Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
175/09.3TBOLH.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
TRADIÇÃO DA COISA
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA
EMPARCELAMENTO
PRÉDIO CONFINANTE
POSSE
PROPRIETÁRIO
USUCAPIÃO
PRÉDIO RÚSTICO
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 09/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES - DIREITOS REAIS / POSSE / DIREITO DE PROPRIEDADE / DIREITO DE PREFERÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª ed., Almedina, 327 e 328.
- Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 1999, 95.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista e Actualizada (Reimpressão) Coimbra Editora, 1987, 276, em anotação ao artigo 1381.º.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. V, 139.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 410.º, N.º1, 442.º, 755.º, N.º1, AL. F), 1251.º, 1380.º, 1381.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 26.11.1981, NO B.M.J. 311/384;
-DE 24.02.2015, PROC. N.º 283/2002.P2.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Tendo as decisões da 1.ª instância e da Relação dissentido no que toca à abrangência espacial do direito de preferência invocado pelos autores não se pode afirmar a existência de dupla conforme entre aquelas, ainda que a fundamentação das mesmas seja parcialmente coincidente.

II - Posto que a traditio não tem a virtualidade de transmitir a propriedade e que a eficácia constitutiva da posse como modo de aquisição de direitos reais se resume à aquisição por usucapião, a circunstância de o recorrente, por intermédio de um contrato-promessa de compra e venda, ter obtido a tradição de um imóvel confinante com aquele que é objecto do direito de preferência exercido pelos autores, apenas lhe confere a respectiva posse mas não a qualidade de proprietário (exigida pelo art. 1380.º, n.º 1, do CC), ainda que se apure que o preço ajustado foi por ele integralmente pago.

III - O direito de preferência conferido pelo art. 1380.º, n.º 1, do CC visa propiciar o emparcelamento e obviar à dispersão de prédios rústicos, sendo o mesmo excluído quando a alienação compreenda um conjunto de prédios que formem uma exploração agrícola de tipo familiar (al. b) do art. 1381.º do mesmo diploma), o que tem em vista conseguir a constituição de unidades agrícolas rentáveis. Por exploração agrícola de tipo familiar, deve-se entender a efectiva afectação dos prédios ao desenvolvimento habitual da agricultura por parte do cultivador ou de membros do seu agregado familiar.

IV - Porém, para que proceda essa excepção é ainda necessário que, à data da alienação, os prédios, ainda que dispersos, integrem já o conjunto que forma a unidade agrícola, de tal modo que a venda de algum deles coloque em causa a unidade económica criada pelo labor do alienante.

V - Situando-se o imóvel designado como prédio misto em zona não urbanizável, sendo as construções nele edificadas presentemente destinadas à agricultura e o seu solo apto para esse uso e posto que o direito civil não reconhece a categoria de prédios mistos, bem se decidiu, na Relação, que a sua parte urbana não poderia ser cindida da respectiva parte rústica

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório:

AA e BB instauraram a presente declarativa, sob a forma ordinária, contra CC e DD, pedindo que lhes fosse reconhecido o direito de preferência na aquisição de um prédio rústico e de um prédio misto que o segundo réu vendeu ao primeiro.

Para fundamentar o seu pedido alegaram, em suma, serem proprietários de um prédio misto confinante com os prédios rústico e misto vendidos, comprados pelo réu CC, que não é proprietário confinante, os quais têm área inferior à unidade de cultura e são, tal como o dos autores, aptos para a agricultura e a ela destinados.

Contestou o réu CC, alegando que comprou os prédios para integrarem uma exploração agrícola do tipo familiar, sendo o urbano para constituir a sua residência permanente, referindo que os autores não se dedicam à agricultura nos prédios de que são proprietários.

Subsidiariamente, caso a acção proceda, deve o direito de preferência verificar-se apenas em relação à parte rústica, pedindo, em reconvenção, a condenação dos autores no pagamento de € 8.102,79 relativos a despesas que efectuou nos prédios.

Também EE, herdeira habilitada do réu DD, contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Houve réplica.


Realizado o julgamento, foi proferida a sentença de fls. 384 a 419, a qual, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:

«a) Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, considerar verificado o direito legal de preferência na venda invocado pelos Autores AA e marido BB, declarando transmitida para estes a propriedade do prédio rústico sito em …, composto de terra de cultura arvense, alfarrobeiras, amendoeiras e figueiras, com a área de 3.000 m2, inscrito na matriz sob o artigo 41º da Secção G da freguesia de Quelfes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o numero 3749/… da freguesia de Quelfes, pelo preço de € 5.000,00 e do prédio rústico sito em ..., composto de terra de cultura arvense, eira, amendoeiras, alfarrobeiras, citrinos, figueiras, nespereiras, oliveiras e duas moradas de casas térreas, com a área total de 11.840 m2, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo 46º da Secção G da freguesia de Quelfes (actuais artigos 172º e 173º da mesma Secção G), descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o numero 3750/…, pelo preço de € 5.000,00, concedendo aos Autores o prazo de 15 dias para comprovarem nos autos o pagamento do preço devido, absolvendo os Réus do demais peticionado.

b) Absolver os Autores do pedido reconvencional deduzido pelo Réu CC».


