Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
424/2001.P1.S1-A
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECLAMADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / EXECUÇÃO ESPECÍFICA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 830.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 688.º, N.º1.
LEI N.º 41/2013, DE 26-06: - ARTIGO 7º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14-05-2009, PROC. N.º 09B0301, DE 13-07-2010, PROC. N.º 4210/06.9TBGMR.S1, DE 08-02-2011, PROC. N.º 153/04.9TBTMC.P1.S1, TODOS PUBLICADOS E ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 2-10-2014, PROC. N.º 268/03.0TBVPA.P2.S1-A, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Não existe oposição de julgados se no acórdão fundamento – no âmbito de uma acção constitutiva, em que se pede a execução específica – se decide não ser admissível a execução específica de um contrato de mandato sem representação e no acórdão recorrido – no âmbito de uma acção declarativa de condenação – se decide condenar os mandatários na transferência dos bens para a titularidade do mandante , sem emitir qualquer declaração negocial em falta ou reconhecer, ainda que implicitamente, qualquer admissibilidade de execução específica.

II - O recurso para uniformização de jurisprudência é um recurso extraordinário, em que três instâncias já se pronunciaram sobre a mesma questão, daí que se justifique que as exigências de admissibilidade sejam mais apertadas, por forma a não abrir injustificadamente a porta a um terceiro grau de recurso que o legislador manifestamente não pretendeu.

III - Essas maiores exigências passam por uma clara demonstração da identidade e essencialidade da questão objecto de respostas divergentes, no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, demonstração essa que não ocorreu nos autos.

Decisão Texto Integral:
1.

1.1. AA, BB, CC, DD, LDA., EE E FF vieram, ao abrigo do disposto no artigo 688º do NCPC (2013), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno das Secções Cíveis deste Tribunal, sustentando que o acórdão proferido nestes autos está em oposição com o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça (STJ), proferido em 7-03-2003, transitado em julgado.

Refere, em síntese, que a questão essencial, tanto aos presentes autos como ao acórdão fundamento, se circunscreve à possibilidade de execução específica da obrigação do mandatário sem representação, sendo que, no acórdão fundamento, o STJ entendeu que, não tendo o mandatário sem representação procedido à transferência do bem para a esfera jurídica do mandante, o mandante não tem possibilidade de o forçar a tal, assistindo-lhe apenas direito a indemnização por perdas e danos; enquanto no acórdão recorrido se entendeu ser legalmente admissível a condenação do mandatário na transferência do bem para o mandante.

Entendem assim os recorrentes que estão reunidos os pressupostos de cuja verificação depende a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, posto que (i) estamos perante a mesma questão de direito: condenação dos mandatários a transferir os bens no âmbito de um mandato sem representação; (ii) Decisões contraditórias: o acórdão recorrido condenou na transferência, ao passo que o acórdão fundamento decidiu que, não tendo o mandatário procedido à transferência, não há lugar a execução específica, apenas assistindo ao mandante o direito a reclamar indemnização por perdas e danos; (iii) No domínio da mesma legislação: são as mesmas regras legais aplicáveis, isto é, as contidas nos artigos 1180º a 1184º e 830º, todos do Código Civil; ambos na mesma versão.

Estão assim, no entender dos recorrentes, reunidos todos os pressupostos para que seja admitido o presente recurso para o Pleno das Secções Cíveis, nos termos dos artigos 688º e seguintes do NCPC, a fim de se proceder à Uniformização de Jurisprudência.


1.2. O recorrente terminou o seu requerimento de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência com as conclusões constantes de fls. 10 que aqui se reproduzem:

1ª - A douta decisão que o Supremo Tribunal de Justiça proferiu no âmbito do presente processo é contraditória com aquela que, perante a mesma questão fundamental de direito, proferiu no processo com o n.º convencional 064ª43 (acórdão fundamento);

2ª - Em ambos os processos foi formulado pedido de condenação dos mandatários sem representação a transferir os bens adquiridos na execução do mandato para a esfera jurídica do mandante, sendo certo que os factos que constituíam causa de pedir eram idênticos (em ambos os casos a factualidade relevante consistia na existência de um contrato de mandato sem representação no âmbito do qual o mandatário adquiriu bens que não transferiu para o mandante);

