Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
25451/18.0T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIOLAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 11/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. No âmbito dos deveres impostos ao intermediário financeiro, destacam-se os deveres de informação, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo ilícita a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado quando tem lugar a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.

II. Para o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, impõe-se a prova: do facto ilícito (omissão ou prestação de informação errónea pelo intermediário financeiro); da culpa (que se presume); do dano (perda do capital entregue para a subscrição do produto financeiro); e do nexo de causalidade entre o facto e o dano, incidindo sobre o investidor o ónus da prova desse nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


AA instaurou contra Banco BIC Português, S.A. a presente acção declarativa com processo comum, pedindo a condenação desta a pagar-lhe o capital de 50.000,00 €, acrescido de juros vencidos desde outubro de 2014 até integral reembolso, bem como a compensá-lo por danos não patrimoniais em valor não inferior a 10.000,00 €.

Para o efeito, alegou, em suma, que, por sugestão do gerente de agência bancária da R., colocou 50.000,00 € em obrigações SLN Rendimento Mais 2004, por lhe ter sido afiançado tratar-se de uma aplicação com a segurança de um depósito a prazo, com maior rentabilidade e garantia de reembolso integral do capital investido.

Acrescenta que as aludidas informações foram determinantes para a aquisição dos referidos ativos financeiros, posto que, de outro modo, não tinha interesse na realização dessa aplicação financeira, sendo que a ré, enquanto intermediária financeira, assumiu também a responsabilidade pelo reembolso do capital investido.

Adiantou ainda que o não recebimento do dinheiro aplicado na data combinada lhe causou preocupação e angústia.


A R. contestou, invocando a prescrição do direito do A., impugnando que o banco tivesse declarado ao A. que garantia o reembolso da aplicação financeira, e alegando ter cumprido com todos os seus deveres de informação.

Em resposta, o A. pronunciou-se sobre a invocada exceção peremptória pronunciando-se no sentido da sua improcedência.

Foi proferido despacho saneador em termos tabelares, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.


Realizou-se audiência final, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu julgar “parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenar a R. a pagar ao A., a título de danos patrimoniais, a quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano sobre aquela importância desde 1/12/1014 até integral pagamento, e, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros à taxa de 4% ao ano contados da citação até integral pagamento, absolvendo a R. do demais”.


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Não se conformando com o assim decidido, veio a ré interpor o recurso de apelação, tendo a Relação do Porto, em acórdão, julgado improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida.

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De novo inconformado, vem o R. Banco BIC Português, S.A., interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES

1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de  indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em  todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a) e b) do Código de Processo Civil.

Acresce que...

9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.

21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

28) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem.

34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

37) A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.


Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido, assim fazendo V. Exas. ...

... JUSTIÇA!


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Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se pugnou pela improcedência do recurso, com a manutenção do acórdão recorrido.


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A Formação admitiu a revista excepcional.


Vistos os autos e após um período de suspensão da instância, cumpre proferir decisão.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir consiste em saber:

§ Se, in casu, estão preenchidos todos os requisitos ou pressupostos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C. maxime a ilicitude e o nexo de causalidade entre a conduta ilícita do réu e o prejuízo sofrido pelo autor –, a justificar e impor a condenação da Ré no pedido.


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III – FUNDAMENTAÇÃO


III. 1. FACTOS PROVADOS

Matéria de facto provada (na 1ª instância - confirmada na Relação após impugnação da decisão da matéria de facto):

1. No dia 30/03/2012, foi assinado o contrato de compra e venda do BPN entre o Estado Português, acionista único do BPN, e o Banco BIC.

2. Em Outubro de 2004, o A. detinha um depósito a prazo no BPN, agência sita na Rotunda ..., ..., ....

3. Em Setembro de 2004, a esposa do A. foi contactada por funcionário daquela agência do BPN para resgatarem o montante que detinham nesse banco em depósito a prazo com data de vencimento próximo e o afectarem a uma aplicação financeira que lhes traria maior rentabilidade com garantia de capital a 100% tal como um depósito a prazo.

4. Para o efeito, informou que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos mas que poderia proceder-se ao seu resgate antecipado.