Apelaram os autores e o réu CC.

Por acórdão de 17 de Dezembro de 2015 o Tribunal da Relação de Évora julgou:

«a) a apelação interposta pelo R. improcedente.

b) A apelação interposta pelos autores procedente e, em consequência, considerar verificado o direito legal de preferência na venda invocado pelos Autores AA e marido BB, confirmando a transmissão para estes da propriedade do prédio rústico sito em …, composto de terra de cultura arvense, alfarrobeiras, amendoeiras e figueiras, com a área de 3.000 m2, inscrito na matriz sob o artigo 41º da Secção G da freguesia de Quelfes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o numero 3749/… da freguesia de Quelfes, pelo preço de € 5.000,00 e também do prédio misto sito em …, composto de terra de cultura arvense, eira, amendoeiras, alfarrobeiras, citrinos, figueiras, nespereiras, oliveiras e duas moradas de casas térreas, com a área total de 11.840 m2, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo 46º da Secção G e a parte urbana sob os artigos 820º e 824º, todas da freguesia de Quelfes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o numero 3750/… da freguesia de Quelfes, pelo preço global de € 40.000,00, correspondendo € 5.000,00 ao prédio rústico do artigo 46º-G e € 17.500,00 ao preço de cada um dos prédios urbanos referidos (art. 820.º e 824.º)».


   Irresignado, recorreu de revista o réu CC.

Na alegação oportunamente apresentada, formulou a seguinte síntese conclusiva:

«A) O Recorrente, tendo a posse titulada por contrato-promessa de compra e venda, com a totalidade do preço pago e com a tradição do imóvel, sobre o prédio rústico inscrito sob o artigo 38 da Secção G da freguesia de Quelfes do concelho de Olhão, e actuando por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre esse imóvel, deveria ter sido considerado, à luz do art. 1251º do Código Civil e para efeitos do disposto nos arts. 1380º e 1381º do mesmo Código, proprietário de prédio confinante;

B) O acórdão recorrido, ao não ter considerado, para efeitos da qualificação de confinante, essa posse do Recorrente, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei substantiva, concretamente o disposto nos arts. 1251º, 1268º, 1380º e 1381º do Código Civil, preceitos que violou;

C) Por outro lado, resultando patentemente dos factos provados que o Recorrente exercia no prédio confinante e em prédios próximos, uma exploração agrícola tipo familiar, que já ocorria à data da compra dos prédios objecto da acção de preferência (e tendo em conta que na realidade e estrutura minifundiária dominante na agricultura do Sotavento algarvio esse exercício não é de dedicação exclusiva nem o predominante no confronto com outras actividades eventualmente exercidas pelos seus exploradores) e que visou prosseguir de forma empresarial, com a ampliação e redimensionamento da área de cultivo através da compra de prédios contíguos entre si (onde se incluem os prédios preferidos nesta acção) - verifica-se que, relativamente ao direito de preferência exercido pelos Recorridos, ocorre a excepção contida e prevista na alínea b. do art. 1381º do Código Civil;

D) Ao não entender assim, como era imposto pelos factos dados como provados, o acórdão recorrido fez uma errada interpretação, determinação e aplicação do disposto nos arts.1380º e 1381º, alínea b., do Código Civil.

E) Deverá ser, por isso, revogado o acórdão ora recorrido e, consequentemente, ser substituído por outro que julgue totalmente improcedente e não provada a pretensão dos aqui Recorridos e determine a absolvição do aqui Recorrente do pedido de preferência formulado.

CASO ASSIM NÃO SE OPINE,

F) Deverá considerar-se que, ao tornar o direito legal de preferência extensível aos prédios urbanos transmitidos, apenas pelo critério da localização da totalidade do prédio misto em zona não urbanizável e espaço agrícola definidos por instrumentos administrativos de ordenamento e gestão do território, o acórdão recorrido desconsiderou o não acolhimento pela lei civil do conceito de e subverteu a regra da livre transmissão autónoma e separada de prédios urbanos e prédios rústicos, como tal qualificados, independentemente da classificação administrativa do espaço onde estão enquadrados e se localizam.

G) Ao ter assim decidido, o acórdão recorrido inobservou o disposto nos arts. 204º e segs. do Código Civil, que violou por errada interpretação e aplicação.

