Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3952/20.0T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DECISÃO SUMÁRIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
EXTEMPORANEIDADE
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 06/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Da conjugação dos art, 379.º, n.º 2 e 414.º, n.º 4, do CPP, resulta hoje um entendimento generalizado, na doutrina e na jurisprudência, de que as nulidades de sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las; não sendo admissível recurso ordinário da sentença, ou não querendo o sujeito processual impugná-la por esta via, as eventuais nulidades de que a sentença enferme devem ser arguidas nos termos gerais, ou seja, perante o tribunal que proferiu a sentença, e dentro do prazo geral de 10 dias previsto no art. 105.º, n.º 1, do mesmo Código.
II - Tendo o arguido optado por arguir a nulidade do acórdão em requerimento autónomo, em vez de o fazer por meio de recurso a interpor para o STJ, não é incompatível com a lei fundamental, nomeadamente com o direito de acesso aos tribunais e ao processo equitativo, a decisão do tribunal da Relação de apreciar o requerimento que lhe foi dirigido.
III - Considerando-se o arguido notificado em 18 de outubro de 2021, do acórdão proferido pelo tribunal da Relação de 13 de outubro de 2021, querendo e podendo no caso recorrer desta decisão, tinha de arguir a nulidade que lhe atribuía, no requerimento de interposição do recurso, em obediência ao estabelecido no art. 379.º, n.º 2, do CPP.
Tendo o arguido interposto recurso do acórdão do tribunal da Relação de 13 de outubro de 2021, somente em 23 de dezembro de 2021, portanto mais de 2 meses após a notificação do acórdão recorrido, o recurso é manifestamente extemporâneo.
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 3952/20.0T8AVR.P1.S1

*

Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 13 de outubro de 2021, decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido que, em cúmulo jurídico das penas aplicadas no processo comum singular n.º 766/17.9T9AVR e no processo comum coletivo n.º 83/14.6T2ALB, condenara este arguido na pena única de 19 anos e 5 meses de prisão.

2. Por acórdão proferido a 9 de dezembro de 2021, o Tribunal da Relação do Porto indeferiu a nulidade do acórdão de 13 de outubro de 2021, que havia sido arguida pelo recorrente AA através de requerimento de 28 de outubro de 2021 com fundamento na omissão de pronúncia expressa face às concretas e objetivas dimensões normativas reputadas como inconstitucionais nas diversas conclusões.

3. Inconformado com o acórdão de 13 de outubro de 2021, dele interpôs recurso o arguido AA para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):  

A. Os presentes autos comportam uma especificidade que, no mínimo, lança a dúvida sobre se

a operação cumulatória se mostra composta de todas as penas parcelares pois a pena relativa aos autos de processo 21/00...., transitada em 17/07/2001 (que em regra não estaria em cúmulo, atenta a data do trânsito em julgado!) não assumiu sempre a mesma natureza nem a mesma duração dado que a partir de 16/05/2010 foi concedida a liberdade condicional ao arguido (boletim 3 CRC) e até ao máximo de cinco anos, vindo a ser revogada (boletim n.º 4 CRC) por decisão transitada em julgado em 19/12/2016;

B. Atentos os boletins n.ºs 5 e 6 e factos dados por provados, as penas parcelares que foram cumuladas dizem respeito a factos praticados em entre Junho de 2013 e 12/08/2016 (autos de processo 766/17.9T9AVR) e 23/05/2010, 18/06/2010 e 20/09/2011 (processo 83714.6...), havendo esse factor de alteração que contende com a alteração da natureza da pena, pois que aquando da prática dos novos factos não havia pena de prisão mas sim pena de liberdade condicional e apenas por cinco anos, que não por dez, o que apenas deixou de ser em 19/12/2016 quando tal liberdade condicional veio a ser revogada;

C. Tal revogação constitui uma nova condenação pois que alterou os dados do problema, quer

em termos de pena em si/sua natureza quer a sua duração, não sendo despicienda para todo e qualquer cidadão médio, o bonus paterfamilias colocado na posição do arguido, pois que constitui modificação relevante, podendo considerar-se como o primeiro trânsito em julgado, para efeitos de conhecimento superveniente do concurso, a data de 19 de Dezembro de 2016 e tendo todos os factos ocorrido antes de tal data, haveria cúmulo entre as penas aplicadas, entrando assim também a resultante da revogação da liberdade condicional por não se tratar de situação igual à que sucederia em caso de cometimento de crime em reclusão ou sem alteração da pena, não poderá haver tratamento semelhante em manifesta violação o princípio da igualdade;

D. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da legalidade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, a interpretação e dimensão normativa do art.78º n.º 1 CP segundo o qual “Mesmo no caso em que procede à alteração não só da natureza da pena em cumprimento (liberdade condicional) como ainda da extensão da pena futura de prisão a cumprir, a revogação da liberdade condicional não constitui nova condenação para efeito de delimitação do marco temporal relevante para efeitos de conhecimento superveniente do concurso”;

E. É disforme à lei fundamental, por violação dos princípios da igualdade, da legalidade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso a interpretação e dimensão normativa do art.78º n.º 1 CP segundo o qual “A nova pena a cumprir, resultante da revogação da liberdade condicional, com alteração da natureza e duração da pena em cumprimento, que transite primeiramente face às demais condenações, não se mostra em relação de concurso com as demais penas parcelares advenientes de factos praticados antes de tal trânsito em julgado, o qual é o primeiro deles”.