3ª - O acórdão proferido no presente processo confirmou a decisão do tribunal da Relação do Porto pela qual os mandatários sem representação (os réus) foram condenados a transferir os bens (imóvel melhor identificado na petição inicial e quotas da sociedade DD) para a esfera jurídica do mandante, ao passo que no acórdão fundamento se decidiu que, não tendo o mandatário procedido a essa transferência, o mandante não tem possibilidade de o forçar a tal, apenas lhe assistindo o direito a reclamar indemnização por perdas e danos;

4ª - Os acórdãos (o recorrido e o fundamento) foram proferidos no domínio da mesma legislação, ou seja, o artigo 830º do CC, no qual se regula a execução específica, e os artigos 1180º a 1184º do CC, nos quais se regula o mandato sem representação (os artigos 1180º a 1184º nunca sofreram qualquer alteração desde a entrada em vigor do CC, por força do DL n.º 47344/66, de 15-07, e que a última alteração que o artigo 830º sofreu data já de 1980, por via do DL n.º 379/86, de 11/11, sendo assim muito anterior à data dos dois acórdãos aqui em causa, e até à pratica dos factos que neles são apreciados);

5ª - É firme convicção dos recorrentes que a posição correcta, por conforme ao pensamento legislativo e à unidade do sistema jurídico, é a sustentada no acórdão fundamento, segundo a qual, nos casos em que o mandatário sem representação não proceda à transferência da titularidade dos bens adquiridos no âmbito do mandato para o mandante, apenas assiste ao mandante o direito a reclamar o ressarcimento dos danos sofridos;

6ª - Ao excluir o contrato de mandato sem representação do estrito âmbito do regime da execução específica, o legislador pretendeu excluir a possibilidade de a obrigação do mandatário de transferir para a esfera jurídica do mandante os efeitos dos actos praticados em execução do mandato ser objecto de cumprimento coercivo.

7ª - Nessa medida, não é de admitir a condenação do mandatário na transmissão dos bens/direitos adquiridos em execução do mandato;

8ª - É entendimento dos recorrentes que o STJ não poderá senão verificar a existência de contradição jurisprudencial, revogando o acórdão recorrido e substituindo-o por outro que, em conformidade com a posição sustentada no acórdão fundamento, absolva os réus do pedido condenatório de transferência para o autor do imóvel e das quotas societárias identificadas na petição inicial, com as consequências legais.


1.3. A recorrida MASSA INSOLVENTE DE EE apresentou a sua resposta à alegação dos recorrente, concluindo do seguinte modo:

1ª - A representação processual do Réu EE cabe exclusivamente à Administradora da Insolvência nomeada por força do acórdão do STJ de 29-10-2013, no âmbito do apenso A/habilitação, que considerou habilitada a massa insolvente, representada pela administradora da insolvência;

2ª - Como tal deverá ser determinada a inadmissibilidade legal do recurso interposto pelo réu EE, por ausência de poderes para o efeito, já que os mesmos se encontram transferidos para a Massa Insolvente/Administradora da Insolvência;. Sem prescindir;

3ª - O recurso interposto é intempestivo, uma vez que a aqui recorrida foi notificada do recurso em 26-09-2014, ou seja em momento posterior ao hiato temporal contabilizado para efeitos de admissibilidade do recurso ora interposto.

4ª - Neste desiderato, deverá ser considerada a intempestividade do recurso interposto, não sendo, por tal fundamento, admitido o mesmo.

5ª - Acresce que, salvo melhor opinião, não se encontram preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência;

6ª - Desde logo pela omissão de junção da respectiva certidão do acórdão fundamento, nomeadamente para demonstração do trânsito em julgado daquela decisão, pressuposto da admissibilidade do presente recurso.

7ª - Outrossim, é pressuposto da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência a existência de acórdãos que se encontrem em oposição «sobre a mesma questão fundamental de direito». Contudo,

8ª - Tal pressuposto não se encontra preenchido in casu. Isto porque:

9ª - Apesar de os réus recorrentes pretenderem fazer reverter a decisão dos autos à questão da admissibilidade da execução específica no âmbito do mandato sem representação, tal questão não está em causa no acórdão recorrido.

10ª - O acórdão recorrido não está em oposição com o acórdão fundamento, por não estarem subordinados à mesma questão fundamental de direito, e;

11ª - Como tal deverá ser determinada a inadmissibilidade legal do recurso interposto pelos réus/recorrentes, por inverificação dos pressupostos legais, para a uniformização de jurisprudência.

