13.9TBCDV e que condenou a Ré a pagar aos A.A. AA e BB a quantia de 5.389,87 € acrescida de juros à taxa legal.

Ia Questão: Decidir se o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa podia ter procedido à alteração da decisão sobre a matéria de facto e se efetuou a alteração em consonância com o disposto no art. 662° do C.P.C. ou se ocorre qualquer das hipóteses contidas nos art.°s  674° n° 3 e 682° n°s 2 e 3 ambos do C.P.C..

j) A alteração levada a cabo pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não merece censura, pois foi proferida nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 662º do C.P.C., não competindo ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar a convicção própria que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa formou sobre os factos impugnados pelos A.A. em sede de recurso de apelação, ao abrigo do disposto naquele preceito legal.

k) Não compete ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar se foi corretamente apreciada pelo Venerando Tribunal da Relação a credibilidade do depoimento prestado pelo condutor do JE e a credibilidade das declarações de parte prestadas pelo A. DD, sendo prova de livre apreciação pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. O invocado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais não pode ser objeto de recurso de revista, por não se tratar de prova tarifada.

l) O método discursivo de raciocínio utilizado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa permite ao Supremo Tribunal de Justiça verificar que a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto levada a cabo pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa foi efetuada em consonância com o disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 662º do C.P.C., conforme consta da douta fundamentação acima transcrita.

m) A decisão sobre a matéria de facto levada a cabo pelo douto Acórdão recorrido baseada em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador é insindicável pelo STJ, nada tendo sido alegado que justifique a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na correcção de qualquer erro cometido na sua apreciação e fixação (nesse sentido decidiu o douto Ac. STJ, de 27.10.2015, Proc. 123/07: Sumários, 2015, p. 585).

n) O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa procedeu à alteração da decisão sobre a matéria de facto em consonância com o disposto no art.º 662º do C.P.C., não ocorrendo qualquer das hipóteses contidas nos art.ºs 674º nº 3 e 682º nºs 2 e 3 ambos do C.P.C., pelo que a alteração levada a cabo pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não merece censura pelo Supremo Tribunal de Justiça.

o) Pelo que devem considerar-se definitivamente fixados os factos fixados pelo douto acórdão recorrido (factos 1 a 21 páginas 15 e 16 do douto acórdão recorrido e factos 45 a 149 e 166 vindos da petição inicial do A. DD com as alterações introduzidas nos factos 57, 120, 123 e 124 os factos 47 a 60 vindos da petição inicial dos A.A. AA e BB Duarte e os factos 35, 36 e 37 vindos da contestação da Ré, páginas 24 a 30 do douto acórdão recorrido).

p) Mais devem julgar prejudicadas todas as questões baseadas noutra versão fatual que a Ré pretende que seja decidida.

2ª Questão: Decidir se a condução que o A. DD fazia do motociclo, moto quatro, de matrícula ...-BC-... no momento em que ocorreu o acidente era uma condução de condutor/comissário, por conta dos proprietários do BC, para efeitos de se aplicar a presunção a que alude o nº 3 do art.º 503º do C. C..

q) Não existe qualquer presunção de culpa do A. DD condutor do veículo ...-BC-..., porquanto o A. tinha pedido o veículo ...-BC-... emprestado aos seus pais e no dia e no momento do acidente, o A. DD conduzia o veículo BC no seu interesse e proveito exclusivos na atividade agrícola que o A. DD desenvolvia como empresário agrícola em nome individual, dirigindo o veículo ...-BC-... para um prédio que o A. DD pretendia arrendar por sua conta. O A. DD conduzia o veículo BC, que lhe tinha sido emprestado pelos pais, os proprietários do BC.

r) A condução que o A. DD efetuava do veículo ...-BC-... não era efetuada no interesse e sob a direção dos seus pais, proprietários do BC, não podendo considerar-se condução interessada por conta dos proprietários do BC, seus pais.

s) Não existe qualquer relação de comissão entre o A. DD e os proprietários do veículo BC, pois o A. DD não conduzia o BC cumprindo ordens, e, também, não obedecia a instruções dos proprietários do veículo BC, ficando afastada a presunção constante do nº 3 do art.º 503º do Cód. Civil.

t) A Ré não alegou, nem provou factos que tipificariam uma relação de comissão, sendo esta uma relação de alguém que actua por conta de outrem, sob a sua direcção, estando dele dependente, o que não é o caso apenas por o veículo ter sido emprestado ao condutor, pelo que é inaplicável no caso dos autos o disposto no nº 3 do artigo 503º do C.P.C.

u) O douto acórdão recorrido decidiu com acerto e plena observância da Lei ao decidir que a condução que o A. DD fazia do BC autorizada pelos proprietários não constitui uma relação de comissão e ao considerar inaplicável ao caso dos autos a presunção legal constante do nº 3 do art.º 503º do C.P.C..

3ª Questão: Decidir se o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa podia ter atribuído culpa pela produção do acidente ao condutor do JE, por presunção judicial (art.º 351º do Cód. Civil), por ter violado regras de direito estradal, não tendo a Ré logrado demonstrar a existência uma situação de força maior justificativa de tal condenação.

v) A responsabilidade pela produção do acidente deve ser imputada ao condutor do JE, veículo segurado na Ré por circular na via pública a ocupar a hemifaixa de rodagem do lado esquerdo destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário, por onde circulava o veículo BC, por circular sem atenção à circulação da via, distraído a olhar para o espelho retrovisor lateral direito para controlar a corrida dos cães que seguiam num eucaliptal paralelo ao lado direito da estrada, atento o sentido do JE, de forma a treiná-los, estando atento a esse treino.

w) Na génese do acidente a que se reportam os autos está o comportamento do condutor do JE, por conduzir a ocupar a hemifaixa de rodagem do lado esquerdo destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário, por onde circulava o veículo BC, por vir a conduzir na via pública distraído a treinar cães, com o auxílio do veículo que conduzia e por conduzir sem atenção à circulação na via, comportamentos esses violadores das regras de direito estradal prescritas nos art.ºs 11º nº 2, 13º nº 1 e 18º nº 2, todos do Cód. Estrada.

x) Essas contraordenações foram praticadas pelo condutor do JE de forma culposa, pelo que a culpa na produção do acidente tem de ser exclusivamente imputada ao condutor do JE, segurado na Ré, uma vez que a Ré não alegou nem provou a ocorrência de facto de força maior a justificar tal circulação na via pelo condutor do JE.

y) Como decidiu o douto acórdão recorrido: Provou-se que o BC se teve que desviar para a berma, passando em parte a circular pelo combro e mesmo assim o embate veio a dar-se; e deu-se precisamente na mão de trânsito do BC, pelo que se o atrelado do JE aí não estivesse não se teria dado o embate; o que tudo representa necessariamente um impedimento à circulação do BC pela sua mão de trânsito. E sendo isto assim, é irrelevante que os veículos se tenham cruzado sem embater, pois, que o que interessa é que o BC e o atrelado do JE vieram a embater e o embate se deu na mão de trânsito do BC, embora não se saiba como.

z) Como decidiu o douto acórdão recorrido: o embate deu-se entre dois veículos, entendido o JE como incluindo o atrelado que trazia consigo; ao condutor do BC não pode ser imputada a violação de qualquer regra estradal. Ao condutor do JE, pelo contrário, pode ser imputada uma violação particularmente grave ao art. 13/1 do CE; pois que conduzia, numa estrada com 5,80m de largura, a ocupar, sem que nada o justificasse, parte da mão de trânsito contrária, para mais quando se estava a aproximar de uma lomba que impedia a visibilidade do trânsito que viesse em sentido contrário e estava - atento ao treino dos seus cães que corriam atrás do carro, treino que estava a fazer com o JE. É difícil de imaginar uma violação mais grave do que esta à regra estradal em causa (art. 13/1 do CE na redacção em vigor à data), tanto mais que a ela ainda se pode juntar, como sugere o autor agora no recurso, a violação do art. 11/2 do CE: Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer actos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança, ou seja, acrescenta-se, no caso, o treino dos cães.

aa) Como decidiu o douto acórdão recorrido. Ora, há muito que se entende que, dando-se um embate entre dois veículos quando um deles está em transgressão de uma norma de cuidado rodoviário destinada precisamente a evitar riscos como os verificados (no caso, destinada a evitar embates com veículos que circulem pela mão de trânsito ocupada), a culpa se presume do condutor deste, tal como se presume que os danos que se venham a verificar foram provocados por tal actuação ilícita e culposa.

ab) A atribuição da culpa do condutor do JE por presunção judicial (art.º 351º do Cód. Civil) foi efetuada pelo douto acórdão recorrido, com acerto e plena observância da lei, o que se retira, aliás, do método discursivo de raciocínio do douto acórdão recorrido, que permite concluir que o critério de utilização da presunção judicial se mostra respeitado, pois, no caso concreto, era permitido o uso de presunção judicial.

ac) Pelo que, também, deve ser julgada improcedente esta questão suscitada
pela Ré.