F. A condenação nos autos de processo 766/17.9T9AVR constitui violação do princípio ne bis

in idem face ao teor dos pontos de facto provados nos autos de processo 83/14.6T2ALB, representando uma renovação do crime de falsificação de documento pelo qual já havia sido condenado nestes autos (teor dos pontos de facto dados por provados 25 a 31 e 37, destes últimos autos, nos quais o Tribunal já havia dado por provada a intenção do arguido em ocultar a sua identidade e poder circular livremente!), não representando a factualidade pela qual foi condenado nos autos de processo 766/17.9T9AVR mais que a continuação de tal plano, havendo continuação criminosa de prática de crime de falsificação de documento, assente na mesma realização homogénea e no quadro da mesma situação exterior;

G. In casu, quando o arguido foi julgado pela prática do segundo crime de falsificação de documento, no âmbito do processo 766/17.9T9AVR, já tinha transitado em julgado a condenação relativa aos autos de processo 83/14.6T2ALB (decorre do boletim do registo criminal n.º ... que a decisão nos autos de processo 766/17.9T9AVR é de 14/11/2019 e o trânsito em julgado da condenação sofrida nos autos de processo 83/14.6T2ALB ocorreu em 02/10/2017, como decorre do boletim n.º 5) e tratando-se de crime continuado não pode ser punido com as duas penas, uma de dois anos de prisão e outra de dois anos e quatro meses de prisão, devendo prevalecer esta última (n.º 2 do art. 79º CP);

H. Não podem ser cumuladas as duas penas pela prática do crime de falsificação de documento mas apenas uma delas (in casu, a maior!), devendo a questão ou ser remetida ao Tribunal da condenação para se pronunciar ou ser resolvida pelo Tribunal a quo, com atenuação da pena única pois teve subjacente a cumulatividade de três penas parcelares (fls. 15 e moldura do concurso), não sendo o limite máximo 22 anos e quatro meses mas 20 anos e quatro meses, pelo que, tomando por referência o cúmulo efectuado nos autos de processo 83/14.6T2ALB, uma vez que apenas se acrescentam quatro meses (ao invés de dois anos serão dois anos e quatro meses!), deverá a pena única ser fixada em 18 anos e 10 meses de prisão uma vez que em função da quase similar natureza dos factos inexistirão novas agravantes que não tenham sido já valoradas com tal cumulação, já de si significativa e gravosa (mesmo mantendo-se inalterável a composição do cúmulo justifica-se atenuação, ainda que para 19 anos de prisão);

I. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, ne bis in idem, proibição da

dupla valoração, da igualdade, da legalidade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, a interpretação e dimensão normativa conjugada dos arts. 78º n.º 1 e 79º n.ºs 1 e 2 CP segundo o qual “Aquando da realização de diligência do conhecimento superveniente do concurso não é de atender à relevância jurídica da existência de dupla punição e não observância pelas regras da punição do crime continuado, ao abrigo do disposto do art. 79º CP, seja a título de questão prévia com remessa dos autos ao Tribunal da condenação para se pronunciar sobre tal questão ou directamente pelo Tribunal que realize tal diligência, para efeitos de aferição das penas parcelares a integrar o cúmulo e atenuação da pena única, visando punição que não vá para além da culpa e em violação do princípio ne bis in idem”;

J. Mostra-se disforme à Lei fundamental, por violação dos princípios da culpa, ne bis in idem,

proibição da dupla valoração, da igualdade, da legalidade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, a interpretação e dimensão normativa conjugada dos arts. 78º n.º 1 e 79º n.ºs 1 e 2 CP segundo o qual “Aquando da realização de diligência do conhecimento superveniente do concurso podem ser cumuláveis penas parcelares respeitantes ao mesmo tipo de crime e a representar continuação da actividade criminosa, já prevista e punida na primeira condenação, sem observar o disposto no art. 79º CP e a representar a final prejuízo para o arguido, pelo número das penas parcelares a cumular, com o consequente majorar do limite máximo da moldura do concurso, e inquinando a dosimetria penal da pena única”.

K. Mostram-se violadas e/ou erroneamente aplicadas as seguintes normas jurídicas violadas: nomeadamente arts. 30º, 40º n.º 2, 77º n.º 1, 78º n.º 1 e 79º CP; bem como de igual forma os seguintes princípios jurídicos: maxime da ne bis in idem, in dubio pro reo, da (des)igualdade, da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso, da culpa e dos fins das penas (exigências de prevenção geral e especial).

Destarte, sempre com o V/ mui douto suprimento requer-se, mui respeitosamente a V/ Exas., a procedência do presente recurso e a consequente reformulação do conhecimento superveniente do concurso, pedindo-se subsidiariamente a atenuação da pena única. (…).