H) Devendo, nessa medida, ser revogado esse acórdão ora em recurso».


Na contra-alegação pugnaram os autores pela inadmissibilidade da revista por existir «dupla conforme», verificando-se erro de escrita na decisão da 1ª instância quando julgou a acção apenas parcialmente procedente, mas transmitiu para os autores a propriedade do prédio descrito sob o n.° 3570 da freguesia de Quelfes, Olhão, composto de terra de cultura arvense, eira e duas moradas de casas térreas.

Defenderam ainda que, a não ser assim entendido, não pode ser admitida a revista com a amplitude pretendida pelo réu/recorrente face à absoluta coincidência de decisões no que respeita à questão de não assistir ao possuidor o direito de preferência e à improcedência da excepção fundada na previsão da al. b) do artigo 1381º do Código Civil, ou seja, de que a alienação abrange um conjunto de prédios que, embora dispersos, formam uma exploração agrícola do tipo familiar, situação impeditiva do direito de preferência.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:


II. Fundamentos:

De facto:

       É a seguinte a facticidade julgada provada:

1) Os Autores AA e BB são os únicos donos e legítimos possuidores de um prédio misto, situado em …, composto por terra de cultura, alfarrobeiras, amendoeiras e oliveiras, com a área total de 7.240 m2 e casas de habitação, sendo a área coberta de 155 m2 e a área descoberta de 7.085 m2, inscrito na matriz, a parte rústica sob o artigo 43º da Secção G e a parte urbana sob o artigo 7945º, ambos da freguesia de Quelfes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 2456/… da freguesia de Quelfes e aí registada a aquisição a seu favor pela inscrição correspondente à AP.8 de 2001-09-07, tal como resulta de fls. 14 a 16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 1º da petição inicial).

2) O Réu DD era o único dono e legitimo possuidor, de um prédio rústico sito em …, composto de terra de cultura arvense, alfarrobeiras, amendoeiras e figueiras, com a área de 3.000 m2, inscrito na matriz sob o artigo 41º da Secção G da freguesia de Quelfes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o numero 3749/… da freguesia de Quelfes e de um prédio misto sito em …, composto de terra de cultura arvense, eira, amendoeiras, alfarrobeiras, citrinos, figueiras, nespereiras, oliveiras e duas moradas de casas térreas, com a área total de 11.840 m2, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo 46º da Secção G e a parte urbana sob os artigos 820º e 824º, todas da freguesia de Quelfes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o numero 3750/… da freguesia de Quelfes e, em 27 de Outubro de 2008, vendeu por escritura pública os referidos prédios ao Réu CC, sendo o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 41º-G pelo preço de € 5.000,00 e o prédio misto inscrito na matriz sob os artigos 46º-G, 820º e 824º pelo preço global de € 40.000,00, correspondendo € 5.000,00 ao prédio rústico do artigo 46º-G e € 17.500,00 ao preço de cada um dos prédios urbanos, tal como resulta de fls. 17 a 21, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 2º, 8º e 9º da petição inicial).

3) O prédio dos Autores e os prédios que o Réu DD vendeu ao Réu CC são aptos à agricultura e a ela destinados (artigo 3º da petição inicial).

4) Neles sendo possível semear, em regime de sequeiro, trigo, cevada, favas e ervilhas, sendo que o prédio do artigo 46º-G dispunha de uma eira (artigos 4º e 5º da petição inicial)

5) Desses prédios recolhem-se os frutos das diversas árvores, tais como as alfarrobeiras, amendoeiras, oliveiras, figueiras e nespereiras neles implantadas (artigo 6º da petição inicial).

6) Os prédios referidos em 2) situam-se em zona não urbanizável, de acordo com os instrumentos de ordenamento territorial em vigor, estando inseridos em espaço agrícola conforme planta de localização e planta do PDM de Olhão, tal como resulta de fls. 22 a 24, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 7º da petição inicial).

7) Os prédios referidos em 2) inscritos com os artigos 41º-G e 46º-G de Quelfe confrontam com o prédio dos Autores referidos em 1) com o artigo 43º.G de Quelfes, tal como resulta de fls. 25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 11º da petição inicial).

8) Em 27 de Outubro de 2008, o Réu CC não era proprietário de qualquer prédio ou terreno confinante com qualquer dos terrenos/prédios referidos em 2) - (artigo 13º da petição inicial).

9) Pela compra referida em 2), para além do preço dos prédios, o Réu CC pagou também o imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis (IMT) no valor de € 850,00, pagou a escritura de compra e venda no valor de € 676,89 e o registo dos prédios a seu favor, na Conservatória do Registo Predial de Olhão no valor de € 250,00, tal como resulta de fls. 27 a 39, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 14º a 16º da petição inicial).

