Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
649/09.6TVLSB.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BENTO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
CAUSA DE PEDIR
OBRAS
DETERIORAÇÃO
DEMOLIÇÃO DE OBRAS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
DANO
REPARAÇÃO DO DANO
DANOS FUTUROS
LIMITES DA CONDENAÇÃO
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
Data do Acordão: 01/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - As obras realizadas no locado que, sem autorização do senhorio, alteraram a divisão interna das suas divisões e por isso fundamentaram a resolução do contrato de arrendamento configuram-se como deteriorações incompatíveis com uma utilização prudente do mesmo e cuja eliminação compete ao locatário, como típica obrigação de indemnização na forma de reconstituição natural.
II - Os danos constituídos por essas alterações não se confundem com os danos causados pela reposição do locado no estado em que o locatário o recebeu, mas sobre este impende a obrigação de indemnizar uns e outros.
III - Formulando-se um pedido de «relativamente ao valor dos danos causados para reposição do locado no estado em que o mesmo se encontrava, caso venha a ser necessário, se condenassem os Réus, solidariamente, no pagamento do valor que os autores venham a despender, a liquidar em execução de sentença», tratando-se de um dano futuro, o mesmo deve improceder se não foram alegados e concretizados os danos que previsivelmente serão causados pelos trabalhos de reposição do locado.
V - A condenação na reposição do locado no estado anterior aquele em que se encontrava, aquando da celebração do contrato ou no pagamento, no regime de solidariedade, do valor que os apelantes venham a ter que despender para tal efeito, relegando-se para execução de sentença tal valor, configuraria perante aquele pedido nos termos em que foi formulado, condenação em objecto diverso do pedido, determinativa da nulidade da sentença nessa parte.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


RELATÓRIO

Distribuída à 2ª Vara Cível (2ª Secção) do Tribunal Cível de Lisboa aí correu termos a acção de processo ordinário intentada por AA e mulher, BB, na qualidade de locadores, contra CC – Unipessoal Lda e DD, na qualidade de locatária e fiador, respectivamente e na qual aqueles pediam que:

I - se decretasse a resolução do contrato de arrendamento que celebraram com a 1 a Ré e se ordenasse o despejo da Ré do locado, devoluto de pessoas e bens;

II - se condenassem os Réus, solidariamente, a pagar ao Autor, as rendas vencidas no valor de €5.600,00, e as rendas vincendas, no valor de €1.400,00 mensais, até à efectiva entrega do locado, acrescido de juros à taxa legal desde a citação;

III – relativamente ao valor dos danos causados para reposição do locado no estado em que o mesmo se encontrava, caso venha a ser necessário, se condenassem os Réus, solidariamente, no pagamento do valor que os autores venham a despender, a liquidar em execução de sentença,

Alegaram, para obterem estes efeitos jurídicos, que a 1ª Ré realizou obras no locado - sito na loja do prédio da Rua Prof. ............., bloco 0000, piso 0, com estacionamento no piso ...do bloco..., com o nº..., na urbanização das Telheiras, em Lisboa – as quais alteraram a disposição interna das respectivas divisões, sem autorização dos AA e a falta de pagamento das rendas peticionadas.

A acção foi contestada, seguindo-se a tramitação processual subsequente adequada a esta forma de processo até à sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, consequentemente:

a)        Declarou resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e a 1ª Ré;

b)        Declarou extinto, por inutilidade superveniente da lide, o pedido de entrega do local arrendado, livre de pessoas e bens;

c)         Condenou os Réus, solidariamente, a pagar aos Autores a quantia de €. 5.600,00 (cinco mil e seiscentos euros), a título de rendas vencidas respeitantes aos meses de Janeiro a Abril de 2009;

d)        Condenou os Réus, solidariamente, a pagar aos Autores a quantia correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal para os juros civis, sobre a quantia referida na al. c), desde a citação até efectivo e integral pagamento;

e)        Condenou os Réus, solidariamente, a pagar aos Autores a quantia de €26.600,00 (vinte e seis mil e seiscentos euros), a título de rendas vencidas respeitantes aos meses de Maio de 2009 a Novembro de 2010;

f)         Condenou os Réus, solidariamente, a pagar aos Autores a quantia correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal para os juros civis, contados sobre a quantia de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros), devida a título de renda mensal, por cada mês decorrido desde o segundo dia útil dos meses anteriores, respectivamente, a Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2009, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010, até integral pagamento.