4. O Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto respondeu ao recurso, interposto pelo arguido AA, pugnando pela sua rejeição, por extemporaneidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 411.º n.º 1, al. a), 414.º n.º 2 e 420.º n.º 1 al. b) do C.P.P., porquanto o acórdão recorrido foi proferido a 13/10/2021, foi notificado ao recorrente em 18/10/2021 e o recurso para o STJ apenas foi interposto em 23/12/2021, ou seja, quando se encontrava largamente ultrapassado o prazo de 30 dias que a lei fixa para a interposição de recurso (art.411.º, n.º 1, al. a) do CPP).

5. A Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, neste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido, igualmente, de que o recurso deverá ser rejeitado, por extemporâneo, nos termos conjugados dos artigos 411.º n.º 1, al. a), 414.º, n.º 2 e 420.º n.º 1 al. b), todos do C.P.P..

6. Cumprido o disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, veio o recorrente responder no sentido de que o recurso não poderá deixar de ser conhecido em nome de vários princípios, como o da segurança jurídica e da boa fé,  esta materializada nos princípios da proteção da confiança, da materialidade e da transparência decisória, uma vez que houve uma segunda decisão que foi apreciada e, até porque a ser extemporâneo o recurso restará a possibilidade de convolação do requerimento de nulidade em recurso para o STJ, devendo então tal requerimento ser apreciado pelo STJ.  Quando ao teor do recurso interposto para o STJ o recorrente mantém o entendimento que deve ser julgado procedente, com alteração da formação de cúmulo jurídico e atenuação da pena única. 

7. Por decisão sumária, de 26 de abril de 2022, proferida pelo relator, foi decidido, nos termos conjugados dos artigos 379.º, n.º 2, 411.º, n.º 1, alínea a), 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal, rejeitar, por extemporâneo, o recurso interposto pelo arguido AA para o Supremo Tribunal de Justiça e condenar o mesmo em custas, fixando em 3 UCs a taxa de justiça, a que acresce a importância de 4 UCs nos termos do art.420.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

 

8. O arguido vem reclamar para a Conferência, desta decisão sumária, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 8 e 10 do art. 417.º do Código de Processo Penal, requerendo a revogação da decisão sumária, por proferida contra legem e contraditória nos seus fundamentos, com o inerente conhecimento substancial do recurso ou reparação da condenação em custas e importância.

9.  A Ex.ma Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal respondeu à reclamação no sentido da rejeição da reclamação apresentada, por manifestamente infundada e manutenção da mesma nos seus precisos termos.

10. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-Fundamentação

     

11. Na decisão sumária, proferida pelo relator, entendeu-se, como questão prévia, que o recurso era extemporâneo, com os seguintes fundamentos (transcrição):

“Compulsados os autos, são as seguintes as ocorrências processuais com interesse para a decisão da presente questão:

- O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 13 de outubro de 2021, decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido proferido pelo Juízo Central Criminal de Aveiro, que em cúmulo jurídico das penas aplicadas no processo comum singular n.º 766/17.9T9AVR e no processo comum coletivo n.º 83/14.6T2ALB, condenara este arguido na pena única de 19 anos e 5 meses de prisão;

- O acórdão do Tribunal da Relação de 13 de outubro de 2021, foi notificado ao arguido por carta registada, expedida no dia 13/10/2021;

- Por requerimento de 28 de outubro de 2021, o arguido AA arguiu, perante o Tribunal da Relação do Porto, a nulidade do acórdão por este proferido em 13 de outubro de 2021, com fundamento na omissão de pronúncia expressa face às concretas e objetivas dimensões normativas reputadas como inconstitucionais nas diversas conclusões;

- O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido a 9 de dezembro de 2021, indeferiu a arguida nulidade, que foi notificada ao reclamante por carta registada, expedida a 10/12/2021;

- O arguido AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em 23 de dezembro de 2021, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto a 13 de outubro de 2021, “tendo por fundamento matéria de Direito atinente à composição e penas parcelares a englobar bem como a dosimetria penal da pena única determinada”;

- O recurso interposto para o S.T.J. foi admitido pelo Tribunal da Relação por despacho de 14-2-2022.

9. Enquanto o Ministério Público aponta diretamente para o teor disposto no art. 411.º n.º 1, al. a), conjugado com o art. 379.º, n.º 2 do C.P.P., para concluir que o recurso é extemporâneo, o  recorrente para sustentar que deve ser conhecido o recurso que interpôs para o STJ, argumenta, em síntese: (i) Houve uma segunda decisão, da qual foi interposto recurso ordinário dentro do prazo de trinta dias; (ii) Poderia o Venerando Tribunal da Relação do Porto não ter admitido a reclamação e aí ter-se-ia interposto o recurso; (iii) Tendo aceitado e apreciado a reclamação em nome de vários princípios, como o da segurança jurídica e da boa-fé, esta materializada nos princípios da proteção da confiança, da materialidade e da transparência decisória, consagrada no art. 266.º, n.º 2 da C.R.P., não poderá o recurso deixar de ser conhecido por ser referente a essa segunda decisão, que não apenas face à primeira; (iv) Sempre restando a possibilidade de convolação do requerimento de nulidade em recurso para o STJ, devendo então tal requerimento ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça; (v) Tem-se por inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e ao processo equitativo a interpretação e dimensão normativa conjugada dos artigos 411.º, n.º 1, 414.º, n.º 2 e 420,º, n.º 1 b), todos CPP no sentido de “É extemporâneo o recurso apresentado no prazo de 30 dias a contar de douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, no seguimento de requerimento com invocação de nulidade face ao primitivo acórdão, e que tenha apreciado materialmente tal requerimento por o não ter julgado inadmissível”.