4ª Questão : Decidir se o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu com acerto ao arbitrar ao A. DD indemnização a título de danos patrimoniais e ao considerar que o défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 5% compatível com o exercício da atividade profissional habitual, mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver é causa de danos patrimoniais futuros indemnizáveis, nos termos dos art.ºs 562º e seguintes do Cód. Civil, maxime dos art.ºs 564º e 566º ambos do C.P.C.. E, ainda, decidir se o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu com acerto ao arbitrar indemnização de 34.172,91 € a título de danos patrimoniais e ao arbitrar indemnização de 50.000,00 € a título de danos não patrimoniais.

ad) A jurisprudência vem afirmando a ressarcibilidade da perda de
capacidade profissional quando não se verifica alteração da remuneração
qualificando-a de dano patrimonial.

ae) Quando resulta da lesão uma perda de capacidade profissional, total ou num determinado grau, esta sempre a implicar necessária penosidade, se a perda abrange toda e qualquer atividade - incapacidade geral - não há dúvida quanto à ressarcibilidade patrimonial; de igual modo se a perda abrange a atividade exercida.

af) A natureza patrimonial do dano parece evidente no caso dos autos, pois o A. lesado passou a sofrer uma incapacidade física (incapacidade permanente)que o leva a realizar com maior esforço a maior parte das tarefas inerentes à sua actividade de empresário agrícola.

ag) Isso significa que, sem esse esforço acrescido, o A. realizaria a tarefa em tempo superior. O custo da sua capacidade produtiva não é menor, porque esse esforço suplementar é realizado. Ora esse esforço, se não houvesse diminuição física, não seria necessário, tal esforço corresponde a uma perda patrimonial real.

ah) Para evidenciar a existência dessa perda patrimonial, no caso do A. DD, o A. realiza essas tarefas em tempo acrescido, com perda patrimonial, pois o custo de produção do seu fator de trabalho é superior e implica a redução de proveitos. O custo derivado desse acréscimo de tempo na prestação laboral é suportado pelo A. empresário agrícola.

ai) Constitui perda patrimonial o agravamento do esforço do A., que se impõe para que este continue a realizar as suas tarefas com produtividade igual à que se verificava antes do acidente e ainda, que na maior parte dos casos despende tempo superior para as executar com o prejuízo correspondente.

aj) O A. DD sofre uma redução de produtividade e sofre, também, uma redução real porque a penosidade do trabalho é maior e, por conseguinte, o A. DD tem de trabalhar mais e trabalhar com mais esforço, para ter igual produtividade.

ak) Não existe duplicação de indemnização, pois a indemnização a atribuir a título de danos não patrimoniais não é a indemnização devida pelo custo do esforço que se impõe ao A. para manter o mesmo nível de produtividade; a indemnização que o A. tem direito a título de danos não patrimoniais é a que resulta do desgosto, da dor, do desespero em que uma pessoa se vê por estar para sempre diminuída fisicamente, suportando dores e incómodos com as lesões que permanecem, pois conforme resulta dos factos provados o autor tem dores na zona indicada em 79, sendo de prever o aparecimento de alterações degenerativas porque é a zona onde tem mais mobilidade na coluna lombar e sacro ilíaca.

al) O A. sofre ainda as dores e as limitações que constam dos factos considerados provados com os nºs 81, 84 e 85.

am) Dores, limitações e sequelas que com o decorrer do tempo tendem a agravar (artigo 496.º do Código Civil).

an) Sendo certo que ficou provado que, antes do acidente, o autor era um rapaz saudável e cheio de vida, que fazia a sua vida normal, executava as tarefas várias inerentes à actividade agrícola que desenvolvia. E, ficou, ainda, provado que conseguia executar as tarefas da sua actividade agrícola, bem como conduzia o tractor e conduzia a máquina giratória, sem as limitações e sequelas consideradas provadas.

ao) Como consta da douta fundamentação do douto acórdão recorrido:

Segundo o art. 496/1 do CC, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. E o nº4 acrescenta: O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º- [...].

O art. 494 fala no grau de culpabilidade do agente, na situação económica deste e do lesado e nas demais circunstâncias do caso.

O autor ficou com um défice funcional permanente da integridade física de 5%. Trata-se, como é evidente, de um dano sofrido pelo autor que tem outras consequências (não patrimoniais) para além da repercussão patrimonial já referida.

O autor também sofreu dores, durante o período de incapacidade temporária, quantificáveis no grau 4 (numa escala de 7 graus [de gravidade crescente]).

Ficou ainda com dificuldades de erecção em manter um relacionamento sexual com a sua companheira (tendo, no entanto, tido, entretanto - pouco mais de 2 anos e 2 meses depois do acidente - uma filha).

E teve ainda aquilo a que se pode chamar de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer (pontos de facto 126, 127 e 128).

Estes quatro danos não dão origem a quatro valores indemnizatórios autónomos, como quer o autor; são, sim, quatro factores a entrar em linha de conta para o cálculo da indemnização global por danos não patrimoniais. E são apenas quatro factores entre muitos outros que o autor referiu em termos de facto, mas não em termos indemnizatórios, o que não impede a sua consideração, antes pelo contrário, já que o que se trata é de calcular o valor de danos não patrimoniais, segundo regras de direito, de conhecimento do juiz.

Entre os outros factores a ter em conta está, por exemplo, o período total de incapacidade absoluta e parcial desde o dia do acidente 28/12/2008 - e a data da consolidação das lesões - 11/03/2011. Foram cerca de 2 anos e 2 meses de períodos de gravidade decrescente de incapacidade: os primeiros cerca de 15 dias de incapacidade absoluta, depois cerca de 2 meses e 10 dias de incapacidade com necessidade de “ajuda de terceira pessoa e depois mais cerca de 6 meses de incapacidade com necessidade de esforços acrescidos. Este período de falta de capacidade e de autonomia, de graus variáveis - principalmente grave nos primeiros 9 meses -, é também um dano não patrimonial.

Ainda: sofreu várias fracturas, esteve internado por 14 dias, foi submetido a  diversas intervenções e tratamentos médicos e outros durante mais de 4 meses, perdeu um ano escolar e tomou medicação anti-álgica e continua a precisar dela em algumas ocasiões.

Tudo isto é valorado, na data actual, em 50.000€, tendo em conta valores atribuídos em casos semelhantes, como, por exemplo, no ac. deste mesmo colectivo de juízes, proferido a 14/09/2017, no proc. 427/13.8TBCDV que, para um caso um pouco menos grave confirmou o valor de 35.000 € atribuído pelo tribunal recorrido, e invocou o ac. do STJ de 07/04/2016, proc. 237/13.2TCGMR.G1.Sl, que fixou, para um  caso  de  mais  ou  menos  da  mesma  gravidade  que  o  destes  autos,  uma compensação, a título de danos não patrimoniais, também desse valor de 50.000€:

ap) Com base nos factos que considerou provados, o douto acórdão recorrido decidiu com acerto e plena observância da lei, conforme consta da douta fundamentação que supra se transcreveu, condenar a Ré a pagar:

Ao autor DD, a indemnização de 34.172,91 € a título de danos patrimoniais, e 50,000 € a título de danos não patrimoniais.

E aos autores AA e BB a indemnização de 5.389,87€, acrescidas de juros de 4% ao ano, vencidos desde a citação, excepto quanto aos 50.000€ que vence juros desde a data da sentença e vincendos, até integral pagamento,

aq) O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu com acerto e plena observância da lei ao arbitrar ao A. DD indemnização a título de danos patrimoniais e ao considerar que o défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 5% compatível com o exercício da atividade profissional habitual, mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver é causa de danos patrimoniais futuros indemnizáveis, nos termos dos art.ºs 562º e seguintes do Cód. Civil, maxime dos art.ºs 564º e 566º ambos do C.P.C..

ar) O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu com acerto e plena observância da lei ao arbitrar ao A. DD indemnização de 34.172,91 € a título de danos patrimoniais e ao arbitrar ao A. DD indemnização de 50.000,00 € a título de danos não patrimoniais.

as) Devendo julgar-se improcedente a quarta questão suscitada pela Recorrente, e, consequentemente, negar-se provimento ao recurso de revista interposto pela Recorrente, mantendo-se in totum o douto Acórdão recorrido».

 

10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.        


***

II - Questão prévia

Nas suas contra alegações, suscitam  os autores/recorridos a questão prévia da inadmissibilidade do recurso interposto pela ré seguradora no que respeita à ação de processo comum 418/13.9TBCDV, nos termos do disposto no art. 629º, nº 1, a contrario, do CPC, quer por o seu valor, fixado  em   6.889,87 €, ser inferior à alçada do Tribunal da Relação, quer por o  acórdão recorrido  ser  desfavorável à ré recorrente  em 5.389,87 € e, por isso, em valor muito inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação, sendo que a circunstância de lhe ter sido apensada a ação de processo comum nº  418/13.9TBCDV-A ( antes 419/13.9TBCDV), com o valor de  € 373.825,17, em nada altera  o valor daquela ação nº  418/13.9TBCDV.


*

Nesta matéria dispõe o art. 267º, nº 1 do CPC. que « Se forem propostas separadamente ações que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, a oposição  ou da reconvenção, pudessem  ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a requerimento  de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo  ou outra razão especial  torne inconveniente a apensação».

De realçar, contudo, tal como ensina o Prof. Alberto Reis, que «a simples apensação de acções não opera a sua integração numa única, mantendo cada uma delas a sua individualidade própria, uma vez que a apensação é ditada por razões de economia processual e, acima de tudo, em ordem a evitar contradições»[1].

Dito de outro modo, a junção dos processos encontra o seu fundamento na conexão existente entre eles, tendo como objetivos a economia de atividade processual e a coerência ou a uniformidade de julgamento, por forma a evitar que as causas que versam sobre questões idênticas ou conexas sejam objeto de julgamentos díspares.

Significa isto que, na apensação de ações, mantêm-se distintos os pedidos deduzidos pelos vários autores nas ações apensadas e permanece, para cada um deles, a utilidade económica das demandas, pelo que não se altera o valor do processo principal.
E porque assim é,  dúvidas não restam que, atendendo ao valor da causa na ação 418/13.9TBCDV -  € 6.889,87- , do acórdão recorrido não cabe revista nos termos gerais do disposto no n.º 1 do artigo 629.º do CPC, uma vez que esse valor não excede o valor da alçada da Relação em vigor à data da propositura da ação e que é de € 30.000,00, nos termos do art. 24º, nº1 da Lei nº 3/99, de 13.01, na redação do art. 5º do DL nº 303/2007, de 24.08.

Daí que, julgando procedente a questão prévia suscitada pelos recorridos, se decida não conhecer do objeto do recurso interposto pela ré seguradora no que respeita  à ação  nº 418/13.9TBCDV.


***


III. Delimitação do objecto do recurso

Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões  que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[2].