10) No âmbito da escritura pública referida em 2), o Réu CC adquiriu também ao Réu DD o prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo 40º da Secção G, sito em …, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, descrito na respectiva Conservatória sob o n.º 3748/… (artigo 3º da contestação do Réu CC-parte).

11) O prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo 40º da Secção G, sito em …, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão só tem a separá-lo do prédio rústico sob o artigo 41º da Secção G referido em 2), um estreito caminho e o prédio inscrito sob o artigo 46º da Secção G encontra-se separado do prédio rústico inscrito sob o artigo 41º por uma estreita faixa de terreno que constituiu um prédio rústico inscrito sob o artigo 48º da Secção G, cuja aquisição em comum e sem determinação de parte, por sucessão hereditária, está inscrita no registo predial a favor da Autora e outros, por apresentação de 24-10-2000, tal como resulta de fls. 183 e 184, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 7º e 8º da contestação do Réu CC e 13º da réplica).

12) Tanto os prédios rústicos inscritos na respectiva matriz predial sob os artigos 40º e 41º como a parte rústica do prédio misto inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo 46º confrontam com caminho (artigo 9º da contestação do Réu CC).

13) Para além dos prédios referidos em 2) e 10), o Réu CC tem inscrita a seu favor, por apresentação de 21-02-2001, a aquisição do prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 35º da Secção G, com a área de 2.840 m2 e, por apresentação de 21-02-2001, a aquisição do prédio misto inscrito na respectiva matriz predial na parte rústica sob o artigo 42º da Secção G, com a área de 2.560 m2 e a parte urbana sob o artigo 823º, com a área coberta de 59 m2 e logradouro de 221 m2, todos sitos no Sítio de …, tal como resulta de fls. 72 a 75, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 10º da contestação do Réu CC-parte).

14) O Réu CC celebrou com FF e mulher, com data de 27-11-2007, não tendo as assinaturas sido reconhecidas notarialmente, um contrato-promessa de compra e venda relativo ao prédio misto inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 38º da Secção G, com a área de 6.760 m2 e na matriz predial urbana sob o artigo 4364º, com a área coberta de 102 m2 e a área descoberta de 92 m2, sito no Sítio de …, freguesia de Quelfes e concelho de Olhão, pelo preço global de € 70.000,00, sendo paga na data da assinatura a quantia de € 30.000,00 e o remanescente na data da realização da escritura pública, tendo sido acordado que “No caso da Câmara Municipal do Concelho de Olhão não autorizar a reconstrução e mudança do local do prédio urbano que faz parte deste prédio misto, dentro da área do mesmo prédio misto, conforme lhe foi solicitado, ficará este contrato de promessa de compra e venda sem efeito, devolvendo os primeiros outorgantes, no prazo de trinta dias, ao segundo outorgante, em singelo, o sinal e princípio de pagamento da quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) que lhe foi paga nesta data”, tal como resulta de fls. 78 a 79 está na posse efectiva do misto, cujo teor se dá por integralmente (artigo 10º da contestação do Réu CC-parte).

15) O Réu CC entrou na posse do prédio referido em 14) em data não concretamente apurada, sendo que em 2009 já explorava o terreno (artigo 10º da contestação do Réu CC-parte).

16) Os prédios referidos em 13) e 14) situam-se próximos dos prédios referidos em 2) - (artigo 11º da contestação do Réu CC).

17) A parte rústica do prédio misto inscrita na matriz no artigo 46º da Secção G referido em 2) encontra-se actualmente inscrito nos artigos 172º e 173º da mesma Secção G, na sequência de um processo de expropriação de uma parcela que foi destacada e levado a cabo pelas Águas do Sotavento Algarvio, o que originou os 2 novos artigos (artigos 12º a 15º da contestação do Réu CC).

18) A parte rústica do prédio misto referido em 14), ou seja, o artigo 38º da Secção G, confronta a sul com o rústico inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 41º da mesma Secção (artigo 16º da contestação do Réu CC).

19) Os prédios rústicos referidos em 2), 13) e 14), desde data posterior a 27 de Outubro de 2008, no que concerne aos referidos em 2) e 14), são explorados pelo Réu CC com vista à implementação de uma plantação de alfarrobeiras, com vista a obter rendimentos (artigo 19º da contestação do Réu CC).

20) O Réu CC, na data da aquisição dos prédios referidos em 2), nos artigos 35º e 45º da Secção G, tratava do arvoredo (alfarrobeiras, oliveiras, figueiras, amendoeiras e nespereiras) e apanhando os seus frutos (artigos 20º a 22º da contestação do Réu CC).