9.1. Vejamos quem tem razão.

O Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente, nomeadamente nos acórdãos n.º 265/94, 387/99, 430/2010, 153/2012, 848/2013 e 560/2014 que o direito ao recurso expressamente consignado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, não exige a possibilidade de impugnação de toda e qualquer decisão proferida ao longo do processo, impondo apenas que necessariamente se assegure um segundo grau de jurisdição relativamente às decisões condenatórias e àquelas que afetem direitos fundamentais do arguido, designadamente a sua liberdade.

Como tem ainda afirmado, repetidamente, de que é exemplo o acórdão n.º 357/2017, “caber na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados”.

Para a presente decisão importa realçar que, nos termos conjugados dos artigos 425.º, n.º 7 e 411.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., o prazo para a interposição de recurso de acórdão da Relação é de 30 dias e conta-se a partir da notificação do acórdão. 

A sentença, como ato processual que é, pode padecer de diversos vícios de forma ou conteúdo.

Assim, notificado o acórdão ao sujeito processual pode este entender que a decisão padece de alguma das nulidades, que se encontram enumeradas taxativamente nas alíneas a), b) e c), n.º 1 do art. 379.º do Código de Processo Penal.

Perante a necessidade de arguição das nulidades de sentença impõe-se saber onde e até que momento podem elas ser arguidas.

A esta questão responde o n.º 2 do art.379.º do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, do modo seguinte:

«As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º.».

O art. 414.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, para que remete aquele n.º 2 do art.379.º, estabelece, por sua vez, que «Se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objeto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão.».

Na primitiva redação, o art.379.º do Código de Processo Penal não tinha nem a atual alínea c) do n.º 1, nem o n.º 2.

Este n.º 2, aditado pela revisão do Código de Processo Penal de 1998, veio consagrar expressamente o entendimento anteriormente sufragado, nomeadamente no acórdão do S.T.J. de fixação de jurisprudência n.º 1/94 (D.R., I série -A, de 11 de fevereiro de 1994), de que as nulidades de sentença enumeradas no art. 379.º do C.P.P. não têm de ser arguidas, necessariamente, nos termos estabelecidos na alínea a) do n.º 3 do art. 120.º, podendo sê-lo em motivação de recurso para o tribunal superior.

Consagrou-se, pois, no nº 2 do art. 379.º Código de Processo Penal um regime específico para as nulidades de sentença sem reporte ao estabelecido nos artigos 119.º e 120.º do mesmo Código.

Com as alterações legislativas levadas a cabo pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, e como resulta da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal da proposta de lei n.º 157/VII, procurou-se, nesta matéria, a celeridade e eficiência na obtenção de uma decisão judicial, permitindo-se, deste modo, eliminar o abuso generalizado de arguição de pretensas nulidades da sentença ou do acórdão, quando não de inconstitucionalidades a reboque das nulidades, no mero intuito de atrasar o andamento do processo ou protelar o trânsito da decisão.

Ou seja, há muito que se mostra ultrapassado o quadro normativo de que o prazo para recorrer da sentença apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas. O prazo para interposição de recurso e apresentação de alegações é contado a partir da notificação da sentença, sem que haja a possibilidade de a parte dilatar o exercício desse direito através da dedução de incidentes autónomos de arguição de nulidade da sentença.

Resulta hoje, da conjugação dos artigos 379.º, n.º 2 e 414.º, n.º 4, do Código de Processo Penal,  o entendimento generalizado, na doutrina e na jurisprudência, de que as nulidades de sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las; não sendo admissível recurso ordinário da sentença, ou não querendo o sujeito processual impugná-la por esta via, as eventuais nulidades de que a sentença enferme devem ser arguidas nos termos gerais, ou seja, perante o tribunal que proferiu a sentença, e dentro do prazo geral de 10 dias previsto no art. 105.º, n.º 1, do mesmo Código.

Neste sentido, na doutrina, escreve Oliveira Mendes, em anotação ao art.379.º do Código de Processo Penal:

No n.º 2 regula-se o regime de conhecimento e de arguição de nulidades da sentença. De acordo com aquele dispositivo, as nulidades da sentença devem ser arguidas no recurso; caso a decisão não admita recurso (recurso ordinário) as nulidades deverão ser arguidas perante o próprio tribunal que proferiu a sentença – n.º 1 do art. 120.º do CPP – sendo o prazo de arguição o prazo-regra para a prática de qualquer ato processual – n.º 1 do art. 105.º - qual seja o de 10 dias. É esta também a solução expressamente consagrada em processo civil – n.º 4 do art. 615.º. (…).