g)        Absolveu os Réus do demais pedido contra si pelos Autores

Os AA, inconformados, interpuseram recurso de tal decisão, pugnando na respectiva alegação pela sua revogação na parte que lhes foi desfavorável, designadamente no que concerne à pretensão formulada no ponto III do seu petitório pela condenação dos RR a reporem o locado no estado anterior aquele em que se encontrava, aquando da celebração do contrato ou no pagamento, no regime de solidariedade, do valor que os apelantes venham a ter de despender para tal efeito, relegando-se para execução de sentença tal valor.
Sintetizaram as razões da sua discordância nas seguintes conclusões:
1ª - CONSIDERANDO QUE:
a) O Tribunal deu como provado que os RR realizaram no locado, obras que alteraram a sua estrutura interna; (Factos 8 a 10).
b) Que, os RR não obtiveram autorização dos Senhorios para tal alteração;
c) Que, tais alterações foram consideradas ilegais;
d) Tendo em vista o pedido constante do n.º III do pedido apresentado na acção, a R. decisão, aplicando o direito aos factos, deveria nesta parte:
1. Condenar os RR ora apelados, a repor o locado no estado anterior aquele em que se encontrava, aquando da celebração do contrato.

Ou,

2. No pagamento, no regime de solidariedade, do valor que os apelantes venham a ter de despender para tal efeito, relegando-se para execução de sentença tal valor.
 
2ª - Sendo certo que, tal como acima se referiu no relatório, resulta claramente da interpretação que se extrai do pedido apresentado em "III" na acção;

3ª - A R. decisão recorrida, viola no entendimento dos Apelantes, o disposto no artigo 9º, 483º; 1043º, nº 1;1044º do CC e bem assim o disposto no n.º 2 e 3 do art.s 659.º e 661º do C.P.C.

Em face do disposto no artigo 725º do CPC, e, dado que os Apelantes apenas suscitam questões de direito, e dado que, no caso se verificam os demais pressupostos legais a que se refere o art. 725º do CPC, requer que o recurso suba ao Supremo Tribunal de Justiça e ali processado como Revista.

Concluíram, pedindo:
1- Que, ante as conclusões apresentadas, se revogue a R. decisão recorrida e, em consequência, sejam os apelados condenados tal como se conclui acima na 1ª. conclusão.

2 - Que, em consequência, a condenação das custas seja também alterada, ficando as mesmas a cargo dos RR, na sua totalidade.

Os RR contra-alegaram, defendendo a justeza do decidido.

A pedido dos AA e sem oposição dos RR, o recurso foi admitido para subir directamente ao STJ, nos termos do art. 725º CPC.

Remetido a este STJ, e distribuído como revista, após o exame preliminar, foram corridos os vistos legais.

Nada continua a obstar ao conhecimento do recurso.

FUNDAMENTAÇÃO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1.         Os AA. são donos da loja do prédio sito na Rua Prof. ............., bloco 0000, piso zero, com estacionamento no piso menos quatro do bloco..., com o nº..., urbanização de Telheiras, descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº 0000, inscrito na matriz urbana da freguesia de Telheiras, sob o artigo correspondente à fracção identificada pelas letras DA.

2.         No dia 2 de Janeiro de 2008, os AA. celebraram com a 1ª R. o contrato junto aos autos a fls. 13 a 16, cujo teor dou aqui por reproduzido que denominaram de “contrato de arrendamento comercial”.

3.         O 2º R. interveio no referido contrato na qualidade de fiador.

4.         Foram acordadas as seguintes cláusulas:

“Terceira

O arrendamento fica sujeito aos seguintes termos:

.a) O arrendamento é feito pelo prazo de cinco anos, supondo-se automática e sucessivamente renovado por períodos de três anos, tem início no dia 1 de Março de 2008 e termino no dia 28 de Fevereiro de 2013 e fica sujeito ao regime de duração limitada nos termos dos artºs 117º e seguintes do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pela L 6/2006, de 27 de Fevereiro:

b) A renda mensal é de euros 1.400,00 (mil e quatrocentos euros), vence-se no primeiro dia útil do mês anterior aquele a que disser respeito e é paga em dinheiro ou por cheque no domicilio dos locadores ou no local que por eles for indicado ou ainda por transferência bancária para a conta a indicar pelos locadores:

parágrafo Único - Fica desde já acordado que até indicação em contrário as rendas serão pagas através de transferência bancária para a conta titulada pelos locadores junto do Banco Espírito      Santo, em Telheiras, com o NIB 00000000000000000000.

