Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12405/15.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: RESOLUÇÃO BANCÁRIA
BANCO DE TRANSIÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 01/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Doutrina:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / ACIDENTES DE TRABALHO / DELIMITAÇÃO DO ACIDENTE DE TRABALHO.
DIREITO COMERCIAL – PERSONALIDADE E CAPACIDADE.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º, N.º 3, 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 635.º, N.º 3, 639.º E 662.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 13.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 285.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 6.º.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICF), APROVADO EPLA DL N.º 298/92, DE 31 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 145.º-A.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 20.º, 59.º, N.º 1, ALÍNEA A), 112.º, N.º 7, 202.º, 205.º, 211.º E 212.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 10-05-2007, PROCESSO N.º 06B1868;
- DE 07-09-2017, PROCESSO N.º 959/09.2TVLSB.L1.S1;
- DE 26-09-2017, PROCESSO N.º 3499/16.0T8VLS.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


- DE 16-05-2006, PROCESSO N.º 887/06.
Sumário :

1 – Insere-se no âmbito dos poderes do Banco de Portugal no âmbito do processo de resolução de instituições bancárias disciplinado nos artigos 145.º-A e seguintes do RGICSF, a definição das componentes do ativo e do passivo da instituição intervencionada que são transferidas para o banco de transição, só podendo as deliberações relativas a tal definição ser impugnadas nos Tribunais Administrativos.

2 – Decidida pelo Banco de Portugal a resolução de uma instituição bancária, a afetação dos trabalhadores a um banco de transição, não implica a transferência para este banco da responsabilidade pelo pagamento de quaisquer créditos emergentes da anterior relação de trabalho de que aqueles sejam titulares e que não sejam objeto de transferência expressa.

3 – A deliberação do Banco de Portugal que, interpretando a deliberação inicial de resolução, especifica que a responsabilidade pelo pagamento de um crédito que se insira no âmbito dos números anteriores não se transferiu para o banco de transição, tal como a deliberação relativa à resolução inicial, não tendo sido impugnadas na jurisdição administrativa, são vinculativas para os tribunais judiciais que lhe devem acatamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, S.A., formulando o seguinte pedido:

«1. Deve o R. ser condenado a reconhecer o direito de crédito do A., vencido em agosto de 2014, no montante líquido de € 1.500.000,00, acrescido de juros de mora vencidos desde 29.01.2015, contados à taxa de juro anual de 4%, e vincendos até efetivo e integral pagamento;

2. Deve o R. ser condenado a pagar todos os impostos devidos pelo pagamento ao A. do montante de € 1.500.000,00;

3. Deve o R. ser condenado a comunicar ao Banco de Portugal que o A. não incumpriu as suas obrigações relativamente aos empréstimos n.º B…, B…, B…, B…e B…;

4. Subsidiariamente relativamente ao pedido em 1., caso o Tribunal venha a considerar, no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona, que a relação laboral do A. com o Banco não se alterou em agosto de 2014, então sempre deve ser reconhecido o direito do A. ao recebimento do montante líquido de € 1.500.000,00 em 17.10.2015, devendo o R. ser condenado ao pagamento de todos os impostos devidos pelo pagamento do montante de € 1.500.000,00;

5. Deve o R. ser condenado no pagamento das custas judiciais devidas.»

Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que exerceu funções no CC, S.A., desde pelo menos 2007, sendo diretor de nível 18 em 08/2014, e que acordou condições de trabalho com o CC, S.A., que incluíam, entre o mais, o pagamento de um prémio no valor líquido de € 1.500.000,00, no prazo máximo de 10 anos contados desde 17/10/2005 ou da data da extinção ou alteração da sua relação laboral, montante que o Réu se recusa a pagar.

Contestou o Réu arguindo a sua ilegitimidade, alegando que as responsabilidades ou contingências do CC não foram objeto de transferência para o BB, no mais negando que alguma vez o CC tenha firmado com o Autor o acordo que este invoca.

O Autor respondeu pugnando pela improcedência da exceção.

Em articulado superveniente, o Réu alegou que, no dia 29/12/2015, o Banco de Portugal deliberou o âmbito concreto dos passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do “CC” objeto de transferência para o Réu, ficando expressamente excluída a “contingência” objeto de discussão nos presentes autos.

Respondendo, o Autor pugnou pela inadmissibilidade do articulado e, no mais, pela nulidade das deliberações do Banco de Portugal.

Foi admitido o articulado superveniente apresentado pelo Réu, assim como o contraditório exercido pelo Autor.

A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de  16 de maio de 2016, que integrou o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, o Tribunal julga a ação totalmente improcedente e, em consequência, decide:

1. Absolver «BB, SA.» dos pedidos formulados por «AA».

2. Condenar «AA» a pagar as custas processuais».

Na fundamentação do assim decidido destaca-se o seguinte:

«No caso em apreço, o Autor alega que acordou condições de trabalho com o “CC, SA.”, que incluíam o pagamento de um prémio no valor de €  1.500.000,00, no prazo máximo de 10 anos contados desde 17/10/2005 ou da data da extinção ou alteração da sua relação laboral, montante que a Ré se recusa a pagar.

Porém, não demonstrou tal acordo de vontades, ou seja, que entre ele e o “CC” tenha, de facto, sido acordado o pagamento do “prémio” de que se arroga titular.

Conforme resulta da matéria de facto provada apenas se provaram as condições firmadas aquando da sua admissão no “CC”, 01/10/2007, supra melhor descritas em 8).

Donde, não pode o Tribunal concluir que o “CCS” assumiu a obrigação de pagar o dito “prémio” ao Autor.

Termos em que por estar em causa facto constitutivo do direito de que o Autor se arroga titular e cuja prova unicamente sobre si impendia, deverá a Ré ser absolvida do pedido, assim naufragando a ação.»

Inconformado com esta decisão, dela apelou o Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o Réu requerido a ampliação do objeto do recurso, focalizada na sua ilegitimidade substantiva.

O Tribunal da Relação veio a conhecer do recurso interposto e da ampliação do respetivo objeto por acórdão de 8 de fevereiro de 2017, que integrou o seguinte dispositivo:

«Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, e na revogação da sentença condenar o R. a pagar ao A. o montante líquido de um milhão e quinhentos mil euros (1.500.000,00 €), acrescido de juros de mora desde 29/01/2015, à taxa anual de 4%, até integral pagamento.

Custas pelo Apelado.

Notifique.»

Para além disso, julgou-se improcedente a questão da ilegitimidade substantiva do Réu que constituía objeto da ampliação do recurso.

Não satisfeito com esta decisão, vem o Réu recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A. O acórdão recorrido está ferido de nulidade, por pronúncia em excesso, quanto a questões de que o Tribunal a quo não deveria ter tomado conhecimento.

B. O Acórdão recorrido violou normas de direito material e adjetivo ao reapreciar a matéria de facto com base em provas inadmissíveis (depoimentos escritos e testemunhos cobertos por segredo profissional) e ao ter alterado a decisão sobre a matéria de facto num uso abusivo dos seus poderes.

C. O acórdão recorrido encontra-se ainda em violação do princípio do contraditório na sua vertente da proibição das decisões surpresa.

D. Por fim, o acórdão recorrido violou também a lei substantiva em dois momentos: (i) quando, dando como provado a assunção pelo CC da obrigação de pagar ao Recorrido o prémio de 1.500.000,00 líquidos, não a considerou como um ato nulo, porque contrário ao fim prosseguido pelo CC e pelo Recorrente; e (ii) quando não considerou que, por força das Deliberações do BdP que aplicaram a medida de resolução ao CC (incluindo as sucessivas deliberações), o Recorrente é parte ilegítima na questão material, não tendo sido para si transferida a responsabilidade pretensamente assumida pelo CC.

Particularizando:

Da nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia

E. A condenação do Recorrente no pagamento ao Recorrido do montante líquido de € 1.500.000,00, acrescido de juros de mora desde 29.01.2015, à taxa anual de 4%, baseou-se designadamente na alteração da decisão sobre a matéria de facto, a cujo acervo fáctico aditou três factos novos.

F. Um desses novos factos dá como provado que “A pedido do CC, o A. trabalhou com o Banco e com os seus clientes no âmbito dos processos judiciais que lhe foram determinados no âmbito da ... e por isso, e só por isso, o CC, SA. acordou consigo, em 2009, as condições de trabalho referidas” (cfr. ponto 30 da decisão sobre a matéria de facto revista pelo Tribunal a quo).

G. Sucede que, ao dar como provado este facto, o Tribunal a quo conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, pois no recurso de apelação por si interposto, o ora Recorrido pretendia apenas e tão só que: (i) os artigos 4.º, 5.º, 7.º a 10.º da Petição inicial fossem dados como provados; (ii) os artigos 92.º e 93.º da Contestação da Recorrente fossem dados como não provados e que (iii) o facto constante do ponto 7 da matéria de facto julgada pelo Tribunal de 1.ª instância fosse dado como não provado.

H. Não tendo sido por isso requerido pelo ora Recorrido a apreciação do facto que acabou por resultar como ponto 30 da matéria de facto revista.

I. Não obstante, o Tribunal a quo retirou oficiosamente do ponto 5 da conclusão 32.ª das alegações de recurso do Recorrido que este pretenderia considerar como um dos pontos da matéria de facto incorretamente julgados, aquele que “encontra amparo nos Artº 43º e 44º da resposta à contestação, onde se alega que: - A pedido do CC, SA., o A trabalhou com o Banco e com os seus clientes no âmbito de processos judiciais que lhe foram determinados. – E por isso, e só por isso, o CC, SA. acordou consigo as condições de trabalho que o A. pede ao Tribunal que reconheça (…)”.

J. No entanto, conforme se retira de forma clara e manifesta das alegações de recurso apresentadas pelo então Apelante – as quais delimitam o objeto do recurso – em parte alguma do mesmo se verifica que tenha sido suscitada a pretensão do Recorrido de apreciação da matéria de facto constante dos artigos 43.º e 44.º da resposta à Contestação, ou mesmo a prova do facto que acabou por ficar a constar do facto 30 da matéria de facto revista pelo Tribunal a quo.

K. Se assim tivesse sucedido, nas suas contra-alegações, o então Apelado, ora Recorrido, teria, ao abrigo do princípio do contraditório, apresentado a sua defesa e citado a prova que, no seu entender, levaria a que tais factos não pudessem ser dados como provados.

L. E esse contraditório não foi, como deveria ter sido, assegurado ao Recorrente, nos termos do artigo 3.º do CPC, tendo resultado numa flagrante e manifesta violação do seu direito.

M. E ainda que se pudesse retirar do recurso apresentado pelo ora Recorrido a intenção de provar o facto que ficou a constar do ponto 30 da matéria de facto revista, sempre se diria que tal parte do recurso não poderia ter sido admitida já que o então Recorrente não indicou, nos termos do artigo 640.º do CPC: (a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (b) os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e (c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

N. O Tribunal a quo, ao arrepio da lei processual, lançou mão de suposições e correções oficiosas da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apresentada pelo Recorrido, para, a partir da conclusão 32.º das alegações do recurso de apelação, extrair da mesma matéria de facto que o Recorrido, supostamente, teria querido impugnar, mas que não impugnou - os factos constantes dos artigos 43.º e 44.º da resposta à contestação -, e, por essa forma, o Tribunal recorrido dilatou substancialmente, “de motu proprio”, os pontos da matéria de facto impugnados pelo Recorrido, abrangendo, no julgamento que fez sobre a impugnação da matéria de facto, factos que o Recorrido não identificou como factos incorretamente julgados.

O. Não pode assim proceder a alteração efetuada pelo Tribunal a quo à matéria de facto, quando aditou à mesma o facto 30 constante da matéria de facto revista.

P. Em face do exposto, é manifesto que o Tribunal a quo conheceu de uma questão de que não podia tomar conhecimento, ferindo a decisão de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), aplicável ex vi do artigo 666.º, n.º 1, ambos do CPC.

Consequências da nulidade do acórdão por excesso de pronúncia

Q. Atendendo ao teor do facto que passou a constar do ponto 28 da matéria de facto revista pelo Tribunal a quo, a obrigação de pagamento do prémio apenas se poderia verificar, caso da matéria de facto resultasse provada a participação do Autor/Recorrido em processos judiciais em que fosse parte qualquer das empresas do universo do grupo CC ou do Grupo DD.

R. Assim, no caso de se considerar a nulidade apenas parcial do acórdão recorrido (na parte em que respeita ao excesso de pronúncia), eliminando-se – como se deve eliminar – o ponto 30 da matéria de facto, e ainda que se mantenham os pontos 28 e 29 – o que não se concede – sempre se dirá que não se verificou a condição essencial de atribuição da gratificação, i.e. a participação profissional do Recorrido em processos judiciais em que tenham sido parte quaisquer das empresas do Grupo DD ou do Grupo DD.

S. Razões pelas quais, a nulidade por excesso de pronúncia, ainda que parcial – importando a consequente e necessária eliminação do ponto 30 do acervo fáctico – determinará a revogação total da decisão por falta de fundamentos de facto que suportem a decisão, o que deve ser declarado por este Venerando Tribunal.

T. Caso se venha a entender que a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia supra arguida não constitui, em rigor, uma nulidade do acórdão – o que apenas por cautela e dever de patrocínio se concebe, sem conceder – sempre se dirá que a reapreciação da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, nos moldes em que o foi, violou o disposto nos artigos 640.º e 662.º do CPC.

U. Pelo que, ainda que não se possa considerar nulo o acórdão recorrido, sempre se chegará à conclusão de que o mesmo deverá ser revogado, por violação de lei, consubstanciando um uso indevido, pelo Tribunal a quo, dos seus poderes de alteração e modificação da decisão de facto, assim como os vícios que infra se expõem.

Da incompetência do Tribunal a quo para declarar a invalidade das Deliberações do BdP

V. O Tribunal a quo procurou declarar a invalidade de um conjunto de Deliberações adotadas pelo BdP, por, no seu entender, estarem em violação do normativo constante do artigo 285.º do CT, o que leva a que a decisão proferida extravase o âmbito de competência daquele Tribunal, enquanto Tribunal comum, tal como delimitado pelos artigos 210.º a 212.º da CRP.

W. Nos termos do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, e do artigo 145.º- AR do RGICSF, a apreciação da validade das deliberações do BdP é da competência exclusiva da jurisdição administrativa e fiscal.

X. De forma que a declaração de invalidade das deliberações do BdP é uma decisão que apenas pode ser adotada pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, pelo que se o Recorrido pretendia obter uma decisão desse género, teria de ter formulado o correspondente pedido perante um tribunal dessa jurisdição.

Y. É inadmissível que o Tribunal a quo possa proferir uma decisão em que desaplica Deliberações adotadas pelo BdP, na medida em que tal determinaria um completo esvaziamento das funções dos tribunais da jurisdição administrativa.

Z. O Tribunal a quo (i) proferiu uma decisão para a qual não tinha competência, (ii) fornecendo ao Recorrido uma decisão que este já não está em tempo de obter perante os tribunais competentes, e tudo isto (iii) com recurso a um critério manifestamente insuficiente à luz das leis processuais aplicáveis (CPTA), na medida em que nem sequer se demonstrou a ilegalidade das deliberações desaplicadas.

AA. É manifesto que o Tribunal a quo extravasou largamente os limites da respetiva competência material e invadiu a competência dos tribunais administrativos, em clara violação do disposto nos artigos 211.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3 da CRP, pelo que o acórdão recorrido não pode deixar de ser revogado por este Venerando Supremo Tribunal.

BB. Também no plano infraconstitucional e pelo facto de o Tribunal a quo ter afastado a aplicação das Deliberações do BdP o acórdão proferido fica ferido de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) ex vi do artigo 666.º, n.º 1, ambos do CPC, nulidade que vai expressamente invocada para todos os efeitos legais.

Modificação da decisão da matéria de facto com violação da lei processual e das normas substantivas de direito probatório material

CC. O Tribunal a quo usou do seu poder de alteração/modificação da decisão de facto em clara violação das normas substantivas de direito probatório material, bem como de lei processual, incluindo os princípios e regras por que se rege a possibilidade de alteração da decisão sobre a matéria de facto pelos tribunais de 2.ª instância.

DD. As questões suscitadas são questões de direito e centram-se na aplicação que o Tribunal a quo fez dos seus poderes de modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto – ao abrigo do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC –, e não num juízo que o Tribunal ad quem possa fazer a respeito da matéria de facto dada como assente, na medida em que essa análise extravasa os limites do recurso que ora se interpõe.

EE. O Tribunal a quo deu como provada a materialidade constante do artigo 4.º da Petição Inicial, que reproduz o teor do documento junto com a Petição Inicial como Documento n.º 2 (constante de fls. 21-24 dos autos), a qual não havia sido dada como provada pelo Tribunal de 1.ª Instância.

FF. Tal documento consiste numa declaração datada de 09.10.2014 – supostamente emitida por EE e FF – através do qual os mesmos afirmam ter acordado com o Recorrido, em 24.05.2009, um conjunto de condições, designadamente, a respeito da atribuição de um prémio no valor de € 1.500.000,00 líquidos.

GG. Nos artigos 39.º e 46.º a 51.º da Contestação, o ora Recorrente já havia arguido a inadmissibilidade da junção aos autos do documento de fls. 21-24 dos autos, na medida em que este constituía um verdadeiro depoimento escrito, tendo fundamentado a sua inadmissibilidade na falta de preenchimento dos requisitos prescritos nos artigos 500.º e 518.º, n.º 1, do CPC.

HH. Tendo ainda arguido, em sede de alegações finais e em resposta às alegações de recurso de apelação, a inadmissibilidade das duas declarações juntas pelo Recorrido a fls. 72 e 74 dos autos, assinadas em 2015 por EE e FF, onde os mesmos confirmam ter assinado a declaração datada de 09.10.2014.

II. O Tribunal a quo apenas se pronunciou quanto a esta questão a respeito dos documentos de fls. 72-74, ignorando ou relevando que o documento de fls. 21-24 é um verdadeiro depoimento escrito – na medida em que se trata de um documento de onde constam declarações de pessoas sobre factos relacionados com a matéria factual discutida –, inadmissível porque realizado fora do âmbito do que estabelece o artigo 518.º do CPC (nos termos do qual “quando se verificar impossibilidade ou grave dificuldade de comparência no tribunal, pode o juiz autorizar, havendo acordo das partes (…)”).

JJ. No caso concreto, não se verificou qualquer grave impossibilidade ou dificuldade de comparência em tribunal por parte de EE, o qual nem sequer foi ouvido como testemunha (na medida em que o próprio Recorrido nem o arrolou como tal), nem tampouco existiu qualquer acordo entre as partes quanto à admissibilidade de depoimento escrito, bem pelo contrário: o Recorrente sempre alegou a sua inadmissibilidade.