12ª - Cautelarmente, a improceder a argumentação supra, na apreciação da questão atinente à admissibilidade da execução específica ao mandato sem representação, invoca a ré recorrida/massa insolvente a seu favor o entendimento que se deve considerar o artigo 830º aplicável, mediante interpretação extensiva ou, até, por analogia, às obrigações emergentes de fonte diversa do contrato promessa, por não ser impossível a aplicação analógica desse artigo, por ele não ter carácter excepcional;

13ª - Pelo que urge, por isso, ampliar o perímetro do preceito, abrangendo as situações em que alguém esteja obrigado, por lei ou convenção, a emitir uma declaração de vontade.

14ª - Correspondendo ao sistema da nossa lei que atribui à restauração natural a prevalência sobre a indemnização por equivalente;

15ª - Tal dito, reverteria num manifesto abuso de direito, sob a forma de venire contra factum proprium, em claro prejuízo da restauração natural e face à posição assumida pelos réus, que fosse revertida a decisão já transitada em julgado.

16ª - Devendo, a serem apreciados os fundamentos do presente recurso, ser uniformizada jurisprudência no sentido da admissibilidade do alargamento do regime da execução específica, mediante interpretação extensiva ou, até, por analogia, às obrigações emergentes de fonte diversa do contrato promessa e a todos os outros em que se verifique o dever de contratar, por força da primazia da restauração natural sobre a indemnização por equivalente.


Cumpre apreciar e decidir liminarmente, nos termos do disposto no artigo 692º, n.º 1, do NCPC (2013)., da admissibilidade do presente recurso extraordinário.

2. Fundamentação:

2.1. A questão decidenda é uma só: indagar se é ou não admissível o recurso apresentado, ponderando que essa aceitação implica que o acórdão recorrido esteja, tal como decorre do artigo 688º, n.º 1, do NCPC, “em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de direito”.

2.2. Os factos provados são os que constam dos relatórios de ambos os acórdãos mencionados (o recorrido e o fundamento), para os quais se remete e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

2.3. É aplicável aos presentes autos o regime dos recursos resultante do NCPC, na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, posto que, muito embora a acção seja anterior a 2008, a decisão recorrida, datada de 19-06-2014, é posterior à entrada em vigor daquele diploma (01-09-2013) – cf. artigo 7º, n.º 1, da supra citada Lei.

2.4. Recapitulando, o n.º 1 do artigo 688º (correspondente ao anterior artigo 763º do CPC) concede à parte vencida o direito de interpor recurso para uniformização de jurisprudência quando haja prolação pelo STJ de acórdão que esteja em contradição/oposição com outro aresto deste mesmo Tribunal, anteriormente proferido, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

Na apreciação liminar que agora se empreende, podem-se enumerar, seguindo o estatuído no artigo 692º do CPC (bem como no artigo 641º, n.º 2, sobre a admissibilidade de recurso), as seguintes causas de rejeição do recurso:

a) A decisão não admite recurso (artigo 641º, n.º 2, al. a);

b) O recurso foi interposto fora de prazo (artigo 641º, n.º 2, al. a);

c) O recorrente carece de legitimidade – v.g., não foi vencido (artigo 641º, n.º 2, al. a);

d) O requerimento de interposição não contém a alegação do recorrente ou esta não tem conclusões (artigo 641º, n.º 2, al. b), do NCPC);

e) O recorrente não observou os ónus estabelecidos no artigo 690º do CPC (indicação dos elementos que determinam a contradição alegada; violação imputada ao acórdão recorrido; junção de cópia do acórdão-fundamento);

f) A inexistência de oposição de acórdãos (artigo 692º, n.º 1);

g) A verificação de que a orientação perfilhada no acórdão recorrido está de acordo com a jurisprudência uniformizada do STJ (artigo 688º, n.º 3).


No que aqui importa, estão preenchidos, positiva e negativamente, os requisitos indicados sob as alíneas a) a e) – não obstante as questões que se levantam quanto (i) à representação de EE, declarado insolvente, mas que irrelevam neste momento, visto que o recurso é interposto por todos os réus e quanto a estes não se levantam questões quanto à regularidade da sua representação por mandatário, bem como (ii) quanto à questão da não junção da certidão do acórdão fundamento, e que carece de fundamento, uma vez que a lei, neste recurso em particular, se basta com a cópia do acórdão fundamento, presumindo o trânsito.