Assim, a esta luz,  as questões  a decidir consistem em saber se:

1ª- o Tribunal da Relação fez uso incorreto dos seus poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto no que respeita aos  pontos 21, 22 e 23 dos factos dados como  provados  na sentença do Tribunal de 1ª Instância;

2ª- o acidente dos autos ficou a dever-se a culpa presumida do condutor do motociclo de matrícula  ...- BC-...; 

3ª- há lugar à atribuição ao autor DD de indemnização pelo dano decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos percentuais;   

4ª- é equitativo o montante da indemnização fixada a título  dos danos não patrimoniais    


***


IV. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto

O acórdão recorrido  considerou  provados os seguintes factos:

1. No dia 28/12/2008, pelas 11h, na ..., distrito de Lisboa, ocorreu um embate entre o motociclo, moto quatro, de   matrícula ...-BC-... (= BC) e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-JE (= JE).

2. À data do acidente, o BC era conduzido pelo autor DD, e era e continua a ser propriedade dos pais do autor, também autores.

3. O JE era conduzido e era propriedade de EE.

4. No momento imediatamente anterior ao acidente, o BC circulava por aquela estrada florestal no sentido ... => aterro sanitário, enquanto o JE circulava em sentido inverso, trazendo acoplado um reboque para transporte de cães, que é mais estreito que JE.

5. No local onde o acidente ocorreu, a estrada tem uma largura de 5,30m e é em terra batida; no dia em que ocorreu o acidente o tempo estava bom e não chovia.

6. No sentido aterro sanitário => ... a estrada desenvolve-se em recta em mais de 300m de extensão, com duas ligeiras curvas, uma para a esquerda e outra para a direita.

7. Curvas que permitem a visibilidade aos condutores que nela circulam.

8. A anteceder o local do acidente existe uma lomba, cujo grau de inclinação retira a visibilidade aos condutores que circulam em ambos os sentidos de trânsito.

9. Os condutores dos veículos que circulam naquela estrada, antes da lomba, não conseguem avistar o trânsito que circula para além da lomba, quer no mesmo sentido, quer em sentido contrário.

10. Em momento anterior ao embate, o condutor do JE tinha colocado os cães a correr num eucaliptal paralelo ao lado direito da estrada atento o seu sentido de marcha, de forma a treiná-los, estando atento a esse treino.

11. O condutor do JE circulava a ocupar parcialmente a hemi faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava no sentido ... => Aterro Sanitário, por onde circulava o BC.

12. Quando o autor, condutor do BC, acabou de descrever a lomba, deparou-se com o JE.

13. O autor desviou o BC para a berma/combro do lado direito, atento o seu sentido de marcha, deixando impressas no combro as marcas dos pneus dianteiro e traseiro do lado direito do BC (assinaladas no croqui com a letra J) e não se pôde desviar mais para a direita devido à existência desse combro (que no croqui é assinalado com a letra I).

14. O BC passou pelo JE, cruzando ambas as laterais esquerdas dos veículos, sem qualquer colisão entre ambos.

15. O embate deu-se entre a parte lateral esquerda do reboque do JE e parte lateral esquerda do BC.

16. Em consequência do embate, o autor foi projectado, tendo ficado prostrado no chão, na hemi faixa de rodagem do lado direito, atento o sentido de marcha ... => aterro sanitário.

17. O local do embate situa-se na hemi faixa de rodagem do lado direito, atento o sentido de marcha do BC.

18. Quando os militares da GNR, que tomaram conta da ocorrência, chegaram ao local, o autor já não se encontrava no local, tendo sido transportado para o CHON – Centro Hospitalar do Oeste Norte (...), onde foi atendido no serviço de urgência.

19. Quando a ambulância chegou ao local, foi dada indicação à pessoa que ali se encontrava para retirar o BC do local para permitir a assistência e o transporte do autor – o que aquela fez.

20. O JE e o BC foram retirados do local para permitir a assistência ao condutor do BC.

21. Foi o condutor do JE que indicou aos militares da GNR que tomaram conta da ocorrência o local assinalado com a letra E no croquis, como sendo o local de embate – isto é, como tendo ocorrido na hemi faixa de rodagem do lado direito, atento o sentido de marcha ... => aterro sanitário, a cerca de 1,90 m da berma do lado direito.

22. O condutor do JE conhecia as características da via por onde transitava.

21. O BC destina-se ao desenvolvimento da actividade agrícola dos autores e na ocasião era conduzido pelo autor DD, com o conhecimento dos autores [AA e BB].

45. O proprietário do JE transferiu para a GG, SA, SA, a sua [eventual] responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, por intermédio da Apólice nº ...; a ré incorporou, por fusão, a IBCS-SA.

46. A ré efectuou peritagem ao BC em 16/01/2009, e, posteriormente, comunicou ao autor que assumia a responsabilidade pela produção do sinistro na proporção de 50%, o que o autor não aceitou.

47. Em consequência directa e necessária do acidente, o autor foi assistido no local do acidente pelos Bombeiros Voluntários de ..., que lhe prestaram os primeiros socorros, e, posteriormente, foi transportado para o CHON.

48. No CHON o autor foi assistido no banco, tendo efectuado diversos raios X e outros meios auxiliares de diagnóstico, tendo-lhe sido diagnosticado, o seguinte: fractura de D12 e L5; fractura de 1/3 externo da clavícula direita.

49. O autor foi transferido para o HSM, onde deu entrada, pelas 14h59m, do dia 28/12/2008, tendo realizado TAC da coluna dorsal e lombar e ecografia abdominal superior, nos quais despendeu 40,10 €.

50. Foi-lhe diagnosticado fractura de D12 e L5, no contexto de lise 5 prévia, com colapso da T12 e fractura da clavícula (1/3 distal) à direita.

51. O autor foi de novo transferido para o CHON onde ficou internado desde 28/12/2008 a 10/01/2009.

52 e 145. Durante o internamento, no dia 07/01/2009, o autor foi transportado a Lisboa de ambulância para aquisição de um colete de jewett, dorso lombar, necessário para a sua reabilitação, que lhe custou 194,48€, e iniciou o levante com aplicação do colete e efectuou tratamento conservador com o colete durante três meses, nas posições de deitado e de sentado, com indicação de que não podia efectuar esforços.

53. No dia 10/01/2009, o autor teve alta do CHON, com indicação de regresso a casa e de efectuar tratamentos de consolidação com o colete durante três meses, e foi-lhe marcada consulta de ortopedia no HSM.

54. Durante o período de três meses referido em 53, o autor necessitou de assistência permanente de terceira pessoa para o ajudar nas tarefas de se levantar, de se deitar, nas tarefas de higiene pessoal e para lhe ministrar os alimentos.

55. Por indicação médica, em meados de Abril de 2009, o autor iniciou programa de reabilitação, tendo realizado exercícios controlados na piscina durante um mês, e, posteriormente, de bicicleta.

56. Nos dias 23/01/2009, 20/03/2009, 22/09/2009 e 11/03/2011, o autor deslocou-se ao HSM onde foi submetido a consultas com o ortopedista Dr. HH.

57 e 120. O autor fez medicação anti álgica durante um período de convalescença e necessita pontualmente de medicação antiálgica.

58. Por manter sintomatologia dolorosa na transição lombo sagrada e dificuldade na mobilização do tronco e dor, de características diárias, no dia 22/07/2010, o autor foi submetido a consulta de ortopedia no ..., tendo despendido 70€.

59. Por indicação da ortopedista que o assistiu, no dia 01/10/2010, o autor efectuou exame de ressonância magnética à coluna lombo-sagrada, que lhe custou 300€.

60. Exame que o autor entregou à ortopedista que o assistiu, a qual lhe prescreveu medicamentação anti álgica e anti inflamatória.

64. Em consequência directa e necessária do acidente, o autor ficou com as seguintes sequelas: ombro doloroso à direita e impotência funcional dolorosa a nível da transição dorso-lombar.

65. O autor sofreu Incapacidade Geral Temporária Absoluta desde a data do acidente ocorrido em 28/12/2008 até à data da alta hospitalar em 10/01/2009.

66. As lesões supra descritas consolidaram em 11/02/2011 [lapso: é 11/03/2011].

67. O autor sofreu Incapacidade Temporária Geral no período intercorrente entre 11/01/2009 e 20/03/2009 no qual necessitou do auxílio de terceira pessoa nas actividades da vida diária, entre 21/03/2009 e 22/09/2009 com autonomia para as actividades da vida diária mas carecendo de esforços acrescidos e entre 23/09/2009 e 11/03/2011 com autonomia para as actividades da vida diária.

68. O autor sofreu de Incapacidade Temporária Absoluta para as actividades de estudante desde a data do acidente ocorrido em 28/12/2008 e 30/04/2009.

70. À data do acidente, o autor frequentava o 3º ano do curso de matemática aplicada, na Universidade de ... - Faculdade de Ciências.

71. Em consequência directa e necessária do acidente de que foi vítima, o autor ficou impossibilitado de frequentar as aulas do 3º ano do curso de matemática aplicada no período intercorrente entre a data do acidente e 30/04/2009 e impossibilitado de se preparar para os exames, e, também, ficou impossibilitado de efectuar os exames realizados em Fevereiro de 2009 e no mês de Junho de 2009.

72. O autor não conseguiu terminar as quatro cadeiras do 3º ano do curso de matemática aplicada que necessitava para finalizar o curso.

73. O autor perdeu o ano lectivo de 2008/2009.

75. Concomitantemente com o curso superior que estava a frequentar, o autor exercia a actividade de empresário agrícola, desde Janeiro de 2008, data em que iniciou a actividade.

77. Antes do acidente, o autor executava as tarefas várias inerentes à actividade agrícola que desenvolvia.

78. Antes do acidente, o autor conduzia o tractor e conduzia a máquina giratória.

79. A região anatómica da coluna dorso-lombar mais solicitada em termos de carga e função é a região L5-S1.

80. O autor tem dores na zona indicada em 79, sendo de prever o aparecimento de alterações degenerativas porque é a zona onde tem mais mobilidade na coluna lombar e sacro ilíaca.