KK. Deste modo, nos termos do artigo 67.º do CPT e, bem assim, do artigo 500.º do CPC, a prova de que EE havia acordado naquelas condições, na ausência de outra prova documental, teria de ser feita por meio de prova testemunhal em sede de audiência final, presencialmente ou através de teleconferência.

LL. O Tribunal a quo atendeu, assim, a um meio de prova inadmissível, violando o disposto na lei processual, e ainda a lei substantiva que integra o direito probatório material.

MM. Pelo que deve este Venerando Tribunal revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo no que se refere à prova dos factos constantes dos pontos 28. e 29 que passaram a constar da factualidade assente.

NN. Por outro lado, o Tribunal a quo valorou ainda o depoimento da testemunha GG, o qual foi prestado em violação do segredo profissional e, por conseguinte, não poderia fazer prova em juízo.

OO. Com efeito, GG é advogado de profissão, tendo-se apurado que a testemunha teve conhecimento dos factos em discussão ao abrigo da sua profissão: por um lado, porque a testemunha era advogado da HH em 2009, por outro porque partilhou escritório com o Dr. II, perante o qual foram tidas pretensas reuniões para discussão das condições que passaram – alegadamente – a constar do documento assinado em 2014.

PP. Os factos sobre os quais depôs a testemunha GG encontravam-se, pois, cobertos pelo segredo profissional, nos termos do artigo 92.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo por isso inadmissível, nos termos do n.º 5 daquele preceito.

QQ. Ao valorar o depoimento da testemunha, o Tribunal a quo atendeu a um meio de prova inadmissível, violando disposições substantivas de direito probatório material, devendo este Venerando Tribunal revogar a decisão recorrida quanto à alteração da decisão sobre a matéria de facto, na parte em que atendeu ao depoimento da testemunha GG, ou seja, quanto aos factos constantes dos artigos 4.º e 5.º da Petição Inicial e que ficaram a constar dos pontos 28. e 29. da matéria de facto revista.

RR. No uso do seu poder de livre apreciação das provas, o Tribunal de 1.ª Instância valorou os depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento.

SS. Tal convicção teve por base a totalidade das provas produzidas, analisadas e examinadas, em conjunto, e não isoladamente consideradas, assumindo particular relevância a imediação e oralidade (decorrente do artigo 607.º, n.º 5 do CPC) da prova testemunhal produzida.

TT. É entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante aquele segundo o qual o Tribunal de 1.ª Instância é aquele que se encontra num melhor posicionamento para perceção global sobre os depoimentos prestados, captando hesitações, nervosismos, insinuações e comportamentos que as meras gravações de depoimentos não deixam perceber.

UU. Aniquilando por completo a convicção formada pelo Tribunal de 1.ª Instância, o Tribunal a quo formou nova convicção sobre a prova produzida, dando como provados os factos constantes dos artigos 4.º e 5.º da Petição Inicial.

VV. É jurisprudência pacífica que “o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação ou transcrição de depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação de prova pelo julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.05.2006, processo n.º 887/06), pelo que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento (…)” (cfr. acórdão do STJ de 10.05.2007, processo n.º 06B1868).

WW. Analisada a sentença proferida pela 1.ª instância, e tendo em especial consideração a convicção formada por aquele tribunal, afigura-se manifesto que o Tribunal de 1.ª instância não incorreu em qualquer erro flagrante e insustentável quanto à matéria de facto.

XX. Razões pelas quais a reapreciação da prova pelo Tribunal a quo, da qual resultou uma quase total alteração da matéria de facto, bem como a revogação da sentença de 1.ª instância pelo acórdão recorrido, revela-se incontestavelmente violadora dos princípios que regem a reapreciação da prova em processo civil, violando, assim, os princípios inerentes ao poder do Tribunal a quo de alteração da matéria de facto.

YY. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea b) do CPC, deverá este Venerando Tribunal revogar a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto, por violação das leis processuais que disciplinam o poder do Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão sobre essa matéria.

Violação pelo acórdão recorrido do princípio do contraditório

ZZ. O acórdão recorrido não respeitou um dos princípios basilares do processo civil - o princípio do contraditório - na vertente proibitiva da tomada de decisões surpresa, previsto no artigo 3.º do CPC, e decorrente do direito fundamental de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP.

AAA. Com base na matéria de facto dada como provada – que, de resto, foi alterada na sua quase totalidade pelo próprio Tribunal a quo numa clara violação de lei processual, conforme se defendeu supra – o Tribunal a quo entendeu que a criação do Recorrente por deliberação do BdP que aplicou a medida de resolução ao CC integrava o conceito de transmissão de estabelecimento para efeitos da aplicação do artigo 285.º do CT e que, por conseguinte, no que se refere aos trabalhadores, as deliberações do BdP que promoveram a medida de resolução do CC seriam desaplicadas.

BBB. Posição esta nunca antes suscitada ou sustentada nos autos onde o Recorrente defendeu que a transmissão do contrato de trabalho do ora Recorrido para a sua esfera jurídica operou por força do disposto na Deliberação do BdP de 03.08.2014 que aplicou a medida de resolução ao CC e selecionou o perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que seriam (ou não) transferidos do CC para o ora Recorrente, enquanto banco de transição.

CCC. A decisão do Tribunal a quo foi, por conseguinte, tomada ao arrepio do princípio do contraditório, sendo tida como uma decisão surpresa para o Recorrente, que não só discorda da conclusão a que chegou o Tribunal como – mais importante – tampouco teve oportunidade de contraditar aquele que veio a ser o entendimento espelhado no acórdão recorrido, numa configuração nunca antes suscitada.

DDD. De igual modo, ao incluir na decisão sobre a matéria de facto revista o ponto 30 o Tribunal a quo, feriu e beliscou o princípio do contraditório, na medida em que não conferiu ao Recorrente o direito a pronunciar-se quanto a essa questão, ou seja, a demonstrar mediante a apresentação de prova, que tais factos não poderiam ter sido dados como provados.

EEE. A decisão ora em crise constitui, assim, uma decisão surpresa, razão pela qual o Tribunal a quo deveria, de acordo com o princípio do contraditório, com consagração constitucional no artigo 20.º da CRP e consagração legal no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, ter ouvido previamente o Recorrente, dando-lhe oportunidade de apresentar a sua defesa, antes de se ter pronunciado no sentido em que o fez.

FFF. Ora, não tendo sido dada essa oportunidade ao Recorrente, não pode deixar de concluir-‑se que o acórdão recorrido se encontra ferido de inconstitucionalidade que desde já expressamente se invoca para todos os efeitos legais – tendo também sido cometida uma nulidade processual, a qual se traduz na omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve e que manifestamente influi no exame e na decisão da causa, e que constitui fundamento do presente recurso de revista.

Nulidade do ato alegadamente praticado por ex-administradores do CC, face ao disposto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais

GGG. No acórdão recorrido, o Tribunal a quo deu como provado que “Em 24.05.2009, o A. e o CC, SA acordaram que o A. teria as seguintes condições de trabalho (…)” (cfr. facto 28 da matéria de facto revista).

HHH. Sucede que o Tribunal a quo desatendeu por completo à nulidade de tal ato decorrente do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, conforme amplamente alegado pelo ora Recorrente, quer em sede de Contestação quer em sede de contra-alegações apresentadas no âmbito do recurso de apelação.

III. À luz do princípio da especialidade, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, a capacidade jurídica de uma sociedade comercial para a prática de um determinado ato, donde eventualmente resultem direitos e obrigações, depende da suscetibilidade do mesmo ser tido como necessário ou conveniente à prossecução do respetivo fim: o lucro.

JJJ. Ora, se como quer fazer crer o Recorrido (e o Tribunal a quo), o CC se vinculou, como entidade empregadora, à atribuição de uma gratificação ao Recorrido no valor de € 1.500.000,00 líquidos – o que apenas se equaciona, sem conceder – tal obrigação terá necessariamente de ser vista à luz do princípio da especialidade consagrado no artigo 6.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais a que supra se fez referência.

KKK.      Logo à primeira vista dir-se-ia que a atribuição de um qualquer prémio a um trabalhador, no valor de € 1.500.000,00 líquido, se revela contrária ao fim de uma sociedade por não visar o lucro nem estar inserida na prossecução da sua finalidade, podendo porventura equacionar-se a configuração da atribuição do prémio como uma liberalidade praticada pela própria sociedade.

LLL. Tratando-se de liberalidade, a sua admissibilidade estaria sujeita a duas condições: (i) ser considerada usual, seja à luz das circunstâncias da época, seja tendo em conta as específicas circunstâncias da sociedade; e (ii) ser entendida como necessária ou conveniente à prossecução do fim da sociedade.

MMM. Ora, nenhuma destas condições se encontra preenchida, não tendo sequer sido provada pelo Recorrido qualquer matéria de facto tendente a (ou suscetível de) evidenciar o preenchimento destes requisitos.

NNN. Bem pelo contrário, conforme resultou provado à saciedade, o montante do prémio que o Recorrido se arroga titular não seria de todo proporcional ou usual no seio do CC, assim como não ressaltou provado que da atribuição deste prémio pudesse advir qualquer benefício à prossecução do fim do CC, tendo o Tribunal chegado mesmo a admitir que o objeto da atividade bancária não é, obviamente, encontrar soluções para a resolução de litígios.

OOO. Assim, ainda que o documento no qual assenta a causa de pedir do Apelante tivesse hipoteticamente sido assinado por EE e FF em representação do CC, o mesmo não poderia deixar de ser considerado nulo face ao disposto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais.

PPP. E em todo o caso, ainda que se pudesse entender que tal obrigação teria sido assumida – mesmo que pelo CC (o que não se concebe e apenas por mera cautela e dever de patrocínio se admite) – sempre se diria que a mesma não apresentava nenhuma relação com o contrato de trabalho do Recorrido e que, por isso, o preenchimento da condição do alegado direito ao pagamento do prémio não se gerou.

QQQ. No caso concreto da alegada atribuição da gratificação no montante líquido de € 1.500.000,00 ao Recorrido, ter-se-á, forçosamente, que concluir que (i) dada a forma como a mesma foi alegadamente decidida; (ii) a sua desproporção face aos usos laborais no seio do cc; (iii) a total ausência de um motivo justificativo suscetível de ser gratificado e, ainda, (iv) a inexistência de uma situação paralela ou semelhante no universo de 5000 trabalhadores do CC e do Recorrente, que estamos perante uma liberalidade que, não tendo consequência na relação de trabalho do Recorrido com o CC, se deverá ter por assumida, apenas, entre as partes alegadamente envolvidas nesse acordo.

RRR. Assim, esta pretensa obrigação do CC, tratar-se-ia, no máximo, de uma estipulação paralela ao contrato de trabalho e estranha ao desenvolvimento das funções contratadas (aliás, só assim faz sentido a menção a uma “garantia da efetividade do posto de trabalho”, à desconsideração de certas ausências e à assunção pelo Recorrente de determinadas despesas).

SSS. A circunstância de se cruzarem previsões com reflexo no contrato de trabalho e outras que lhe são alheias não deve impedir que se reconheça a sua diferente natureza, pelo que, na medida em que a atribuição do “prémio” seja estranha ao contrato de trabalho, ainda que estipulada ao mesmo tempo que verdadeiras condições atinentes ao contrato de trabalho, é inaplicável o artigo 285.º do Código do Trabalho.

TTT. No fundo, o “prémio” destinava-se a compensar o Recorrido pelas desvantagens inerentes à manutenção (mesmo que artificial) da situação de arguido, de modo a permitir a manutenção do acesso à informação constante do processo, ou seja, a situação era totalmente alheia ao desenvolvimento do contrato de trabalho e cingia-se à «rentabilização», duvidosamente lícita, da situação de arguido.

UUU. Conclusões estas que o Supremo Tribunal de Justiça - em limite e caso entenda que não poderá retirá-lo da matéria assente (o que apenas por dever de patrocínio se admite) - poderá presumir face aos factos provados, na medida em que lhe cabe também a ele controlar o uso de presunções judiciais efetuadas pelo Tribunal da Relação, quando as mesmas ofendam a lei ou sejam manifestamente ilógicas (como é o caso). E resulta patente dos autos que este alegado prémio não poderia logicamente resultar do contrato de trabalho.

VVV. Por outro lado, e tendo em consideração a circunstância do Recorrido desempenhar funções no setor bancário há mais de 20 anos, parte deles como Diretor, (cfr. ponto 1 da factualidade assente), sendo que à data do pretenso acordo (2009), já desenvolvia essas funções há, pelo menos, 15 anos, não pode, nem poderia o mesmo, já naquela data, ignorar qual o objeto prosseguido pelo CC – e, desde agosto de 2014, pelo Recorrente –, o seu modo de atuação e respetivo procedimento de definição de prémios e/ou gratificações e, bem assim, quais as funções executadas no seio do CC por cada um dos dois ex-administradores que terão alegadamente acordado na concessão do que foi peticionado pelo Recorrido.

WWW. Pelo que não poderá o Recorrido, em relação ao ato em questão, gozar da proteção que seria de garantir a um terceiro de boa-fé e não há porque considerar que a obrigação alegadamente assumida pelos ex-administradores do CC deva obrigar, agora, o Recorrente.

Das deliberações do BdP e da ilegitimidade substantiva do Recorrente

XXX. Caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela e dever de patrocínio se concebe, sempre se dirá que a responsabilidade do Recorrente pela obrigação pretensamente assumida pelo CC, uma vez que se trata de uma contingência, se encontra excluída por força das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03.08.2014 e de 11.08.2014, que aplicaram a medida de resolução do CC, e das deliberações de 29.12.2015 que as vieram clarificar.

YYY. O acórdão recorrido afasta a aplicação das Deliberações do BdP com base no argumento de que a lei aplicável em matéria de contrato de trabalho prevaleceria sobre as aludidas Deliberações do BdP, o que traduz um duplo erro de julgamento, pois: (i) nem o disposto no artigo 285.º do CT é incompatível com a medida de resolução aplicada ao CC, (ii) nem está em causa saber se a legislação laboral prevalece ou não sobre as decisões do BdP proferidas em sede de aplicação da medida de resolução.

ZZZ. O que está verdadeiramente em causa nos presentes autos é a aplicação de um regime legal especial criado pelo legislador (mediante transposição de Diretiva comunitária), através do qual foi instituído um mecanismo de intervenção em instituições de crédito para defesa do sistema bancário e do interesse público aplicado por uma autoridade de resolução no exercício de poderes especificamente atribuídos pela lei e cujas decisões se impõem a todas as entidades, incluindo aos Tribunais, exceto se e quando forem declaradas nulas ou anuladas pelos tribunais da jurisdição administrativa.

Da não transferência do CC para o BB das responsabilidades que se discutem nos autos

AAAA. A resolução bancária constitui um mecanismo legalmente previsto de intervenção corretiva do regulador (BdP) no sistema bancário. A resolução insere-se no Título VIII do RGICSF dedicado, precisamente, à matéria da intervenção corretiva do BdP no sistema bancário, que fixa “a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro” como pressuposto base dessa intervenção (v. n.º 1 do artigo 139.º daquele diploma.

BBBB.  A resolução bancária operada por intermédio da constituição de um ou mais bancos de transição e transferência (parcial ou total) da atividade da instituição que se encontra em dificuldade para esse(s) novo(s) banco(s) constitui, por definição, um meio de salvaguardar a solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro (cfr. artigo 139.º, n.º 1, do RGICSF)e é uma medida reservada para a eventualidade extrema de uma instituição de crédito se encontrar em risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade e não ser previsível que a mesma consiga, num prazo apropriado, executar as ações necessárias para regressar a condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais (cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro).

CCCC. Trata-se, pois, de um instrumento legal que visa evitar um prejuízo sistémico e grave para o sistema bancário, ainda que para isso seja necessário afetar as posições jurídicas subjetivas de terceiros, introduzida no RJICSF em 2012 através do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro. Este regime foi posteriormente objeto de compatibilização a nível comunitário, com a publicação da Diretiva 2014/59/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio, parcialmente transposta para o ordenamento jurídico nacional através do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 01 de agosto (em vigor à data da aplicação da medida de resolução ao CC) e posteriormente objeto de transposição pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março, que introduziu um conjunto de relevantes alterações ao RGICSF.

DDDD. Uma das medidas previstas no RJICSF é “Transferência parcial ou total da atividade para instituições de transição”, consagrada, em 03.08.2014, na alínea b) do n.º 1 do artigo 145.º-C do referido diploma, que é precisamente a que foi aplicada ao CC através da Deliberação do BdP de 03.08.2014, que criou o Recorrente na qualidade de “instituição de transição”.

EEEE. Tal como previsto atualmente no artigo 145.º-O do RGICSF, em 03.08.2014 a aplicação da medida de resolução de “transferência parcial ou total da atividade para instituições de transição” pressupunha (por força do que então determinava o artigo 145.º-G do RGICSF) que o BdP procedesse à delimitação do perímetro de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, e a transferência da titularidade das ações ou de outros títulos representativos do seu capital social para instituições de transição para o efeito constituídas, sendo essa delimitação um aspeto caracterizador essencial da medida de resolução.

FFFF.     Sem essa separação de direitos e obrigações não seria possível garantir a eficácia da transferência parcial da atividade para a instituição de transição, ou seja, não haveria forma de garantir a viabilidade económica da instituição de transição (o “banco bom”).

GGGG. É ao BdP que compete, no exercício dos seus poderes de autoridade de resolução, definir essa delimitação, que, de acordo com o preceituado nos números 7 e 8 do atual artigo 145.º-O do RGICSF, produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual ou da falta de consentimento dos envolvidos.

HHHH. É esta delimitação do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que transitam do banco resolvido para o banco de transição que o Tribunal a quo decidiu ser incompatível com a figura da transmissão de estabelecimento prevista no artigo 285.º do CT, o que, salvo o devido respeito, não ocorre.

IIII. Mesmo que a criação de um banco de transição devesse ser tratada como uma transmissão de estabelecimento para efeitos da legislação laboral, ainda assim sempre teria que se concluir pela necessidade de serem compatibilizados dois regimes jurídicos que apresentam diferentes finalidades e que se destinam a salvaguardar objetivos diferentes.

JJJJ. Nada obsta a que, por razões relacionadas com a eficácia da medida de resolução aplicada e salvaguarda dos interesses prosseguidos, uma concreta contingência seja excluída desse perímetro sem pôr em causa a aplicação do artigo 285.º do CT.

KKKK. Não admitir a necessidade de compatibilização dos dois regimes jurídicos seria totalmente contrário ao espírito das normas do RGICSF que conferem à autoridade de resolução o poder de delimitar aquele perímetro com o objetivo de assegurar a continuação da atividade transferida para a instituição de transição.