c) No acto da outorga do presente contrato, a arrendatária paga a renda relativa ao mês de Março, da qual será passado no momento do pagamento o respectivo recibo;

d) A renda será actualizada anualmente nos termos da lei;

e) O local arrendado destina-se exclusivamente à actividade de consultório de Medicina Quântica;

f) A arrendatária só poderá proceder a obras no local arrendado mediante prévia autorização escrita dos locadores, ficando as mesmas a fazer parte integrante do imóvel e não podendo a arrendatária em tempo algum pedir por elas qualquer indemnização ou alegar direito de retenção:

Parágrafo Primeiro - Exceptuam-se as benfeitorias que possam ser retiradas sem prejuízo do local arrendado;

Parágrafo Segundo - Fica a arrendatária desde já autorizada a realizar as obras de acabamentos  e de adaptação do local arrendado, bem como  efectuar  uma passagem para a fracção contígua, nunca colocando em risco nenhum elemento de cariz estrutural do edifício, sendo todas as obras de sua conta e responsabilidade;

Parágrafo Terceiro - A arrendatária, compromete-se no final do contrato, fechar a ligação mencionada no ponto segundo desta alínea, repondo o estado inicial do imóvel.

g) É por conta da arrendatária o pagamento das taxas de ligação às redes de água, luz e telefone, obrigando-se esta a manter as melhores condições de higiene e a cumprir o regulamento do condomínio;

.h) A arrendatária poderá colocar anúncios, letreiros, tabuletas ou qualquer outra forma de publicidade inerentes à sua actividade, desde que não contrarie as regras aplicáveis do condomínio, designadamente o seu regulamento e respectivos aditamentos, dando para o efeito prévio conhecimento aos locadores. À arrendatária compete a obtenção das autorizações e licenciamentos que se mostrem necessários para tal fim, sendo a única responsável pelo pagamento de eventuais taxas e suportando todos os custos a ela inerentes;

i) A arrendatária não poderá dar uso diferente ao locado nem poderá fazer cedência ou sublocação, total ou parcial, onerosa ou gratuita, sem autorização escrita dos locadores;

.j) A arrendatária obriga-se a manter o locado nas condições em que o receber e a fazer uma utilização cuidada do mesmo;

.k) Obriga-se ainda a final do contrato a restituir o local arrendado no mesmo estado de conservação e nas condições em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização;

.l) São da responsabilidade da arrendatária a execução por sua conta das obras de conservação eventualmente determinadas pelas entidades competentes;

.m) A arrendatária pode denunciar o presente contrato de arrendamento no fim do prazo da sua duração ou no das suas renovações ou bem como revogá-lo a todo o tempo, mediante comunicação escrita a enviar aos locadores, com a antecedência mínima de noventa dias sobre a data em que se operam os seus efeitos.

Quarta

Pelo presente contrato, o terceiro outorgante (o ora 2ºR., entre parêntesis nosso) presta fiança à segunda outorgante, responsabilizando-se assim expressamente a, em caso de incumprimento por parte da segunda outorgante (a ora 1ª R., entre parêntesis nosso),  assumir todas as suas obrigações resultantes do presente contrato nomeadamente no que toca ao  pagamento das  rendas e eventuais penalizações.

Quinta

Os outorgantes acordam em estipular o foro da comarca de Lisboa para dirimir quaisquer  eventuais  questões  emergentes  do   presente  contrato,   renunciando expressamente a qualquer outro.

5. O contrato referido em teve início em 1 de Março de 2008.

6. As partes acordaram fixar a valor da renda mensal em 1.400,00 euros a pagar por transferência bancária para a conta indicada, existente em nome dos AA. no Banco Espírito Santo.

7. A configuração interna do locado era aquela que consta da planta junta aos autos a fls. 18 cujo teor se dá aqui por reproduzido.

8. A R. não pagou as rendas relativas aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2009.

9. A 1ª R. efectuou as seguintes obras no local dado de arrendamento: . Mudou a casa de banho de local;

. Substituiu o tecto falso existente; .Fez um corredor interno na loja; e, . Substitui o chão existente.

10.      Com as obras realizadas a R. criou novas divisões, alterou a composição interna e destruiu paredes existentes e as canalizações de água e esgotos.