5. O A., enquanto cliente do BPN, depositava confiança nos respectivos funcionários da agência da ..., enquanto responsáveis pelo acompanhamento da sua conta de depósitos a prazo, e demais contas e operações financeiras no Banco em causa, o que foi determinante para decidir resgatar o depósito a prazo e proceder à sua aplicação na aplicação financeira que se traduzia na subscrição de obrigações denominadas “SLN Rendimento Mais 2004”.

6. Perante a referida informação que a esposa lhe transmitiu, de segurança idêntica à de um depósito a prazo traduzida no reembolso do capital pelo banco e de rentabilidade superior a um depósito a prazo, o A. acedeu em resgatar o depósito a prazo e em proceder à sua aplicação que se traduzia na subscrição das obrigações supra identificadas.

7. Em Outubro de 2004, o aqui Autor subscreveu tais obrigações no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), correspondentes ao montante que detinha em depósito a prazo.

8. Até Novembro de 2014, sempre lhe foram pagos semestralmente os juros do capital investido na aludida aplicação financeira.

9. Pagamentos esses que lhe foram feitos pelo BPN até 25 de Outubro de 2012, e pelo Réu Banco BIC Português, S.A., a partir dessa data até Novembro de 2014, data do último pagamento dos juros reportados à aplicação financeira em causa.

10. O capital investido havia sido angariado após anos de trabalho e era resultante da sua actividade profissional.

11. Porque os juros sempre lhe estavam a ser pagos, manteve a esperança na recuperação do capital que tinha investido, para o que contribuiu a nacionalização do BPN pelo Estado Português.

12. Vencido o prazo de dez anos, contratualmente estabelecido, o aqui Autor foi informado de que a aplicação financeira em causa não tinha cobertura de garantia de capital por ser uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A..

13. Se a R. não tivesse dado a garantia de retorno do capital investido, o A. não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro.

14. A R. não alertou o A., na sua pessoa ou em alguém por ele, das características da aquisição das obrigações supra identificadas.

15. Antes de ser abordado sobre a aplicação financeira em causa, o A. tinha como finalidade efectuar um depósito a prazo no Banco R..

16. Confrontado com a ideia de perder todo o dinheiro que tinha investido na subscrição de obrigações SLN Rendimento Mais 2004, o A. sentiu angústia e passou noites sem dormir e dias sem conseguir gerir a sua vida pessoal, com desestabilização no seio familiar.

17. No mês seguinte à da operação supra, o A. recebeu por correio não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.

18. Como também e desde então os vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.

19. À data da subscrição pelo A. da aplicação financeira em causa, o BPN era um activo financeiro da Sociedade Lusa de Negócios.

20. O A. sempre foi pessoa consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património.


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Matéria de facto não provada (na 1ª instância - confirmada na Relação após impugnação da decisão da matéria de facto):

. Em Setembro de 2004 o A. se tenha dirigido ao BPN, agência sita na R. ..., ..., no ..., com vista a informar-se da proposta que Banco tinha para lhe fazer.

. Tenha sido a gerente desta agência, Dra. BB, que falou com o A. sobre as obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

. O Banco tenha informado o A. ou alguém por ele que esta aplicação financeira podia ser resgatada ao fim de cinco anos.

. O Banco tenha exibido ao A. ou à esposa um documento onde constava que o capital era garantido a 100%, bem como garantia de elevada taxa de remuneração.

. Os juros tenham sido pagos até ao dia 10 de Novembro de 2014.

. O A. em Outubro de 2009 se tenha deslocado ao Banco BPN com vista a proceder ao resgate do capital investido.

. Tenha dado instruções e insistido neste sentido.

. Nessa data tenha sido informado de que só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate.

. A angústia e o receio do A. se tenham gerado em Outubro de 2009.

. Em Outubro de 2009, o BPN tenha voltado a informar o A. do resgate do título pelo valor nominal na data do vencimento do mesmo.

. O A. e a esposa tenham sofrido de depressão por causa dos factos supra descritos.

. O produto tenha sido apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não do Banco BPN.

. A R. tenha prestado uma informação completa, actual, clara e objectiva.

. No momento da subscrição o A. tenha sido informado de que as obrigações em causa eram emitidas pela SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., e o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

. Tenha sido informado de que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado mediante endosso.


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO


Analisemos, então, a questão suscitada na revista, que consiste, como dito, em saber se estão preenchidos todos os requisitos ou pressupostos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C. – maxime a ilicitude e o nexo de causalidade entre a conduta ilícita do réu e o prejuízo sofrido pelo autor –, a justificar e impor a condenação da Ré no pedido.

