Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
030683
Nº Convencional: JSTJ00004113
Relator: AMORIM GIRÃO
Descritores: TRIBUNAL TUTELAR DE MENORES
ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196202210306833
Data do Acordão: 02/21/1962
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IªS DE 23-03-1962 ; BMJ 114, 287
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1962
Área Temática: DIR TRIB - DIR CUSTAS JUD / ASSIST JUD.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 34 ARTIGO 668 PARUNICO ARTIGO 669 PARUNICO.
CPC61 ARTIGO 767 PARUNICO.
D 20431 DE 1931/10/24 ARTIGO 33 ARTIGO 34.
DL DE 1911/05/27 ARTIGO 82 ARTIGO 92 ARTIGO 94 ARTIGO 96.
CP852 ARTIGO 23 N3 N5.
CP886 ARTIGO 109.
PORT 4882 DE 1927/05/06.
D 15162 DE 1928/03/05 ARTIGO 19 PAR1 ARTIGO 21.
D 10767 DE 1925/05/15 ARTIGO 20.
EJ44 ARTIGO 100.
D 15344 DE 1928/04/10.
DL 35007 DE 1945/10/13 ARTIGO 4 N2.
DL 31189 DE 1941/03/24 ARTUNICO.
Legislação Estrangeira: L DE 1948/06/11 DE ESPANHA ART29.
L TUTELAR DE 1935/05/27 DE ITALIA ART12.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RP DE 1955/05/11 IN JR ANOI PAG618.
ACÓRDÃO RP PROC5314 DE 1961/03/01.
ASSENTO STJ DE 1951/12/19.
Sumário :
Não e permitida a constituição de assistente, nos processos instaurados nos tribunais de menores, a delinquentes de menos de 16 anos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Baseando-se no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, e dada a impossibilidade de recurso ordinario do acordão de 1 de Março de 1961, a folhas 25 e seguintes, o excelentissimo Procurador da Republica junto da Relação do Porto interpos o presente recurso extraordinario, a fim de se fixar a jurisprudencia.


Funda-se em que ele estava em nitida oposição com o acordão do mesmo Tribunal, de 11 de Maio de 1955, publicado na Jurisprudencia das Relações, de Albano Cunha, ano I, pagina 618, com transito em julgado, na parte em que o mais recente decidiu, alias com o aplauso do recorrente, que, nos Tribunais de Menores em processos contra menores delinquentes, e inadmissivel a constituição dos ofendidos como assistentes.


Admitido o recurso, apresentou o mesmo magistrado a sua alegação de folhas 38, para mostrar que, entre o acordão recorrido e o acordão anterior, se verifica o condicionalismo previsto no citado artigo 669, no que e acompanhado, sem esforço, pelo excelentissimo Ajudante do Procurador-Geral da Republica, conforme seu douto parecer de folhas 43 verso.
E o acordão da secção criminal de folhas 48 e seguintes, assim o entendendo tambem, mandou se seguissem os normais termos do recurso para o Tribunal Pleno.


Transposta, desta forma, a primeira fase do recurso, o excelentissimo magistrado do Ministerio Publico junto do Tribunal ad quem apresentou o seu notavel estudo de folhas 52, indicando a solução que devera dar-se ao conflito jurisprudencial sub judice, sustentando a tese que fez vencimento no acordão de 1961, que justifica proficientemente.


E corridos os vistos legais de todos os juizes deste Supremo Tribunal, vem agora os autos para se resolver a aludida divergencia e fixar a jurisprudencia.
O que tudo visto:


E de lei (paragrafo unico do artigo 767 do Codigo de Processo Civil, referido ao paragrafo unico do artigo 669 do Codigo de Processo Penal e ao paragrafo unico do artigo 668 deste ultimo diploma) que o acordão de folhas 48, a reconhecer a existencia da oposição, não impede que o tribunal pleno decida em sentido oposto.


Mas seria querer negar a propria evidencia pretender-se por em duvida a flagrante oposição entre os dois arestos, porquanto decidiram, opostamente, o de 1955 que, nos processos contra menores de 16 anos, nos tribunais de menores, e admissivel que os ofendidos se constituam parte assistente, enquanto o de 1961 decidiu que isso e inadmissivel, alias no dominio da mesma legislação, ou seja na vigencia dos Decretos de 27 de Maio de 1911, n. 10767, de 15 de Maio de 1925, do Codigo de Processo Penal e do Decreto-Lei n. 35007, de 13 de Outubro de 1945.