81. Em consequência directa e necessária do acidente, o autor tem dores nos movimentos de flexão e torsão do tronco, que necessita efectuar na execução da maior parte das tarefas agrícolas.

83. O autor sente dores se permanecer em pé durante todo o horário normal de trabalho.

84. O autor sente dores se executar tarefas como apanhar objectos do chão, cavar e transpor obstáculos.

85. Em consequência directa e necessária do acidente, o autor ficou com as sequelas referidas supra em 64; sua profissão de empresário agrícola requer a condução de tractor em campos de produção de fruta, sendo apenas capaz de realizar esse trabalho durante cerca de 3 a 4 horas por dia e noutros dias não consegue executar esses trabalho como fazia anteriormente e tem queixas dolorosas ou de mobilidade no ombro direito.

87. O autor vive em comunhão de vida, cama e habitação com II, desde Outubro de 2005.

88. À data do acidente e na constância da união de facto entre o autor e a sua companheira, nasceu a sua filha JJ, em .../2007.

89. Após o acidente o autor tem tido dificuldades em manter um relacionamento sexual com a sua companheira, tendo dificuldades de erecção.

90. À data do acidente, o autor mantinha com a sua companheira um relacionamento sexual diário e activo que proporcionava uma vida sexual activa e satisfatória para ambos.

91. A vida sexual activa que o autor e a sua companheira tinham antes do acidente unia-os profundamente e proporcionava-lhes uma existência feliz.

92. O referido em 89 afecta o autor.

95. Após o acidente ocorreu o nascimento da filha LL, nascida em .../2011.

96. O autor nasceu no dia .../1978.

97. O autor mantinha um relacionamento sexual diário e activo com a sua companheira.

108. O autor padece das limitações já referidas supra.

109. O quantum doloris, durante o período de incapacidade temporária é quantificável no grau 4 (numa escala de 7 graus).

113. No exercício da sua actividade profissional, o autor sofre das limitações referidas supra.

117. O autor, em virtude das limitações referidas supra no exercício da sua actividade profissional, adaptou o tractor que utiliza habitualmente, colocando um banco pneumático, que lhe custou 650,34 €, mão-de-obra incluída, de forma a diminuir a pressão sobre a coluna vertebral.

119. Antes do acidente o autor conseguia executar as tarefas da sua actividade agrícola.

123 e 124. O autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos que, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares.

125. O autor era um rapaz saudável e cheio de vida, que fazia a sua vida normal antes do acidente.

126. O autor praticou futebol federado, disputou o campeonato nacional de juniores em ... e campeonatos oficiais.

127. À data do acidente, o autor jogava futebol, fazia paintball e BTT.

128. Depois do acidente o autor deixou de poder praticar desporto.

129. À data do acidente, em 28/12/2008, o autor frequentava o 3º ano do curso de matemática aplicada, na Universidade de ... - Faculdade de Ciências.

130. À data do acidente, o autor foi objecto de várias avaliações.

132. O autor perdeu o ano lectivo em que estava inscrito à data do acidente.

133. O autor nasceu no dia 14/07/1978, tem como habilitações literárias a frequência do 3º ano do curso de matemática aplicada na Universidade de ... – Faculdade de Ciências e o curso de jovem agricultor.

134. Em consequência directa e necessária do acidente, durante o período de nove meses de consolidação das lesões, desde 28/12/2008 a 30/09/2009, o autor ficou sem conseguir pegar ao colo, sem conseguir movimentar-se para brincar com a filha JJ, o que lhe causou desgosto e a incompreensão à filha.

135. Após ter tido alta hospitalar e durante cerca de 3 meses, em que efectuou tratamento conservador com o uso do colete, o autor necessitou de assistência e do apoio permanente de terceira pessoa para o auxiliar a vestir, a calçar-se, a tomar banho e na confecção de refeições, tendo contratado uma empregada para lhe prestar esse serviço, a quem pagou a quantia de 400€.

140. Durante os 9 meses que o autor não pôde executar a actividade agrícola, desde a data do acidente até 30/09/2009, o autor teve de pagar quantias não apuradas a um trabalhador agrícola para o substituir nas actividades desempenhadas.

141. Em consequência directa e necessária do acidente, o autor teve necessidade de se deslocar às consultas com o Dr. HH, tendo utilizado como meio de transporte um veículo automóvel conduzido pela companheira, tendo despendido quantias não apuradas em combustível e portagens.

142. O autor efectuou o pagamento das Taxas Moderadoras do HSM, na quantia de 14,25 €.

143. O CHON solicitou ao autor o pagamento de 1073,44 € a título de despesas hospitalares, de internamento e tratamentos prestadas ao autor.

144. O autor foi convocado pela ré para se deslocar a ... a fim de efectuar exame de avaliação dano corporal, conforme convocatória para exame, datada de 15/01/2009, tendo utilizado como meio de transporte um veículo automóvel, tendo despendido, em combustível e portagens quantia não apurada.

146. No ano lectivo de 2008/2009, o autor efectuou o pagamento das propinas, no valor total de 997,14 €, não tendo podido frequentar o curso, em consequência directa e necessária do acidente.

147 e 148. Em consequência directa e necessária do acidente, ficaram destruídas uma camisa, umas calças, um casaco, uma camisola, umas botas, um colete e o capacete, que o autor trazia, no momento do acidente, pelo que o autor teve de comprar outros, tendo despendido, na aquisição dos mesmos: camisa (30€), calças (30€), casaco (70€), camisola (35€), botas (121,95€), colete (69,10€) e capacete (130,08€).

149. Posteriormente ao acidente, o autor teve de ser submetido a diversas consultas e exames médicos, designadamente, os seguintes: exame à clavícula, coluna dorsal e lombar (doc. nº 25) 5,25 €; consulta de ortopedia no dia 03/04/2013 (doc. nº 26) 35€; tac da coluna lombar no dia 04/04/2013 (doc. nº 27) 100€; consulta subsequente de ortopedia no dia 15/04/2013 (doc. nº 28) 35€

166. O autor beneficiaria da realização de fisioterapia e hidroterapia em face das sequelas do acidente de que padece referidas supra.

Vindos da petição inicial dos autores AA e BB

47. Os autores contraíram entre si casamento católico, sem convenção antenupcial, sob o regime da comunhão de adquiridos, no dia 08/05/1976, na Paróquia de ..., concelho de ....

48. Os autores adquiriram por compra em 2006, pelo preço de 7800€, o BC.

49. Em consequência directa e necessária do acidente, o BC sofreu diversos estragos, designadamente, nas jantes, barra de direcção, protecção do radiador, guiador, luzes, quadro e ignição.          

51. A ré efectuou peritagem ao BC em 16/01/2009, e, posteriormente, comunicou ao autor que assumia a responsabilidade pela produção do sinistro na proporção de 50%.

52. O que os autores não aceitaram.

53. O autor AA é agricultor de profissão e a autora BB auxilia-o nessa actividade agrícola, sendo proprietários de diversos prédios rústicos que cultivam.

54. O BC é utilizado na actividade agrícola que os autores desenvolvem.

56. Os autores estiveram a aguardar que a ré assumisse a responsabilidade pela indemnização dos prejuízos causados pelo acidente, o que não sucedeu.

57. A reparação do BC foi orçada em cerca de 4000€ acrescida de IVA à taxa legal.

58. Os autores mandaram reparar o BC.

59. A reparação do BC foi efectuada na oficina ..., tendo a reparação do motociclo custado 4389,87€ [já com IVA – resulta do documento que serve de prova; esta parte foi acrescentada por este acórdão do TRL, ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4 do CPc].

60. O BE esteve estacionado na oficina desde 28/12/2008 (data do acidente) até 21/03/2012 (data da reparação), sem que os autores o tivessem podido utilizar na sua actividade agrícola.

Vindos da contestação da ré:

35. A ré efectuou peritagem condicional ao BC, e comunicou tal facto ao autor por carta datada de 16/01/2009.

36. Nessa comunicação informou o autor que “a vistoria não envolve qualquer compromisso de reconhecimento de responsabilidade”.

37. O valor da reparação foi orçamentado pela ré em 2770,67€ acrescidos de IVA no valor de 554,13€, tudo num total de 3324,80€.


***

3.2. Fundamentação de direito

Conforme já se deixou dito, as questões a decidir no presente recurso  prendem-se com a:

1ª – alteração  da  decisão sobre os pontos 21, 22 e 23 dos factos dados como  provados  na sentença do Tribunal de 1ª Instância;

2ª-   imputação subjetiva da ocorrência do acidente;

3ª- valoração da indemnização pelo dano decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do autor DD, de 5 pontos percentuais;

4ª- valoração da indemnização devida ao autor DD pelos danos não patrimoniais.   


***


3.2.1. Quanto à primeira das questões supra enunciadas,  questiona a recorrente a apreciação da prova feita pelo Tribunal da Relação, sustentando inexistir fundamento para alterar a decisão sobre o ponto 21, 23 e 24  dos factos provados na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, tendo o acórdão recorrido desconsiderado, de forma arbitrária,  prova testemunhal e desvalorizado  os princípios da imediação e da oralidade.  

Mais argumenta que a  alteração da decisão de facto  aqui em causa baseou-se em  ilações não suportadas nos elementos de prova produzidos, pois resultando  da matéria de facto provada que o motociclo BC era propriedade dos autores AA e BB,  que  destinava-se e é utilizado na actividade agrícola que estes desenvolvem e que,  na ocasião do embate, era conduzido pelo seu filho  DD, com o conhecimento daqueles, impunha-se ao tribunal recorrido decidir em conformidade com a presunção legal  estabelecida  no art. 503º, nº 3 do CPC,  pelo que, não o tendo feito, violou o disposto no art. 351º do C. Civil.

 Vejamos, então, se o Tribunal da Relação violou o princípio da livre apreciação das provas, por parte da 1.ª instância, atendendo a que esta livre apreciação ocorre no contexto da imediação e da oralidade.