LLLL.     Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, não existe qualquer incompatibilidade entre o artigo 285.º do CT e as Deliberações do BdP, nem em abstrato, nem em concreto, quando aquelas deliberações excluem do perímetro de transferência de ativos e passivos do CC para o BB a contingência referente à pretensão manifestada pelo Recorrido, pelo que o acórdão recorrido enferma de claro erro de julgamento nesta parte.

MMMM. O Banco aqui Recorrente foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do BdP tomada em reunião extraordinária de 03.08.2014, nos termos do n.º 5 do artigo 145º-G do RGICSF (na redação então em vigor, que era a que decorria do Decreto-‑Lei n.º 114-A/2014, de 01/08), como uma nova sociedade, habilitada a desenvolver a atividade bancária, completamente autónoma e independente do CC.

NNNN. Tais deliberações do Conselho de Administração do BdP excetuaram de forma clara do âmbito da transferência do CC para Recorrente, “quaisquer responsabilidades ou contingências do CC” que à data de 03.08.2014 não constituíssem passivos constituídos e consolidados na esfera jurídica do CC (vide subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à deliberação do BdP de 03.08.2014, na redação que lhe foi dada pela deliberação do BdP de 11.08.2014). A definição deste perímetro de transferência foi feita em concretização do disposto no artigo 145.º-H do RJICSF (na redação em vigor a cada momento) e ao abrigo dos poderes conferidos por esta norma.

OOOO. Já na sua redação original a referida Deliberação do BdP de 03.08.2014 excetuava da transferência do CC para o banco aqui Recorrente “quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais”. Posteriormente, com a redação alterada pela deliberação do BdP de 11.08.2014, a Deliberação em causa exce[cionou]  da transferência do CC para o banco aqui Recorrente “quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente (sublinhado nosso) decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais”.

PPPP.     Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, à data da medida de resolução aplicada ao CC pelo BdP em 03.08.2014, não havia qualquer responsabilidade constituída e consolidada na esfera jurídica do CC de indemnizar o aqui Recorrido, como ainda hoje não existe.

QQQQ. Essa eventual responsabilidade contingente do CC não foi transferida para o Recorrente, de acordo com o disposto no n.º 1, alínea b), subalínea (v) do Anexo 2 à deliberação do BdP de 03.08.2014, na versão consolidada que lhe foi dada pela deliberação do BdP de 11.08.2014, que exclui da transferência do CC para o aqui Recorrente de “quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais”.

RRRR.    À data da medida de resolução aplicada ao CC pelo BdP, em 03.08.2014, não era conhecida qualquer responsabilidade concreta ou sequer contingente do CC, de pagamento de qualquer prémio ao Recorrido, como é sua pretensão, tanto mais que a presente ação apenas foi proposta em 04.05.2015.

SSSS.     Aliás, os factos que o Recorrido veio alegar nos autos sustentam-se numa declaração alegadamente assinada por dois ex-Administradores do CC, em 09.10.2014, ou seja, mais de dois meses após a aplicação da medida de resolução pelo BdP.

TTTT.    Tal exclusão resulta também das três Deliberações (“Perímetro”, “Contingências” e “Retransmissão”) emitidas pelo BdP em 29.12.2015.

UUUU. As eventuais responsabilidades do BB em discussão nos presentes autos são objeto de expressa exclusão do perímetro de transmissão de ativos e passivos do CC para o BB uma vez que os presentes autos constam da lista de processos do Anexo 1 da Deliberação “Contingências” (pág. 16). Por via dessa referência, a deliberação do BdP de 29.12.2015 (“Contingências”) clarifica de forma concreta e individualizada que as contingências discutidas nos presentes autos, não foram transferidas para o Recorrente.

VVVV. Enfim, não existe qualquer dúvida de que a contingência discutida nestes autos não foi transferida para o Recorrente, BB, pelo que o acórdão proferido incorre em erro de julgamento ao considerar que essa transferência ocorreu, desconsiderando por completo e referida Deliberação.

Da vinculatividade das Deliberações do Conselho de Administração do BdP que configuram a medida de resolução do CC

WWWW. No acórdão recorrido o Tribunal a quo entendeu que a medida de resolução aplicada ao CC por via das deliberações do BdP, a criação do Recorrente – enquanto banco de transição – e a transferência de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do CC para o recorrido consubstanciaram uma transmissão de estabelecimento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 285.º do CT.

XXXX. Sucede que, ao contrário do que é sustentado no Acórdão Recorrido, não existe qualquer incompatibilidade entre o artigo 285.º do CT e as Deliberações do BdP, havendo apenas a necessidade de compatibilizar a aplicação de dois regimes que visam salvaguardar diferentes bens jurídicos.

YYYY. Ora, essa compatibilização foi garantida pelo exercício dos poderes de resolução por parte do BdP, já que todos os trabalhadores do CC (instituição resolvida), os respetivos contratos de trabalho e os direitos e obrigações daí decorrentes foram transferidos para o BB (instituição de transição), por efeito da aplicação da medida de resolução. O que não foi transferido foram as eventuais contingências do CC a 3 de agosto de 2014, mesmo que o seu alegado credor fosse um trabalhador do CC, na medida em que tais contingências não decorressem do contrato de trabalho, mas de qualquer outra fonte.

ZZZZ.    Em suma: o legislador ordinário instituiu um regime jurídico especial de resolução bancária e determinou claramente quais os interesses a salvaguardar perante um cenário de aplicação de uma medida de resolução bancária, fixando também que compete só e apenas ao BdP, enquanto autoridade de resolução, determinar o perímetro de ativos e passivos que transitam para o banco de transição, sendo que é inegável que no caso sub judice os alegados créditos do Recorrido não foram objeto dessa transferência.

AAAAA. Ao abrigo dos poderes que lhe foram legalmente conferidos, o BdP fez a seleção dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir do CC para o Recorrente, tendo essa seleção sido a base de cálculo para realização do capital do Recorrente pelo Fundo de Resolução e não há qualquer razão, nem em abstrato, nem em concreto, que permita afirmar que esse regime é incompatível com o disposto no artigo 285.º do CT.

BBBBB. O referido regime especial prevê mecanismos processuais para sindicar a validade das deliberações da autoridade de resolução e para dar satisfação aos direitos das pessoas, singulares ou coletivas, que possam ter sido afetadas pela medida de resolução. Esses mecanismos legais e processuais que pertencem exclusivamente à jurisdição administrativa compreendem os elementos que o legislador considerou necessários para compatibilizar os vários interesses em presença: por outro, o respeito pela vinculatividade das decisões da autoridade de resolução, necessária para a prossecução dos superiores interesses públicos em presença e, por outro, a satisfação dos legítimos direitos de todos os que tenham sido afetados por aquelas decisões.   

CCCCC. A compatibilização entre os regimes e a adoção pelo douto Tribunal ad quem de uma decisão que respeite as Deliberações do BdP e a legislação laboral aplicável (se o for) é a única solução que respeita todos os interesses em presença, incluindo a vinculatividade das Deliberações do BdP para todos os intervenientes (até o Tribunal).

DDDDD. Em conclusão, as Deliberações do Conselho de Administração do BdP, nomeadamente as referentes à medida de resolução do CC, são vinculativas para todas as entidades, incluindo os Tribunais, até que sejam declaradas nulas ou anuladas por sentença transitada em julgado que seja proferida no âmbito da jurisdição administrativa, pelo que ao desaplicá-las o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e extravasou o respetivo âmbito de competências, violando os correspondentes preceitos constitucionais (artigos 211.º e 212.º da CRP).

EEEEE. O Tribunal recorrido violou, no mínimo, as seguintes disposições legais e constitucionais: 3.º, 500.º, 518.º, 640.º, 662.º do CPC; 67.º CPT; 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados; 6.º do Código das Sociedades Comerciais e 210.º, 211.º, 212.º da CRP.

FFFFF. O Acórdão recorrido deve ser revogado, confirmando-se a decisão da primeira instância de absolvição do Recorrente do pedido.»

Termina referindo que «deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, mantendo-se consequentemente o sentido da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância».

O Autor respondeu ao recurso interposto integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1.ª - A douta decisão recorrida não merece qualquer reparo, não estando, designadamente, ferida do vício de nulidade por excesso de pronúncia.

2.ª - Os factos que constam do ponto 30 da matéria de facto fixada pelo Tribunal da Relação de Lisboa foram expressamente submetidos pelo Recorrido à apreciação deste Tribunal.

 3.ª - Sob a epígrafe "TTT.3.2. Dos factos vertidos nos arts. 7.º a 10° da petição inicial, nos arts. 92° e 93° da contestação e sob o n.° 7 dos factos provados na decisão sobre a matéria de facto - o trabalho desenvolvido pelo Recorrido e as relações da HH com o CC", e sob a epígrafe "III.3.2.2. O trabalho desenvolvido pelo A. em processo judicial envolvendo a HH" das alegações de recurso de apelação, o Recorrido, então Apelante, invocou a abundante prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento sobre o trabalho desenvolvido pelo A., ora Recorrido, no âmbito do processo judicial denominado "...", bem como a informação prestada pelo DCIAP, que reiterou o depoimento das testemunhas, no sentido de informar que relativamente a 42 arguidos já tinha existido despacho de suspensão provisória do processo.

4.ª - Requerendo consequentemente a alteração da matéria de facto dada como provada, no que tange a tais factos, com referência concreta aos factos dados como provados sob o n.° 7 da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

5.ª - Para concluir, quer nas alegações de recurso, quer na 32.ª conclusão (n.° 5) que "O A. teve intervenção em processo judicial em que era parte a HH, entidade que integra o Grupo CC ou Grupo DD, tendo desenvolvido um relevante trabalho, no sentido da recuperação da documentação contabilística dos Clientes HH/CC, de contacto com os Clientes HH/CC em Portugal e no estrangeiro e de colaboração com o Ministério Público, no sentido do pagamento voluntário dos impostos devidos por parte dos Clientes HH/CC e da promoção da suspensão provisória do processo quanto a tais Clientes, tudo sob a direção do CC, diversamente do que foi julgado sob o n.° 7 dos factos provados."

 6.ª - Ou seja, o ora Recorrido, então Apelante, expressamente sujeitou à apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa a questão de dever ser dada como provada a matéria de facto que veio a constar do ponto 30 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, invocou os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da tomada pelo Tribunal de 1.ª instância e referiu expressamente qual a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

7.ª - O ora Recorrente, então Apelado, pronunciou-se, em sede de contra-alegações, a tal matéria - V. fls. 40 e segs das contra-alegações e conclusões CC a EE.

8.ª - O Tribunal a quo não se pronunciou sobre matéria de facto não sujeita à sua apreciação, nem violou o disposto nos arts. 640° e 662°, ambos do CPC, nem violou o art. 3.º do mesmo Código.

9.ª - O douto Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a validade ou invalidade de deliberações do Banco de Portugal, limitando-se a colocar a questão submetida à sua apreciação nos seus devidos termos: como uma questão de direito do trabalho, subsumível no disposto no art. 285° do Código do Trabalho.

10.ª - A tudo acresce o facto de o ora Recorrente ter comunicado ao ora Recorrido, designadamente através do seu recibo de vencimento, que assumia todos os direitos e obrigações da sua relação laboral com o CC.

 11ª - A decisão recorrida não tem ínsita qualquer juízo sobre a validade das deliberações do Banco de Portugal.

12.ª - Pelo que nem sequer se coloca qualquer questão de competência material do Tribunal da Relação de Lisboa.

13.ª - O Doc. n.° 2 junto com a petição inicial consubstancia uma confirmação das condições de trabalho acordadas entre o ora Recorrido e a sua entidade patronal, sendo que tal confirmação foi prestada muitos meses antes de ser iniciado o presente processo, constituindo tão só e apenas prova documental.

14.ª - Pelo que o mesmo, em si mesmo, foi valorado pelo Tribunal recorrido, e bem, como um documento particular, provando de forma plena que os outorgantes (cuja assinatura o Recorrente, nos presentes autos, não colocou em crise) declararam o que dele consta.

15.ª - Uma vez que a factualidade que consta de tal documento foi colocada em crise pelo ora Recorrente, o Tribunal recorrido valorou, quanto a tal factualidade, a prova testemunhal e as declarações de parte, para concluir que, em 2009, foi celebrado um acordo entre o CC e o A., ora Recorrido, acordo este em que o CC se obrigou a pagar ao A. um prémio de desempenho de € 1.500.000,00 líquido.

 16.ª Sendo que o princípio da livre apreciação da prova vigora para a 1.ª instância nos mesmos moldes que vigora para o Tribunal da Relação.

17.ª - O Recorrente vem ainda alegar que a testemunha GG, Advogado, prestou o seu depoimento em violação de sigilo profissional.

18.ª - O Senhor Dr. GG estaria sujeito a sigilo profissional se os factos relativamente aos quais tivessem prestado depoimento tivessem chegado ao seu conhecimento por revelação de um Cliente seu, em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados, ou revelados por um Colega, ou revelados por coreu, coautor ou cointeressado do seu Cliente ou no âmbito de negociações malogradas - V. art. 92° do Estatuto da Ordem dos Advogados.

19.ª - Logo no início do seu depoimento, o Senhor Dr. GG referiu expressamente que os factos sobre os quais ia depor tinham chegado ao seu conhecimento no exercício das suas funções como administrador do CC, e não como Advogado.

20.ª - A tudo acresce que, caso o Senhor Dr. GG tivesse prestado depoimento em violação de sigilo profissional, no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona, tal constituiria uma irregularidade, nos termos do art. 195° do Código de Processo Civil, a qual, nos termos do art. 199° do mesmo Código, teria de ter sido arguida até ao final do depoimento do Senhor Dr. GG, o que não sucedeu, pelo que não pode o Supremo Tribunal de Justiça sequer conhecer desta questão, continuando tal depoimento a ser (e bem) devidamente atendido e valorado.

21.ª - O Recorrente veio alegar, contra legem, que o Tribunal a quo alterou a matéria de facto sem ter acesso aos aspetos comportamentais das testemunhas, estando-lhe vedada a formação de uma nova convicção sobre os factos.

22.ª - Olvidando que o legislador, bem sabendo que a prova testemunhal não é produzida presencialmente perante a Relação, alargou, na reforma de 2013, os poderes de cognição das Relações no que respeita à matéria de facto.

23.ª De facto, se no CPC na versão anterior a 2013, se previa, no art. 712°, que a Relação apenas podia modificar a decisão sobre a matéria de facto nos casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto, o atual art. 662° regula a reapreciação da decisão de facto de uma forma mais simples e alargada, configurando-a como um novo julgamento.

24.ª - Foi nos estritos limites previstos no art. 662° do CPC que o Tribunal da Relação de Lisboa alterou a matéria de facto fixada em 1.ª instância, tendo designadamente presente que o fazia ponderando o constrangimento de a prova testemunhal não ter sido produzida perante si.

 25.ª - O Recorrente veio ainda alegar que a decisão recorrida estava ferida do vício da nulidade, por constituir decisão surpresa por, no seu entender, o Tribunal a quo ter entendido que a criação do BB integrava o conceito jurídico de transmissão de estabelecimento, para efeito do disposto no art. 285° do Código do Trabalho.

26.ª - Determina o art. 77° do CPT que a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, pelo que não constando esta arguição de nulidade do requerimento de interposição de recurso, a mesma não pode ser sequer apreciada pelo Tribunal ad quem.

27.ª - Acresce que, nos termos do art. 5.º, n.° 3, do CPC, o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito.

28.ª - E esta decisão não consubstancia qualquer surpresa, dando antes razão aos argumentos aduzidos pelo A., ora recorrido, em sede de réplica, onde a mesma foi expressamente colocada.

29.ª - Quanto à pretensa inconstitucionalidade da decisão recorrida, diga-se que em Portugal o legislador não previu o recurso de amparo.

 30.ª - No caso dos presentes autos, o Recorrente não invocou a inconstitucionalidade de qualquer norma ou interpretação normativa do direito ordinário que julgasse desconforme com a Constituição, manifestando o Recorrente apenas o seu inconformismo com a sentença proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o que é juridicamente inócuo.

31.ª - Ora, como é evidente, um prémio atribuído a um trabalhador em virtude do seu desempenho profissional não constitui uma liberalidade.

32.ª - Acresce que um juízo sobre saber se o prémio atribuído constituía uma liberalidade, como pretende o Recorrente, sempre estaria dependente de uma apreciação de factos diversos daqueles que se encontram definitivamente fixados nos presentes autos, estando vedada ao Supremo Tribunal de Justiça a alteração da matéria de facto fixada ou a reapreciação a prova produzida em sede de audiência de julgamento, como parece pretender o Recorrente quando invoca os depoimentos prestados.

33.ª - O próprio Recorrente refere, no que o Recorrido não discorda, que não existe qualquer incompatibilidade entre as deliberações do Banco de Portugal de 29.12.2015 e o art. 285° do CT, já que todos os trabalhadores do CC foram transferidos para o BB, bem como os contratos de trabalho e os direitos e obrigações deles decorrentes.

 34.ª - Mas alega também, referindo-se ao caso sub iudice, que o que não foi transferido foram contingências, mesmo que o seu credor fosse um trabalhador do CC, na medida em que tais contingências não decorressem do contrato de trabalho.

35.ª - Ora, o prémio atribuído ao A., ora Recorrido, tem a sua fonte no contrato de trabalho - V. ponto 28 da matéria de facto dada como provada - pelo que sempre a obrigação de pagamento do prémio em causa teria sido transferida para o BB.

36.ª - Na data da resolução do CC - 3.08.2014 - já havia, desde 2009 (v. matéria de facto dada como provada), uma responsabilidade constituída e consolidada na esfera do CC de pagamento do prémio devido ao A., ora Recorrido.

37.ª - A deliberação do Banco de Portugal de 29.12.2015 não é aplicável ao caso concreto.

38.ª - O Recorrido extinguiu, por compensação, em 29.01.2015, o crédito de que era titular com o crédito de empréstimos, de que o Recorrente era titular, pelo que não se pode considerar que tenha sido retransmitida para o CC uma obrigação extinta desde 29.01.2015 através de um facto, ou ato, ou lei, posterior.

 39.ª - Caso assim não se entenda, no que não se concede, as deliberações do Banco de Portugal de 29.12.2015 não produzem quaisquer efeitos, por serem nulas.

40.ª - As deliberações de 29.12.2015 do Banco de Portugal têm, assim, uma natureza de ato administrativo complexo, dada a pluralidade de destinatários determinados ou determináveis a que se aplica e a diversidade material dos efeitos jurídicos que produz.