21) O Réu CC já incorporou, após a aquisição dos prédios, na no seu projecto agrícola de plantação de alfarrobeiras a parte rústica do prédio misto, inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo 46º (hoje 172º- G e 173º- G), bem como os rústicos 40º- G e 41º- G (artigo 23º da contestação do Réu CC).

22) O Réu CC trata e explora as árvores existentes nos terrenos, apanhando os seus frutos (artigo 24º da contestação do Réu CC).

23) O Réu CC está a desenvolver, tendo apresentado a candidatura a fundos comunitários pela primeira vez em 31-07-2009, um projecto agrícola que engloba os prédios rústicos inscritos sob os artigos 35º, 38º, 42º, 40º, 41º, 172º e 173º, todos da Secção G que totalizam uma área aproximada de 29.244 m2 (artigo 25º da contestação do Réu CC).

24) O Réu CC encontra-se colectado como agricultor desde 12-02-2009, tal como resulta de fls. 90 a 93, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 26º da contestação do Réu CC).

25) O Réu CC frequentou com aproveitamento o curso de empresário agrícola ministrado pela Direcção Regional de Agricultura do Algarve, no período entre 20-03-95 e 22-12-95, tal como resulta de fls. 94, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 27º da contestação do Réu CC).

26) O Réu CC adquiriu os prédios misto, inscrita a parte rústica na matriz predial sob o artigo 46º, Secção G (actuais artigos 172 e 173, G) e a parte urbana inscrita na matriz predial urbana sob os artigos 820º e 824º, descrito na respectiva Conservatória sob o número 3750/…, para, na parte rústica se dedicar à agricultura (artigo 32º da contestação do Réu CC).

27) Os terrenos adquiridos pelo Réu CC referidos em 2), não eram cultivados/explorados agricolamente há mais de 20 anos (artigo 42º da contestação do Réu CC).

28) O Réu CC procedeu à alteração do artigo urbano 824º, parte integrante do prédio rústico, tendo colocado um telhado na mesma, por valor não concretamente apurado (artigo 61º da contestação do Réu CC).

29) O Réu CC procedeu à instalação de luz eléctrica no respectivo prédio urbano com o artigo 824º (artigo 62º da contestação do Réu CC).

30) O Réu CC teve despesas com a execução de ramal subterrâneo em BT, incluindo fornecimento e montagem de Cabo LSUAU 4×16, todas as ligações e acessórios, assim como, fornecimento de caixas no valor de € 732,00 (artigo 63º da contestação do Réu CC).

31) O Réu CC procedeu ao pagamento do respectivo ramal de electricidade na EDP, no valor de € 130,79 (artigo 64º da contestação do Réu CC).

32) O Réu CC procedeu ao arranjo do caminho de acesso ao artigo 46º da Secção G (actual 172º) referido em 2) e à limpeza do mesmo, requisitando os serviços de GG e despendeu com este trabalho valor não concretamente apurado (artigo 65º da contestação do Réu CC).

33) O Réu CC mandou efectuar levantamento topográfico do prédio (artigo 172º), tendo gasto o valor de € 400,00 (artigo 66º da contestação do Réu CC).

34) O Réu CC procedeu à construção de um muro no prédio rústico, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 172º da Secção G, no valor de € 1.800,00 (artigo 67º da contestação do Réu CC).

35) O Autor está colectado como agricultor desde 24-09-2010 (artigo 46º da réplica).

36) O Réu CC foi citado para a presente acção, pelo menos, em 02-03-2009.


 2. De direito:

     Como questão prévia importa afirmar, desde logo, que se não verificam, no caso em análise, os pressupostos indispensáveis para a verificação da dupla conformidade de decisões impeditiva da admissibilidade do recurso de revista à luz do disposto no artigo 671º nº 3 do Código de processo Civil.

Os autores deduziram um único pedido: que lhes fosse reconhecido o direito de preferência na aquisição de um prédio rústico e de um prédio misto vendidos pelo segundo réu ao primeiro.

O segmento decisório proferido nas duas instâncias relativamente ao pedido formulado pelos autores não é inteiramente coincidente e não se está perante um qualquer erro rectificável da sentença da 1ª instância. Nesta afastou-se o reconhecimento do direito de preferência relativamente à parte urbana do prédio misto objecto do contrato de compra e venda; na Relação reconheceu-se o direito de preferência dos autores em relação à totalidade desse mesmo prédio.

A fundamentação coincidente relativamente a alguns dos fundamentos do pedido não permite configurar uma situação de dupla conformidade das decisões em questão susceptível de restringir o âmbito de apreciação do recurso de revista.