Nesta matéria, preceitua o artigo 662.º, n.º 1, do CPC,  que « a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Assim, em sede de apreciação da decisão de facto impugnada, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convição, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC.

Todavia, não obstante o Tribunal da Relação encerrar, em regra, o ciclo  de conhecimento da matéria de facto, cabendo-lhe,  em termos de formação da sua própria convição, a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes bem como de todos aqueles que se mostrem acessíveis nos autos e estejam abrangidos  pela previsão do art. 662º do CPC, e o Supremo Tribunal de Justiça cingir, em regra,  o seu poder de cognição ao reexame da matéria de direito, aplicando definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelas instâncias ( cfr. art. 682º, nº1 e nº 2, 1ª parte, do CPC), a verdade é que, este tribunal de revista, não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes naquele campo,  nos casos em que está em causa averiguar se houve violação ou errada aplicação da lei processual ( cfr. art. 674º, nº1, al. b) do CPC) e/ou dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório ( cfr. art. 674º, nº 3 do CPC).

Cabe, assim, ao Supremo Tribunal de Justiça, na vertente adjetiva,  o controlo dos parâmetros formais ou balizadores a seguir pelo Tribunal da Relação  na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto proferida  pelo Tribunal de  1.ª instância, nos termos dos arts 640º e 662º do CPC, ou seja,  averiguar se o tribunal recorrido, ao manter ou alterar a decisão da matéria transitada da 1.ª instância, violou, ou não, a lei processual que estabelece os pressupostos e os fundamentos em que se deve mover a reapreciação da prova.

E,  na vertente substantiva, cabe-lhe ainda, no domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais relevantes e de harmonia com o  disposto na parte final do  nº 2 do citado art. 682º e no nº 3 do art. 674º, ambos do CPC, sindicar se o Tribunal da Relação violou alguma regra de direito probatório material, designadamente disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto em causa ou que fixe a força de determinado meio de prova que seja aplicável, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade.

É que, como escreve Abrantes Geraldes[3], em tais situações, defrontámo-nos  com verdadeiros erros de direito que, nesta perspectiva, se integram também na esfera de competência do Supremo.


*

No caso dos autos, a sentença do Tribunal de 1ª Instância,  deu como provada a matéria constante  do seu  ponto  21, ou seja,  que:

« O BC, moto quatro, circulava em velocidade superior a 60 Km/hora, o que  não lhe permitia parar no espaço livre  e visível que se apresentava à sua frente e que estava para além da lomba que ia transpor»   

E fundamentou esta resposta nos seguintes termos.

« Quanto à dinâmica do acidente, da prova produzida apenas se apurou os factos que se provaram, tendo a maior parte da matéria alegada pelo autor DD sido considerada não provada por evidente falta de prova, nomeadamente quanto ao facto de o veículo segurado circular a cerca de 70 cm da margem direita da estrada, atendendo ao sentido de marcha do autor DD. Se assim fosse, o veículo BC teria colidido de frente com o veículo JE e não com a traseira do reboque deste. A testemunha que foi ao local do acidente logo após o mesmo ter ocorrido disse que o JE estava “mais para o lado” em que circulava o BC, a testemunha MM reconheceu que circulava a ocupar um pouco a hemi-faixa oposta, mas que os veículos que circulavam do outro lado podiam passar, como aconteceu com o BC. Relativamente à velocidade deste veículo, foi especialmente relevante o facto de o autor DD ter sido projetado, como ele próprio alegou, e de o BC ter ficado para além do local onde aquele caiu, atendendo ao seu sentido de marcha. Ou seja, o autor DD foi projetado e o seu veículo ainda passou por si. Se a projeção do condutor do BC já por si indicia uma velocidade elevada, o facto de o veículo ser também projetado para mais longe do que o condutor, é um elemento de prova fortíssimo quanto à existência de velocidade elevada, provavelmente até superior aos 60 km/h alegados pela ré. E que o condutor do BC circulava de maneira a não conseguir parar no espaço livre e visível à sua frente, é também indubitável. O autor DD, estando a aproximar-se de uma lomba que o impedia de ver para além da mesma, não fez nenhuma redução da velocidade, como resulta do que se seguiu após transpor a lomba».

Por sua vez, o Tribunal da Relação, após empreender uma análise crítica dos elementos de prova que estiveram na  base daquela resposta, considerou que:
« Sobre a velocidade do BC e a parte da estrada por onde seguia, apenas se pronunciaram o autor DD e o condutor do JE. Ninguém mais viu o acidente e por isso ninguém mais podia saber algo sobre isto.
Os condutores do BC e do JE não merecem nenhuma credibilidade quanto a factos favoráveis às teses dos autores e da ré, respectivamente. Naturalmente o autor  está interessado na procedência da acção e o condutor do JE está interessado em não ficar moralmente responsável pelas lesões sofridas pelo autor DD, quer aos olhos dos autores – que conhece pessoalmente – quer aos próprios. Ambos naturalmente atiram a culpa para o outro. Assim, na parte favorável  às teses respectivas, apenas têm valor se corroborados por outros meios de prova».

Mais afirmou que «  (…)  Em relação à velocidade já se disse que se pronunciaram os dois condutores, nenhum deles merecendo credibilidade suficiente para criarem a convicção da velocidade a que o outro seguia.

A decisão recorrida, vê-se, assenta a convicção da velocidade do BC no facto deste e do autor terem sido projectados para muito longe do local do embate. Mas isto também só se baseia no que foi dito pelo condutor do JE, o que, pelo já foi dito, não convence.

A decisão recorrida diz, no entanto, que o próprio autor DD alegou que tinha sido projectado. Mas o sentido do que foi por ele dito foi apenas o de ter sido projectado para meio metro à frente do local do embate e que o BC pode ter passado por si, não no sentido de ter andado pelos ares, mas no sentido de ter prosseguido a marcha sem condutor – como aliás se refere na fundamentação da decisão corrida. O que é, naturalmente, muito possível ter acontecido, já que os motociclos não se imobilizam só porque perdem o condutor. A verdade é que só o condutor do JE é que disse que o autor e o BC foram projectados para longe do local de embate (e disse ainda muito mais, como se tivesse conseguido ver tudo e mais alguma coisa, com imensos pormenores, inclusive que foi nessa altura que os seus cães fugiram, do que não convence minimamente) e, já se disse, sem corroboração, não convence, tal como o autor DD não convence ter ficado só a meio metro do local de embate.
Assim, o ponto 21 também deve ser eliminado».
E com base nesta fundamentação,  eliminou  estes factos, dando-os como não provados.

Que dizer?

Desde logo que, apesar de se reconhecer o papel relevante da imediação na formação da convição do julgador e aceitando-se mesmo que essa imediação está mais presente no Tribunal da 1.ª Instância, daí  não se retira que a convição formada pelo julgador na 1ª instância deva, sem mais, prevalecer sobre o juízo probatório  formado pelo Tribunal da Relação  sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convição, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência de erro de julgamento.

De realçar que, contrariamente ao afirmado pela recorrente, nem sequer se vislumbra existirem quaisquer dúvidas, no  espírito de julgador, quanto à velocidade a que seguia o BC, pois o que aconteceu foi que o Tribunal da Relação, fazendo uma apreciação crítica das declarações de parte do autor DD  bem como do depoimento da testemunha EE, não atribuiu credibilidade a nenhum destes elementos de prova.

Assim sendo e porque esta atividade  inscreve-se no âmbito da valoração livre da prova pelo Tribunal da Relação e ainda porque, no caso vertente e no confronto entre a fundamentação do tribunal da 1.ª instância e a do Tribunal da Relação, não se depreende que, na apreciação do pontos de facto acima em referência, o tribunal a quo tenha infringido qualquer norma legal probatória expressa que exija certa espécie de prova para os factos em causa ou que fixe a força de determinado meio de prova, nem se descortina  que a apreciação do Tribunal a quo colida com qualquer elemento concreto e específico resultante da imediação do juiz da 1.ª instância, mais não resta a este Tribunal de revista  senão acatar os factos fixados pela Relação, nos termos do artigo 682.º, n.º 1 e 2, do CPC.


*

Mas argumenta ainda a  recorrente, que o Tribunal da Relação alterou a matéria de facto  aqui em causa  com base em  ilações não suportadas nos elementos de prova produzidos e com violação do disposto no art. 351º do C. Civil, pois,   resultando  da matéria de facto provada que o motociclo BC era propriedade dos autores AA e BB,  que  destinava-se e é utilizado na atividade agrícola que estes desenvolvem e que, na ocasião do embate, era conduzido pelo seu filho  DD, impunha-se ao tribunal recorrido decidir em conformidade com a presunção legal  estabelecida  no art. 503º, nº 3 do CPC.

Ora, a este respeito, importa, desde logo, esclarecer que, tal  como vem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do CC.

Tais presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme o disposto no artigo 351.º do mesmo Código.

É que se é certo, face à competência alargada da Relação em sede de reapreciação da decisão de facto e em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, ser lícito ao Tribunal de 2ª Instância  reequacionar,   com base em todos elementos de prova constantes dos autos, a avaliação probatória feita pela 1.ª instância no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do artigo 607.º, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo Código, e admitir-se, ainda que com alguma controvérsia, conforme nos dá conta o Acórdão do STJ, de 25/11/2014[4],   que o STJ  pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados, a verdade é que, no caso dos autos, nem se vê que o Tribunal da Relação tenha feito uso de presunções judiciais para considerar  como  não provados os factos dados como assentes  no ponto 21 da sentença do Tribunal de 1ª Instância.

E muito menos se vê que o Tribunal a quo tivesse que decidir  a matéria de facto  em função da presunção estabelecida no  art. 503, nº 3 do C. Civil.