“De acordo com a parte final do n.º 2, o tribunal recorrido, pode, mesmo em caso de recurso, proceder ao suprimento das nulidades da sentença. É o sentido a retirar do segmento final do referido dispositivo «aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do art. 141.» (É aliás, o que sucede em processo civil, segundo preceito do n.º 1 do art.617.º, ao estabelecer que se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento. Dever-se-á ter em atenção, porém, que o suprimento das nulidades da sentença pelo tribunal recorrido deve ser efetuado com muita prudência, sem prejuízo do princípio elementar de direito adjetivo constante do n.º 1 do art. 613.º do CPC, princípio aplicável em processo penal ex vi art. 4.º do CPP, segundo o qual a prolação do ato decisório fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. (…)”.[1]

Também Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao citado art. 379.º, esclarece que “(…) as nulidades de sentença só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário. (…) Não cabendo recurso ordinário da sentença, a respetiva nulidade deve ser arguida nos termos gerais, isto é, dentro do prazo de 10 dias previsto no artigo 105.º, n.º 1, diante do tribunal que a proferiu.”[2].   

Ainda na doutrina, e no mesmo sentido se pronunciou Germano Marques da Silva[3] e Maia Gonçalves - embora este último defenda que na arguição de nulidade de sentença “não havendo recurso, segue-se o regime geral, do art. 309.º, n.º 2” do Código de Processo Penal.[4]

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, são exemplos desta orientação, entre outros:

- acórdão de 04-01-2006 (proc. n.º 05P3795): «II - A circunstância de o fundamento do recurso consistir numa nulidade por omissão de pronúncia não torna a decisão recorrível, já que o sentido do art. 379.º, n.º 2, do CPP, é o de, havendo recurso, a arguição das nulidades dever ser feita no recurso, sem prejuízo do seu conhecimento oficioso pelo tribunal ad quem.

III - Não havendo possibilidade de recurso, cai-se no regime geral - o interessado dispõe do prazo de 10 dias para arguir as nulidades, nos termos do art. 105.º, n.º 1, do CPP.»;

- acórdão de 25-01-2006 (proc. n.º 3468/05- 3.ª): «o regime de arguição das nulidades da sentença resulta, em processo penal, do art. 379].º, n.º 2, do CPP: devem ser arguidas em recurso. Daqui resulta que o prazo para interposição de recurso começou a correr com a notificação, irrelevando para tal começo de contagem o que a seguir se tramitou (um requerimento para “correção” da sentença, indeferido, a posterior arguição de nulidade do acórdão da Relação, desatendida por deliberação em conferência»;

- acórdão de 8-10-2008 (proc. n.º 1615/08: «I- As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, conforme preceitua o n.º 2 do artigo 379.º do CPP. II – Não sendo admissível recurso da sentença (recurso ordinário) as eventuais nulidades de que a sentença enforme devem ser arguidas nos termos gerais, ou seja, perante o próprio tribunal que proferiu a sentença – n.º 1 do artigo 120.º - sendo o prazo de arguição o prazo-regra para a prática de qualquer ato processual – n.º 1 do artigo 105.º -, qual seja o de 10 dias.»; e 

- acórdão de 22-04-2020 (proc. n.º 63/17.0T9LRS.L1.S1): «Não sendo admissível recurso (ordinário) da sentença ou acórdão, ou não querendo impugná-la através dessa via, o sujeito processual terá de arguir as nulidades que imputa à decisão, necessariamente perante o próprio tribunal que proferiu a sentença, sendo o prazo de arguição, o prazo-regra para a prática de qualquer ato processual – n.º 1 do artigo 105.º -, dez dias a contar da notificação.».

Como se realça neste último acórdão citado, a leitura que se faz no sentido da obrigatoriedade de incluir no requerimento de interposição do recurso as nulidades que os sujeitos processuais pretendam arguir de sentença ou de acórdão que conhece do objeto do processo ou do mérito do recurso, “…com as necessárias cautelas resultantes da autonomia e diversidade de regimes, até pode confortar-se com o declaração de conformidade à Constituição “da interpretação dos artigos 380.º e 411.º, nº 1, do Código do Processo Penal, com o sentido de que o prazo para interposição do recurso começa e continua a correr a partir do termo inicial previsto no referido artigo 411.º, n.º 1, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, b), tenha requerido a correção da sentença” firmada pelo Plenário do Tribunal Constitucional no acórdão n.º 253/2014, publicado no Diário da República n.º 81/2014, Série II de 2014-04-28.”.

9.2. Este o regime legal que subjaz à interposição dos recursos e arguição de nulidade da sentença.

Passemos, agora, à subsunção das ocorrências processuais supra referidas, ao regime legal ora explanado, tendo em consideração o essencial da argumentação apresentada pelo recorrente sobre a tempestividade do recurso que interpôs.