41.ª - As deliberações do Banco de Portugal que têm natureza de regulamento administrativo, não podem ter efeitos retroativos, nos termos do art. 141° do Código do Procedimento Administrativo que determina que não pode ser atribuída eficácia retroativa aos regulamentos que imponham deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções, que causem prejuízos ou restrinjam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício.

42.ª - Em qualquer caso, para o que ora importa, na alínea que se debruça sobre os "Passivos Excluídos", não existe qualquer nível de generalidade ou de abstração, uma vez que os seus destinatários estão inequivocamente identificados e só pode pretender produzir efeitos relativamente à resolução do CC.

43.ª - Seja o ato administrativo em causa meramente clarificador das deliberações de agosto de 2014, ou seja um novo exercício do poder de retransmissão para o CC de responsabilidades já transmitidas e assumidas pelo BB, este ato administrativo assume pelo seu conteúdo e efeitos natureza materialmente jurisdicional, violador do princípio constitucional da separação de poderes. Logo, viciado de usurpação de poder.

44.ª - Determina o art. 162°, n.° 1, al. a), do Código do Procedimento Administrativo que são nulos os atos viciados de usurpação de poder.

45.ª - Consequentemente, o ato em causa não produz nestes autos quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, sendo esta invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode também a todo o tempo ser conhecida por qualquer autoridade - Cfr. art. 162° do Código do Procedimento Administrativo.

46.ª - Acresce que os arts. 145°-O e 145°-Q do RGICSF interpretados no sentido de permitirem ao Banco de Portugal subtrair ao Tribunal da causa o poder de decidir, com independência e exclusiva subordinação à lei geral, qualquer das questões (processuais ou) materiais controvertidas, padece de inconstitucionalidade, por violação dos arts. 202° a 205° da Constituição da República Portuguesa, e são portanto inaplicáveis.

47.ª - O Recorrido é um trabalhador por conta de outrem, dependente, que tinha uma relação contratual com o CC e que viu, independentemente da sua vontade, a sua relação contratual ser transferida para o BB, que lhe assegurou que assumia os direitos e obrigações do CC.

 48.ª - O direito à retribuição tem proteção constitucional, nos termos do art. 59° da Constituição da República Portuguesa.

49.ª - A  deliberação do  Banco   de  Portugal   de  29.12.2015   é  gravemente atentatória do conteúdo do direito fundamental do Recorrido à retribuição.

50.ª - Determina o art. 162°, n.° 1, al. d), do Código do Procedimento Administrativo que são nulos os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.

51.ª - Pelo que, também por violar o conteúdo essencial de um direito fundamental, a deliberação do Banco de Portugal é nula, não produzindo qualquer efeito.»

Termina referindo que «deve esse (…) Tribunal julgar improcedente o presente recurso mantendo integralmente a decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA».

Por acórdão proferido em conferência, em 3 de maio de 2017, o Tribunal da Relação julgou improcedente a arguição das nulidades imputadas ao acórdão recorrido.

Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjuto proferiu parecer pronunciando-se doutamente no sentido da concessão da revista.

Notificado este parecer às partes, veio o autor tomar posição sobre o mesmo, na linha da posição sustentada no recurso, nomeadamente, sobre a vinculatividade das Resoluções do Banco de Portugal relativas ao CC e pronunciando-se, de novo, também no sentido da inconstitucionalidade daquelas resoluções.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber:

a) – Se a decisão recorrida se mostra afetada da nulidade a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil: 1), por ter alterado a matéria de facto, relativamente a factos de que não podia conhecer; 2) por ter declarado a invalidade das deliberações do Banco de Portugal relativas à resolução do CC, em matéria da competência dos Tribunais da jurisdição administrativa;

b) – Se na alteração da matéria de facto levada a cabo, o Tribunal da Relação recorreu a meios de prova inadmissíveis e se ultrapassou os poderes que decorrem do artigo 662.º do Código de Processo Civil relativamente à valoração dos meios de prova e ao âmbito da sua pronúncia;

c) – Se a decisão recorrida se mostra afetada de nulidade por violação do princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º do Código de Processo Civil;

d) - Se a decisão recorrida viola o artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, por não ter declarado nulo, nos termos daquele artigo, o alegado acordo que integra a causa de pedir;

e) – Se a decisão recorrida - ao considerar que o crédito reclamado no presente processo se transmitiu para o Banco Réu, nos termos do artigo 285.º do Código do Trabalho -, viola a natureza vinculativa das Resoluções do Banco de Portugal relativas à resolução do Banco CC;

f) – Se as resoluções do Banco de Portugal relativas à resolução do CC, ofendem os artigos 202.º, 205.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República.


II

O Tribunal da Relação fixou a seguinte matéria de facto:

«1. Em 19 de novembro de 1991, com efeitos retroativos a 01 de novembro de 1991, o autor celebrou um contrato de trabalho com o “JJ, S.A.”.

2. Nos termos desta relação contratual de trabalho o autor assumiu as funções inerentes à categoria profissional normativa de "Técnico de Nível 11".

3. Nos termos daquele contrato o Autor acordou com o JJ que seria reembolsado por eventuais contribuições devidas em sede de Segurança social, por forma a garantir ao mesmo uma remuneração mensal líquida de valor idêntico ao dos demais trabalhadores daquele banco com nível 11.

4. A acrescer à remuneração base acima indicada, o Autor recebia, ainda, um complemento de retribuição correspondente a 15% do seu vencimento base e diuturnidades.

5. O Autor manteve-se ao serviço do JJ até 31 de outubro de 1994, momento em que o seu contrato de trabalho foi suspenso devido a uma licença sem vencimento.

6. Em 1 de outubro de 2007, após o termo da sua licença de vencimento, o Autor passou a trabalhar no CC, o qual, em finais do ano de 2005, incorporou por fusão o JJ.

7. Nesse momento e, na qualidade de entidade empregadora do Autor, o CC definiu quais as condições contratuais do Autor, facto de que lhe deu conhecimento por escrito.

8. Nos termos do referido documento, foram garantidas ao autor as seguintes condições contratuais de trabalho:

a) Categoria Profissional de Diretor;

b) Nível Contratual 18 conforme definido no Contrato Coletivo de Trabalho aplicável, à data, às relações de trabalho do CC;

c) Vencimento ilíquido mensal de € 8.281,37 (incluindo remuneração complementar);

d) Antiguidade reconhecida à data de 01 de novembro de 1991;

e) Distribuição anual de lucros em acordo com a política implementada no CC e em função do desempenho do Autor;

f) Fundo de Pensões, sendo a reforma por velhice do Autor calculada de acordo com o enquadramento previsto no fundo de pensões do JJ, reportado à data de 1 de novembro de 1991, sendo considerada pelo valor total (100%) do último vencimento ilíquido mensal à data da reforma;

g) Cartão para despesas de representação no montante de € 10.920,00/ano (atribuído após o termo do contrato de leasing da viatura automóvel, à data, afeta ao Autor);

h) Viatura de serviço com plafond/renda mensal de € 708,00/mês, de acordo com a política implementada no CC;

ii) O CC assume a titularidade do contrato de leasing da viatura à data afeta ao Autor (matrícula …-CB..);

j) Lugar de estacionamento, de acordo com a disponibilidade verificada;

k) Telemóvel com Plafond de € 100,00, de acordo com a política implementada no CC;

l) Data de regresso a 01 de outubro de 2007;

m) Acesso ao SAMS Quadros (subsistema de saúde para Autor e respetivo agregado familiar);

n) Atribuição de crédito bonificado para aquisição de habitação própria permanente, nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho vigente;

o) Linha de crédito para Quadros Diretos [sic] no montante de € 75.000,00 (taxa Euribor) + € 50.000,00 (taxa Euribor + 1 %).

9. Em maio de 2009 o Autor auferia:

a) Vencimento Base - € 2.6...,31;

b) Diuturnidades - € 119,40;

c) Remuneração Complementar - € 5.914,91;

d) Subsídio de Almoço - € 176,20.

10. Em agosto de 2014 o Autor auferia:

a) Vencimento Base - € 2.723,11;

b) Diuturnidades - € 163,20;

c) Remuneração Complementar - € 6.105,25;

d) Subsídio de Almoço - € 180,60.

11. Em relação aos prémios anualmente pagos ao autor, como distribuição anual de lucros, os mesmos ascenderam, no período compreendido entre 2008 e 2012 (O CC não apresenta lucros desde 2012), aos seguintes montantes ilíquidos:

a) 2008 - € 7.661,27;

b) 2009 - € 46.724,55;

c) 2010 - € 36.874,93;

d) 2011 - € 27....4,26;

e) 2012 - € 6.743,67.

12. Em agosto de 2014, o Autor exercia funções inerentes à categoria profissional de diretor de nível 18.

13. No recibo de vencimento de agosto de 2014, o Réu prestou a seguinte informação ao Autor: “Os colaboradores CC foram transferidos para o BB com salvaguarda dos direitos."

14. Por carta datada de 29/01/2015, rececionada pelo Réu naquela data, junta a folhas 52-54 dos autos, o Autor comunicou o seguinte:

“Assunto: comunicação de declaração de compensação.

Exmos. Senhores,

1 - Conforme reconhecido pelos ex-Presidente e Vice-presidente da Comissão Executiva do CC, S.A. no documento anexo, que se junta a esta carta como Anexo 1, por efeito do acordo celebrado entre mim e aquele Banco em 24.05.2009, sou, desde 17.10.2005, titular de um crédito sobre o então CC, S.A. (agora BB, S.A.), no montante líquido de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), devido a título de gratificação pelo meu desempenho profissional.

2 - Tal como acordado, o referido direito de crédito vencer-se-ia sempre em 17.10.2015 ou em momento anterior, desde que ocorresse alguma alteração na minha relação laboral com o CC, S.A.

3 - Em agosto de 2014 foi-me comunicado que, enquanto trabalhador do CC, S.A., a minha relação laboral era transferida para o BB, S.A. com a salvaguarda de todos os meus direitos.

4 - Ocorreu em agosto de 2014, uma alteração na minha relação laboral.

5 - Pelo que se venceu, em agosto de 2014, o meu direito de crédito (agora sobre o BB, S.A.) no montante líquido de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros).

6 - Por outro lado, sou nesta data devedor ao BB, S.A. do montante de € 1.498.035,10 (um milhão quatrocentos e noventa e oito euros e trinta e cinco euros e dez cêntimos), correspondente à soma dos valores em dívida dos empréstimos n.º B… 0000000000..., B0… 00000000000…, B0…00000000000…, B0… 0000000000000… e B0…0000000000000….

7 - Efetivamente, no ponto 11 dos Considerandos da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3.08.2014, pode ler-se que "Na falta de soluções imediatas viáveis de alienação da atividade do CC, SA, a outra instituição de credito autorizada, a criação de um banco para o qual é transferida a totalidade da atividade prosseguida pelo CC, SA., bem como um conjunto dos seus ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão (...) ". - negrito e sublinhados nossos

8 - E no ponto 2 da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3.08.2014 é referido que "São transferidos para o BB, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17.º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do CC, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A a presente deliberação."

9 - Nos Anexos 2 e 2A da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3.08.2014 excluem-se da transferência acima mencionada alguns ativos e passivos.

10 - Sendo que não fazem parte de tal exclusão nem o passivo do CC, S.A. perante os seus trabalhadores, nem os seus ativos, no que respeita a créditos hipotecários.

11 - Assim, declaro por este meio que, nos termos do artigo 848.º, n.º 1, do Código Civil, extingo nesta data por compensação com o meu referido crédito, no valor líquido de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sobre o BB, S.A., o crédito no valor € 1.498.035,10 (um milhão quatrocentos e noventa e oito euros e trinta e cinco euros e dez cêntimos), correspondente à soma dos valores em dívida dos empréstimos n.º B…0000000000..., B0… 00000000000..., B0... 00000000000..., B0... 0000000000000... e B0... 0000000000000..., de que o BB S.A. é titular relativamente a mim.

12 - Sendo o valor do meu crédito superior ao valor do crédito do BB, S.A., a compensação dá-se apenas, nos termos do previsto no artigo 847.º, n.º 2, do Código Civil, na parte correspondente, pelo que o BB, S.A. se encontra ainda obrigado a pagar-me o remanescente de €  1.964,90.

13 - Em virtude da extinção do referido crédito do BB, S.A. sobre mim, caducou automaticamente a autorização de débito na minha conta das prestações dos identificados empréstimos.

14 - Não obstante, manifesto por este meio a minha vontade de cancelamento daquela autorização de débito e deste facto dou imediato conhecimento ao meu gestor de conta, de modo a que se torne duplamente inquestionável que qualquer subsequente débito, a título de prestações dos identificados empréstimos ora extintos, será ilícito.

15 - Em virtude da extinção do crédito de € 1.498.035,10 do BB, S.A. sobre mim, solicito que, no prazo máximo de 10 dias, me sejam entregues, para efeitos registais, os respetivos títulos de cancelamento das hipotecas que garantiam todos e cada um dos 5 créditos ora extintos.

16 - Por último, faço notar que o meu crédito diz respeito a um montante líquido, pelo que o pagamento de toda a tributação que incida sobre a gratificação em causa é da responsabilidade do BB, S.A., razão pela qual solicito que, no prazo máximo de 15 dias, me enviem os documentos comprovativos da liquidação e pagamento dos impostos devidos.

Com os meus melhores cumprimentos."

15. Por carta datada de 18/02/2015, rececionada pelo Réu naquela data, junta a folhas 58-59 dos autos, o Autor comunicou o seguinte:

“Assunto: Cancelamentos de hipoteca:

Exmos. Senhores,

1 - No passado dia 29.01.2015 declarei, nos termos do artigo 848.º, n.º 1, do Código Civil, extinguir por compensação com o meu crédito, no valor líquido de €1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sobre o BB, S.A., o crédito no valor € 1.498.035,10

(um milhão quatrocentos e noventa e oito euros e trinta e cinco euros e dez cêntimos), correspondente à soma dos valores em dívida dos empréstimos n.º B… 0000000000..., B0... 00000000000..., B0... 00000000000..., B0... 0000000000000... e B0... 0000000000000..., de que o BB S.A. era titular relativamente a mim.

2 - Em virtude da extinção do crédito de € 1.498.035,10 do BB, S.A. sobre mim, solicitei que, no prazo máximo de 10 dias, me fossem entregues, para efeitos registais, os respetivos títulos de cancelamento das hipotecas que garantiam todos e cada um dos 5 créditos então extintos.

3 - Estando tal prazo de 10 dias ultrapassado, venho solicitar ao BB a entrega imediata dos títulos de cancelamento das hipotecas que garantiam todos e cada um dos 5 créditos já extintos.

4 - Do mesmo modo, dizendo o meu crédito respeito a um montante líquido, o pagamento de toda a tributação que incidia sobre a gratificação no montante de € 1.500.000,00 era da responsabilidade do BB, S.A., razão pela qual solicitei que, no prazo máximo de 15 dias, me enviassem os documentos comprovativos da liquidação e pagamento dos impostos devidos.

5 - Estando tal prazo de 15 dias igualmente ultrapassado, venho solicitar ao BB a entrega imediata dos documentos comprovativos da liquidação e pagamento dos impostos devidos.

6 - Mais solicito que seja comunicado de imediato à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal a extinção de todos e cada um dos 5 créditos acima identificados.

7 - Faço notar que é ilícita qualquer comunicação do BB ao Banco de Portugal que não seja a da extinção de todos e cada um dos 5 créditos acima identificados, designadamente a falsa comunicação do seu vencimento, pelo que responsabilizarei o BB por todos os danos que me forem causados por qualquer eventual comunicação deste tipo ao Banco de Portugal.

Com os meus melhores cumprimentos."

16. Por carta datada de 19/02/2015, rececionada pelo Autor naquela data, junta a folhas 64 dos autos, o Réu comunicou-lhe o seguinte:

"Assunto: Resposta a cartas de 29 de janeiro e de 18 de fevereiro de 2015

Exm.º Senhor Dr. AA,

Acusamos a receção das suas cartas acima identificadas e, em resposta, comunicamos que o BB, S.A. ("BB") impugna a veracidade das assinaturas apostas no documento anexo à carta datada de 29 de janeiro de 2015 e não aceita os pressupostos de facto e de direito em que assentam as pretensões em ambas as cartas.

Deste modo, o BB refuta todos os efeitos que pretende alcançar pelo envio das cartas, entre os quais a compensação de créditos aí contida, que não é válida, legítima e eficaz, por inexistir o direito de crédito de que se arroga como titular e porque nunca estariam reunidos os pressupostos legais para recorrer a esse instituto jurídico. Assim, aproveitamos o ensejo para o interpelar para, no prazo de 5 (cinco) dias, proceder à regularização dos financiamentos que, entretanto, entraram em incumprimento, sob pena do BB se ver forçado a iniciar as correspondentes ações de cobrança de dívida.

Mais informa o BB que não se inibirá de aplicar os procedimentos que considere adequados, reservando desde já o direito de comunicar o teor da sua carta às autoridades competentes.

Com os melhores cumprimentos."

17. Por carta datada de 06/03/2015, rececionada pelo Réu naquela data, junta a folhas 66-67 dos autos, o Autor comunicou o seguinte:

“Assunto: Resposta à carta de V. Exas. de 19 de fevereiro de 2015

Exmos. Senhores,

Foi com enorme espanto e não menos indignação que recebi e analisei o teor da carta que V. Exas. me endereçaram datada de 19.02.2015, a qual, desde logo, considero atentatória do meu bom nome, honra e consideração, quando impugna a veracidade das assinaturas apostas no documento anexo à carta que enderecei ao BB, S.A. em 29.01.2015.

Com efeito, sendo funcionário bancário há mais de 22 anos, tenho um especial dever de diligência e rigor relativamente a todos os assuntos que me são confiados e a afirmação, ou sequer insinuação, de que possa estar a utilizar, com consciência disso, documentos cuja assinatura neles aposta não seja verídica assume particular gravidade, que não deixará de ser judicialmente apreciada.

Tanto mais que o BB, S.A. não pode deixar de conhecer as assinaturas apostas no documento em causa.

De facto, institucionalmente o BB, S.A. conhece as assinaturas do Senhor Dr. EE e do Senhor Dr. FF, por as mesmas constarem dos registos oficiais do Banco.

Acresce ainda que, as pessoas que colaboram com a Administração do BB, S.A. conhecem, na sua maioria pessoalmente, as assinaturas do Senhor Dr. EE e do Senhor Dr. FF.

Pelo que a impugnação da veracidade de tais assinaturas é, a todos os títulos, inadmissível.

Quanto à falta de pressupostos de facto e de Direito das minhas pretensões, a mesma terá de ser e será apreciada judicialmente, sendo certo que a compensação de créditos opera por mera declaração, não dependendo portanto da aceitação de quem a recebe.