Seguiremos aqui muito de perto a argumentação já vertida noutros arestos relatados pelo aqui Relator.


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Os contratos de intermediação financeira têm como objecto a prestação de serviços financeiros, podendo assumir diversas espécies, consoante o respectivo conteúdo (cf. Arts. 325.º, 335.º e 337.º do CVM [1]), mas todos assumem a natureza de um contrato de prestação de serviços ou de mandato, consoante a natureza da obrigação assumida pelo intermediário financeiro (um resultado ou actos jurídicos): art. 1154.º e 1157.º do Código Civil.

E, dado que tais actos são praticados em nome do mandante, o mandato diz‑se mandato com representação, ao qual se aplicam as regras do instituto da representação (art. 1178.º, n.º 1, do CC).

Temos, assim, que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de actividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são actividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento colectivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sublinhando, outrossim, que os serviços de investimento compreendem: a) A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.

O objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.


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Não vem questionada a qualificação jurídica do Banco Réu - Banco BIC Português, S.A. - ou do seu antecessor BPN - Banco Português de Negócios, S.A. - como intermediários financeiros na venda ou comercialização, em 2006, das chamadas ‘Obrigações SLN 2006’ na óptica dos artºs 1º, nº 1, al. b); 289º, nº 1, al. a), e 290º, nº 1, al. a), todos do CVM, aprovado pelo Dec. Lei nº 486/99, de 13/11, na redação vigente em 2006 (DL nº 66/2004, de 24/03), nem está em causa o conceito de deveres de informação (do intermediário financeiro) que daí resultava e resulta para o Banco Réu na data de 2006, perante a aqui Autora, enquanto sua cliente na aquisição desse tipo de produtos.

E não parece haver qualquer dúvida de que o BPN, relativamente ao Autor AA, levou a cabo actos de intermediação financeira (o BPN além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da SLN, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas).


Atenta a data em que ocorreu a subscrição do produto pelo Autor, são aplicáveis a essa atividade as normas constantes do Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-lei n.º 486/99, de 13 de novembro, com as alterações que se seguiram, até à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, nos termos das regras de aplicação da lei no tempo contantes do artigo 12.º do Código Civil, sendo essa a versão do Código de Valores Mobiliários que doravante será aqui mencionada.

Impõe-se, então, de seguida aferir se o Banco/Réu violou, quanto ao Autor, os deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, por este, do alegado e provado produto financeiro, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu responde pelo ressarcimento ao Autor do aqui peticionado.

Neste aspecto dos deveres de informação, importa salientar, desde logo, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.


Mas atentemos nos normativos legais que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respectiva actividade, nos deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo, nos preceitos legais respeitantes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.


Sobre estes aspectos gerais, transcreve-se o que ficou dito no (recentíssimo) acórdão do STJ de 10.11.2022, também relatado pelo ora relator, produzido no processo nº 2165/19.9T8LRA.C1.S1:

«O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (R.G.I.CS.F. - DL 298/92, de 31/12, na redação vigente à data dos factos introduzida pelo DL n.º 252/2003, de 17/10) estabelece a regulação pública da atividade das instituições de crédito e instituições financeiras, contendo um conjunto de "Regras de Conduta" (no respetivo Título VI, Capítulo I), balizados com o seguinte dispositivo de ordem geral:

"As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência. " (cfr. art. 73.º). Sequencialmente, os artigos 74.º e 75.º, entre outros deveres de conduta, determinam que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder "com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados." e, obrigando a um elevado nível de competência técnica, que "devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral. "

As regras de conduta previstas no referido R.G.I.C.S.F. traduzem-se claramente num código de conduta financeira.

A Associação Portuguesa de Bancos elaborou em 1993 um "Código de Conduta", versando precisamente sobre intermediação de valores mobiliários.

Entretanto surgiram outros códigos de conduta, designadamente os elaborados pela "Interbolsa – Sociedade Gestora de Sistemas de Liquidação e de Sistemas Centralizados de Valores Mobiliários, S.A.", "APFIPP - Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios", "APAF - Associação Portuguesa de Analistas Financeiros" e "Associação Portuguesa de Bancos".