Posto isto e vistas as conclusões recursivas, temos como questões nucleares a resolver, as seguintes:

- se, tendo sido paga a totalidade do preço e tendo havido tradição na sequência de contrato-promessa de compra e venda, actuando o recorrente por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, deve ser considerado, à luz do artigo 1251º do Código Civil, proprietário de prédio confinante para efeitos do disposto nos artigos 1380º e 1381º daquele código;

- se ocorre, relativamente ao direito de preferência exercido pelos recorridos, a excepção prevista na al. b) do artigo 1381º do Código Civil;

- se o critério da localização da totalidade do prédio misto em zona não urbanizável e espaço agrícola definidos por instrumentos administrativos de ordenamento e gestão do território, o acórdão recorrido desconsiderou o não acolhimento pela lei civil do conceito de prédio misto e subverteu a regra da livre transmissão autónoma e separada de prédios urbanos e prédios rústicos, como tal qualificados.


1. A presente acção visa obter o reconhecimento aos autores, aqui recorridos, do direito legal de preferência conferido pelo artigo 1380º nº 1 do Código Civil aos proprietários de terrenos confinantes em caso de venda a quem não seja proprietário confinante.

Os autores pretendem que lhes seja reconhecida primazia na aquisição de um prédio rústico e de um prédio misto, ambos objecto de contrato de compra e venda outorgado por escritura pública de 27 de Outubro de 2008 entre os dois réus, o primeiro – ora recorrente – como comprador e o segundo na qualidade de vendedor.

Alicerçaram esse direito na contiguidade desses prédios com um prédio misto de que são proprietários.

       Dispõe o nº 1 do artigo 1380º do Código Civil que:

Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda (…) de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante».

In casu, persiste o recorrente na afirmação de que, sendo possuidor de um imóvel (inscrito na matriz sob o artigo 38 da secção G), que confina com o prédio rústico (inscrito na matriz sob o artigo 41º da mesma secção G) objecto da presente acção, por virtude da traditio operada na sequência da celebração do respectivo contrato-promessa, deve considerar-se proprietário confinante para efeitos do disposto no artigo 1380º do Código Civil.

Não tem, porém, razão.

À luz do disposto no artigo 410º nº 1 do Código Civil pode definir-se contrato-promessa como a convenção pela qual uma ou ambas as partes se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar um determinado contrato.

Este contrato tem eficácia obrigacional. Dele emerge uma obrigação de facere. Os contraentes ficam vinculados a uma prestação de facto positivo, qual seja a de celebrar o contrato prometido ou definitivo, emitindo a correspondente declaração de vontade. Não tem a virtualidade de operar per se a transmissão do direito de propriedade.

O princípio da equiparação do contrato-promessa ao contrato prometido estabelecido no preceito legal citado, segundo o qual são aplicáveis àquele primeiro contrato, com as necessárias adaptações, as disposições legais que regem o segundo, nestas se incluindo, entre outras, as respeitantes à redução do preço e à venda de coisa alheia, comporta duas excepções que convém aqui assinalar.

Assim, não têm aplicação ao contrato-promessa as regras relativas à forma do contrato prometido, nem, por outro lado, as que, pela sua razão de ser, não devam considerar-se extensivas àquele.

Observa Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, págs. 327 e 328), que é no campo dos efeitos do contrato-promessa que tem pleno cabimento a segunda excepção à regra geral da aplicação ao mesmo do regime do contrato prometido, afirmando de forma lapidar que “não é aplicável à promessa de venda, que tem eficácia meramente obrigacional, o disposto na alínea a) do artigo 879º do Código Civil, como não lhe são extensivas as disposições que, na sequência lógica deste preceito, ou seja, da eficácia translativa da compra e venda, definem o risco do comprador pelo perecimento da coisa (art. 796º, 1) ou limitam o direito de resolução do contrato por parte do vendedor (art. 886º) ”.

A posse conferida ao réu Paulo Santos pela tradição do imóvel decorrente da celebração de um contrato-promessa, ainda que pago integralmente o respectivo preço, não lhe conferiu a qualidade de proprietário desse imóvel nem permite equipará-lo a proprietário para efeitos do reconhecimento do direito de preferência com base na contiguidade do prédio prometido vender com aquele a que respeita a preferência.

Na tradição de imóveis o promitente vendedor abdica do gozo da coisa, transferindo-o para o promitente-comprador. Contudo, a traditio não tem efeitos translativos, não investe o promitente-comprador na qualidade de proprietário do bem prometido vender.

Havendo incumprimento da outra parte, a tradição confere ao beneficiário da promessa direito de retenção sobre a coisa prometida vender para garantia do crédito que lhe advém desse incumprimento (artigos 442º e 755º nº 1 al. f) do Código Civil). Essa garantia especial das obrigações faculta ao promitente-comprador não faltoso o direito de não entregar a coisa a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele.