E, em face do preceituado nos artigos 33 do Decreto n. 20431, de 24 de Outubro de 1931 e artigo unico do Decreto-Lei n. 31189, de 24 de Março de 1941, tambem não ha duvida de que do acordão recorrido não havia lugar a recurso ordinario, sendo de presumir, pela mesma razão, que o primeiro transitou em julgado.


Agora quanto ao objecto do recurso:


Diferentemente do que se verifica, por exemplo, com a lei espanhola, de 11 de Junho de 1948, artigo 29, e com a lei tutelar italiana, de 27 de Maio de 1935, artigo 12, a nossa legislação sobre menores delinquentes nada dispos, ate agora, expressamente, sobre a materia em causa.


Mas e de reconhecer que, ocupando-se da assistencia aos proprios menores, o artigo 96 do citado Decreto de 27 de Maio de 1911, se tivesse querido admitir aos ofendidos a possibilidade de prestar assistencia ao Curador de Menores, te-lo-ia estabelecido claramente.


Esta-se, pois, perante uma lacuna da lei tutelar, a qual tem que ser resolvida a face do direito processual comum, sob condição de que os ditames deste se harmonizem com a legislação especial da jurisdição tutelar de menores (artigo 34 do Decreto n. 20431).


Ora, sem necessidade de entrar em linha de conta com o tratamento dos menores delinquentes, na vigencia das nossas antigas ordenações, pode dizer-se que, com a publicação do Codigo Penal frances de 1791, tambem entre nos começou a vingar o desvio da aplicação da lei penal comum aos menores, substituindo-a por medidas de protecção e de educação, evolução que começou com os artigos 85 e 99 do Codigo de 1837, 23, ns. 3 e 5 do Codigo de 1852 e que culminou com o Decreto de 27 de Maio de 1911 e com o artigo 109 do Codigo Penal, segundo a reforma de 1954.
Assim se condenou e repeliu a imposição das penas do Codigo Penal, quanto aos menores de 16 anos, despindo-se o processo de todo o formalismo dispensavel e dando-se completa autonomia ao direito criminal relativo a esses menores, que passou a ser, acima de tudo, um direito preventivo, tutelar, e educativo e subjectivo - isto merce do carinho e da particular atenção que, aos assuntos dos menores, dedicou o educador A, cujo nome não pode ficar esquecido, quanto ao esforço dispendido por ele, na renovação e aperfeiçoamento do nosso direito sobre menores.
Assim, desde o notavel Decreto de 27 de Maio de 1911, entre nos, se considerou a Tutoria - hoje Tribunal Central de Menores - como um tribunal "essencialmente de equidade, julgando pela sua consciencia" o qual tinha que furtar-se "a inflexibilidade da legislação comum sob o risco de atraiçoar os fins para que foi instituido" conforme se le no lucido relatorio preambular do mesmo diploma.


E foi-se, ali, ainda mais longe, procurando-se desvendar o caminho a percorrer em futuras alterações, na cura dos males sociais visados, escrevendo-se:
"por isso, as modificações que vieram terão em vista, exclusivamente, alargar, desenvolver, tornar mais pronta e mais energica a terapeutica do mal a prevenir ou a remediar".


Para tanto, partia-se do principio verdadeira e cientificamente exacto, de que "as crianças são a vida indecisa a despertar com a multiplicidade das suas incertezas, que não receberam ainda a modelagem persistente do meio" pelo que não podem estar sujeitas "ao rigor formulario de uma legislação taxativa, mas sim a leis especiais em que a razão e o sentimento tenham ampla liberdade de acção" (sic).


E, mais posteriormente, o legislador continuou a procurar a solução, para o problema da delinquencia infantil, na sujeição do menor a um regime misto, em que se conjugam os "esforços dos seguintes elementos reformadores: juridico e medico-pedagogico" importando olhar o delinquente, não atraves do seu delito, mas das suas condições fisico-psicologicas e mesologicas.
Ora tudo isto não se coaduna com a ideia de uma acção penal propriamente dita, da competencia dos tribunais comuns.


Por isso o legislador quis que a acção dos tribunais de menores seja exercida "sob a orientação e controle judiciario permanente dos respectivos magistrados, com provas, inqueritos e exames juridico-medico-pedagogicos, tudo com vista a escolha dos meios e processos de correcção mais adaptaveis a cada menor, ate a sua libertação como cidadão sui juris, ou a sua entrega a familia, conforme se acentua no relatorio que antecede o Decreto n. 10767, ja acima referido e na Portaria n. 4882, de 6 de Maio de 1927.
E certo que, apos os textos que ficam citados, muita agua passou sob as pontes, chegando a ser publicadas disposições, a prever, para os arguidos, em certos casos, o pagamento de imposto de justiça, pelo respectivo processo; e ate expressamente foram responsabilizados pela indemnização de perdas e danos a parte ofendida.