Está, ainda, provado, ao abrigo do princípio da aquisição processual, que:

11.      Os Réus entregaram em 7 de Outubro de 2010 as chaves da loja objecto dos autos.


FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Tendo os recorrentes, enquanto AA, cumulado vários pedidos - um dos quais formulado nestes termos, que “relativamente ao valor dos danos causados para reposição do locado no estado em que o mesmo se encontrava, caso venha a ser necessário, (…) a Ré seja condenada no pagamento do valor que os autores venham a despender e cujo montante se relega para execução de sentença nos termos do n°.2 do arto.661 do CPC”, a 1ª instância, reconhecendo-lhes o direito à reposição do locado no estado em que se encontrava à data do início do contrato de arrendamento, salvas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, absolveu os RR por falta de alegação e demonstração dos danos causados pela dita reposição.

Escreveu-se, a propósito, na douta sentença recorrida:

#Concluindo-se pelo exercício em tempo, e fundado, do direito dos Autores pedirem aqui a resolução do contrato de arrendamento que celebraram com a 1ª Ré, também pela realização, por parte desta, de obras não autorizadas, importa agora verificar se aqueles têm igualmente o direito de exigir a condenação desta no pagamento do valor dos danos causados para reposição do locado no estado em que o mesmo se encontrava, caso venha a ser necessário, e no montante que os autores venham a despender.

Lê-se, a propósito, no art. 1043º, nº 1 do C.C. que, «na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato».

De idêntico modo se dispôs no contrato de arrendamento em causa, nomeadamente na sua Cláusula 3ª, al. k), onde se lê que a arrendatária «obriga-se ainda a final do contrato a restituir o local arrendado no mesmo estado de conservação e nas condições em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização».

Concretizando, com apelo a quanto se deixou já dito, não podendo as obras e alterações realizadas pela 1ª Ré serem caracterizadas como «deteriorações inerentes a uma prudente utilização» da mesma, e vindo a ser obrigada a restituir à Autora o prédio, mercê da resolução que se irá operar, tê-lo-á que repor no estado que se encontrava antes da realização de tais obras, por a isso a obrigar a lei e os termos do contrato em causa.

Contudo, os Autores não peticionaram nos autos a condenação da 1ª Ré na reparação das ditas obras, com a reposição do prédio locado no estado anterior às mesmas, mas antes a sua condenação no pagamento do “valor dos danos causados para reposição do locado no estado em que o mesmo se encontrava, caso venha a ser necessário, e que venham a despender”, a liquidar em execução de sentença.

Ora, lê-se no art. 566º, nº 3 do C.C. que, «se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».

E de acordo com o art. 661º, nº 2 do C.P.C., «se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida».

Contudo, o disposto nos citados preceitos não dispensa o lesado de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos.

Sucede que não foi alegado,  nem demonstrado,  nesta acção que os Autores tenham sofrido, ou venham de facto a sofrer, danos com a reposição do locado no estado em que se encontrava, ou seja, que tenham sofrido esse prejuízo.

Deverá, assim, julgar-se em conformidade, absolvendo-se a 1a Ré deste pedido”.

Contudo, defendem os AA, ora recorrentes, que tendo as obras sido realizadas sem sua autorização e sido consideradas ilegais, a sentença, apreciando o referido pedido nos termos em que foi formulado – e que eles reconhecem que poderia ser mais claro… - deveria ter condenado os RR a repor o locado no estado anterior aquele em que o mesmo se encontrava aquando da celebração do contrato ou no pagamento, no regime de solidariedade, do valor que os apelantes venham a ter de despender para tal efeito, relegando-se para execução de sentença tal valor.

Está em causa, portanto, a questão (de direito adjectivo) do pedido e respectivos limites bem como dos limites da condenação.

Apreciando, pois:

O processo civil é regido, entre outros, pelo chamado princípio dispositivo, segundo o qual a iniciativa e a conformação do processo competem às partes; e, como consequências de tal princípio, o processo só se inicia sob o impulso da parte (normalmente o Autor ou requerente) mediante o respectivo pedido – princípio do pedido – sendo também às partes (AA e/ou requerentes e agora também aos RR/ requeridos) que compete delimitarem o thema decidendum, não tendo o juiz de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi – é a chamada correspondência entre o pedido e o pronunciado (cfr. Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 372).

Correspondência que outros também chamam congruência e que, sobressaindo a relevância do pedido, tem sido expressa pela adequação da sentença às pretensões das partes, pela correlação entre as petições de tutela e as decisões judiciais e pela harmonia entre o solicitado e o decidido; assim, a sentença não pode condenar e quantidade superior nem em objecto diverso do pedido, sob pena de enfermar de nulidade (art. 661º nº1 e 668º nº1-e) CPC).