O primeiro argumento apresentado pelo recorrente AA, na resposta ao Ministério Público, para sustentar que deve ser conhecido o presente recurso que interpôs para o STJ, - houve uma segunda decisão, da qual foi interposto recurso ordinário dentro do prazo de trinta dias – traz implícita a ideia de que o início do prazo para recorrer do acórdão da Relação de 13 de outubro de 2021 se interrompeu com o requerimento autónomo por si apresentado em 28 de outubro de 2021, em que arguiu a nulidade do acórdão, e que o prazo de 30 dias para dele recorrer só conta a partir da sua notificação da decisão proferida pelo Tribunal da Relação em 9 de dezembro de 2021, que indeferiu a arguida nulidade.

Mas não é assim.

Como vimos, por força da conjugação dos artigos 425.º, n.º 7 e 411.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., o prazo de 30 dias para a interposição de recurso de acórdão da Relação conta-se a partir da notificação do acórdão e, por força do art. 379.º, n.º 2, do mesmo Código, sendo o acórdão da Relação do Porto, de 13 de outubro de 2021, recorrível para o S.T.J., nos termos conjugados dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, devem as eventuais nulidades serem arguidas em recurso.

O segundo argumento do recorrente - poderia o Venerando Tribunal da Relação do Porto não ter admitido a reclamação e aí ter-se-ia interposto o recurso – está longe de convencer, pois sendo embora admissível recurso ordinário do acórdão, o arguido pode não querer impugná-lo através de recurso, optando apenas pela arguição de nulidades.

O relator, perante requerimento autónomo de arguição de nulidade deve sempre remeter o mesmo à Conferência, para apreciação.

Foi o que o relator fez, remetendo o requerimento de arguição de nulidade do acórdão de 13 de outubro de 2021 à Conferência, não merecendo esta sua decisão, consequentemente, qualquer censura.

Será que tendo sido aceite o requerimento de arguição de nulidade e apreciada “a reclamação” do arguido pela Conferência - e este é terceiro argumento -, em nome de princípios, como o da segurança jurídica e da boa-fé, esta materializada nos princípios da proteção da confiança, da materialidade e da transparência decisória, consagrada no art. 266.º, n.º 2 da C.R.P., não poderá o recurso deixar de ser conhecido por ser referente a essa segunda decisão, que não apenas face à primeira?    

O art. 266.º da Constituição da República Portuguesa estabelece os princípios fundamentais da atividade da Administração Pública, dispondo no seu n.º 2 que «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.».

Antes do mais, os Tribunais não são órgãos e agentes administrativos, mas «órgãos de soberania» com competência para administrar a justiça em nome do povo, incumbindo-lhes assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art. 202.º, n.ºs 1 e 2 da C.R.P.).

Ainda assim, temos como seguro de que no âmbito das suas competências e com respeito pelo regime dos direitos, liberdades e garantias, constitucionalmente consagrados - particularmente nos Títulos I e II, Parte I, da C.R.P. -, os tribunais devem salvaguardar, nas suas decisões, a justiça, a igualdade, a proporcionalidade, a imparcialidade e a boa-fé.  

Em suma, os tribunais, no cumprimento da lei, particularmente da lei fundamental e do processo penal, devem assegurar, mediante um processo equitativo, todas as garantias de defesa próprias de um Estado de Direito, incluindo o direito ao recurso (artigos 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, da C.R.P.)

Como se sublinhou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 135/88, se o processo deixa de ser um due process of law, um fair process, viola-se o princípio das garantias de defesa. O princípio das garantias de defesa é violado toda a vez que ao arguido se não assegura, de modo efetivo, a possibilidade de organizar a sua defesa.

Devem considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido, de molde a evitarem-se, designadamente, decisões injustas.

Posto isto.

A afirmação do recorrente de que em nome dos citados princípios constitucionais não poderá o recurso deixar de ser conhecido por ser referente a essa segunda decisão, que não apenas face à primeira”, não procede.  

A invocada “segunda decisão” é o acórdão da Relação que indeferiu a nulidade arguida pelo ora recorrente; sendo este um acórdão proferido, em recurso, pela Relação, que não conhece, a final, do objeto do processo, o mesmo não admite recurso para o S.T.J. (artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea c) do C.P.P.).   

O acórdão da Relação que conheceu do “objeto do processo” foi o acórdão proferido a 13 de outubro de 2021, que negou provimento ao recurso interposto da decisão da 1.ª instância. Se o recurso desta “primeira decisão” não subir ao S.T.J. por ser extemporâneo, não é a “segunda decisão” que vai tornar admissível o conhecimento, por este Supremo Tribunal, do acórdão da Relação proferido a 13 de outubro de 2021. 

Por outro lado, o ora recorrente não pode deixar de saber, por tal resultar do n.º 2 do art.379.º do C.P.P., que, no que concerne à arguição das nulidades da sentença, importa distinguir os casos em que a mesma admite ou não recurso ordinário e que, no primeiro caso, querendo impugnar a sentença por meio de recurso é na motivação deste que deve arguir as nulidades. 