Assim, o artigo 19, paragrafo 1, do Decreto n. 15162, de 5 de Março de 1928 estabeleceu que nos processos crimes da competencia dos referidos tribunais especiais, no caso de condenação, o reu pagara um imposto de justiça; e, se os reus forem menores e não tiverem recursos, serão condenados os pais ou tutores que tenham intencional ou culposamente contribuido para a pratica dos factos ou para a situação que provocou o julgamento.
E, conforme o artigo 21 do mesmo diploma, nas causas crimes os tribunais da Infancia poderão arbitrar uma indemnização a pessoa ofendida, atendendo a gravidade da infracção, ao dano sofrido e a situação economica e social do ofendido e do agressor.


Mas, ate aqui, nada que possa desvirtuar a indole propria dos mesmos tribunais e a caracteristica especial das suas funções predominantemente tutelares.
Com efeito, as sanções para os menores delinquentes continuam a ser não consideradas penas, mas sim "medidas de prevenção, de reforma ou de correcção" podendo ir desde a simples repreensão ate ao internamento ou hospitalização em estabelecimentos apropriados, com medidas complementares de semi-internamento, liberdade condicional e alistamento no exercito ou na armada (artigo 20 e suas alineas do citado Decreto n. 10767).
E não deixa de ser significativo que o artigo 109 do Codigo Penal reformado tenha estabelecido que "os menores de 16 anos sujeitos a jurisdição dos tribunais de menores" e que, em relação a eles, "so podem ser tomadas medidas de assitencia, educação ou correcção previstas na legislação especial".


Por outro lado, logo de entrada, se mandou que os julgamentos de menores delinquentes se efectuem, sem a solenidade dos julgamentos de maiores, numa sala reservada, so podendo a eles assistir determinadas pessoas mencionadas no artigo 92 do Decreto de 27 de Maio de 1911, entre cujas se incluem os medicos, advogados, professores, alunos das escolas superiores e outras pessoas idoneas - mas so com autorização do presidente (paragrafo 1 do mesmo artigo).


E e obvio que tais simplificação de termos, disfarce de julgamento e objectivos a atingir seriam seriamente prejudicados, se a parte ofendida se reconhecesse o direito de, divergindo do tribunal, propugnar pela aplicação de medidas curativas diferentes daquelas que aquele entenda particularmente indicadas, permitindo-se fazer valer os seus pretensos direitos, por intermedio de doutos advogados, por mais servidores do direito que estes se comportassem.


Seria, absolutamente, contra a finalidade a atingir, deixar desenvolver litigios, em que esta em causa um tão nitido interesse publico, pelo jogo de interesses privados neles envolvidos.