Refiro ainda que as minhas cartas de 29.01.2015 e de 18.02.2015 podem e devem ser exibidas a qualquer autoridade competente.

Reitero que é ilícita e danosa qualquer comunicação do BB, S.A. ao Banco de Portugal no sentido de que eu esteja em incumprimento relativamente a qualquer dos 5 financiamentos que subscrevi, pelo que me verei forçado a responsabilizar o BB, S.A. - e pessoalmente todos aqueles que praticaram tais atos ilícitos e danosos - por todos os prejuízos que me forem causados por qualquer eventual comunicação desse tipo ao Banco de Portugal.

Por último, interpelo o BB, S.A. a identificar a pessoa que, juntamente com a Senhora Drª KK, assina em termos legíveis a carta que me foi endereçada em 19.02.2015, para efeitos de responsabilização pessoal pelo que aí foi escrito.

Com os meus cumprimentos."

18. EE e FF foram administradores executivos do “CC, SA.”

19. EE tinha o pelouro do Planeamento e Contabilidade, Compliance, Comunicação, Desinvestimento, Relações com Investidores, Secretariado Geral da Comissão Executiva, Obras e Património e Curadoria ....

20. FF tinha o pelouro do “…” do grupo CC, a Sucursal Financeira Exterior (...), os Residentes no Estrangeiro e o Centro de Estudos da História do CC.

21. Em data não apurada, FF assinou o escrito de fls. 21-24 dos autos, datado de 09/10/2014, cujo teor se reproduz na íntegra.

22. LL era o Administrador Executivo do CC que, no ano 2009, tinha o pelouro dos Recursos Humanos.

23. O Autor foi constituído arguido no processo judicial criminal conhecido por “...”, no qual veio a ser deduzida acusação, nos termos constantes do CD junto a fls. 330 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra.

24. Eliminado[1]

25. FF conhecia o descrito em 24).

26. O “BB, SA.” foi criado por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada no dia 03/08/2014, para o qual foram transferidos os ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do “CC, SA.”, melhor identificados nos anexos 2 e 2A anexos àquela deliberação, juntos a fls. 148-154 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra.

27. No dia 29/12/2015, o Conselho de Administração do Banco de Portugal tomou as deliberações juntas a fls. 440-487 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra.

28. Em 24.05.2009, o A. e o CC, SA. acordaram que o A. teria as seguintes condições de trabalho:

a) Garantia de efetividade do seu posto de trabalho, no CC, com a categoria profissional que tinha à data de diretor, ou qualquer outra que viesse a ser promovido, com todas as regalias respeitantes a essa categoria e que fossem praticadas no CC;

b) Não ser considerado justa causa a ausência do local de trabalho, motivada pela colaboração a qualquer das empresas do universo do Grupo CC ou do Grupo DD ou motivado pelo exercício direto ou indireto de qualquer função nessas empresas, assim como qualquer consequência com reflexo na prestação laboral que adviesse, direta ou indiretamente, da intervenção em processos judiciais relacionados com a atividade de qualquer dessas empresas;

c) O CC asseguraria os custos judiciais, direta ou indiretamente, relacionados com os processos mencionados na alínea anterior, nomeadamente os custos relacionados com honorários de advogados, peritos de qualquer espécie, bem como as eventuais sanções pecuniárias ou pedidos de indemnização e que o A. possa vir a ser condenado em processos desta natureza, sem qualquer limite ou exceção;

d) Se o A. o solicitasse, o Departamento de Recursos Humanos do CC asseguraria a sua colocação, enquanto o desejasse e em regime de comissão de serviço, em qualquer empresa das unidades económicas do universo empresarial do Grupo DD abrangidas pela supervisão consolidada, mantendo a mesma categoria profissional (e respetivas regalias, estatuto remuneratório e benefícios complementares). Caso não fosse possível a colocação com a mesma categoria, o A. assumiria a função de consultor da empresa, sucursal, filial ou escritório de representação onde fosse colocado;

e) Caso o A. optasse por ser colocado em qualquer empresa das unidades económicas do universo empresarial do Grupo DD, o CC asseguraria o seu lugar em Portugal, com todos os direitos inerentes;

f) Em caso de deslocação do A. para o estrangeiro em regime de comissão de serviço, a mesma incluiria todos os direitos, tais como salários e remunerações acessórias e contemplaria as condições normalmente oferecidas pelo Grupo CC em situações semelhantes, nomeadamente:

i) Pagamento de renda da casa ou subsídio para liquidar um crédito para compra da mesma tendo por base um valor equivalente a um móvel no valor de € 1.000.000,00;

ii) pagamento pelo CC de um subsídio de instalação;

iii) pagamento pelo CC de uma viatura da empresa em valor equivalente à utilizada pelo A. em Portugal;

iv) pagamento pelo CC de um seguro de acidentes de trabalho;

v) Pagamento pelo CC de um seguro de saúde extensivo à família com coberturas abrangentes;

vi) pagamento pelo Banco de um subsídio para apoio à integração escolar dos filhos;

vii) pagamento das propinas do ensino obrigatório, primário, secundário e universitário dos descendentes;

viii) pagamento pelo CC de um subsídio de férias e de Natal;

ix) férias (25 dias úteis);

x) Pagamento pelo Banco de uma viagem para o próprio e família no início e fim da comissão de serviço;

xi) pagamento pelo Banco de uma viagem anual a Portugal para o próprio e família;

xii) pagamento pelo Banco de todas as viagens a Portugal para o próprio, resultantes de diligências ou notificações no âmbito de processos judiciais mencionados anteriormente;

xiii) contabilização do tempo de serviço prestado no estrangeiro para efeitos de reforma;

xiv) pagamento de subsídio para ajuda de telefone, água, eletricidade ou gás;

xv) pagamento pelo Banco de um seguro de Vida e de invalidez de forma a cobrir 100% do valor do salário bruto a beneficiar o A. ou os seus herdeiros legais;

g) A passagem temporária do A. para outra entidade patronal sita noutro Estado soberano diferente de Portugal só ocorreria depois do A. formalizar a sua decisão junto dos Recursos Humanos do CC e depois de obtidas as autorizações e demais requisitos legais exigidos pelas autoridades desse Estado;

h) Quando entendesse terminar a sua relação laboral no estrangeiro, o A. deveria informar o departamento de Recursos Humanos do CC através de carta, devendo o banco providenciar o seu posto de trabalho em Portugal no prazo de 60 dias a contar da receção da comunicação;

i) Pagamento ao A., a título de gratificação, do valor líquido de € 1.500.000,00, pelo seu desempenho em processos judiciais em que fosse parte qualquer das empresas do Universo do Grupo CC ou do Grupo DD no prazo máximo de 10 anos a contar de 17.10.2005 ou na data de alteração ou cessação da sua relação laboral com o Banco.»[2]

29. O que foi reiterado pelos ex-Presidente e ex-Vice Presidente da Comissão Executiva do CC, S.A., que, na data do acordo - 24.05.2009 -, obrigavam o CC, S.A.[3]

30. A pedido do CC, o A. trabalhou com o Banco e com os seus clientes no âmbito dos processos judiciais que lhe foram determinados no âmbito da ... e por isso, e só por isso, o CC, SA. acordou consigo, em 2009, as condições de trabalho referidas.»[4]


IV

1 – Nas conclusões E) a U) insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida referindo que a mesma se encontra afetada da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Em síntese, entende que o Tribunal quando procedeu à alteração da matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância, nomeadamente, quanto aditou àquela matéria o facto descrito sob o ponto n.º 30, conheceu de matéria de que não podia conhecer encontrando-se a decisão afetada por tal nulidade.

Efetivamente, o Tribunal, na sequência da reapreciação da prova produzida, veio a aditar à matéria de facto dada como provada o facto descrito no mencionado ponto n.º 30 que tem o seguinte teor: «A pedido do CC, o A. trabalhou com o Banco e com os seus clientes no âmbito dos processos judiciais que lhe foram determinados no âmbito da ... e por isso, e só por isso, o CC, SA. acordou consigo, em 2009, as condições de trabalho referidas».

Este segmento da decisão recorrida fundamentou-se nos seguintes termos:

«Para além desta matéria, emana ainda da conclusão 32ª que o A. pretende obter resposta de provado à seguinte matéria: 

- O A. teve intervenção em processo judicial em que era parte a HH, entidade que integra o Grupo CC ou Grupo DD, tendo desenvolvido um relevante trabalho, no sentido da recuperação da documentação contabilística dos Clientes HH/CC, de contacto com os Clientes HH/CC em Portugal e no estrangeiro e de colaboração com o Ministério Público, no sentido do pagamento voluntário dos impostos devidos por parte dos Clientes HH/CC e da promoção da suspensão provisória do processo quanto a tais Clientes, tudo sob a direção do CC, diversamente do que foi julgado sob o n.º 7 dos factos provados.

Sobre o nº 7 dos factos provados pronunciámo-nos acima considerando a resposta como não escrita.

A matéria cuja prova se pretende ter sido efetuada encontra amparo nos Artº 43º e 44º da resposta à contestação, onde se alega:

- A pedido do CC, o A. trabalhou com o Banco e com os seus clientes no âmbito dos processos judiciais que lhe foram determinados.

  - E por isso, e só por isso, o CC, SA. acordou consigo as condições de trabalho que o A. pede ao Tribunal que reconheça - já que o BB não o faz, como era sua obrigação.

Esta matéria surge como resposta a quanto se invocara no Artº 92º da contestação, a saber, que em momento algum da relação profissional que o A. mantém com o Banco ora réu e que até agosto de 2014 manteve com o CC, o A. desenvolveu funções, a título profissional, no âmbito dos processos judiciais em que as empresas do Grupo CC e/ou R. tenham sido ou sejam parte.

A razão de ser desta alegação prende-se com a circunstância de o acordo firmado reportar a desempenho profissional em processos judiciais em que fosse parte qualquer das empresas do Universo do Grupo CC ou do Grupo DD.

Donde, a resposta que a prova revelar se há de circunscrever à concreta alegação efetuada na resposta á contestação.

Alega o Apelado que a intervenção que o Apelante possa ter tido no processo-crime designado por ... decorria apenas, e tão só, ou de uma relação de mandato que o Apelante tinha com a HH ou de um interesse direto do próprio na medida em que o mesmo era também arguido na dita operação.

Não surpreende que o Apelante tivesse um interesse pessoal no processo, dada a sua condição de arguido. Porém, como revelou, à saciedade, a prova produzida, essa condição foi aproveitada para que o mesmo se movimentasse no acesso ao processo e assim recolhesse a informação necessária aos desígnios pretendidos pelo CC.

De tudo quanto expusemos anteriormente já resulta evidente que a resposta à matéria alegada no articulado de resposta à contestação é positiva e assenta nos depoimentos de FF, MM e GG, complementados pelos das testemunhas NN que trabalhou nos casos com o Apelante e OO.

Na verdade, NN, advogada, trabalhou juntamente com o A. na HH, no CC depois de 2007 e, agora, no BB. Também ela afirmou que a HH era do CC, explicando que sempre ouviu isto (não que tivesse confirmado documentalmente). Para além do trabalho de apoio jurídico e técnico ao turismo residencial, trabalharam no apoio decorrente do processo da .... Explicou a investigação criminal de que foi alvo a HH e o trabalho desenvolvido pelo A. no apoio aos clientes, por serem clientes do banco – o A. trabalhou sempre ativamente junto dos clientes da HH recolhendo no DCIAP documentação. Confirma a estratégia de defesa assumida pelo CC junto desses clientes – mais de 200. Referiu que aquando das buscas na HH toda a documentação foi levada. Das reuniões com clientes e respetivos advogados resultou a necessidade de recolha de documentação e quem a recolheu foi o A., que ia ao DCIAP desde o início da ..., sendo ele quem estabelecia os contactos com o Procurador. Relatou que se realizaram inúmeras reuniões com CC e gestores do P..., tendo tudo o que foi feito sido sob a égide do CC. Um dos trabalhos realizados pelo A. foi a reposição da base de dados dos clientes, o que fez trabalhando nas instalações do banco, a fim de a recuperar. Sabe que o A. reportava, nesta matéria, ao Dr. FF e ao Dr. PP.

Por seu turno, OO, bancária, vinda do CC para o BB, trabalha na …. Trabalhou na HH como gestora de clientes. Também ela referiu que a HH era uma empresa do grupo DD. Em 2007 o banco decidiu que a empresa terminaria a sua atividade. E que o A. se deslocava ao DCIAP, tendo ela própria estabelecido comunicações com este organismo a combinar deslocações do A. e que imprimiu milhares de documentos sobre a operação.

De salientar que a testemunha cujo depoimento invoca o Apelado, QQ deixa antever que poderia haver áreas de intervenção do A. das quais ela não tinha conhecimento. É a própria que afirma que na área em que trabalhavam juntos o A. reportava a si. “Tudo o resto…”

Tudo conjugado, entendemos responder à matéria em reapreciação provado que a pedido do CC, o A. trabalhou com o Banco e com os seus clientes no âmbito dos processos judiciais que lhe foram determinados no âmbito da ... e por isso, e só por isso, o CC, SA. acordou consigo, em 2009, as condições de trabalho referidas.»

A conclusão n.º 32 do recurso de apelação interposto pelo Autor e onde o Tribunal da Relação fundamenta a fixação do facto em causa era do seguinte teor:

«32.ª      

Da concatenação da prova documental e testemunhal carreada para os autos, o Tribunal recorrido deveria ter julgado provados os seguintes factos:

1 - Em 24.05.2009, o A. e o CC, S.A. acordaram que o A. teria as  condições de trabalho vertidas no Doc. n.º 2 junto com a petição inicial - facto vertido no art. 4º da petição inicial.

2 - O que foi reiterado pelos ex-presidentes e ex-Vice Presidente da Comissão Executiva do CC, S.A., que, na data do acordo - 24.05.2009 -, obrigavam o CC, S.A. - facto vertido no art. 5º da petição inicial.

3 - O CC sempre reconheceu e cumpriu as condições que havia acordado com o Apelante - facto vertido no art. 7º da petição inicial.

4 - O R., até janeiro de 2015, também sempre reconheceu e cumpriu as condições de trabalho que haviam sido acordadas com o A., designadamente não considerando justa causa a ausência do local de trabalho, motivada ela colaboração a qualquer das empresas do universo do Grupo CC ou do Grupo DD ou motivada pela intervenção em processos judiciais relacionados com a atividade de qualquer daquelas empresas - facto vertido no art. 10º da petição inicial.

5 - O A. teve intervenção em processo judicial em que era parte a HH, entidade que integra o Grupo CC ou Grupo DD, tendo desenvolvido um relevante trabalho, no sentido da recuperação da documentação contabilística dos Clientes HH/CC, de contacto com os Clientes HH/CC em Portugal e no estrangeiro e de colaboração com o Ministério Público, no sentido do pagamento voluntário dos impostos devidos por parte dos Clientes HH/CC e da promoção da suspensão provisória do processo quanto a tais Clientes, tudo sob a direção do CC, diversamente do que foi julgado sob o n.º 7 dos factos provados.»

Analisada a mencionada conclusão n.º 32.º no quadro geral das conclusões das alegações apresentadas pelo Autor no âmbito do recurso de apelação, pode claramente afirmar-se que os concretos pontos de factos que integram a matéria de facto dada como não provada e provada, cuja alteração se pretendia, (ponto n.º 24, eliminado este por razões que se prendem com o facto de ter sido considerado conclusivo), constam das alegações de recurso apresentadas, ali se discriminando igualmente os meios de prova com base nos quais o recorrente pretendia a alteração do decidido e o sentido em que pretendia que os factos fossem dados como provados.

Destaca-se, com efeito, dessas conclusões e com relevo na análise da questão suscitada o seguinte:

«16.ª O Apelante trabalhou no processo judicial denominado "...", não porque fosse arguido e o trabalho que desenvolveu fosse essencial para a sua defesa, mas sim porque tal lhe foi solicitado pelo CC, na medida em que em tal processo estava em causa a atuação dos arguidos ao serviço da sociedade HH, que era uma sociedade do universo Grupo CC ou do Grupo DD e da qual o Apelante era Administrador.

17.ª A HH - …, S.A. é uma sociedade de prestação de serviços de natureza administrativa, contabilística e fiscal, da qual o CC foi acionista direto - Cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, junta ao autos pelo Apelante em 26.11.2015.

18.ª Sem prejuízo de, posteriormente, as participações sociais do CC na HH terem sido transmitidas a sociedades de direito estrangeiro, a HH continuou a ser uma empresa do Grupo CC, como resulta do relatório de auditoria (realizado pelo Departamento de auditoria e inspeção do CC aos seus serviços centrais e às suas participadas) à sociedade HH, que surge nesse relatório como pertencendo ao Grupo CC - Cfr. Doc. n.º 1 junto pelo Apelante aos autos em 3.12.2015.

19.ª - Esta ligação da HH ao CC resulta igualmente do Doc. n.º 2 junto pelo Apelante aos autos em 3.12.2015, em que um Cliente da HH se dirige diretamente ao Presidente do Conselho de Administração do CC para tratar de questões que se prendiam com a atividade daquela outra sociedade.

20.ª - A ligação da HH ao CC e o domínio do CC sobre a HH consta igualmente do despacho de encerramento do inquérito do processo denominado "...", deduzido pelo Ministério Púbico - Cfr. acusação junta aos autos pelo DCIAP em 27.11.2015.

21.ª - Também no sentido de que a HH era dominada pelo CC, V. depoimento das testemunhas NN (minutos 4:04, 4:36, 6:34 e 20:20 do seu depoimento), OO (minutos 4:09 do seu depoimento), GG (minutos 55:25 e 1:34:40 do seu depoimento) e FF (minutos 8:47 e 11:11 do seu depoimento), bem como as declarações de parte do A. (minutos 9:00 e 17:20).

22.ª - Resulta assim, da concatenação da prova documental trazida aos autos pelo Apelante, pelo Apelado e pelo DCIAP, após notificação do Tribunal recorrido para o efeito, bem como da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, a relação de domínio do CC relativamente à HH.

23.ª - E mesmo que não se considere que o CC dominava a HH, é evidente que esta sociedade integrava o Grupo CC ou o Grupo DD - o que, aliás, resulta de documentação trazida aos autos pelo próprio R.

24.ª - Integrando a HH o Grupo CC ou o Grupo DD, vejamos, então, que serviços prestou o Apelante no âmbito de processos judiciais que envolveram os Clientes da HH e do CC e se esses serviços lhe foram solicitados pelo CC e se foram prestados estando o Apelante ao serviço do CC.

25.ª A razão pela qual o prémio em causa nos presentes autos foi atribuído ao A., ora Apelante, foi precisamente em virtude do trabalho que lhe foi solicitado que desenvolvesse no âmbito do processo criminal "...", em que era arguida a HH, o A., ora Apelante, e diversos Clientes do CC.