E já com os artigos 10.º-B e 10.º-C do Regulamento da CMVM n.º 3/2010 relativo aos "Deveres de Conduta e Qualificação Profissional dos Analistas Financeiros e Consultores para Investimento" vieram promover a elaboração de "códigos de conduta e ou deontológicos" tendentes a "(...) definir as políticas e procedimentos de atuação a ser respeitados no exercício da atividade de consultoria para investimento (...)." e necessariamente "(...) suscetíveis de proporcionar que as recomendações de investimento sejam emitidas com competência, independência e objetividade."

Feito este enquadramento geral, vejamos agora mais de perto os deveres específicos dos intermediários financeiros, interpretados à luz do antecedente enquadramento:

Há uma generalidade de princípios que as partes devem respeitar durante a negociação e execução dos contratos de intermediação financeira, desde logo os princípios do direito civil comum que são transportados para o âmbito comercial sem perder a sua força impositiva, em especial o princípio geral da boa-fé previsto respetivamente nos artigos 227.º e 762.º do Código Civil.

no âmbito do CVM (sempre na redação vigente à data dos factos, como acima já referido), importa destacar as seguintes normas com relevo para o caso concreto em apreciação:

Artigo 7.º

(Qualidade da Informação)

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

4 - À publicidade relativa a valores mobiliários e a atividades reguladas neste Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Artigo 304.º (Princípios)

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das exceções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.

Artigo 312.º

(Deveres de Informação)

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

E do disposto no art. 39.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM n.º 12/2000:

Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;

b) entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;

c) fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;

d) informa o investidor sobre a existência e modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber a analisar as reclamações dos investidores e da possibilidade de reclamação junto da entidade de supervisão.

Artigo 304.º-A

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.


Na versão original do CVM o legislador assumia ter privilegiado a consagração de princípios e de regras gerais, recorrendo com frequência a conceitos indeterminados e a cláusulas gerais, justificando que a sua "densificação se espera que seja continuada pela jurisprudência, pela prática das autoridades administrativas e pela doutrina." (cfr. preâmbulo).

Entretanto, já no atual CVM, a transposição da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/04, através do D.L. nº 357-A/2007 de 31/10 (que entrou em vigor já posteriormente à data dos factos em causa), veio densificar e intensificar estes deveres de conduta, estando em causa essencialmente disposições legais destinadas à proteção do próprio mercado e dos investidores.

Neste âmbito, é essencial a disposição legal do art. 101.º da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual "O sistema financeiro deve ser estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social."

Uma das principais atribuições da CMVM (cfr. art. 358.º, alínea b), do CVM) é precisamente garantir a eficiência e regularidade de funcionamento dos mercados de instrumentos financeiros.

O CVM contém, no n.º 2 do art. 304.º do CVM, um princípio geral nesta matéria, com a consagração de um dever geral de lealdade e de boa fé, ao enunciar que “Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência."

De seguida contém duas disposições legais diretamente respeitantes à defesa do mercado (cfr. artigos 310.º e 311.º), onde se procuram sintetizar as diretrizes gerais deste princípio estruturante do direito dos valores mobiliários com um conjunto de deveres impostos aos intermediários financeiros.

Noutra perspetiva, ..., é consequência do reconhecimento de um interesse público inerente ao correto funcionamento do mercado de valores mobiliários a prevalência deste mesmo interesse sobre o interesse privado de um participante em tal mercado, seja ele intermediário financeiro ou investidor. Ou seja, trata-se de proteger o mercado em si mesmo e não o agente do mercado.

No entanto, é evidente que os investidores individuais sairão reflexamente beneficiados com uma cabal e consistente proteção do sistema financeiro, designadamente por esta conferir segurança e eficácia aos investimentos. O princípio da proteção dos interesses do investidor em valores mobiliários é o segundo elemento modelador e estruturante do regime jurídico do mercado de valores mobiliários, sendo já um princípio de carácter privado, encarando o investidor sob uma perspetiva individual.

O CVM estabelece, como princípio orientador geral, o de o intermediário financeiro dever pautar a sua atuação no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, os quais se identificam com o melhor interesse do cliente na sua vertente económico-financeira.


O art. 7.º do CVM equipara, em termos gerais, a informação de qualidade com aquela que é completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

Ou seja, a informação deve ser casuisticamente adaptada e compreender todos os elementos relevantes, ser fiel à realidade, ser apresentada no momento oportuno, ser percetível e isenta de elementos subjetivos e conformada com a lei, a ordem pública e os bons costumes. Estas características da informação aplicam-se seja qual foi o meio de divulgação, e inclusivamente a conselhos, recomendações, mensagens publicitárias ou relatórios de notação de risco (art. 7.º, n.º 2, do CVM).