Com efeito, o que  aconteceu, no caso vertente, foi  que o tribunal recorrido, no uso  dos seus poderes da valoração livre da prova, não atribuiu qualquer credibilidade às declarações do autor DD  nem ao depoimento da testemunha EE, e, tal  como já se deixou dito,  nestas circunstâncias, está vedada ao tribunal de revista a possibilidade de ajuizar sobre essa matéria, tanto mais  que  nem sequer lhe é consentido, por lei,  auditar a prova produzida.


*

Mas, sustenta ainda a recorrente  que, não obstante ter mantido como  provado os factos dados como provados no ponto 22 da sentença de 1ª instância, ou seja, que  « O BC passou pelo JE, cruzando ambas as laterais esquerdas dos veículos, sem qualquer colisão entre ambos», o Tribunal da Relação, desvalorizando, de forma arbitrária a prova testemunhal oferecida pelas partes, acabou por eliminar os factos  dados como provados nos pontos  23 e 24 da referida sentença, ou seja, que « Na ocasião o JE trazia acoplado um atrelado para cães» e que o « atrelado é mais estreito que o JE».

Carece, contudo, de qualquer razão.

Com efeito, basta atentar nos factos dados como provados no acórdão recorrido e  supra descritos sob o nº 4, para facilmente se constatar que esta factualidade encontra-se aí vertida. 

Daí que, por todo o exposto, seja de  concluir pela improcedência das razões dos Recorrentes em sede de impugnação do julgamento de facto da Relação.


***

3.2.2. Da  imputação subjetiva da ocorrência do acidente. 

Neste capítulo  está  em causa saber se a factualidade dada como provada e supra descrita sob os nºs 1 a 22 e 21[5], constitui suporte suficiente para imputar, a título de culpa, a ocorrência do acidente em causa ao condutor do veículo JE, sendo  que o acórdão recorrido revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, que tinha  julgado a ação improcedente, por não provada, com base nas seguintes considerações:

« A sentença recorrida atribui a culpa do acidente ao autor DD por este vir a uma velocidade superior a 60 km/h que não lhe permitia parar no espaço livre e visível à sua frente. Mas a velocidade do BC foi afastada dos factos provados, o que afasta a base da construção da sentença.

Por outro lado, a sentença recorrida entende que o facto de o JE circular a ocupar parte da metade da faixa destinada ao trânsito em sentido contrário, é irrelevante, porque é isso o que é normal acontecer em estradas florestais com pouco trânsito.

Isto apesar de reconhecer que a existência de uma lomba que impede a visibilidade para o trânsito que vem do outro lado – situação que se verificava para ambos os veículos - cria uma situação de especial necessidade de muito cuidado na aproximação à mesma.

Ora, a aproximação a uma lomba que impede a visibilidade do trânsito que venha em sentido contrário, devido a essa especial necessidade de cuidado, não pode ser feita a ocupar a mão de trânsito contrária, como o fazia o condutor segurado.

Por outro lado, mesmo que “seja extremamente comum (sendo que é mesmo o que geralmente se faz) efectuar a circulação mais próximo do eixo da via” – o que não se sabe se é verdade, não sendo pois um facto notório e não consta dos factos provados -, tal não justificaria ou desculparia a conduta do JE, para mais na aproximação à lomba que impede a visibilidade do trânsito em sentido contrário.

E na parte da fundamentação de direito, a sentença recorrida não pode ir buscar factos que não constam dos factos provados, como (i) a referência à “fotografia de fl. 257”, (ii) o facto de não ser naquele local “segura a condução próximo da berma”, (iii) o autor DD conduzir o BC no eixo da via [e o facto do qual a sentença conclui este não permite essa conclusão: se o JE ocupava parte – não se sabe quanto – dos 2,90 da metade da estrada destinada ao BC, o facto de este se ter tido que desviar não quer dizer que viesse pelo eixo da via], (iv) e ser muito comum [as moto-4] aproveitarem as lombas para “voar” com a mota, imprimindo para isso maior velocidade ao veículo”.

Não é também correcta a conclusão que a sentença tira de que “não se provou que o veículo JE impedia o BC de circular na sua hemi faixa” pois que, pelo contrário, se provou que o BC se teve que desviar para a berma, passando em parte a circular pelo combro e mesmo assim o embate veio a dar-se; e deu-se precisamente na mão de trânsito do BC, pelo que se o atrelado do JE aí não estivesse não se teria dado o embate; o que tudo representa necessariamente um impedimento à circulação do BC pela sua mão de trânsito. E sendo isto assim, é irrelevante que os veículos se tenham cruzado sem embater, pois que o que interessa é que o BC e o atrelado do JE vieram a embater e o embate se deu na mão de trânsito do BC, embora não se saiba como.

Posto isto: o embate deu-se entre dois veículos, entendido o JE como incluindo o atrelado que trazia consigo; ao condutor do BC não pode ser imputada a violação de qualquer regra estradal. Ao condutor do JE, pelo contrário, pode ser imputada uma violação particularmente grave ao art. 13/1 do CE; pois que conduzia, numa estrada com 5,80m de largura, a ocupar, sem que nada o justificasse, parte da mão de trânsito contrária, para mais quando se estava a aproximar de uma lomba que impedia a visibilidade do trânsito que viesse em sentido contrário e estava atento ao treino dos seus cães que corriam atrás do carro, treino que estava a fazer com o JE. É difícil de imaginar uma violação mais grave do que esta à regra estradal em causa (art. 13/1 do CE na redacção em vigor à data), tanto mais que a ela ainda se pode juntar, como sugere o autor agora no recurso, a violação do art. 11/2 do CE:” Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer actos que sejam susceptíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança, ou seja, acrescenta-se, no caso, o treino dos cães”.

Ora, há muito que se entende que, dando-se um embate entre dois veículos quando um deles está em transgressão de uma norma de cuidado rodoviário destinada precisamente a evitar riscos como os verificados (no caso, destinada a evitar embates com veículos que circulem pela mão de trânsito ocupada), a culpa se presume do condutor deste, tal como se presume que os danos que se venham a verificar foram provocados por tal actuação ilícita e culposa.

É que no âmbito das infracções às regras de cautela, destinadas a proteger interesses alheios, o acto ilícito - violação objectiva dessas regras de cautela - é, por isso mesmo, presumivelmente culposo (presunção natural ou judicial).

Tudo isto decorre da posição seguida pela jurisprudência e doutrina maioritária (…)

Tanto basta para que se deva concluir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil (art. 483 do CC) a cargo do condutor do JE e, por força do seguro celebrado com a ré, a cargo, agora, desta.

                                                          III

Note-se que o facto do ponto 21 é irrelevante para provar a existência de uma relação de comissão, base de uma presunção de culpa que a ré quereria que fosse utilizada contra o autor DD (art. 503/3 do CC).

Isto é, para se poder utilizar a presunção de culpa do condutor por conta de outrem é necessário que se diga que o condutor do veículo, está, perante o proprietário, numa relação de comissão, como aliás resulta daquilo que a jurisprudência tem dito sobre a questão:

“O dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor quando se aleguem e provem factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do art. 500/1 do CC, entre o dono do veículo e o condutor do mesmo” (acórdão do pleno do STJ de uniformização de jurisprudência, de 30/04/96, publicado na 2ª série do Diário da República de 24/6/96 e no BMJ 456/19 e segs, ou nas bases de dados do IGFEJ sob 087236)

(…)

Ou seja, a relação de comissão pressupõe a alegação de factos que, provados, permitam concluir pela mesma, sendo esta uma relação de alguém que actua por conta de outrem, sob a sua direcção, estando dele dependente, o que não é o caso apenas por o veículo ter sido emprestado ao condutor».

Persiste, porém, a recorrente em defender que, resultando  da matéria de facto provada que o motociclo BC era propriedade de AA e BB, pais do autor DD,  era utilizado na actividade agrícola que estes desenvolvem e que,  na ocasião do embate, era conduzido pelo seu filho  DD, com o conhecimento daqueles  (cfr. factos dados como provados sob os nºs 2 , 21  e 54), impunha-se ao tribunal recorrido decidir,  por força da presunção estabelecida  no art. 503º, nº 3 do CPC,   que  sobre o condutor do BC impendia o ónus de provar  que “não houve culpa da sua parte”.

O que equivale a dizer, ainda que não o afirme expressamente, que, no caso dos autos, o acidente ficou a dever-se a culpa do autor DD,  condutor do BC, que é presumida por lei, salvo prova em contrário,  nos termos do disposto no art. 503, nº 3 do C. Civil.

Mas, no nosso entender,  não lhe assiste qualquer razão, pois, tal como se afirma no acórdão recorrido, aquela  factualidade  não é suficiente para  caracterizar uma situação de comissão.  
É que a condução por conta de outrem, a que alude o citado art. 503º, nº 3, pressupõe a existência  de uma relação  de comissão  e, como ensina Antunes Varela[6], o termo “comissão”, «pressupõe uma relação de dependência (droit de direction, de surveillance e de controle, na expressão da jurisprudência francesa), entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este, pois só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo».
Dito de outro modo e nas palavras de Pessoa Jorge[7], o condutor de um veículo deve ser considerado comissário quando tenha sido encarregado  de uma comissão, consistindo esta  na realização de atos de caráter material ou jurídico, que se integram numa tarefa ou função confiada a uma pessoa diversa do interessado.
Assim sendo e porque, a este respeito, resulta apenas dos factos provados que  o veículo BC era pertença dos pais do autor DD e que este, na altura do acidente, conduzia tal veículo com o conhecimento dos seus pais, temos por certo  não ser possível inferir destes factos  que o condutor do BC agiu como comissário dos proprietários deste veículo, o que tanto basta para afastar a presunção estabelecida no citado art. 503, nº 3.

Daí que,  no caso dos autos, tendo em conta  a dinâmica do acidente e o concreto circunstancialismo que contribuiu para a sua produção, resultante dos factos dados como provados e supra descritos sob os nºs 1 a 23, não  se possa  deixar de concluir, tal como o fez o Tribunal da Relação de Lisboa, que causal do acidente foi a conduta do condutor do veículo JE, seguro na recorrente/demandada.