26.ª - A Apelante, no âmbito deste processo judicial, desenvolveu um relevante trabalho, no sentido da recuperação da documentação contabilística dos Clientes HH/CC, de contacto com os Clientes HH/CC em Portugal e no estrangeiro e de colaboração com o Ministério Público, no sentido do pagamento voluntário dos impostos devidos por parte dos Clientes HH/CC e da promoção da suspensão provisória do processo quanto a tais Clientes, tudo sob instruções do CC.

27.ª Neste sentido V. depoimentos das testemunhas FF (minutos 14:35, 19:22. 22:00, 25:00, 1:15:00 e 1:44:00 do seu depoimento), MM (minutos 15:07 do seu depoimento), GG (minutos 12:47 e 15:54 do seu depoimento), NN (minutos 9:14 e 10:46 do seu depoimento), OO (minutos 6:11, 8:02 e 10:38 do seu depoimento) e RR (minutos 37:58 do seu depoimento), bem como declarações de parte do A. (minutos 11:49 e 21:41).

28.ª À abundante prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento sobre o trabalho desenvolvido pelo A., ora Apelante, no âmbito do processo judicial denominado "...", acresce a informação prestada pelo DCIAP, que reitera o depoimento das testemunhas, no sentido de informar que relativamente a 42 arguidos já tinha existido despacho de suspensão provisória do processo.

29.ª Fica assim demonstrado que o A., ora Apelante, desenvolveu árduo e relevante trabalho no processo judicial denominado "...", o qual envolvia a HH, entidade do Grupo CC ou do Grupo DD, verificando-se, assim, a condição de que dependia o pagamento do prémio devido ao A., ora Apelante.

30.ª - Acresce que, primeiro o CC e depois o R., ora Apelado, respeitaram, até 2015, o acordo celebrado com o A. em 2009.

31.ª - Nos termos testemunhados, o Apelante desde 2007 e até 2014, ao serviço do CC, ausentou-se inúmeras vezes do seu local de trabalho ou não compareceu no mesmo, sem que tais faltas fossem consideradas injustificadas, por motivadas pela colaboração em qualquer das empresas do universo do Grupo CC ou do Grupo DD ou motivadas pela intervenção em processo judicial relacionado com a atividade dessas empresas - V. depoimento da testemunha NN (minutos 14:41 e 15:48 do seu depoimento) e declarações do A. (minutos 47:41).»

Não pode, deste modo, afirmar-se que o Tribunal da Relação conheceu de pontos de facto que estavam para além do objeto do recurso interposto e que, por esse motivo, a decisão proferida estaria afetada pela nulidade de excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

2 – Nas conclusões V) a BB) insurge-se igualmente o recorrente contra a decisão recorrida, referindo que a mesma se mostra afetada da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, agora pelo facto de a decisão recorrida ter conhecido da invalidade das medidas de resolução aplicadas pelo Banco de Portugal ao Banco CC referindo que se trata de matéria da competência dos Tribunais Administrativos.

Neste pressuposto, entende que «a declaração de invalidade das deliberações do BdP é uma decisão que apenas pode ser adotada pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, pelo que se o Recorrido pretendia obter uma decisão desse género, teria de ter formulado o correspondente pedido perante um tribunal dessa jurisdição».

Realça que «O Tribunal a quo (i) proferiu uma decisão para a qual não tinha competência, (ii) fornecendo ao Recorrido uma decisão que este já não está em tempo de obter perante os tribunais competentes, e tudo isto (iii) com recurso a um critério manifestamente insuficiente à luz das leis processuais aplicáveis (CPTA), na medida em que nem sequer se demonstrou a ilegalidade das deliberações desaplicadas», pelo que, em seu entender «É manifesto que o Tribunal a quo extravasou largamente os limites da respetiva competência material e invadiu a competência dos tribunais administrativos, em clara violação do disposto nos artigos 211.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3 da CRP, pelo que o acórdão recorrido não pode deixar de ser revogado por este Venerando Supremo Tribunal».

Tal como infra melhor se analisará, o Tribunal entendeu que a deliberação do Banco de Portugal relativa à resolução do CC não seria aplicável ao crédito que é objeto do litígio do presente processo.

Ao contrário do que pretende o recorrente, não resulta dessa decisão que tenha sido declarada qualquer invalidade das mencionadas deliberações, tendo-se entendido que a natureza laboral do crédito aqui reclamado impunha que o mesmo fosse transferido para o Réu no âmbito do artigo 285.º do Código do Trabalho.

Referiu-se, com efeito naquela decisão o seguinte:

«Verdadeiramente significativo é que o BB assumiu o Apelante como seu trabalhador, facto que decorre, como é óbvio, da resolução tomada em 3/08/2014, razão pela qual, no recibo de vencimento de Agosto do mesmo ano, o A., enquanto trabalhador, foi informado da transferência dos colaboradores CC para o BB com salvaguarda dos direitos.

E, em presença do que dispunha o já mencionado Artº 285º outra não poderia ser a solução.

Em segundo lugar, a obrigação do CC para com um seu trabalhador – o Apelante – nasceu em 2009. Muito antes, pois, da resolução, não podendo ser desconhecida e nem sequer contingente. Trata-se de uma obrigação certa, liquida, com prazo de vencimento previamente determinado.

Donde, as deliberações que o Banco de Portugal venha tomando a propósito das implicações da transferência de ativos e passivos, se aplicáveis a obrigações nascidas por efeito do contrato de trabalho, pecam por desconsiderar o que a propósito das obrigações decorrentes de contrato de trabalho a lei dispõe.

E é de contrato de trabalho que se fala. Contrato este que, como é sabido, se destaca do regime dos contratos em especial, tendo regulamentação própria que passa pela proteção das garantias conferidas a uma das partes – o trabalhador.

Assim, ainda que as deliberações do Banco de Portugal assumam natureza regulamentar, a hierarquia das fontes impede que tais regulamentos emitidos em oposição à lei laboral sejam válidos e eficazes perante o trabalhador.»

A decisão recorrida neste segmento, não invadiu a competência dos Tribunais Administrativos.

Não pode, pois, com este fundamento imputar-se à decisão recorrida a nulidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

3 – Nas conclusões CC) a YY) insurge-se o recorrente contra as alterações à matéria de facto dada como provada na 1.ª instância de que resultaram a prova dos factos aditados sob os n.ºs 28 e 29.

Em síntese, põe em causa a prova do contrato descrito no ponto n.º 28, de onde resulta a cláusula relativa ao prémio em litígio no presente processo e o facto descrito sob o ponto n.º 29, relativo à circunstância de esse contrato ter sido reiterado pelos ex-membros do conselho de administração ali referidos.

Entende o recorrente que na reapreciação da prova levada a cabo o Tribunal ponderou o documento de fls. 21-24, a cuja admissão se tinha oposto «por falta de preenchimento dos requisitos prescritos nos artigos 500.º e 518.º, n.º 1 do CPC», e que aquele documento «é um verdadeiro depoimento escrito – na medida em que se trata de um documento de onde constam declarações de pessoas sobre factos relacionados com a matéria factual discutida –, inadmissível porque realizado fora do âmbito do que estabelece o artigo 518.º do CPC (nos termos do qual “quando se verificar impossibilidade ou grave dificuldade de comparência no tribunal, pode o juiz autorizar, havendo acordo das partes (…)».

Entende assim que o Tribunal ponderou um meio de prova inadmissível.

Por outro lado, refere também que o Tribunal valorou o depoimento da testemunha GG em violação do segredo profissional que o onera, pelo que em seu entender também neste segmento «Ao valorar o depoimento da testemunha, o Tribunal a quo atendeu a um meio de prova inadmissível, violando disposições substantivas de direito probatório material, devendo este Venerando Tribunal revogar a decisão recorrida quanto à alteração da decisão sobre a matéria de facto, na parte em que atendeu ao depoimento da testemunha GG, ou seja, quanto aos factos constantes dos artigos 4.º e 5.º da Petição Inicial e que ficaram a constar dos pontos 28. e 29. da matéria de facto revista».

3.1 - De acordo com o disposto no artigo 682.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, «aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado», sendo que «a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, a não ser no caso excecional previsto no n.º 3 do art. 674.º».

Nos termos desta disposição, «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Deste modo, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode ser objeto do recurso de revista quando haja ofensa de «disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova».

Acresce que, por força do disposto no n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, «o processo só volta ao Tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de Direito, ou quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

A decisão do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto não pode, assim, ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo nas situações acima excecionadas, em caso de erro sobre regras de direito probatório material, ou quando seja insuficiente e deva ser ampliada «em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito».

À luz do exposto, a alteração da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação, na medida em que a mesma decorre dos poderes atribuídos àquele Tribunal pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, fora das situações acima referidas, não pode ser objeto de censura por este Tribunal, dela não cabendo recurso, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.

3.2 - Da análise da decisão recorrida, resulta que o documento fls. 21 a 24 dos autos foi ponderado como documento particular e que a prova dos factos – a existência do contrato que integra o ponto n.º 28 da matéria de facto agora aditado pela decisão recorrida – ou seja, o conteúdo desse documento, assentou igualmente na prova testemunhal ponderada pelo Tribunal e amplamente documentada na decisão recorrida.

O documento em causa é efetivamente um documento particular e a sua existência e a assinatura por um dos intervenientes já vinham dadas como provadas da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e nada tem a ver com um depoimento apresentado por escrito, nos termos do artigo 518.º do Código de Processo Civil.

Com efeito, o depoimento por escrito substitui nas circunstâncias referidas no mencionado artigo o depoimento pessoal. Pressupõe a existência de um litígio objeto de um processo e a indicação de alguém como testemunha, que se encontre impossibilitado de comparecer.

Não é esse o circunstancialismo que rodeia o documento em causa, que corporiza uma declaração prestada por alguém sobre factos, muito antes da existência de qualquer litígio como tal formalizado.

O facto de mais tarde  existir um litígio em relação ao qual o subscritor do documento podia ser indicado como testemunha não retira ao documento em causa a sua natureza de documento particular a ser apreciado livremente pelo Tribunal.

Não houve pois, na valoração do documento em causa, pelo Tribunal da Relação, qualquer violação das disposições de natureza processual que enquadram a reapreciação da prova.

3.3 - Do mesmo modo, carece de sentido a pretensão do recorrente de que o Tribunal ponderou indevidamente o depoimento da testemunha GG, em violação das disposições relativas ao sigilo profissional.

Na verdade, a circunstância de a testemunha em causa ser advogado de profissão e se ter apurado que «teve conhecimento dos factos em discussão ao abrigo da sua profissão: por um lado, porque a testemunha era advogado da HH em 2009, por outro porque partilhou escritório com o Dr. II, perante o qual foram tidas pretensas reuniões para discussão das condições que passaram – alegadamente – a constar do documento assinado em 2014», não sujeita os factos em causa ao regime do segredo profissional consagrado nos artigos «92.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados».

Com efeito, independentemente da qualidade de advogado que a testemunha em causa tivesse na data em que terão ocorrido os factos, a verdade é que, como resulta do depoimento sintetizado na decisão recorrida, também nesse período de tempo a testemunha era administrador não executivo do CC, pelo que não se pode afirmar que os factos em causa tenham vindo ao seu conhecimento por força do exercício da atividade de advogado, uma vez que o autor era nesse tempo administrador da HH, uma empresa do Grupo CC, empresa para quem, na ótica do recorrente, a testemunha trabalhava como advogado.

Carece assim de fundamento a pretensão do recorrente de que ao ponderar o depoimento da mencionada testemunha o Tribunal da Relação violou as normas relativas ao sigilo profissional de advogado.

Também neste segmento a decisão recorrida não violou o disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil relativamente à reapreciação da matéria de facto, em termos que permitam a este Supremo Tribunal intervir, nos termos do no n.º 3 do artigo 674.º de mesmo código.

4 – Nas conclusões RR) a YY) insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida referindo que o Tribunal da Relação na reapreciação da matéria de facto, nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil ultrapassou o âmbito de intervenção em que se devia mover.

Refere, com efeito que «É jurisprudência pacífica que “o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação ou transcrição de depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação de prova pelo julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.05.2006, processo n.º 887/06), pelo que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento (…)” (cfr. acórdão do STJ de 10.05.2007, processo n.º 06B1868)» e que «a reapreciação da prova pelo Tribunal a quo, da qual resultou uma quase total alteração da matéria de facto, bem como a revogação da sentença de 1.ª instância pelo acórdão recorrido, revela-se incontestavelmente violadora dos princípios que regem a reapreciação da prova em processo civil, violando, assim, os princípios inerentes ao poder do Tribunal a quo de alteração da matéria de facto», pelo que pretende que «ao abrigo do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea b) do CPC» este Tribunal revogue «a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto, por violação das leis processuais que disciplinam o poder do Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão sobre essa matéria».

Tal como vem sendo repetido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, o Tribunal da Relação, movendo-se no âmbito do recurso interposto, reavalia a prova produzida sobre os segmentos da matéria de facto que constituem objeto do recurso, e, com base nesses elementos, formula de forma autónoma a sua convicção.

Sobre os poderes de intervenção do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto, no âmbito do artigo 662.º do Código de Processo Civil, referiu-se no acórdão deste Supremo Tribunal proferido no processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1[5] da 2.ª Secção, datado de 7 de setembro de 2017, o seguinte:

«Como se tem entendido, a reapreciação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1.ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova, sendo inúmeros os fatores relevantes na apreciação da credibilidade de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes na audiência.

Não obstante a reapreciação da matéria de facto, no que ao tribunal de recurso se refere, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação – à exceção da prova vinculada – no processo de formação da sua convicção deverá ter-se em conta que dos referidos princípios decorrem aspetos de relevância indiscutível - reações do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões - na valoração dos depoimentos pessoais que melhor são percetíveis pela 1.ª instância.

Ao tribunal de recurso caberá, sem esquecer tais limitações, analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova produzida e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimentos comuns, não bastando para eventual alteração, diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.

A decisão factual do tribunal baseia-se numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, pelo que a fonte de tal convicção - obtida com beneficio da imediação e oralidade -apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.

(…)

Neste domínio, incumbe ao tribunal de revista o controlo dos parâmetros formais ou balizadores a observar pela Relação nos termos dos citados normativos.

Assim, no que respeita à reapreciação da decisão de facto, compete ao tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no n.º 4 do indicado artigo 607.º, mas já não imiscuir-se na valoração da prova feita, segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador, genericamente editado no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

É hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal que a reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte do tribunal de 2.ª instância, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa. 

No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.»

Carece deste modo de qualquer fundamento a afirmação do recorrente no sentido de que o Tribunal da Relação ultrapassou os limites legais da intervenção que lhe incumbe prosseguir em sede de reapreciação da matéria de facto.

5 - Nas conclusões GGG) a WWW) vem o recorrente suscitar a nulidade do contrato que integra o ponto n.º 30 da matéria de facto dada como provada, agora aditado pelo Tribunal da Relação, referindo que o mesmo viola o artigo 6.º do Código das Sociedades Comercias.

Como fundamento desta afirmação refere que «À luz do princípio da especialidade, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, a capacidade jurídica de uma sociedade comercial para a prática de um determinado ato, donde eventualmente resultem direitos e obrigações, depende da suscetibilidade do mesmo ser tido como necessário ou conveniente à prossecução do respetivo fim: o lucro» e que a «atribuição de uma gratificação ao Recorrido no valor de € 1.500.000,00 líquidos – o que apenas se equaciona, sem conceder – tal obrigação terá necessariamente de ser vista à luz do princípio da especialidade consagrado no artigo 6.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais a que supra se fez referência».

Realça que «a atribuição de um qualquer prémio a um trabalhador, no valor de € 1.500.000,00 líquido, se revela contrária ao fim de uma sociedade por não visar o lucro nem estar inserida na prossecução da sua finalidade, podendo porventura equacionar-se a configuração da atribuição do prémio como uma liberalidade praticada pela própria sociedade» daí fazendo deduzir a nulidade em causa.

A decisão recorrida, na reapreciação da matéria de facto que tinha sido dada como provada na 1.ª instância, abordou exaustivamente as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato em causa, nomeadamente, as motivações que estão subjacentes à sua celebração e a relação que o mesmo tem com a atividade prosseguida pelo autor ao serviço do Banco CC.

Nada resulta da matéria de facto dada como provada que permita afirmar que se está perante uma liberalidade como pretende o recorrente e que o pagamento do quantitativo reclamado não tenha uma relação direta com os serviços prestados ao seu empregador na altura.

Incumbia ao recorrente fazer prova dos factos em que fundamenta a sua pretensão, nomeadamente a natureza não retributiva dos quantitativos reclamados, nos termos do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil, o que não fez.

6 – Nas conclusões ZZ) a FFF) insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida referindo que a mesma se mostra afetada de nulidade por violação do artigo 3.º do Código de Processo Civil.

Refere que o Tribunal «entendeu que a criação do recorrente por deliberação do BdP que aplicou a medida de resolução ao CC integrava o conceito de transmissão de estabelecimento para efeitos da aplicação do artigo 285.º do CT e que, por conseguinte, no que se refere aos trabalhadores, as deliberações do BdP que promoveram a medida de resolução do CC seriam desaplicadas», o que, em seu entender constitui «Posição esta nunca antes suscitada ou sustentada nos autos onde o Recorrente defendeu que a transmissão do contrato de trabalho do ora Recorrido para a sua esfera jurídica operou por força do disposto na Deliberação do BdP de 03.08.2014 que aplicou a medida de resolução ao CC e selecionou o perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que seriam (ou não) transferidos do CC para o ora Recorrente, enquanto banco de transição».

Além disso, entende que «ao incluir na decisão sobre a matéria de facto revista o ponto 30, o Tribunal a quo, feriu e beliscou o princípio do contraditório, na medida em que não conferiu ao Recorrente o direito a pronunciar-se quanto a essa questão, ou seja, a demonstrar mediante a apresentação de prova, que tais factos não poderiam ter sido dados como provados».

Conclui referindo que «A decisão ora em crise constitui, assim, uma decisão surpresa, razão pela qual o Tribunal a quo deveria, de acordo com o princípio do contraditório, com consagração constitucional no artigo 20.º da CRP e consagração legal no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, ter ouvido previamente o Recorrente, dando-lhe oportunidade de apresentar a sua defesa, antes de se ter pronunciado no sentido em que o fez».

A decisão recorrida considerou, efetivamente, que a transmissão do crédito reclamado pelo Autor neste processo decorria da transferência da relação de trabalho que o ligou ao seu anterior empregador, o Banco CC, e invocou como fundamento dessa transmissão o disposto no artigo 285.º do Código do Trabalho.