A eficácia constitutiva da posse – entendida na acepção do artigo 1251º do Código Civil – como fonte de aquisição de direitos reais, concretamente, do direito de propriedade, limita-se à aquisição por usucapião (cfr. Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 1999, pág. 95).

Não pode, por conseguinte, reconhecer-se ao recorrente, enquanto promitente-comprador de prédio confinante, a qualidade de proprietário ou equiparado para efeitos de gozo do direito de preferência.


2. O direito de preferência consagrado no aludido artigo 1380.º tem por finalidade, assim como o emparcelamento, pôr fim ao desmembramento e dispersão de prédios rústicos de pequena dimensão.

O legislador excluiu, porém, o direito de preferência dos proprietários de prédios confinantes nos casos em que a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma «exploração agrícola de tipo familiar» (al. b) do artigo 1381º do Código Civil) com o objectivo de obviar à fragmentação e dispersão da propriedade e das explorações agrícolas e conseguir a constituição de unidades agrícolas economicamente rentáveis.

Rodrigues Bastos (in Notas ao Código Civil, vol. V, pág. 139) definiu «exploração agrícola de tipo familiar» como “aquela que é exercida directa e habitualmente pelo agricultor, com colaboração frequente de elementos do seu agregado familiar”.

Procurando densificar esse mesmo conceito, que a lei não define, Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista e Actualizada (Reimpressão) Coimbra Editora, 1987, pág. 276) escreveram, em anotação ao artigo 1381º al. b) do Código Civil, dever entender-se como tal a exploração agrícola que tem por objecto “um ou mais prédios explorados, exclusiva ou predominantemente, com o trabalho próprio ou o das pessoas do seu agregado familiar”, ou seja, “parentes, afins ou serviçais que vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação com o cultivador”.

Referem os mesmos autores, citando o parecer da Câmara Corporativa de 21 de Abril de 1960, que não faria sentido que, constituída qualquer unidade agrícola capaz de assegurar à família que as explora em conformidade com as regras de uma boa técnica agrária um nível de vida satisfatório, embora com prédios dispersos, ela pudesse ser afectada com uma preferência de terceiro em relação a uma das parcelas.

Nesta linha de entendimento, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.1981 (BMJ 311/384) considerou que o elemento mais importante do conceito legal de «exploração agrícola de tipo familiar» consiste na efectiva afectação do prédio, ou conjunto de prédios, à exploração agrícola de forma habitual através do trabalho próprio do cultivador ou de pessoas do seu agregado familiar.

Esta doutrina, que temos como a que melhor interpreta o normativo em causa considerando a letra da lei, bem como os elementos histórico, teleológico e sistemático (artigo 9º do Código Civil), foi seguida mais recentemente no Acórdão deste Supremo Tribunal de 24.02.2015 (in www.dgsi.pt/jstj, proc. 283/2002.P2.S1).

Analisando a facticidade provada, temos que os dois prédios objecto desta acção de preferência formam, em conjunto com outros também propriedade do réu CC, uma unidade agrícola explorada, directa e habitualmente por este, pelo que não pode deixar de considerar-se como caracterizadora do conceito legal de «exploração agrícola de tipo familiar».

Com efeito, de acordo com os factos provados este réu procede à exploração directa dos prédios inscritos na matriz sob os artigos 35, 38, 40, 41, 45 e 46 (hoje 172-G e 173-G) da secção G da freguesia de Quelfes, para implementação de uma plantação de alfarrobeiras, com vista à obtenção de rendimentos, tendo apresentado a candidatura a fundos comunitários de um projecto agrícola que engloba aqueles prédios, sendo que os artigos 41-G e 46-G (hoje 172-G e 173-G) correspondem aos prédios sobre os quais os autores vêm exercer o seu direito de preferência (cfr. pontos 2), 13), 14), 19 21) e 23) dos factos provados). Encontra-se colectado como agricultor e frequentou até o curso de empresário agrícola ministrado pela Direcção Regional de agricultura do Algarve, com aproveitamento, no período compreendido entre 20.03.95 e 22.12.95 (pontos 24) e 25) dos factos provados).

Não obstante, tal não é suficiente para caracterizar a excepção ao direito de preferência consagrada no preceito em análise.

Na verdade, a lei exige ainda que à data da alienação os prédios, embora dispersos, estejam já integrados, ou seja, façam já parte de um conjunto susceptível de ser qualificado como uma «exploração agrícola de tipo familiar» (cfr. neste sentido o citado Acórdão de 24.02.2015).

Cumpre, pois, verificar se ao tempo da venda dos prédios existia já a falada «exploração agrícola de tipo familiar» impeditiva do exercício do direito de preferência pelos autores, proprietários confinantes.