Assim, urge indagar, tão-só, se o acórdão recorrido está ou não em oposição com o acórdão-fundamento (cf. al. f)).

Para que de conflito jurisprudencial se possa falar, e para que este seja susceptível de ser dirimido através de recurso extraordinário, é indispensável que as soluções jurídicas acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento – e que segundo a recorrente se encontram em invocada oposição – tenham uma mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito. Sem isto não podemos afirmar o primeiro e essencial pressuposto desde meio recursório de carácter excepcional.

O STJ, mercê da reintrodução deste meio de recurso excepcional pela reforma de 2007, tem vindo a pronunciar-se sistematicamente e a densificar pressupostos, muito concretamente o pressuposto do conflito jurisprudencial.

Num acórdão recente deste STJ, datado de 2-10-2014 e relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego (recurso para uniformização de jurisprudência 268/03.0TBVPA.P2.S1-A, acessível em www.dgsi.pt), a questão da contradição foi profundamente escalpelizada e tratada, pelo que nos socorreremos pontualmente do tratamento ali efectuado.

Assim, como lá se refere, a contradição implica:

Que as soluções alegadamente em conflito correspondam a interpretação divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental, o que implica que não hajam ocorrido, no tempo decorrido entre os dois acórdãos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão, para os litígios a solucionar, se situem no âmbito da interpretação e aplicação do mesmo instituto ou figura jurídica. Desta forma se exclui da previsão do pressuposto a subsunção ou enquadramento a regimes normativos materialmente diferenciados.

Que as soluções alegadamente em conflito tenham na sua base situações materiais litigiosas que, do ponto de vista jurídico-normativo sejam análogas ou equiparáveis. Ou seja, o conflito pressupõe uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto.

Que os entendimentos conflituantes tenham tido carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, integrando a ratio decidendi tanto do acórdão recorrido, como do acórdão fundamento. Desta forma se exclui da previsão deste pressupostos os casos em que a divergência se refira a um argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via.

Assim, e continuando a seguir de perto o supra citado aresto, não se pode falar em conflito jurisprudencial (i) quando as concretas soluções alcançadas pelo STJ, num caso e noutro, radicarem no apelo a normas, figuras ou institutos jurídicos diversos e autonomizáveis; (ii) quando a diversidade das soluções jurídicas alcançadas para a composição do litígio, assentar em diferenciações relevantes da matéria litigiosa; ou (iii) quando o entendimento diverso não tenha sido decisivo para a solução, em concreto, dada ao caso.

Partindo das premissas para o caso concreto temos:

No acórdão recorrido:

Em causa no acórdão recorrido (como se pode ler transparentemente a fls. 33), está uma acção condenatória em que aquilo que se pediu foi o reconhecimento da existência de um contrato de mandato sem representação e a condenação dos réus na transferência – sublinhe-se que não foi pedido que o tribunal fizesse essa mesma transferência.

É de uma acção declarativa de condenação que se trata; e não de uma acção constitutiva, como é a de execução específica.

Uma acção em que se pede o reconhecimento prévio da existência de um mandato sem representação que, como contrato que é, obriga as partes ao seu estrito cumprimento;

Entendeu-se que não se colocava nos autos a questão da admissibilidade ou não da execução específica;

Entendeu-se que a acção em que se pede a execução específica é uma acção constitutiva, em que se pretende que o tribunal se substitua às partes, produzindo a declaração negocial em falta, sendo certo que tal não era a pretensão nos presentes autos, nos quais em momento algum é pedido pelo autor que o Tribunal se substitua às partes emitindo a correspondente declaração;

A questão do cumprimento coercivo desse contrato – nomeadamente através da execução específica – não foi nem tinha que se tratada, pois não era objecto da acção.

b) - No acórdão fundamento:

Temos uma acção em que os autores pedem que «seja proferida sentença, declarando transmitido para a esfera jurídica deles um lote de terreno que identificam;

Entendeu o STJ que não é susceptível de execução específica a obrigação do mandatário sem representação transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato, posto que o artigo 830º do CC se restringe aos casos em que a obrigação de emitir a declaração negocial resulte de contrato promessa;

Não sendo possível a execução específica, apenas tem o autor direito a uma indemnização por perdas e danos.