O pedido é a forma de tutela jurisdicional requerida para uma situação jurídica, tutela essa que pode analisar-se, entre outras, na condenação na realização de uma prestação (art, 4º nº2-B) CC); quando formula o pedido, a parte requer uma certa tutela jurisdicional para uma determinada situação jurídica (cfr. Teixeira de Sousa, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, p.120-121).

Isto porque “ninguém pode propor uma acção na qual se limite a expor determinada situação de facto, deixando ao tribunal a escolha das medidas a adoptar, assim como não se pode requerer ao tribunal determinada providência sem que se exponha a situação de facto com base na qual se afirma a titularidade de um direito que se pretende ver tutelado. Daí que o pedido nos apareça como o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir (cf art. 668º, nº 1, al e)” (cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, ol. I, 1981, p. 201).

Por outras palavras, perante um conflito de interesses que demanda solução judicial (já que a ninguém é permitido o recurso à força ara realizar o seu próprio direito – art. 1º CPC) - o pedido é a proposta de solução desse conflito apresentada pelo demandante, como decorre do art. 3º nº1 CPC).

Volvendo ao caso sub Júdice:

Está provado que, sem autorização dos AA:

A 1ª R. mudou a casa de banho de local, substituiu o tecto falso existente, fez um corredor interno na loja; e substitui o chão existente e com tudo isto a Ré criou novas divisões, alterou a composição interna, destruiu paredes existentes e as canalizações de água e esgotos.

A situação jurídica criada pela realização destas obras e o conflito de interesses assim desencadeado, fundamentava o direito à resolução do contrato de arrendamento – que foi reconhecido aos AA e decretado.

Mas a cessação do contrato de arrendamento, por sua vez e independentemente da respectiva causa, implica também a obrigação para o arrendatário de restituir o locado (art. 1043º nº1 CC) – restituição esta que só não foi ordenada, no caso em apreço, por inutilidade superveniente da lide, decorrente da entrega das chaves do locado aos AA em 07-10-2010.

Mas a restituição é qualificada: o locado deve estar no estado em que o locatário o recebeu o locado, salvas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização.

Ora, as obras realizadas no locado configuram deteriorações, pelas quais responde o locatário (art. 1044º nº1 CC).

Assim reconduzidas a deteriorações, as obras são danos; e se, por elas responde o locatário, isso significa que sobre ele impende a obrigação de as eliminar (as deteriorações), ou seja, de as indemnizar (de eliminar o dano…), em reconstituição natural do locado, assim reconstituindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – isto é, a realização das obras (art. 562º CC).

Isso mesmo se reconheceu na sentença recorrida: os RR estavam obrigados a repor o locado no estado em que o receberam.

Mas os AA não formularam tal pedido de condenação dos RR a “desfazerem” as alterações no locado, repondo-o no statu quo ante: pediram, sim, que “relativamente ao valor dos danos causados para reposição do locado no estado em que o mesmo se encontrava, caso venha a ser necessário, que a Ré seja condenada no pagamento, do valor que os autores venham a despender e cujo montante se relega para execução de sentença nos termos do n°.2 do arto.661 do CPC”. 

Já sabemos que as alterações resultantes das obras no locado se reconduzem a um dano.

Mas uma coisa são os danos em que se analisam as alterações resultantes das obras ilícitas e que a reposição visa eliminar, outra, diversa, os danos causados pela reposição.

Não custa admitir, com efeito, que os trabalhos de eliminação das alterações efectuadas impliquem danos, quer ao senhorio, quer mesmo a terceiros, que devam ser ressarcidos.

E se aos AA falece legitimidade para reclamarem a indemnização desses danos causados a terceiros, já o mesmo não acontece com os danos que afectem o seu património

E, como é óbvio, quem deve suportar esses danos é o locatário: os custos da reposição, incluindo o da eliminação das alterações ilícitas e os acréscimos decorrentes da indemnização de danos necessariamente causados por esses trabalhos, devem onerar o locatário.

Ora, o que os AA peticionam é a condenação dos RR a reembolsá-los de despesas futuras consistentes nas quantias pecuniárias que vierem a despender com os danos causados para reposição do locado no estado em que o mesmo se encontrava, caso venha a ser necessário.