Posteriormente, estes específicos deveres de informação foram sequencialmente concretizados no Aviso do Banco de Portugal n.º 10/2008, de 09 de Dezembro (in D.R. II Série n.º 246, de 22/12/08).


Concretizando: o intermediário financeiro deve, em primeiro lugar, informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiências na área e, em seguida, promover uma atuação pedagógica, tendo presente que este dever de informar é tanto mais premente quanto menos experiente for o cliente.

Assim sendo, é, desde logo, essencial a categorização dos clientes, depois, em execução deste "teste de adequação", o intermediário deverá indicar ao investidor os instrumentos financeiros "adequados" ao seu perfil de risco. Na sua vertente negativa, temos que, verificando o intermediário que o cliente não tem perfil para aquela concreta operação financeira ou não tem possibilidade de apreender as características e riscos de uma certa operação financeira, deverá aconselhar o cliente a não investir nesse produto específico.».


Acrescenta-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários prevê os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”.


Acresce sublinhar que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das actividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respectiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Aqui é de salientar o estatuído no nº1 do art.º 77.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro – que dispõe:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.


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Dos normativos citados, emerge com toda a clareza que a relação contratual obrigacional estabelecida entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objectiva, completa, verdadeira, actual, clara, e lícita, sendo de salientar que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

E também a Jurisprudência e Doutrina têm como assente que as aludidas normas legais  salientam à evidência a imposição ao intermediário financeiro, para além do dever de transmitir uma informação, clara e relevante para a opção que o investidor pretenda tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objectivos do mesmo investidor, seu cliente, sendo certo, afinal, que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta no dever de agir de boa-fé[2].


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No que respeita à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, remete-se para o já citado art.º 304º-A do CVM.

Porém, como é evidente, a responsabilidade ali prevista pressupõe a verificação/prova dos (todos os) pressupostos da responsabilidade civil: o facto ilícito (omissão ou prestação de informação errónea, no quadro de relação contratual bancária e intermediação financeira); a culpa (esta que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (que equivale à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); o nexo de causalidade entre o facto e o dano (sendo que o ónus da prova da existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano incide sobre quem alega o direito, não havendo lugar a presunção, quer do nexo de causalidade, quer do dano, e daí que para se responsabilizar o intermediário financeiro pelo dano sofrido pelo investidor, impõe-se que este/investidor consiga fazer a prova do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, prova essa que tem de resultar dos factos provados).


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Sobre esta temática da responsabilidade dos intermediários financeiros, foi recentemente uniformizada jurisprudência, no recurso de Uniformização formulado e admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022 - Diário da República n.º 212/2022, Série I de 2022-11-03), o qual, sobre o pressuposto da ilicitude, deu a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

1. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”.


E, da mesma forma, no mesmo acórdão de Uniformização de Jurisprudência, agora acerca do nexo de causalidade entre o facto e o dano, consignou-se que a demonstração desse nexo de causalidade é um ónus a cargo do investidor, mesmo que não qualificado, como se vê no ponto 1 do sumário desse AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respectiva resposta uniformizador:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”[3]


Ficaram assim dissipadas as dúvidas acerca do ónus da prova do nexo causal: é sobre o interessado que recai esse ónus, não podendo dispensar-se os factos integrantes deste pressuposto, ao invés do entendimento que alguns Autores têm sustentado, de que a ilicitude (a violação dos deveres de informação) presume a causalidade (esta resultaria, e automaticamente, daquela).


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Regressemos aos factos.


DA ILICITUDE


Antes de mais, importa aferir da violação, ou não, pelo Réu dos deveres respeitantes ao exercício da sua actividade de intermediário financeiro, impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública e em particular dos deveres de informação vigentes aquando da subscrição do produto financeiro.

Ora, parece evidente que teve lugar, in casu (ao nível do caso concreto, considerando o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação), a violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro.

Basta atentar, v.g., na factualidade ínsita nos pontos de facto provados sob os números 3, 4, 5, 6, 12, 13, 14 e 15, para se concluir, sem margem para dúvidas, que aqueles específicos deveres do Banco Réu (constituído – em 2012 – mediante a fusão, por incorporação, do anterior Banco BIC Português, S.A., no BPN - Banco Português de Negócios, S.A., e com a alteração da denominação social deste último para a daquele primeiro) foram por ele violados, enquanto intermediário financeiro perante o Autor.