Consequentemente, tem também que improceder, neste segmento, o presente recurso.


***

3.2.3. Quanto ao montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente de 5 pontos, atribuído ao autor DD pelas lesões sofridas em consequência do acidente de viação em causa.

Neste domínio,  peticionou o mesmo autor a indemnização de € 30,000,00,  reportada a 11.03.2011, data da consolidação das lesões.
Por sua vez, o acórdão recorrido, tendo em conta resultar dos factos provados e supra descritos sob os nºs  123 e 124, que o  autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos que, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, é compatível com o exercício da atividade habitual, mas implica esforços suplementares, entendeu que seria de equiparar  aquela perda de 5 pontos, em termos gerais, a uma perda de capacidade de ganho de rendimentos de igual percentagem, tudo se passando  como se  o autor fosse perder,  para o futuro, por ano, 5% dos rendimentos que poderia obter se não fosse o acidente, pelo que impunha-se indemnizar o autor, a títulos de danos patrimoniais futuros, nos termos do art. 564º, n2 do C. Civil, e com recurso  à equidade.
E, apesar de não ser conhecido  quanto é que o autor ganhava por ano na sua actividade de empresário agrícola, considerou que, sendo também estudante universitário,  o autor conseguiria, de futuro, ganhar, pelo menos, o salário médio nacional de € 905 x14 meses.
Assim,  atendendo ao rendimento anual do autor - € 12.670,00 (€ 905 x14 meses), considerou que uma perda de 5% era igual  a € 633,50 ao ano, pelo que aplicando a fórmula utilizada pela  Portaria 377/2008, de 26/06 (C = [(1 + i)N – 1 / (1 + i)N x i] x P,  embora com outra aparência e com factores concretizados de forma diferente), sem dedução do benefício pela antecipação do capital,   e tendo em conta  a idade do autor, à data do acidente ( 30 anos)  e que a  sua esperança de vida do autor era de cerca de 44 anos, concluiu pela indemnização de  € 26.381,91.

         

Por sua vez,  sustenta a recorrente que, tendo o autor  ficado afectado na sua capacidade de ganho, o dano biológico derivado  do défice funcional permanente de 5 pontos  integra-se na categoria de dano moral e deve ser indemnizado, conjuntamente com os demais danos não patrimoniais,  concluindo que, face aos factos provados e aos padrões da jurisprudência para casos similares, as indemnizações fixadas de € 34.172,91 e € 50.000,00, devem ser reduzidas a um valor global não superior a € 20.000,00.

Vejamos.

O dano biológico constitui uma lesão da integridade física ou psíquica do indivíduo, objecto de tutela,  nos termos do disposto no  art. 25º, nº1 da CRP e no art. 70º, nº 1 do C. Civil, e susceptível de avaliação médico-legal e pecuniária.

Trata-se, assim, de um dano real ou  dano evento, sempre presente em casos de lesão de integridade físico-psíquica e sempre lesivo do bem saúde[8].

Trata-se, outrossim, de um  verdadeiro “dano primário”, na medida em que, enquanto dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência), designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho do lesado[9].

Mais controversa é, porém, a questão do seu enquadramento e, consequentemente, do  modo como deve ser  ressarcido, sendo que a este respeito se perfilham, ao nível da  jurisprudência, com particular destaque  para a  jurisprudência deste Supremo Tribunal, três correntes.

Enquanto  uma corrente tem vindo a reconhecer o dano biológico  como dano patrimonial, na vertente de  dano patrimonial futuro[10]; outra corrente admite  que tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como a título de dano não patrimonial, segundo uma análise casuística[11]; uma outra defende que, independentemente do seu específico enquadramento nas categorias  normativas do dano patrimonial  ou do dano  não patrimonial, o dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem sofre, é sempre ressarcível como dano autónomo[12].

Nesta última linha de pensamento  observou o Acórdão do STJ, de 10.10.2012 ( processo nº 632/2001.G1.S1)[13] que «   (…) a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

   Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais».  

Assim, « nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal».

Dito de outro modo e nas palavras do Acórdão do STJ, de 07.12.2017 (processo nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1)[14], « O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis».

Ora, a este respeito, o que resulta da factualidade dada como provada e supra descrita nos pontos 50, 64, 66, 70, 75, 77 a 85,  96, 113,119,123 e 124, 125, 129 e 133,  é que o autor DD, à data do acidente, tinha 30 anos de idade e não se encontrava afetado de incapacidade física que lhe dificultasse a vida pessoal e profissional e que, para além de frequentar o 3º ano do curso de matemática aplicada, na Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, exercia  a atividade de empresário agrícola. Antes do acidente, executava  as tarefas várias inerentes a esta actividade,  conduzia o tractor e a máquina giratória e  era um rapaz saudável.

Mais resulta  que,  em consequência do acidente dos autos, o autor  sofreu fractura de D12 e L5, no contexto de lise 5 prévia, com colapso da T12 e fractura da clavícula ( 1/3) à direita e ficou com as seguintes sequelas: ombro doloroso à direita e impotência funcional dolorosa a nível dorso-lombar; tem dores região L5-S1, que é a zona mais solicitada em termos de carga e função, sendo de prever o aparecimento de alterações degenerativas porque é a zona onde tem mais mobilidade na coluna lombar e sacro ilíaca; tem dores nos movimentos de flexão e torsão do tronco, que tem que efetuar na execução da maior parte das tarefas agrícolas; sente dores se permanecer em pé durante todo o horário normal de trabalho; sente dores se executar tarefas como apanhar objectos do chão, cavar e transpor obstáculos; apesar da sua profissão de empresário agrícola requer a condução de tractor em campos de produção de fruta, é apenas capaz de realizar esse trabalho durante cerca de 3 a 4 horas por dia e noutros dias não consegue executar esses trabalhos como fazia anteriormente e tem queixas dolorosas ou de mobilidade no ombro direto.

E resulta ainda que, mercê de tudo isto, o autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos percentuais que, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, é compatível com o exercício da atividade habitual, mas implica esforços suplementares.

Daí, neste contexto, ter-se por inquestionável  que este défice funcional  não pode deixar de relevar enquanto  dano biológico, consubstanciado na  diminuição, em geral da qualidade de vida pessoal e profissional do autor DD, sendo passível de indemnização, pois pese embora não represente  uma incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, exige-lhe esforços suplementares  no desempenho das tarefas específicas da sua atividade de empresário agrícola.


*

Assente a ressarcibilidade deste dano, impõe-se, agora, enfrentar a questão  do cálculo da sua indemnização.

Nesta matéria e com o devido respeito, diremos, desde logo, que não se aceita as bases de cálculo adotadas pelo Tribunal da Relação, designadamente que a indemnização deste dano biológico deva ser calculada em função da equiparação do sobredito  défice funcional de 5 pontos  « a uma perda de capacidade de ganho de rendimentos de igual percentagem, tudo se passando  como se  o autor fosse perder,  para o futuro, por ano, 5% dos rendimentos que poderia obter se não fosse o acidente».

Do mesmo modo não se aceita que a indemnização deva ser calculada  com base no rendimento anual do autor  auferido no âmbito   da sua atividade profissional habitual e com recurso, às tabelas anexas à Portaria n.º 377/ 2008, de 26.05.

Isto porque, como se afirma o Acórdão do STJ, de 07.12.2017 ( processo nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1)[15], tal equivaleria  a qualificar e a indemnizar o défice atribuído  como se de uma incapacidade parcial permanente (IPP) se tratasse  e a verdade é que o défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa actividade, envolvendo apenas esforços suplementares.

E porque se tem entendido  que as referidas tabelas, estabelecidas para efeitos de apresentação aos lesados de proposta razoável de indemnização, nos termos do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.08,  destinam-se a ser aplicadas na esfera extrajudicial, não sendo  lícita a sua sobreposição aos critérios legais e de equidade pelo julgador[16].

Tal como se dá conta no supra citado acórdão «neste tipo de situações, a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vin-do a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza».

Por tudo isto e tendo em conta  todo o circunstancialismo acima exposto, em especial a situação em que ficou o autor DD em consequência da sequelas sofridas com o acidente, quando dantes gozava de boa saúde, importa considerar que as limitações de mobilidade de que ficou afetado, correspondentes a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos percentuais, a partir da data da  consolidação das lesões ( 11.03.2011), além do acréscimo de esforço físico no desenvolvimento  da sua atividade de empresário agrícola que vinha então exercendo, implicam também inegável redução da sua capacidade económica geral, mormente para se dispor ao desempenho de outras atividades económicas concomitantes ou alternativas que, presumivelmente, ainda lhe pudessem surgir na área da sua formação profissional, ao longo da sua expetativa de vida.

De considerar ainda que, à data da consolidação das lesões ( 11.03.2011), o autor  tinha 32 anos de idade, sendo a sua esperança de vida de cerca de 44 anos  (atenta ser de 77,4 anos  a esperança média de vida estabelecida para os homens).

Daí que  tudo ponderado,  sem esquecer que, no quadro jurisprudencial mais recente, de que destacamos o Acórdão do STJ, de 07.12.2017 ( processo nº 559/10.4TBVCT.G1.S1)[17], no qual , considerada um défice funcional permanente da integridade  físico-psíquica de 2 pontos e a profissão habitual da autora (operária fabril), foi atribuída uma indemnização pelo dano biológico  da autora no montante de € 20.000,00, julgamos ser de manter a indemnização, no montante de € 26.381.91,  arbitrada ao autor no acórdão recorrido, que a pecar, só  peca por defeito.

Sobre este montante, acrescem  juros legais de mora, vencidos desde a data da citação, e vencidos nos termos fixados  no acórdão recorrido.   


***

3.2.4. Quanto ao montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais.

Neste capítulo, o Tribunal da Relação arbitrou ao autor DD a indemnização de € 50.000,00.

Pugna, porém, a recorrente/seguradora  pela redução do montante fixado, que reputa de excessivo,  contrapondo  que essa indemnização seja fixada em montante inferior a € 20.000,00.