Referiu-se, com efeito, naquela decisão que «Verdadeiramente significativo é que o BB assumiu o Apelante como seu trabalhador, facto que decorre, como é óbvio, da resolução tomada em 3/08/2014, razão pela qual, no recibo de vencimento de agosto do mesmo ano, o A., enquanto trabalhador, foi informado da transferência dos colaboradores CC para o BB com salvaguarda dos direitos.

E, em presença do que dispunha o já mencionado Artº 285º outra não poderia ser a solução.»

Ao invocar o disposto no artigo 285.º do Código do Trabalho, a decisão recorrida não introduziu qualquer questão nova sobre a qual tivesse o dever de ouvir as partes nos termos do artigo 3.º do Código de Processo Civil.

Na verdade, a transmissão da relação de trabalho do autor do Banco CC para o BB, o Réu deste processo, na sequência da resolução do CC, já era invocada pelo Autor como fundamento da responsabilização do Réu no pagamento do crédito reclamado. Essa era a questão sobre a qual as partes se pronunciaram ao longo do processo. Por um lado, o autor sustentou a transferência dessa responsabilidade como corolário da transferência da relação de trabalho e, por outro lado, o Réu sustentou que o crédito reclamado não foi transferido e foi mesmo expressamente excluído pela entidade competente – o Banco de Portugal - do universo do Réu.

Aquilo que a decisão recorrida faz é invocar a figura da transmissão de estabelecimento para sustentar a responsabilização do transmissário pela dívida que deu como provada na esfera do anterior empregador do Autor.

Do mesmo modo, tal como acima se referiu, o aditamento do ponto n.º 30 da matéria de facto decorre integralmente do processo de reapreciação da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação, no âmbito do recurso de apelação interposto, onde às partes foi facultada a possibilidade de se pronunciarem sobre as alterações suscitadas pelo recorrente.

Uma vez alterada a matéria de facto, o tribunal não tinha que abrir de novo o contraditório para que as partes tivessem oportunidade se pronunciar sobre a conformação do litígio que decorre das alterações introduzidas.

As partes são chamadas ao debate na resposta ao recurso e aí têm oportunidade de se opor a quaisquer alterações pretendidas pela parte contrária e de se pronunciarem sobre as consequências de natureza jurídica que podem decorrer das alterações que venham a ser introduzidas.

As partes tiveram pois participação integral na discussão das questões a decidir, não se justificando a abertura do contraditório nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, carecendo de fundamento as críticas que neste segmento são dirigidas à decisão recorrida.


VI


1 - Nas conclusões XXX) a DDDDD) insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida referindo em síntese que «O acórdão recorrido afasta a aplicação das Deliberações do BdP com base no argumento de que a lei aplicável em matéria de contrato de trabalho prevaleceria sobre as aludidas Deliberações do BdP, o que traduz um duplo erro de julgamento, pois: (i) nem o disposto no artigo 285.º do CT é incompatível com a medida de resolução aplicada ao CC, (ii) nem está em causa saber se a legislação laboral prevalece ou não sobre as decisões do BdP proferidas em sede de aplicação da medida de resolução».

Prossegue referindo que «Tal como previsto atualmente no artigo 145.º-O do RGICSF, em 03.08.2014 a aplicação da medida de resolução de “transferência parcial ou total da atividade para instituições de transição” pressupunha (por força do que então determinava o artigo 145.º-G do RGICSF) que o BdP procedesse à delimitação do perímetro de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, e a transferência da titularidade das ações ou de outros títulos representativos do seu capital social para instituições de transição para o efeito constituídas, sendo essa delimitação um aspeto caracterizador essencial da medida de resolução», uma vez que «FFFF.            Sem essa separação de direitos e obrigações não seria possível garantir a eficácia da transferência parcial da atividade para a instituição de transição, ou seja, não haveria forma de garantir a viabilidade económica da instituição de transição (o “banco bom”)» e que «GGGG. É ao BdP que compete, no exercício dos seus poderes de autoridade de resolução, definir essa delimitação, que, de acordo com o preceituado nos números 7 e 8 do atual artigo 145.º-O do RGICSF, produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual ou da falta de consentimento dos envolvidos».

Destaca ainda o recorrente que «MMMM. O Banco aqui Recorrente foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do BdP tomada em reunião extraordinária de 03.08.2014, nos termos do n.º 5 do artigo 145º-G do RGICSF (na redação então em vigor, que era a que decorria do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 01/08), como uma nova sociedade, habilitada a desenvolver a atividade bancária, completamente autónoma e independente do CC» e que «NNNN. Tais deliberações do Conselho de Administração do BdP excetuaram de forma clara do âmbito da transferência do CC para Recorrente, “quaisquer responsabilidades ou contingências do CC” que à data de 03.08.2014 não constituíssem passivos constituídos e consolidados na esfera jurídica do CC (vide subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à deliberação do BdP de 03.08.2014, na redação que lhe foi dada pela deliberação do BdP de 11.08.2014). A definição deste perímetro de transferência foi feita em concretização do disposto no artigo 145.º-H do RJICSF (na redação em vigor a cada momento) e ao abrigo dos poderes conferidos por esta norma».

Finaliza neste segmento afirmando que «UUUU. As eventuais responsabilidades do BB em discussão nos presentes autos são objeto de expressa exclusão do perímetro de transmissão de ativos e passivos do CC para o BB uma vez que os presentes autos constam da lista de processos do Anexo 1 da Deliberação “Contingências” (pág. 16). Por via dessa referência, a deliberação do BdP de 29.12.2015 (“Contingências”) clarifica de forma concreta e individualizada que as contingências discutidas nos presentes autos, não foram transferidas para o Recorrente».

Em síntese, no entender do recorrente as decisões do Banco de Portugal relativas à resolução do CC excluíram da transferência para o BB os créditos que integram o litígio que é objeto do presente processo.

Prossegue referindo que aquelas deliberações do Banco de Portugal relativas à resoluções do CC, «são vinculativas para todas as entidades, incluindo os Tribunais, até que sejam declaradas nulas ou anuladas por sentença transitada em julgado que seja proferida no âmbito da jurisdição administrativa, pelo que ao desaplicá-las o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e extravasou o respetivo âmbito de competências, violando os correspondentes preceitos constitucionais (artigos 211.º e 212.º da CRP)».

Destaca ainda que «AAAAA. Ao abrigo dos poderes que lhe foram legalmente conferidos, o BdP fez a seleção dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir do CC para o Recorrente, tendo essa seleção sido a base de cálculo para realização do capital do Recorrente pelo Fundo de Resolução e não há qualquer razão, nem em abstrato, nem em concreto, que permita afirmar que esse regime é incompatível com o disposto no artigo 285.º do CT» e que «BBBBB. O referido regime especial prevê mecanismos processuais para sindicar a validade das deliberações da autoridade de resolução e para dar satisfação aos direitos das pessoas, singulares ou coletivas, que possam ter sido afetadas pela medida de resolução. Esses mecanismos legais e processuais que pertencem exclusivamente à jurisdição administrativa compreendem os elementos que o legislador considerou necessários para compatibilizar os vários interesses em presença: por outro, o respeito pela vinculatividade das decisões da autoridade de resolução, necessária para a prossecução dos superiores interesses públicos em presença e, por outro, a satisfação dos legítimos direitos de todos os que tenham sido afetados por aquelas decisões».

Realça também que não há qualquer conflito entre as deliberações do Banco de Portugal em causa e o artigo 285.º do Código do Trabalho e que a compatibilização entre os dois regimes «foi garantida pelo exercício dos poderes de resolução por parte do BdP, já que todos os trabalhadores do CC (instituição resolvida), os respetivos contratos de trabalho e os direitos e obrigações daí decorrentes foram transferidos para o BB (instituição de transição), por efeito da aplicação da medida de resolução» sendo que «O que não foi transferido foram as eventuais contingências do CC a 3 de agosto de 2014, mesmo que o seu alegado credor fosse um trabalhador do CC, na medida em que tais contingências não decorressem do contrato de trabalho, mas de qualquer outra fonte».

2 – A decisão recorrida, à revelia das deliberações do Banco de Portugal relativas à resolução do Banco CC, depois de dar como provados os factos dos quais deduziu a existência do crédito que é objeto do presente processo, decidiu que o mesmo se transferiu do Banco CC para o Réu BB, afastando a argumentação então aduzida pelo recorrente, com os seguintes fundamentos:

«Em primeiro lugar que é irrelevante que nem toda a atividade tenha sido transferida do CC para o BB e que o aquele ainda não tenha sido extinto.

Verdadeiramente significativo é que o BB assumiu o Apelante como seu trabalhador, facto que decorre, como é óbvio, da resolução tomada em 3/08/2014, razão pela qual, no recibo de vencimento de agosto do mesmo ano, o A., enquanto trabalhador, foi informado da transferência dos colaboradores CC para o BB com salvaguarda dos direitos.

E, em presença do que dispunha o já mencionado Artº 285º outra não poderia ser a solução.

Em segundo lugar, a obrigação do CC para com um seu trabalhador – o Apelante – nasceu em 2009. Muito antes, pois, da resolução, não podendo ser desconhecida e nem sequer contingente. Trata-se de uma obrigação certa, liquida, com prazo de vencimento previamente determinado.

Donde, as deliberações que o Banco de Portugal venha tomando a propósito das implicações da transferência de ativos e passivos, se aplicáveis a obrigações nascidas por efeito do contrato de trabalho, pecam por desconsiderar o que a propósito das obrigações decorrentes de contrato de trabalho a lei dispõe.

E é de contrato de trabalho que se fala. Contrato este que, como é sabido, se destaca do regime dos contratos em especial, tendo regulamentação própria que passa pela proteção das garantias conferidas a uma das partes – o trabalhador.

Assim, ainda que as deliberações do Banco de Portugal assumam natureza regulamentar, a hierarquia das fontes impede que tais regulamentos emitidos em oposição à lei laboral sejam válidos e eficazes perante o trabalhador.

Por último, não releva que o CC não tenha sido extinto e mantenha existência. O que é significativo é que o Apelante, enquanto trabalhador, migrou para os quadros do Apelado, migração que, por força do já mencionado Artº 285º do CT importa a manutenção das garantias previamente existentes. Entre estas, está o direito a um prémio de desempenho.

Na verdade, o conceito de estabelecimento vem sendo interpretado de forma ampla, de modo a que nele caibam, quer a organização afeta ao exercício de um comércio ou indústria, quer os conjuntos subalternos que correspondem a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de autonomia técnica-organizativa própria, constituindo uma entidade produtiva autónoma, com organização específica. Também o conceito de transmissão se entende com igual amplitude, ali se incluindo não só o negócio de transmissão do direito de propriedade sobre o bem (por via de trespasse, venda judicial, fusão ou cisão de sociedades), como também a transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional direto entre transmitente e transmissário e nele se abarcando os casos de transmissão ou cessão de exploração inválidos.

Termos em que a questão em apreciação falece, procedendo a apelação.»

3 – A intervenção do Banco de Portugal no CC da qual resultou a criação do BB, o Réu do presente processo, decorre dos poderes de supervisão bancária atribuídos legalmente àquele Banco.

Nos termos do artigo 12.º da sua Lei Orgânica, compete ao Banco de Portugal «sem prejuízo dos condicionalismos decorrentes da sua participação no SEBC:

a) (…);

b) (…);

c) Velar pela estabilidade do sistema financeiro nacional, assegurando, com essa finalidade, designadamente a função de refinanciador de última instância».

O Banco de Portugal, nos termos do artigo 17.º da sua Lei  Orgânica, desempenha as funções de supervisão do sistema bancário. Aquele dispositivo é do seguinte teor:


«Supervisão

Artigo 17.º


1 - Compete ao Banco de Portugal exercer a supervisão das instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades que lhe estejam legalmente sujeitas, nomeadamente estabelecendo diretivas para a sua atuação e para assegurar os serviços de centralização de riscos de crédito, bem como aplicando-lhes medidas de intervenção preventiva e corretiva, nos termos da legislação que rege a supervisão financeira.

2 - Compete ainda ao Banco de Portugal participar, no quadro do Mecanismo Único de Supervisão, na definição de princípios, normas e procedimentos de supervisão prudencial de instituições de crédito, bem como exercer essa supervisão nos termos e com as especificidades previstas na legislação aplicável.»

É no quadro desta garantia da estabilidade do sistema financeiro que se inserem as medidas de intervenção corretiva e de administração provisória sobre as instituições bancárias disciplinadas no artigo 139.º e ss. do RGICSF[6].

Refere, com efeito no n.º 1 do artigo do artigo 139.º do RGICSF, que «tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro, o Banco de Portugal pode adotar, a todo o tempo, as medidas previstas no presente título».

Por sua vez, decorre do n.º 2 do mesmo dispositivo que «a aplicação das medidas previstas no presente título está sujeita aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua atividade, bem como a gravidade das respetivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro».

Como medidas lesivas de direitos patrimoniais que são este tipo de medidas não podia deixar de respeitar o princípio da proporcionalidade, articulando de forma ponderada a estabilidade do sistema financeiro com a gravidade das lesões de direitos que tais medidas comportam.

As medidas de intervenção corretiva, administração e de resolução que podem ser levadas a cabo pelo Banco de Portugal no âmbito dos seus poderes de supervisão encontram-se discriminadas nos artigos 141.º e ss. daquele diploma.

A medida de resolução insere-se nas competências do Banco Portugal dispondo sobre esta medida o artigo 17.º-A da respetiva Lei Orgânica, o seguinte:


«Artigo 17.º-A

1 - Compete ao Banco de Portugal desempenhar as funções de autoridade de resolução nacional, incluindo, entre outros poderes previstos na legislação aplicável, os de elaborar planos de resolução, aplicar medidas de resolução e determinar a eliminação de potenciais obstáculos à aplicação de tais medidas, nos termos e com os limites previstos na legislação aplicável.

2 - O desempenho das funções previstas no número anterior é exercido de forma operacionalmente independente das funções de supervisão e das demais funções desempenhadas pelo Banco de Portugal.»

A medida de resolução, que está no cerne do litígio que integra o objeto do presente recurso encontra-se disciplinada nos artigos 145.º-A e seguintes daquele diploma, integrando o capítulo IV daquele Regime Geral.

O artigo 145.º-A define as finalidades das medidas de resolução nos seguintes termos: «O Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objetivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades:

a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;

b) Acautelar o risco sistémico;

c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;

d) Salvaguardar a confiança dos depositantes.»

À luz deste dispositivo a «continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais», a prevenção do «risco sistémico» no sistema financeiro, a salvaguarda dos interesses dos contribuintes e do erário público e dos depositantes surgem assim como fins a realizar através da intervenção numa instituição bancária, nos quadros desta medida de resolução.

O artigo 145.º-B deste Regime desenvolve o «princípio orientador da aplicação de medidas de resolução resultando do seu número 1 que «Na aplicação de medidas de resolução, tendo em conta as finalidades das medidas de resolução estabelecidas no artigo anterior, procura assegurar-se que:

a) Os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa;

b) Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores;

c) Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação».

Decorre deste dispositivo que os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos, os credores assumem «os restantes prejuízos da instituição» e nenhum credor «pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação».

Os pressupostos da aplicação das medidas de resolução resultam do artigo 145.º-C que é do seguinte teor:


«Artigo 145.º-C

Aplicação de medidas de resolução


1 - Quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução, se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.º-A:

a) Alienação parcial ou total da atividade a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa;

b) Transferência, parcial ou total, da atividade a um ou mais bancos de transição.

2 - As medidas de resolução são aplicadas caso o Banco de Portugal considere não ser previsível que a instituição de crédito consiga, num prazo apropriado, executar as ações necessárias para regressar a condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais.

3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se que uma instituição de crédito está em risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade quando, entre outros factos atendíveis, cuja relevância o Banco de Portugal apreciará à luz das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A, se verifique alguma das seguintes situações:

a) A instituição de crédito tiver tido prejuízos ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo possa vir a ter prejuízos suscetíveis de consumir o respetivo capital social;

b) Os ativos da instituição de crédito se tornem inferiores ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo se tornem inferiores às respetivas obrigações;

c) A instituição de crédito estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações, ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo o possa ficar.

4 - A aplicação de medidas de resolução não depende da prévia aplicação de medidas de intervenção corretiva.

5 - A aplicação de uma medida de resolução não prejudica a possibilidade de aplicação, a qualquer momento, de uma ou mais medidas de intervenção corretiva.»

No quadro das medidas de resolução, o Banco de Portugal pode determinar as soluções definidas no artigo 145.º-G daquele Regime Geral, que é do seguinte teor:


«Artigo 145.º-G

Transferência parcial ou total da atividade para bancos de transição


1 - O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa.

2 - O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência, parcial ou total, dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para um ou mais bancos de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior.

3 - O banco de transição é uma instituição de crédito com a natureza jurídica de banco, cujo capital social é totalmente detido pelo Fundo de Resolução.

4 - O capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos.

5 - O banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respetivos estatutos, não se aplicando o disposto no capítulo ii do título ii.

6 - Após a deliberação prevista no número anterior, o banco de transição fica autorizado a exercer as atividades previstas no n.º 1 do artigo 4.º

7 - O banco de transição deve ter capital social não inferior ao mínimo previsto por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ouvido o Banco de Portugal, e cumprir as normas aplicáveis aos bancos.

8 - O banco de transição pode iniciar a sua atividade sem prévio cumprimento dos requisitos legais relacionados com o registo comercial e demais procedimentos formais previstos por lei, sem prejuízo do posterior cumprimento dos mesmos no mais breve prazo possível.

9 - O Banco de Portugal define, por aviso, as regras aplicáveis à criação e ao funcionamento dos bancos de transição.

10 - O Código das Sociedades Comerciais é aplicável aos bancos de transição com as adaptações necessárias aos objetivos e à natureza destas instituições.

11 - Compete ao Banco de Portugal, sob proposta da comissão diretiva do Fundo de Resolução, nomear os membros dos órgãos de administração e de fiscalização do banco de transição, que devem obedecer a todas as orientações e recomendações transmitidas pelo Banco de Portugal, nomeadamente relativas a decisões de gestão do banco de transição.

12 - O banco de transição tem uma duração limitada a dois anos, prorrogável por períodos de um ano com base em fundadas razões de interesse público, nomeadamente se permanecerem riscos para a estabilidade financeira ou estiverem pendentes negociações com vista à alienação dos respetivos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob a sua gestão, não podendo exceder a duração máxima de cinco anos.

13 - O banco de transição deve obedecer, no desenvolvimento da sua atividade, a critérios de gestão que assegurem a manutenção de baixos níveis de risco.