Efectivamente, cremos resultar destes factos que o BPN, de forma deliberada, pautou a sua conduta, enquanto intermediário financeiro, na colocação em mercado das chamadas Obrigações SLN 2006, por uma clara e deliberada omissão dos seus deveres de conduta e de informação para com o Autor, seu cliente, que nele confiava, pois que se limitou a acenar ao cliente com uma taxa de juros apelativa e dizendo-lhes tratar-se de uma aplicação com garantia de capital a 100% tal como um depósito a prazo, para assim o mobilizar a investir, e sem jamais lhe falar em obrigações e no risco associado a este tipo de produto, para, desse modo manifestamente desinformativo e potencialmente lesivo do cliente, o não informar com verdade, por forma completa, objectiva e de forma clara sobre o tipo de produto em questão e riscos a ele associados.


Assim, portanto, temos como seguro que o Réu violou, de forma grave, os seus deveres de informação, ínsitos nas normas mencionadas supra, nomeadamente, nos artºs 7º, nº 1[4], 304º[5] e 312º[6] do CVM e no art. 39.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM n.º 12/2000[7].

Violação dos deveres de informação, cujo entendimento está conforme ao que se plasmou no corpo do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no supra citado processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, já transitado em julgado[8].

Com efeito, como ali se diz, «… a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite”.

“(…) Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira. Trata-se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art.312.º Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38.º e 39.º do Regulamento n.º12/2000) ”.

“A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram-se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º1 do art. 312.º do Cód. VM e 39.º do Regulamento CMVM n.º12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária.».


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De entre os factos provados, são, neste aspecto da violação dos deveres de informação, particularmente impressivos os seguintes (os destaques são nossos):

- 3. Em Setembro de 2004, a esposa do A. foi contactada por funcionário daquela agência do BPN para resgatarem o montante que detinham nesse banco em depósito a prazo com data de vencimento próximo e o afectarem a uma aplicação financeira que lhes traria maior rentabilidade com garantia de capital a 100% tal como um depósito a prazo.

- 4. Para o efeito, informou que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos mas que poderia proceder-se ao seu resgate antecipado.

- 5. O A., enquanto cliente do BPN, depositava confiança nos respectivos funcionários da agência da ..., enquanto responsáveis pelo acompanhamento da sua conta de depósitos a prazo, e demais contas e operações financeiras no Banco em causa, o que foi determinante para decidir resgatar o depósito a prazo e proceder à sua aplicação na aplicação financeira que se traduzia na subscrição de obrigações denominadas “SLN Rendimento Mais 2004”.

- 6. Perante a referida informação que a esposa lhe transmitiu, de segurança idêntica à de um depósito a prazo traduzida no reembolso do capital pelo banco e de rentabilidade superior a um depósito a prazo, o A. acedeu em resgatar o depósito a prazo e em proceder à sua aplicação que se traduzia na subscrição das obrigações supra identificadas.

- 12. Vencido o prazo de dez anos, contratualmente estabelecido, o aqui Autor foi informado de que a aplicação financeira em causa não tinha cobertura de garantia de capital por ser uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A..

- 13. Se a R. não tivesse dado a garantia de retorno do capital investido, o A. não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro.

14. A R. não alertou o A., na sua pessoa ou em alguém por ele, das características da aquisição das obrigações supra identificadas.

- 15. Antes de ser abordado sobre a aplicação financeira em causa, o A. tinha como finalidade efectuar um depósito a prazo no Banco R.


Estes factos revelam, como dito, uma violação (grave) dos apontados deveres de informação por banda do Réu/Recorrente, enquanto Intermediário Financeiro, a que alude com especial enfoque o artº 7º, n.º1 CVM, desta forma se preenchendo o requisito ou pressuposto da ilicitude da conduta do Réu perante o concreto cliente que constituía o Autor.


O que, porém, não basta, para a responsabilização do Réu.


Ou seja, temos como preenchido o pressuposto ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual. E impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, uma presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, podendo bem dizer-se que a culpa do Banco/Réu é claramente grave, até pelo especial dever de diligência que sobre ele impendia e que foi desconsiderado de forma, no mínimo, grave.