O n.º 2 desta norma, que resulta de introdução levada a cabo na Revisão de 1998 do Código de Processo Penal, foi comandada pelo escopo de combater expedientes que arrastavam os processos, como acontecia através da dedução de incidentes de arguição de nulidade, pelo que para além da norma se mostrar justificada racionalmente, não afeta, de modo algum, o núcleo essencial do princípio da defesa do arguido, que, no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, se proclama, nem qualquer dos princípios a que o recorrente faz menção.

Aliás, arguindo a nulidade no recurso, o recorrente em vez de poder usufruir do prazo geral de 10 dias, pode usufruir de um prazo bem superior, de 30 dias, pelo que em nada fica prejudicado o seu direito ao recurso.

O quarto argumento apresentado pelo recorrente: “sempre restando a possibilidade de convolação do requerimento de nulidade em recurso para o STJ, devendo então tal requerimento ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça”, não é isento de ambiguidade relativamente ao acórdão recorrido.

O “requerimento de nulidade”, dirigido ao Tribunal da Relação do Porto, foi objeto de decisão, por acórdão de 9 de dezembro de 2021, tendo transitado em julgado o seu indeferimento.

Sendo pacífico que a autoridade do caso julgado protege a força e a credibilidade das decisões judiciais e das autoridades que a proferem, é evidente que não pode admitir-se a “convolação do requerimento de nulidade em recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, para este voltar a apreciar a questão da nulidade.

Não havendo, por outro lado, qualquer norma que imponha a convolação de requerimento de nulidade em recurso para o STJ, e a sua apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, não pode também por aqui proceder esta pretensão do ora recorrente.                

Por fim, não reconhecemos a alegada inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso aos tribunais e ao processo equitativo a interpretação e dimensão normativa conjugada dos artigos 411.º, n.º 1, 414.º, n.º 2 e 420,º, n.º 1 b), todos CPP no sentido de que “É extemporâneo o recurso apresentado no prazo de 30 dias a contar de douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, no seguimento de requerimento com invocação de nulidade face ao primitivo acórdão, e que tenha apreciado materialmente tal requerimento por o não ter julgado inadmissível”.

Basta para tal reafirmar que, da conjugação dos artigos 379.º, n.º 2 e 414.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, resulta hoje um entendimento generalizado, na doutrina e na jurisprudência, de que as nulidades de sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las; não sendo admissível recurso ordinário da sentença, ou não querendo o sujeito processual impugná-la por esta via, as eventuais nulidades de que a sentença enferme devem ser arguidas nos termos gerais, ou seja, perante o tribunal que proferiu a sentença, e dentro do prazo geral de 10 dias previsto no art. 105.º, n.º 1, do mesmo Código.

Tendo o arguido optado por arguir a nulidade do acórdão em requerimento autónomo, em vez de o fazer por meio de recurso a interpor para o Supremo Tribunal de Justiça, não é incompatível com a lei fundamental, nomeadamente com o direito de acesso aos tribunais e ao processo equitativo, a decisão do Tribunal da Relação de apreciar o requerimento que lhe foi dirigido.

9.3. Em conclusão: o arguido AA considera-se notificado em 18 de outubro de 2021, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 13 de outubro de 2021, pelo que querendo, e podendo no caso recorrer desta decisão, tinha de arguir a nulidade que lhe atribuía, no requerimento de interposição do recurso, em obediência ao estabelecido no art. 379.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Tendo o arguido AA interposto recurso do acórdão do Tribunal da Relação de 13 de outubro de 2021, somente em 23 de dezembro de 2021, portanto mais de 2 meses após a notificação do acórdão recorrido, o recurso é manifestamente extemporâneo.

O Tribunal da Relação, admitiu, erroneamente, em desrespeito pelo disposto no art. 414º n.º 2 do Código de Processo Penal, o recurso interposto pelo arguido. Contudo, essa decisão não vincula o tribunal ad quem, conforme estabelece o art. 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, pelo que, nos termos do art. 420.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, impõe-se a sua rejeição.”.

12. A reclamação é agora apresentada na expetativa de que a Conferência divirja da decisão tomada relativamente à extemporaneidade do recurso e quanto à forma cumulativa como o arguido foi condenado em custa e na importância a que alude o art. 420.º, n.º 4 do C.P.P..

Ou seja, a reclamação desdobra-se em duas partes.

- No que respeita à extemporaneidade do recurso, refere em síntese, que a automaticidade da rejeição recursória mostra-se violadora não só do direito ao recurso pasmado na Lei ordinária e Fundamental, como em múltipla legislação internacional e, in casu, a questão da extemporaneidade não é cristalina, pois apenas o seria face ao primeiro acórdão proferido pela Relação do Porto, olvidando a existência de um segundo acórdão e do qual se recorreu dentro dos 30 dias, tudo conforme argumentos aduzidos e vertidos na resposta ao douto parecer do Ministério Público, junto do S.T.J. que volta a transcrever;          

- Quanto à condenação em custas e na importância a que alude o art. 420.º, n.º 4 do C.P.P., reputa como errada a interpretação das normas de custas por parte da Decisão Sumária, pois se o recurso é rejeitado, à penalização do art. 420.º do C.P.P. não deve acrescer a condenação do recorrente em custas “ditas normais”, a que alude o art. 513.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Penal, porque estas pressupõem a análise e total decaimento do recurso. Resta, assim, unicamente o vertido no art. 420.º do C.P.P., sem que se vislumbrem razões para ser em importância superior ao mínimo.   