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 Como  é consabido e   resulta claramente do disposto nos arts. 483º, nº1 e 562º, do  C. Civil, pressuposto e requisito essencial  da obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil é  que o lesado, titular do direito indemnizatório, tenha sofrido um dano.

Fundamental, porém, é que os danos assumam gravidade, já que  o art. 496º, nº1 do C. Civil apenas elege como danos  não patrimoniais indemnizáveis os que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, o que equivale a dizer que só o dano “grave” constitui  pressuposto da obrigação de indemnizar.

Significa isto, no  dizer do Acórdão do STJ, de 24.05.2007[18], que,  « em sede de compensação por danos não patrimoniais, por não se estar perante a lesão de interesses susceptíveis de avaliação pecuniária, o dano não corresponde a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural ou através de um sucedâneo em dinheiro, mas a uma lesão de ordem moral ou espiritual apenas indirectamente compensável através de utilidades que o dinheiro possa proporcionar. E que  o requisito “dano”, como pressuposto da obrigação de indemnizar, não seja um qualquer prejuízo, mas apenas aquele que se apresente com um grau de gravidade tal que postule a atribuição de uma indemnização ao lesado. Se essa gravidade não concorrer, não pode falar-se de dano não patrimonial passível de ressarcimento».

Mas, não obstante os danos  não patrimoniais respeitarem à alteração/depreciação das condições psicológicas e subjetivas  da pessoa humana,  traduzindo-se em estados de sofrimento ou de dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa,  importa realçar que  a avaliação da sua gravidade não é feita à luz de factores subjetivos ( de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada), aferindo-se, antes,  segundo  um padrão objectivo ( conquanto a apreciação deva ter em conta as circunstâncias do caso)[19], constituindo, desde há muito[20], orientação consolidada na  jurisprudência que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º”.

Daí que, tal como nos dá  conta o supra mencionado Acórdão do STJ,  na valoração dos danos não patrimoniais, como consequências da conduta do lesante,  importe, em primeiro lugar, estabelecer,  «como  linha de fronteira, a separação entre aquelas que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação».

E, depois, ter presente, como vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência[21], que « dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”».
Assim, neste domínio estabelece o art. 496º, nº 4 do C. Civil que  o  montante da indemnização compensação será fixado equitativamente pelo Tribunal, devendo  ser « proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida»[22].
Segundo o Prof. Antunes Varela[23],  deve atender-se, para tanto, «em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do agente), ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc.».
E porque um tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», tem-se defendido, designadamente nos Acórdãos do STJ, de 05.11.2009 (proc. 381/2009.S1) de 20.05.2010 ( proc. 103/2002.L1.S1), de 28.10.2010 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1), de 07.10.2010 (proc. 457.9TCGMR.G1.S1) e  de  25.05.2017 (proc. 868/10.2TBALR.E1.S1)[24], que «tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade».
Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados».
De salientar, finalmente, constituir orientação da nossa jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista[25], devendo, antes, ser significativa[26] e traduzir a “justiça do caso concreto”, não se  devendo, porém, confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador, tal como se adverte no Acórdão de 10.02.1998[27].

No caso dos autos, o Tribunal da Relação fixou a indemnização devida ao autor DD, a título de danos  não patrimoniais, no montante  de € 50.000,00, que justificou nos seguintes termos:
« O autor ficou com um défice funcional permanente da integridade física de 5%. Trata-se, como é evidente, de um dano sofrido pelo autor que tem outras consequências (não patrimoniais) para além da repercussão patrimonial já referida.
O autor também sofreu dores, durante o período de incapacidade temporária, quantificáveis no grau 4 (numa escala de 7 graus [de gravidade crescente]).
Ficou ainda com dificuldades de erecção em manter um relacionamento sexual com a sua companheira (tendo no entanto tido entretanto - pouco mais de 2 anos e 2 meses depois do acidente - uma filha).
E teve ainda aquilo a que se pode chamar de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer (pontos de facto 126, 127 e 128).
(…)
Entre os outros factores a ter em conta está, por exemplo, o período total de incapacidade absoluta e parcial desde o dia do acidente – 28/12/2008 – e a data da consolidação das lesões – 11/03/2011. Foram cerca de 2 anos e 2 meses de períodos de gravidade decrescente de incapacidade: os primeiros cerca de 15 dias de incapacidade absoluta, depois cerca de 2 meses e 10 dias de incapacidade com necessidade de ajuda de terceira pessoa e depois mais cerca de 6 meses de incapacidade com necessidade de esforços acrescidos. Este período de falta de capacidade e de autonomia, de graus variáveis – principalmente grave nos primeiros 9 meses -, é também um dano não patrimonial.
Ainda: sofreu várias fracturas, esteve internado por 14 dias, foi submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos e outros durante mais de 4 meses, perdeu um ano escolar e tomou medicação anti-álgica e continua a precisar dela em algumas ocasiões.
Tudo isto é valorado, na data actual, em 50.000€, tendo em conta valores atribuídos em casos semelhantes, como, por exemplo, no ac. deste mesmo colectivo de juízes, proferido a 14/09/2017, no proc. 427/13.8TBCDV que, para um caso um pouco menos grave confirmou o valor de 35.000€ atribuído pelo tribunal recorrido, e invocou o ac. do STJ de 07/04/2016, proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1, que fixou, para um caso de mais ou menos da mesma gravidade que o destes autos, uma compensação, a título de danos não patrimoniais, também desse valor de 50.000€ (…)»


Ora, ponderando todo o quadro factual  resultante  dos factos dados como provados sob os  nºs 47 a 134  à luz dos sobreditos  critérios balizadores, não se vê que o critério seguido pela Relação se afaste, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, pelo que considera-se que não merece censura o estabelecimento de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de €50.000, 00 num caso que, pese embora esteja muito longe das situações de invalidez, com total degradação do padrão de vida e da autonomia pessoal do lesado, não deixa de evidenciar, pela multiplicidade, extensão e natureza das lesões físicas e psíquicas e pela sua repercussão fortemente negativa  e irreversível nas potencialidades pessoais e no padrão futuro de vida do autor, que à data do acidente contava apenas  30 anos de idade,  uma onerosidade e gravidade objetiva e subjetiva.

Termos em que improcedem todas as demais conclusões do recurso  interposto pela ré seguradora.

*

IV – Decisão


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal  em negar a revista, confirmando-se  o acórdão recorrido.

Custas a cargo  da recorrente.

***


Supremo Tribunal de Justiça,  7 de junho  de 2018

Rosa Tching (Relatora)

Rosa Ribeiro Coelho

João Bernardo

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[1] In, “ Comentário  ao Código de Processo Civil”, Vol. III, pág. 203.
[2] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.
[3] In, “Recursos  no Novo Código de Processo Civil”, 2017- 4ª Edição, pág.431. 
[4] Proferido no processo n.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1 e acessível na Internet – http://www.dgsi. pt/stj.
[5] Que, na continuidade da numeração seguida, seria o 23.
[6] In, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 8ª Ed., pág. 640.
[7] In “Ensaio”, pág. 48
[8] Neste sentido, Álvaro Dias, in “ Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios”, Almedina, 2001, pág. 272.
[9] Neste sentido, Acórdão do STJ, de 21.03.2013 ( processo nº 565/10.9TBVL.S1), acessível in www.dgsi.pt/jstj.
[10] Cfr. , entre muitos outros, os Acórdãos do STJ, de 07.10.2004 ( processo nº 2970/04); de 18.12.2008 ( processo nº 2661/08); de 15.11.2011 ( processo nº 106/08); de 05.12.2017 ( processo nº 505/15.9T8AVR.P1.S1)
[11] Cfr., entre outros, o Acórdão do STJ, de 05.12.2017 ( processo nº 1881/13.3TJVNF.G1.S1).
[12] Cfr., entre outos, o Acórdão do STJ, de 20.05.2010 ( proc. nº 103/2002); de 06.12.2011 ( processo nº 52/06.TBVNG.G1.S1); de 11.11.2010 ( processo nº 270/04.5TBOFR.C1.S1); 10.10.2012 ( processo nº 3008/09); de 05.12.2017 ( processo nº 1452/13.4TBAMT.P1.S1); de 14.12.2017 ( processo nº 589/13.4TBFLG.P1.S1).
[13] Acessível in www.dgsi.pt/jstj.
[14]Acessível in www.dgsi.pt/jstj.
[15] Relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes assinado pela ora relatora, na qualidade de Juíza Adjunta  e acessível  in www.dgsi.pt/jstj.
[16] Neste sentido, também o Acórdão do STJ, de 04.06.2015 ( processo nº 1166/10.7BBVCD.P1.S1), também acessível  in www.dgsi.pt/jstj.
[17] Relatado pela Conselheira Graça Trigo assinado pela ora relatora e pela Conselheira Rosa Maria Ribeiro Coelho, na qualidade de Juízas Adjuntas  e acessível  in www.dgsi.pt/jstj.
[18] Relatado pelo Conselheiro Alves Velho no proc. nº 07A1187 e publicado in www.dgs.pt/jstj.
[19] Cfr. Antunes Varela, in,  “ Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 9ª ed., pág. 628.
[20] Cfr. Acórdão do  STJ,  de 11/5/98 ( proc. 98A1262 ITIJ).
[21] De que é expressão o Acórdão do STJ, de 05.06. 197, in CJ, Ano IV, tomo III, pág. 892.
[22] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in, “Código Civil, Anotado”, 4ª ed. , pág 501.
[23] In obra citada.
[24] Todos publicados in www. dgsi.pt/jstj.
[25] Neste sentido, vide Ac. do STJ, de 16.01.1993, in, CJ/STJ, ano I, tomo III, pág. 183.
[26] Neste sentido, vide Ac. do STJ, de 11.10.1994, in CJ/STJ, ano VII, tomo II, pág. 49.
[27] In CJ/STJ, ano 1998, Tomo I, pág. 65.