E igualmente temos preenchidos outros pressupostos da responsabilidade civil contratual, quais sejam, a culpa – que, como já dito, se presume – e outrossim o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do produto financeiro.


Falta, porém, aferir do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se o Autor, acaso tivesse sido informado das características reais do produto que adquiriu, não teria levado a cabo essa aquisição.


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DO NEXO CAUSAL


Ao contrário do que alguma Doutrina e Jurisprudência tem sustentado, não consideramos que a apontada violação dos deveres de informação por banda do Intermediário Financeiro imponha, sem mais, a conclusão de que, face a tal violação, o Banco Réu fica obrigado a indemnizar o investidor – consideram aquela Doutrina e Jurisprudência que com a apontada violação dos deveres de informação ficam verificados os requisitos de uma conduta ilícita e culposa do Intermediário Financeiro e simultaneamente adequada à verificação de danos para o investidor.


Com efeito, como consta do dispositivo do acima referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no proc. n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A,

“1. (…).

(2. …).

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.”

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”[9].


Como se escreveu no recente Ac. deste STJ de 27.10.2022[10], «se, nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa se presume (art.º 314.º n.º2 do CVM, na redacção anterior a 2007), presunção que também resulta do disposto no art.º 799.º n.º1 do Código Civil, para serem indemnizáveis os danos (perda do capital investido na aquisição das obrigações) devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (a prestação, por omissão, de informação errónea).

Neste sentido, mesmo que uma dada situação seja configurada como facto ilícito (por exemplo, a prestação, por omissão, de informação errónea, nomeadamente no que concerne à concreta identificação ou às características do produto e a natureza subordinada), essas circunstâncias podem não ser causais da subscrição efetuada e consequente dano.

Portanto, se a culpa se presume, mas a presunção não abrange o nexo de causalidade, este terá de ser alegado e comprovado, pois como decorre do art.º 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar só ocorre em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não houvesse lesão.

Nesta decorrência, incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que, se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido (cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do art.º 342.º do Código Civil).».


Ora, este pressuposto da responsabilidade civil (o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano – aferido em conformidade com a designada teoria da causalidade adequada, segundo a qual, é necessário que, em concreto, a acção ou omissão tenha sido condição do dano, e que, em abstracto, dele seja causa adequada, desta forma seguindo o nosso ordenamento jurídico a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa, ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”) está provado, prova esta que o Autor/Investidor conseguiu fazer, como era sua incumbência, conforme consta do referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste STJ.

Provado está, com efeito, que “13.   Se a Ré não tivesse dado a garantia de retorno do capital, o A. não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro”.

O mesmo é dizer que se – à data da subscrição do produto – a Ré tivesse informado o Autor da realidade do produto em causa – maxime que, ao contrário do que lhe assegurou, afinal não se tratava de um produto de segurança idêntica à de um depósito a prazo e que se tratava de um produto que não tinha cobertura de garantia de capital por ser uma subscrição de obrigações da SLN, Sociedade Lusa de Negócios, S.A.. – , “não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro”.

Veja-se que provado está, também, que foi apenasperante a referida informação que a esposa lhe transmitiu, de segurança idêntica à de um depósito a prazo traduzida no reembolso do capital pelo banco e de rentabilidade superior a um depósito a prazo”, que “o A. acedeu em resgatar o depósito a prazo e em proceder à sua aplicação que se traduzia na subscrição das obrigações supra identificadas”.


*


Ao contrário do entendimento sufragado por alguma Doutrina e Jurisprudência[11], não entendemos (como não entendeu o ac. recorrido e bem assim o citado AUJ) que o nexo causal entre o facto e o dano esteja abrangido pela presunção do artº 799º, nº1 do CC. Isto é, não compete ao intermediário financeiro – devedor da informação – provar que, mesmo perante um cumprimento pontual dos deveres de informação, o investidor/credor da informação teria tomado a mesma decisão, correndo deste modo o primeiro o risco de não serem provados factos que permitam uma conclusão clara em matéria de nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e a decisão do investidor.

Ou seja, não se presume o nexo causal entre o incumprimento ou deficiente cumprimento dos deveres de informar e a decisão de investimento adoptada pelo investidor – presunção que alguns retiram do art. 304.º-A, n.º 2 do Cód. Valores Mobiliários, entendendo que esta disposição contem, não apenas uma presunção de culpa e de ilicitude, mas também uma presunção de nexo de causalidade.