Do supra exposto resulta já com clareza que não se pode aqui falar de oposição. Na verdade, uma semelhante realidade factual, aliada a um diverso pedido formulado pode levar a uma solução jurídica diferente, embora não oposta, nem conflituante entre si.

O STJ vem entendendo que a verificação da oposição de julgados demanda que as decisões discordantes expressem essa oposição, e não exista apenas contraposição de fundamentos ou de afirmações, sendo as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico, em ambas as decisões, idênticos ou pelo menos semelhantes no seu núcleo essencial – cf., v.g., Acórdãos de 14-05-2009, Proc. n.º 09B0301, de 13-07-2010, Proc. n.º 4210/06.9TBGMR.S1, de 08-02-2011, Proc. n.º 153/04.9TBTMC.P1.S1, todos publicados e acessíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.

No caso dos autos não só existe diversa realidade factual, como existem pedidos diversos a que correspondem tipos de acções não equivalentes. Essa diversidade é facilmente descortinável nas situações em apreço:

Desde logo, no acórdão fundamento, estamos perante uma acção constitutiva de execução específica, em que se pede – ao abrigo do disposto no artigo 830º do CC, que o tribunal profira, em substituição dos contraentes, a declaração em falta;

No acórdão recorrido, nada disso se passa: pretende-se, numa acção sub-rogatória – em que o autor não é parte no contrato de mandato – o reconhecimento da existência de um mandato sem representação (qualificação não admitida por mandante e mandatários, o que reclamou a necessidade de definir juridicamente a questão), e – como em qualquer contrato – a condenação dos réus nos termos das obrigações desse mesmo mandato.

Também na matéria de facto existem diferenças com algum relevo: nunca o autor nesta acção poderia intentar uma acção constitutiva de execução específica contra os réus mandatários, na medida em que ele não é mandante. O autor aqui arroga-se credor do mandante e, nessa conformidade, pretende exercer uma acção sub-rogatória contra os mandatários. No acórdão fundamento, a questão é bem mais simples: tudo se passa na relação mandante(s) – mandatários(s).

Conforme se refere no acórdão fundamento, «no caso de o mandatário [não obstante ter essa obrigação] se recusar a transmitir a propriedade para o mandante, este não tem a possibilidade de o forçar a tal….».

Nos presentes autos não sabemos se – face à definição da situação jurídica levada a cabo pelo tribunal, e que se encontrava controvertida entre as partes – os mandatários se vão recusar ou não a transmitir a propriedade dos bens em causa. E por isso não se justificava que se entendesse haver já uma recusa. Se houver essa recusa de cumprimento, caberá ao autor tomar as medidas que entender adequadas: promover a execução se achar que tal é possível; ou solicitar uma indemnização por perdas e danos, se entender que o cumprimento coercivo não é legalmente admissível.

O acórdão fundamento entendeu que o cumprimento coercivo não era admissível.

O acórdão recorrido não se pronunciou sobre tal questão, referindo expressamente:

«Reconhecendo-se a seriedade da questão, afigura-se que no contexto dos presentes autos ela não é relevante.

Vejamos: a acção em que se pede a execução específica é uma acção constitutiva, em que se pretende que o tribunal profira sentença em que, substituindo as partes, produza os efeitos da declaração negocial dos faltosos.

Ora não é isso que está em causa nos presentes autos.

Com efeito, na presente acção – que tem uma determinada causa de pedir e pedido, retenha-se –, a parte decisória (….) não pretendeu aquele objectivo: não substituiu as partes na sua declaração negocial em falta. (…)».

Terminando:

Uma eventual contradição, a existir, teria de resultar, de modo claro e inequívoco, do confronto das decisões proferidas, em termos de a sua comparação revelar que a mesma questão fundamental de direito, baseada num núcleo fáctico similar, sob a égide do mesmo quadro normativo, conduziu a soluções antagónicas entre si.

Não é esse o caso dos autos, como resulta do supra exposto.


3. Decisão:

Pelo exposto, rejeita-se o recurso para uniformização de jurisprudência interposto por AA, BB, CC, DD, LDA., EE E FF.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 26 de Março de 2015


Manuel F. Granja da Fonseca (Relator)

António da Silva Gonçalves

Fernanda Isabel Pereira