A necessidade hipotética e condicional subjacente na expressão “caso venha a ser necessário” enferma de perturbadora ambiguidade: tanto pode referir-se à necessidade de os AA se substituírem aos RR na realização das obras e consequentes despesas como à necessidade de trabalhos de reposição do locado no estado anterior.

Mais uma vez se repete: “danos causados para reposição do locado no estado em que o mesmo se encontrava” não são os danos que a reconstituição natural do locado (no estado em que o mesmo se encontrava) pretende reparar; os danos consubstanciados nas deteriorações (e que a reposição visa eliminar) não se confundem com os danos pelos trabalhos de reposição – aqueles são danos primários e estes, a existirem, serão danos subsequentes.

E os AA, tendo direito à indemnização por ambos, peticionaram apenas a indemnização destes últimos.

Só que omitiram a alegação – e subsequente demonstração - dos factos em que os mesmos se concretizavam, como se referiu na douta sentença recorrida; quer dizer, da matéria de facto que nos é patenteada não se descortina que os trabalhos de reposição impliquem necessariamente quaisquer outras desvantagens patrimoniais para os AA que não as decorrentes do respectivo custo (cujo reembolso eles não pediram).

Tais danos, nos termos que resultam da alegação, são futuros: os AA só podem a condenação da Ré no pagamento do valor que eles vierem a despender.

Ora, o pressuposto da ressarcibilidade dos danos futuros é a sua previsibilidade (art. 564º nº2 CC), o mesmo é dizer, a sua probabilidade.

Pergunta-se, pois, parafraseando os termos em que os AA formularam o pedido: relativamente ao valor dos danos que previsivelmente forem causados para reposição do locado no estado em que o mesmo se encontrava, caso venha a ser necessário, se condenassem os Réus, solidariamente, no pagamento do valor que os autores previsivelmente venham a despender, a liquidar em execução de sentença…

De outro modo dito: quais são os danos que provavelmente resultarão para os AA com os trabalhos de eliminação das alterações ilícitas?

É uma pergunta de resposta impossível, face à matéria de facto: não porque se não tivessem provados quaisquer danos, mas, pura e simplesmente, porque nenhuns danos foram alegados…e só podiam ser objecto de prova os factos alegados, porque o ónus de alegação precede o ónus de prova.
A condenação dos RR a repor o locado no estado anterior aquele em que se encontrava, aquando da celebração do contrato ou no pagamento, no regime de solidariedade, do valor que os apelantes venham a ter de despender para tal efeito, relegando-se para execução de sentença tal valor configuraria, portanto, condenação extra petitum, em objecto diverso do pedido, o que viciaria a sentença com a nulidade prevista no art. 668º nº1-e) CPC.
Consequentemente, nenhuma censura merece a douta sentença recorrida.

Em síntese:

I - As obras realizadas no locado que, sem autorização do senhorio, alteraram a divisão interna das suas divisões e por isso fundamentaram a resolução do contrato de arrendamento configuram-se como deteriorações incompatíveis com uma utilização prudente do mesmo e cuja eliminação compete ao locatário, como típica obrigação de indemnização na forma de reconstituição natural.

II - Os danos constituídos por essas alterações não se confundem com os danos causados pela reposição do locado no estado em que o locatário o recebeu, mas sobre este impende a obrigação de indemnizar uns e outros;

III - Formulando-se um pedido de “relativamente ao valor dos danos causados para reposição do locado no estado em que o mesmo se encontrava, caso venha a ser necessário, se condenassem os Réus, solidariamente, no pagamento do valor que os autores venham a despender, a liquidar em execução de sentença”, tratando-se de um dano futuro, o mesmo deve improceder se não foram alegados e concretizados os danos que previsivelmente serão causados pelos trabalhos de reposição do locado,

IV - A condenação na reposição do locado no estado anterior aquele em que se encontrava, aquando da celebração do contrato ou no pagamento, no regime de solidariedade, do valor que os apelantes venham a ter de despender para tal efeito, relegando-se para execução de sentença tal valor, configuraria perante aquele pedido nos termos em que foi formulado, condenação em objecto diverso do pedido, determinativa da nulidade da sentença nessa parte..

ACÓRDÃO
Pelo exposto, acorda-se neste STJ em negar a revista, confirmando a douta sentença recorrida.
         Custas pelos recorrentes.
Lisboa e STJ, 12 de Janeiro de 2012
 
Fernando Bento (Relator)
João Trindade
Tavares de Paiva