E foi por ser assim que o Decreto n. 16489, ao aprovar o Codigo de Processo Penal, mandou que continuassem em vigor certas normas de processo penal, designadamente as relativas as infracções sujeitas a jurisdição "dos tribunais da infancia" (artigo 3).
E verdade que, segundo o assento de 19 de Dezembro de 1951, se entendeu que nos tribunais em referencia a instrução preparatoria dos processos crimes pertence aos respectivos representantes do Ministerio Publico, tendo-se tirado aos respectivos juizes presidentes a competencia para intervirem nessa fase, por mais que isso importe privar, por tempo indefinido, das vistas do tutor o seu tutelado (ver artigo 82 do decreto de 27 de Maio de 1911).
Mas a tanto levou a consideração de que as regras pelas quais pertencia aos juizes a instrução preparatoria, nos processos crimes, não eram privativas dos tribunais de menores, antes eram comuns a todos os tribunais criminais; e ainda as disposições dos artigos 33 e 34 do decreto n. 20431, acima citado, enquanto mandam aplicar, aos tribunais de menores, como direito subsidiario, os preceitos do Processo Civil e Penal comuns "que se harmonizem com a legislação especial da jurisdição tutelar de menores".
Daqui se infere tambem que os mesmos tribunais especiais continuam a ser "essencialmente de equidade". julgando pela sua consciencia no interesse dos menores, conforme expressamente o acentuava o artigo 100 do Estatuto Judiciario, segundo o Decreto n. 15344, de 10 de Abril de 1928.
Ora e, para nos, evidente que a possibilidade de os ofendidos se constituirem assistentes, nos processos contra delinquentes com menos de 16 anos de idade, com os poderes de formular acusação independentemente da do Ministerio Publico, oferecer provas requerer ao juiz novas diligencias e ate formular acusação por factos diversos dos que constituam objecto da acusação publica, devendo sempre fazer-se representar por advogado, não e compativel com a especialidade da prevenção e correcção da delinquencia infantil, que o legislador, desde 1911, sempre quis ver julgada antes pela razão e pelo sentimento, do que pelo rigor juridico, deixando aos juizes "ampla liberdade de acção" como acima se disse; e frustraria, porventura, aquela prontidão e energia, na terapeutica dos males, que se pretende remediar.
E aqui deve estar a razão por que, vindo a nossa legislação especial sobre menores, desde ha ja meio seculo, nunca nela, nem expressa nem tacitamente, se aludiu a figura de assistente aos curadores de menores, certamente por isso se considerar superfluo se não impertinente. Não, assim, como vimos, pelo que respeita aos proprios acusados que, tambem desde 1911, se mandou que fossem assistidos, durante a instrução do processo e no julgamento, por um curador e advogado, ou por pessoa idonea.
E que, de forma nenhuma, se pode harmonizar semelhante assistencia, nos processos em apreço, com os principios que ficam assinalados e antes seria qual grão de areia, a interferir num maquinismo tão delicado...
Pelo que não pode invocar-se o artigo 4 do Decreto -Lei n. 35007, para legitimar a possibilidade de semelhante intervenção, disposição que tem em vista outras categorias de acções penais, predominantemente repressivas.
E nem os menores de 16 anos podem propriamente considerar-se "criminosos", tanto que, segundo a citada Portaria n. 4882, o que, a seu respeito, o Estado pretende obter e salva-los dos males de que sofrem
- tantas vezes por culpa alheia - "pela reeducação moral, pela preparação profissional e ate pelo tratamento das condições psico-patologicas endogenas e exogenas observadas no exame medico e quantas vezes averiguadas no inquerito a familia e por aquele exame confirmadas".
E, por isso mesmo, foi suprimido, e bem o registo criminal para os menores de 16 anos (artigo 94 do Decreto de 27 de Maio de 1911).
Esta-se, pois, muito longe daquela especie de acções penais previstas no citado artigo 4, n. 2, do Decreto -Lei n. 35007, em que os ofendidos podem livremente intervir no processo, com todos os direitos reconhecidos aos assistentes.
E nem faça duvida a possibilidade de, nos processos crimes em analise, haver lugar a indemnização pelo dano e perda, a favor da pessoa ofendida, porquanto trata-se de mera faculdade do juiz "poderão arbitrar" de cujo uso, alias, não se tem noticia ate agora, e não de obrigação legal "arbitrara", como sucede nos crimes imputados a maiores (artigo 34 do Codigo de Processo Penal).
E e evidente que o Tribunal não deixara de ouvir a parte ofendida, ja nos inqueritos a que a lei obriga, ja na propria fase do julgamento, se o julgar conveniente; e aquela fica sempre salvaguardado o direito de recorrer aos meios ordinarios, como bem observa o Doutor Pedro Cluny, na Scientia Iuridica, tomo V, pagina 31.
Entendemos, pois, sem hesitar, que a aplicação subsidiaria aos processos de menores, daquele artigo 4 do Decreto-Lei n. 35007 e repelida pela natureza essencialmente tutelar da função, nos termos do artigo
34, parte final, do Decreto n. 20431.
E que, como bem observa o Ministerio Publico falta inteiramente ao assistente qualquer interesse para coadjuvar o curador de menores, e nos acrescentaremos que lhe faltarão, por via de regra, as necessarias formação moral e preparação tecnica.
Pelos fundamentos expostos, os signatarios, em tribunal pleno, acordam em proferir o seguinte asento:
"Não e permitida a constituição de assistente, nos processos instaurados nos tribunais de menores, a delinquentes de menos de 16 anos".
Não e devido o imposto de justiça.


Lisboa, 21 de Fevereiro de 1962

Amorim Girão (Relator) - Amilcar Ribeiro - Bravo Serra
- Alfredo Jose da Fonseca - Jose Osorio - Gonçalves Pereira - Cura Mariano - Lopes Cardoso - Alberto Toscano - Eduardo Coimbra - Arlindo Martins - F. Toscano Pessoa
- Jose Meneses - Ricardo Lopes.