Dito de outra forma, neste segmento da causalidade, não se presume que a vontade individual do investidor foi determinada pela irregularidade da informação, ou seja, o nexo causal entre a informação deficiente e a decisão do investidor[12].

 Com efeito, como dito, o entendimento plasmado no supra citado AUJ foi que a prova do nexo causal entre a violação dos deveres de informação pelo Intermediário Financeiro e o dano havido é ónus do investidor (in casu, do Autor).

E, como visto, logrou o Autor fazer a prova, precisamente, do facto que o referido Acórdão Uniformizador exige para que se possa considerar preenchido o nexo de causalidade entre o facto – aquela violação dos deveres de informação – e o verificado dano.

Prova desse pressuposto ou requisito da responsabilidade civil que se torna imprescindível para a obrigação de indemnizar (ut artº 563º do Cód. Civil).

Como bem diz o ac. recorrido, “no concernente ao nexo causal, resulta do tecido factual apurado (v.g. pontos nºs 3, 4, 5, 6, 13, 14 e 15) que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação financeira, dado que a decisão de a subscrever assentou na (falsa) garantia de que se tratava de uma aplicação análoga a um depósito a prazo e de que estaria assegurado o reembolso da totalidade do capital investido. Portanto, ao induzir o autor a adquirir esses instrumentos financeiros, a ré deu causa (no sentido considerado no art. 563º do Cód. Civil, que de acordo com a posição majoritariamente seguida adota a denominada teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa[13]) aos danos que derivam da concretização do risco (quer imanente, quer inerente ao emitente) intrínseco aos mesmos, risco esse que, naturalmente, não se verificaria se esses títulos tivessem o mesmo (exato) risco de um depósito a prazo.”.


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Assim se confirma o decidido nas Instâncias, pois verificados estão todos os pressupostos da responsabilidade civil obrigacional, condicionantes da obrigação de indemnizar imposta ao Réu pela descrita inadimplência, não merecendo provimento a pretensão recursiva do Réu.

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IV. DECISÃO 

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação.

Custas pelo Réu/Recorrente.


Lisboa, 30 de novembro de 2022


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 1º Adjunto)

Afonso Henrique (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

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[1]- O Código de Valores Mobiliários (CVM) foi republicado pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro e alterado pelo Decreto-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de Novembro, pela Lei n.º 28/2009, de 19 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 185/2009, de 12 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 49/2010, de 19 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 52/2010, de 26 de Maio, e pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de Junho.
[2] Cfr., entre muitos outros que se poderiam citar, AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, GONÇALO CASTILHO DOS SANTOS, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina; na jurisprudência, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018.
[3] Os destaques são nossos.
[4] Artigo 7.º

(Qualidade da Informação)

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

[5] Artigo 304.º (Princípios)

- Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

1 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

2 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

(…).

[6] “(Deveres de Informação)

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.’.

[7] Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;

b) entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;

c) fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;
[8]Cujo segmento uniformizador, repete-se, tem o seguinte teor:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.”

“2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto “não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.”

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.”
“4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”.
[9]Destaque nosso.
[10] Processo nº 2165/19.9T8LRA.C1.S1
[11] Que segue a “tese”, nomeadamente, de MENEZES CORDEIRO, sustentando que o nº2 do artº 304º do CVM contém igualmente uma presunção de causalidade, a qual se estende igualmente à ilicitude. Pelo que, então, incumbiria ao Réu ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelo Autor.
[12] Já antes do AUJ, vasta jurisprudência deste Supremo Tribunal repetidamente sublinhava que nestas circunstâncias o nexo de causalidade não se presume, devendo ser demonstrado através da matéria de facto – cfr., por todos, os acórdãos de 19.12.2018 (processo nº 2382/17.6T8VNG.P1.S1), de 19.12.2018 (processo nº 1479/16.4 T8LRA.C2.S1), de 15.01.2019 (processo nº 3831/15.3 TBLRA.L1.S1), de 21.02.2019 (processo nº 2340/16.8T8LRA.C2.S1 - com voto de vencido do Juiz Conselheiro Nuno Oliveira) e de 14.03.2019 (processo nº 2547/16.8T8LRA.C2.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[13] Nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. Dito de outro modo, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.