Ora, resulta dos factos provados que tal não acontecia.

Na verdade, a escritura de compra e venda foi celebrada no dia 27 de Novembro de 2008 e nessa data o réu CC tratava do arvoredo (alfarrobeiras, oliveiras, figueiras, amendoeiras e nespereiras) que existia nos prédios a que correspondem os artigos 35-G e 45-G dos quais era já então proprietário (pontos 19), 20) e 21) dos factos provados).

Só posteriormente à data em que foi outorgada aquela escritura passou a explorar todos os prédios com vista à implementação de uma plantação de alfarrobeiras e apresentou um projecto agrícola, englobando todos prédios, para efeitos de candidatura a fundos comunitários, o que significa que à data da alienação não existia uma exploração agrícola minimamente organizada da qual fizessem já parte os dois prédios objecto da preferência de tal forma que a sua venda, ainda que dispersos e não confinantes, pusesse em causa a unidade económica já criada com o trabalho directo e predominante daquele réu.

Neste contexto, não pode ter-se por preenchido o impedimento ao gozo do direito de preferência previsto na al. b) do citado artigo 1381º.


3. Resta apurar se o acórdão recorrido subverteu a regra da livre transmissão autónoma e separada de prédios urbanos e prédios rústicos, como tal qualificados, ao entender que o prédio misto vendido aos autores não pode ser cindido de modo a considerar-se a sua parte urbana excluída do direito de preferência devendo, por conseguinte, manter-se subsistente a venda ao réu CC nesse particular.

Como se dá nota no acórdão recorrido, a lei civil “...não conhece o conceito de prédio misto e distingue um prédio rústico de um prédio urbano com base numa avaliação casuística, tendo subjacente um critério de destinação ou afectação económica “.

Daí que, a classificação provinda da inscrição matricial, é indiferente para efeitos da qualificação civil, que tem critérios próprios, se bem que “quer da descrição predial, quer da inscrição matricial, podem resultar elementos de facto úteis, para o julgador, no que toca ao conhecimento das realidades prediais que lhe cumpre qualificar” – Menezes Cordeiro “in” Tratado de Direito Civil Português, Volume I, Tomo II, 2ª edição, página 123.

A própria lei civil – artigo 204º do Código Civil – define um prédio rústico como “uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica” e um prédio urbano, como “qualquer edifício incorporado no solo, com terrenos que lhe sirvam de logradouro” – nº 2 do referido artigo.

Em anotação ao citado normativo Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume I, pág. 196, escrevem:

“Em conformidade com o critério legal, não devem considerar-se prédios urbanos, mas partes componentes dos prédios rústicos, as construções que não tenham autonomia económica, tais como as adegas, os celeiros, as edificações destinadas às alfaias agrícolas, etc., assim como não devem considerar-se prédios rústicos os logradouros de prédios urbanos, como os jardins, pátios ou quintais. Ao logradouro deve ser atribuída a mesma natureza do edifício a que está ligado, designadamente para efeito determinação do seu valor, em caso de expropriação por utilidade pública […] para efeito de averiguar se, em caso de alienação, se verificam os pressupostos do exercício de algum dos direitos de preferência previstos na lei…”.

A distinção deve, assim, apoiar-se numa avaliação casuística, tendo subjacente um critério de destinação ou afectação económica ( Ac. do Supremo Tribunal de 31.1.1991, in BMJ 403, 416, de 28.02.2008 Proc. 080A75 Relator Fonseca Ramos e de 3.11.2011 Proc. 7712/05.0, Relator Oliveira Vasconcelos).

No caso concreto, nem há necessidade de abordar a propalada questão da inspecção judicial para se aferir da natureza do imóvel em questão já que não só resulta do ponto 3. e 6. dos factos assentes que o prédio em apreço é apto para a agricultura e é a ela destinado como também se situa [situam-se] em zona não urbanizável, de acordo com os instrumentos de ordenamento territorial em vigor, estando inseridos em espaço agrícola conforme planta de localização e planta do PDM de Olhão, tal como resulta de fls. 22 a 24. Por outro lado, segundo o próprio R. declarou (ver fls. 396) é sua intenção arranjar as casas para habitar, casas que servem de apoio à agricultura”.

Não nos suscita qualquer reparo este entendimento do Tribunal da Relação, o qual procede a uma análise e interpretação correctas quer do regime legal aplicável, quer da facticidade provada e que se acolhe aqui por inteiro, sem necessidade de qualquer outra argumentação adicional para se concluir no mesmo sentido decisório.


Termos em que naufraga, totalmente, a revista.


III. Decisão:

Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 8 de Setembro de 2016


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Maria dos Prazeres Beleza