14 - A transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos é comunicada à Autoridade da Concorrência, bem como a eventual prorrogação do prazo previsto no n.º 12, mas atendendo à sua transitoriedade não consubstancia uma operação de concentração de empresas para efeitos da legislação aplicável em matéria de concorrência.»

Foi no âmbito da disciplina emergente deste artigo que o Banco de Portugal decidiu constituir o BB, o Réu do presente processo, e definiu as condições em que este, como banco de transição, asseguraria parte da atividade bancária do banco intervencionado.

A disciplina emergente deste artigo articula-se com a do artigo 145.º-H que tem particular relevo na análise do litígio que constitui o objeto deste recurso.

Esse artigo é do seguinte teor:


«Artigo 145.º-H

Património e financiamento do banco de transição


1 - O Banco de Portugal seleciona os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição.

2 – (…);

3 - Não podem ainda ser transmitidos para o banco de transição os instrumentos utilizados no cômputo dos fundos próprios da instituição de crédito cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal.

4 - Os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão selecionados nos termos do n.º 1 devem ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito, devendo a mesma avaliação, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 145.º-B, incluir também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução.

5 - Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo:

a) Transferir outros ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição;

b) Transferir ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.

6 – (…).

7 – (…).

8 - O valor total dos passivos e elementos extrapatrimoniais a transferir para o banco de transição não deve exceder o valor total dos ativos transferidos da instituição de crédito originária, acrescido, sendo caso disso, dos fundos provenientes do Fundo de Resolução, do Fundo de Garantia de Depósitos ou do Fundo de Garantia do ....

9 - Após a transferência prevista no n.º 1, deve ser garantida a continuidade das operações relacionadas com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos, devendo o banco de transição ser considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito originária.

10 - A instituição de crédito originária, bem como qualquer sociedade inserida no mesmo grupo e que lhe preste serviços no âmbito da atividade transferida, deve prestar todas as informações solicitadas pelo banco de transição, bem como garantir a este o acesso a sistemas de informação relacionados com a atividade transferida e, mediante remuneração acordada entre as partes, continuar a prestar os serviços que o banco de transição considere necessários para efeitos do regular desenvolvimento da atividade transferida.

11 - A decisão de transferência prevista no n.º 1 produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência.

12 - A decisão de transferência prevista no n.º 1 não depende do prévio consentimento dos acionistas da instituição de crédito nem das partes em contratos relacionados com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir, não podendo constituir fundamento para o exercício de qualquer direito de vencimento antecipado estipulado nos contratos em causa.

13 - (…).»

Destes dispositivos resulta à evidência que no quadro das medidas decorrentes dos poderes de supervisão e para a salvaguarda dos objetivos que justificam a intervenção, o Banco de Portugal decide as componentes do património da instituição intervencionada que são transferidos para o banco de transição criado, quando seja essa a solução ajustada, medida que tem um caráter dinâmico podendo ser ajustada a evolução da situação da instituição criada.

À economia da decisão a proferir releva também o artigo do Regime Geral que caracteriza as formas de impugnação das decisões proferidas pelo Banco de Portugal no quadro da resolução bancária e que é do seguinte teor:


«Artigo 145.º-N

Meios contenciosos e interesse público


1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 12.º, as decisões do Banco de Portugal que adotem medidas de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, com ressalva das especialidades previstas nos números seguintes, considerando os interesses públicos relevantes que determinam a sua adoção.

2 - Gozam de legitimidade ativa em processo cautelar apenas os detentores de participações que atinjam, individualmente ou em conjunto, pelo menos 10 % do capital ou dos direitos de voto da instituição visada.

3 - A apreciação de matérias que careçam de demonstração por prova pericial, relativas à valorização dos ativos e passivos que são objeto ou estejam envolvidos nas medidas de resolução adotadas, é efetuada no processo principal.

4 - O Banco de Portugal pode, em execução de sentenças anulatórias de quaisquer atos praticados no âmbito do presente capítulo, invocar causa legítima de inexecução, nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 175.º e do artigo 163.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos, iniciando-se, nesse caso, de imediato, o procedimento tendente à fixação da indemnização devida de acordo com os trâmites previstos nos artigos 178.º e 166.º daquele mesmo Código.

5 - Notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 178.º Código do Processo dos Tribunais Administrativos, o Banco de Portugal comunica ao interessado e ao tribunal os relatórios das avaliações de ativos efetuadas por entidades independentes em seu poder que tenham sido requeridos com vista à adoção das medidas previstas no presente capítulo.»

Relega-se deste modo a impugnação das decisões adotadas pelo Banco de Portugal para a Jurisdição Administrativa, em conformidade com a disciplina que emerge do artigo 12.º deste diploma, que rege nos seguintes termos:


«Artigo 12.º

Decisões do Banco de Portugal


1 - As ações de impugnação das decisões do Banco de Portugal, tomadas no âmbito do presente diploma, seguem, em tudo o que nele não se encontre especialmente regulado, os termos constantes da respetiva Lei Orgânica.

2 - Nas ações referidas no número anterior e nas ações de impugnação de outras decisões tomadas no âmbito da legislação específica que rege a atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, presume-se, até prova em contrário, que a suspensão da eficácia determina grave lesão do interesse público.

3 - Nos casos em que das decisões a que se referem os números anteriores resultem danos para terceiros, a responsabilidade civil pessoal dos seus autores apenas pode ser efetivada mediante ação de regresso do Banco e se a gravidade da conduta do agente o justificar, salvo se a mesma constituir crime.»

O Regime foi sintetizado no acórdão deste Supremo Tribunal, proferido na revista n.º 11674/16.0T8LSB.S1, de 2 de novembro de 2017, ainda inédito, nos seguintes termos:

«Nos termos do art. 139° do RGICSF, ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, são cometidos os poderes necessários para aplicação das medidas “tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro”, exigindo-se que a adoção dessas medidas fosse norteada pela sujeição “aos princípios da adequação e da proporcionalidade de, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua atividade, bem como a gravidade das respetivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro”.

Por outro lado, ao Banco de Portugal foi atribuído o poder de proceder à seleção dos “ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição”, devendo “ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito, devendo a mesma avaliação, para efeitos do disposto no n° 3 do art. 145°-B, incluir também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução”.

5.3. Dos preceitos acima referidos decorre expressamente que ao BdP, enquanto entidade de supervisão, incumbe expressamente a adoção das medidas necessárias à salvaguarda da instituição de crédito, dos depositantes e do sistema financeiro, aplicando as que forem consideradas adequadas e proporcionais, sendo-lhe dada ampla liberdade de decisão na escolha das medidas mais adequadas e eficazes. Tendo sido adotada a medida de resolução com a simultânea criação de um banco de transição, tal envolve a faculdade de selecionar os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para esta instituição, no momento da sua constituição, conforme o disposto no art. 145°-E, no i, do RGICSF, bem como a faculdade de posteriormente retransmitir estes ativos e passivos para a instituição originária (n° 5).

Tais poderes cometidos à entidade de regulação e supervisão bancária, resultam também da Diretiva da Resolução e Recuperação Bancária, transposta em parte pela Lei n° 23-A/15, de 26-3, em vigor desde 31-3-15.

Nos termos desta Diretiva, pode a entidade de resolução transferir a totalidade ou parte dos ativos, direitos ou passivos para uma instituição de transição, tendo como princípios orientadores o interesse público e a estabilidade do sistema financeiro, ainda que dessa transferência parcial de ativos, direitos e passivos possam resultar prejuízos para credores ou possa sair afetada a igualdade de tratamento dos credores dentro de uma mesma categoria (desde que tal seja justificado, tendo em conta os princípios orientadores da referida diretiva, acima referidos entre outros).

Com tais medidas pretendeu-se preservar a estabilidade financeira e a confiança no sistema financeiro, proteção dos depositantes e dos fundos públicos e o bom funcionamento do mercado interno dos serviços financeiros.

A possibilidade de criação de um banco de transição já estava, aliás, prevista no Aviso do Banco de Portugal no 13/12, de 8-10-12, nos termos do qual (n° 1 do art. 2°), se dispunha que “os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprova dos por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhes são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objetivos e natureza destas instituições.”

Acrescenta o n.º 3 que “os bancos de transição são criados para receberem e administrarem a totalidade ou parte dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição originária, desenvolvendo todas ou parte das atividades dessa instituição com vista à prossecução das finalidades enunciadas no art. 145°-A do RGICSF.”

Ou seja, de acordo com este quadro legal (e comunitário), a entidade de supervisão, o BdP, pode adotar medidas para salvaguarda da solidez financeira das instituições de crédito, dos interesses dos depositantes e da estabilidade do sistema financeiro, sendo que, de entre as várias medidas previstas, encontra-se a medida de resolução, estando ainda expressamente prevista a faculdade de serem selecionados ativos, direitos e passivos a serem transmitidos para um banco de transição e a faculdade de retransmissão destes mesmos ativos ou passivos, desde que tais decisões sejam norteadas pela tutela do interesse público, do sistema financeiro e dos depositantes.

5.4. Alegam os AA. que o regime assim descrito de forma sintética representa um autêntico “confisco”, sendo violador da Constituição e de instrumentos de direito internacional que tutelam o direito de propriedade e que exigem a atribuição de uma justa indemnização em casos de expropriação ou de requisição.»

Neste enquadramento voltemos ao caso dos autos.

O Autor instaurou a presente ação contra o Réu BB pretendendo a condenação deste no pagamento de um crédito, que diz emergente da relação de trabalho que o ligou ao Banco CC, referindo que esse crédito, tendo natureza laboral foi transferido para o Banco Réu, que assumiu no âmbito da relação de trabalho a posição do anterior empregador.

Pretende até a compensação desse crédito com dívidas que tinha para com a instituição bancária que era o seu anterior empregador.

O crédito reclamado pelo Autor é um dos que foi expressamente excluído pelo Banco de Portugal da transferência para o Banco Réu através da Resolução de 29 de dezembro de 2015, conforme resulta do documento de fls. 440 e ss., concretamente, fls. 455.

Entende, em suma, o Autor que essa resolução não é aplicável a esse crédito.

A decisão recorrida considerou que o crédito em causa, tendo natureza laboral, se transferiu para o Banco Réu, nos termos do artigo 285.º do Código do Trabalho, louvando-se daquilo que refere ser um conceito amplo de estabelecimento para os efeitos da transferência das relações de trabalho no âmbito daquela norma.

Deste modo a decisão recorrida contraria de forma expressa a deliberação do Banco de Portugal que excluiu da transferência para o BB do crédito que é objeto do presente processo.

Ora, face ao regime específico de impugnação das deliberações do Banco de Portugal em matéria de resolução bancária, aquelas deliberações são vinculativas por força da sua natureza para quaisquer instituições, nomeadamente para os tribunais judiciais.

Se o Autor tem dúvidas quanto à legalidade dessas deliberações, o espaço para as resolver é o da Jurisdição Administrativa, mantendo as mesmas a sua vinculatividade, enquanto não forem postas em causa por aquela jurisdição.

Na verdade, referiu-se no acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 26 de setembro de 2017, no processo n.º 3499/16.0T8VLS.S1, o seguinte:

 «Assumindo as deliberações do Banco de Portugal, a natureza de atos normativos regulamentares, nos termos do disposto no art. 112.º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa, vigorando em pleno na ordem jurídica, enquanto não forem revogadas/anuladas ou declaradas inconstitucionais, as posteriores deliberações do Banco de Portugal, de 11/08 e de 29/12/15, revestem caráter interpretativo daquela deliberação, integrando-se na deliberação interpretada, de acordo com o disposto no art. 13.º, n.º 1, do Código Civil.

Sendo impugnáveis apenas por via administrativa, incumbe no entanto, ao tribunal comum proceder à sua interpretação, de acordo com os normativos legais aplicáveis e de acordo com as deliberações denominadas “perímetro” e “contingências”, com função interpretativa das primitivas deliberações de 3 de agosto e de 11 de agosto, cujo âmbito visaram esclarecer».

Não havendo nestes autos notícia de que as deliberações do Banco de Portugal relativas à resolução do CC e, concretamente, a de 29 de dezembro de 2015 que especificou a não transferência para o Réu do crédito reclamado no presente processo tenham sido impugnadas na Jurisdição Administrativa, elas mantêm a plena vinculatividade, pelo que o Tribunal da Relação lhes devia obediência.

Nem se diga, como se faz na decisão recorrida, que o conceito amplo de estabelecimento previsto no artigo 285.º do Código do Trabalho impõe a transferência deste crédito para o Banco Réu como consequência da transferência da relação de trabalho.

Com efeito, a decisão recorrida confunde duas realidades completamente diversas: a transferência das relações de trabalho para o BB, com quaisquer créditos litigiosos que os trabalhadores tivessem com a sua anterior entidade empregadora.

Seria atentatório da lógica que está subjacente à resolução, que esses créditos passassem para o banco de transição a coberto dos poderes de seleção do Banco de Portugal que visam o equilíbrio da nova instituição bancária de forma a que possa assegurar os objetivos que estão subjacentes à sua criação.

Seja como for, se dúvidas o Autor tinha relativamente às resoluções do Banco de Portugal, não pode pôr em causa aquelas resoluções no âmbito do presente processo, já que, enquanto não forem impugnadas na jurisdição administrativa, mantém a sua total vinculatividade.

Nem se diga, conforme faz o recorrido que «os arts. 145°-O e 145°-Q do RGICSF interpretados no sentido de permitirem ao Banco de Portugal subtrair ao Tribunal da causa o poder de decidir, com independência e exclusiva subordinação à lei geral, qualquer das questões (processuais ou) materiais controvertidas, padece de inconstitucionalidade, por violação dos arts. 202° a 205° da Constituição da República Portuguesa, e são portanto inaplicáveis», e que «O Recorrido é um trabalhador por conta de outrem, dependente, que tinha uma relação contratual com o CC e que viu, independentemente da sua vontade, a sua relação contratual ser transferida para o BB, que lhe assegurou que assumia os direitos e obrigações do CC» e que «O direito à retribuição tem proteção constitucional, nos termos do art. 59° da Constituição da República Portuguesa» pelo que «A  deliberação do  Banco   de  Portugal   de  29.12.2015   é  gravemente atentatória do conteúdo do direito fundamental do Recorrido à retribuição».

A intervenção do Banco de Portugal na resolução visa a salvaguarda de interesses coletivos relevantes derivados da necessidade de continuidade do negócio intervencionado e da prevenção de efeitos de contágio em todo o sistema bancário, efeitos esses que seriam demolidores na atividade económica e social do País.

Os credores da instituição intervencionada continuam a ter ao seu dispor todos os meios legais para dirimirem os litígios que tinham com essa instituição à data da intervenção.

Em sede de processo de liquidação fica assegurado o caminho para obterem a satisfação possível dos seus créditos, não podendo pretender assegurar a realização de créditos a partir dos fundos públicos com os quais é integrado o capital do banco de transição, porque não é função desse capital garantir dívidas do banco intervencionado.

Tal como acima se referiu, não pode olvidar-se que nos termos da alínea b) do artigo 145.º-B do Regime Geral «b) Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores».

Não podem é à revelia deste princípio vir a obter a garantia dos seus créditos pelo Banco de transição, contrariando os fundamentos da resolução, e dos objetivos gerais que a mesma visa.

Tal como se referiu no acórdão já citado, proferido no processo n.º 3499/16.0T8VIS.S1, «A legalidade desta medida, bem como de todas as demais que foram tomadas no âmbito de todo o procedimento de resolução e criação do banco de transição, da exclusiva competência do Banco de Portugal, só poderá ser discutida em sede de jurisdição administrativa, como deflui do disposto nos artigos 39º da Lei Orgânica do Banco de Portugal e 145º-N do RGICSF, sendo certo que, no que à economia da presente ação diz respeito, a sua eficácia presume-se, nos termos do disposto no artigo 12º, nº2 do RGICSF.

Assim, bem ao contrário do que os Recorrentes defendem, a irresponsabilidade do Réu BB nesta ação, não determina, por um lado, a privação dos mesmos da efetivação do seu eventual direito a serem indemnizados, vg, em sede de reclamação de créditos nos autos de insolvência do CC e/ou numa ação de responsabilização dos administradores daquela instituição nos termos do artigo 78º do CSComerciais, ou até mesmo em procedimento contra o próprio Banco de Portugal por danos causados, e por outro lado, não se antolha que tenha havido qualquer ato expropriativo e/ou de nacionalização do património dos Recorrentes, porque tal direito não é absoluto, tendo sofrido apenas uma lesão, potencialmente ressarcível, em sede do processo insolvencial do Réu CC e segundo o princípio da par conditio creditorum, apanágio do aludido procedimento, que em nada buliu com o seu direito de propriedade, constitucionalmente consagrado, no artigo 62º, nº1 da CRPortuguesa.»

A intervenção do Banco de Portugal não representa qualquer invasão arbitrária da área de intervenção dos Tribunais na resolução de litígios e do seu estatuto, nomeadamente dos princípios que emergem dos artigos 202.º e 205.º da Lei Fundamental.

Também carece de qualquer fundamento a invocação do artigo 59.º da Constituição da Republica, nomeadamente no que respeita ao direito à retribuição.

Na verdade, a intervenção do Banco de Portugal não pôs em causa a garantia do pagamento da retribuição dos trabalhadores da instituição intervencionada, tendo garantido sim a continuidade das relações de trabalho, o que não aconteceria se a solução considerada fosse outra, nomeadamente a liquidação pura e simples da instituição.

Tal como se referiu, a exclusão da transferência do crédito em discussão no presente processo, abstratamente considerada, não impedia que o Autor recorresse ao processo de liquidação onde podia reclamar o crédito de que se diz titular. E, aí, como qualquer outro credor e no quadro da assunção dos prejuízos, obter a satisfação possível do seu crédito.


VII

Em face do exposto, acorda-se em conceder a revista e em revogar a decisão recorrida, absolvendo o Réu BB dos pedidos que contra ele foram formulados nesta ação.

Custas nas instâncias e na Revista pelo Autor.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 11 de janeiro de 2018

António Leones Dantas (Relaror)

Júlio Gomes

Ribeiro Cardoso

______________________
[1] Eliminado pela decisão recorrida. Tinha na decisão da 1.ª instância o seguinte teor: «Por ter a qualidade de arguido naqueles autos, o autor consultou o processo por forma a colher factos reputados relevantes e falou com clientes, etc.»
[2] Aditado pela decisão recorrida.
[3] Aditado pela decisão recorrida.
[4] Aditado pela decisão recorrida.
[5] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[6] Todas as referências ao Regime Geral das Instituições de Crédito e sociedades Financeiras, tem por objeto a versão daquele Regime em vigor na data da intervenção do Banco de Portugal, em 3 de agosto de 2014.