Vejamos.

12.1. Quanto à extemporaneidade do recurso.

Os argumentos apresentados na reclamação pelo arguido AA, no que respeita à extemporaneidade do recurso que foi interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto a 13 de outubro de 2021, “tendo por fundamento matéria de Direito atinente à composição e penas parcelares a englobar bem como a dosimetria penal da pena única determinada”, são os mesmos que foram apresentados pelo ora reclamante na resposta ao douto parecer do Ministério Público, junto do S.T.J., e que foram já objeto de apreciação na Decisão Sumária proferida pelo relator.

O entendimento sufragado na Decisão Sumária, no sentido de que o prazo para interposição de recurso e apresentação de alegações é contado a partir da notificação do acórdão que conheceu do mérito do recurso, sem que haja a possibilidade do sujeito processual dilatar o exercício desse direito através da dedução de incidentes autónomos de arguição de nulidade da sentença, é o entendimento generalizado da jurisprudência e da doutrina, como resulta do teor da Decisão sumária.

O argumento do ora reclamante, de que a segunda decisão da Relação do Porto - que conheceu das nulidades -, não é autónoma, incorporando-se na primeira decisão - que conheceu do mérito da causa -, permitindo, assim, que o prazo da decisão que conheceu do mérito só se inicie a contar da notificação da decisão das nulidades, parte de um quadro normativo que há muito se mostra ultrapassado, não se mostrando conforme ao disposto no art. 379.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.       

Aderindo aos fundamentos da Decisão Sumária, que rejeitou o recurso por extemporâneo, a Conferência não vislumbra razões para concluir que aquela foi proferida contra legem ou que padece de contradição nos seus fundamentos. Pelo contrário, a decisão de rejeição foi proferida com ponderação e respeito pelas garantias de defesa próprias de um Estado de Direito, incluindo o direito ao recurso (artigos 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, da C.R.P.)

Como ali se refere, o ora reclamante considera-se notificado em 18 de outubro de 2021, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 13 de outubro de 2021, pelo que querendo, e podendo no caso recorrer desta decisão, tinha de arguir a nulidade que lhe atribuía no requerimento de interposição do recurso, em obediência ao estabelecido no art. 379.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Tendo interposto recurso desse acórdão somente em 23 de dezembro de 2021, portanto mais de 2 meses após a notificação do acórdão recorrido, o recurso é manifestamente extemporâneo, razões não encontra a Conferência para revogar a decisão ora em reclamação.

12.2. Quanto à condenação em custas e na importância a que alude o art. 420.º, n.º 3 do C.P.P..

O art.420.º do Código de Processo Penal, dispõe, na parte com interesse para a decisão, o seguinte:

«1 - O recurso é rejeitado sempre que:

a) For manifesta a sua improcedência;

b) Se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º; ou

c) O recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417.º.

(…)

 3 - Se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente, se não for o Ministério Público, ao pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC.».

Vejamos.

Na doutrina pronunciaram-se sobre esta questão, entre outros, Pereira Madeira, Simas Santos e Leal-Henriques e Paulo Pinto de Albuquerque, nos seguintes termos:

- Pereira Madeira: A rejeição do recurso, qualquer que seja o motivo, implica sempre para o recorrente, salvo sendo o Ministério Público, independentemente das custas, a sanção processual a que alude o n.º 3” - in “Código de Processo Penal Comentado”, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, Almedina, 2014, pág. 1446. 

- Simas Santos e Leal-Henriques: “ A questão de saber se aqui há lugar à condenação em taxa de justiça e custas deve ser resolvida pela afirmativa, uma vez que tendo a rejeição do recurso necessariamente origem em comportamentos processuais inadequados do recorrente, que lhe são exclusivamente imputáveis, a condenação do n.º 4 [atualmente n.º 3] surge como sanção que não afasta a condenação devida, em geral, pelo decaimento da pretensão.” - in “Código de Processo Penal anotado”, II Volume, 2.ª edição, Rei dos Livros, pág. 859:

- Paulo Pinto de Albuquerque: - “São cumulativas a condenação em custas do incidente e em multa no caso de pedido manifestamente infundado, pois elas visam propósito diferentes: uma tributa o decaimento no ato processual a que deu causa e a outra castiga a má fé ou negligência grosseira no requerimento (acórdão do S.T.J. de 24-1-1989, in BMJ, 393, 294, e, na doutrina, Maia Gonçalves, 2005, 858, anotação 5 ao artigo 420.º). Atenta a natureza da magistratura do MP, a rejeição de recurso apresentado pelo M.P não suporta custas, nem paga a quantia devida nos termos do n.º 3.” – in “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, edição 2007, pág. 1158.

Na jurisprudência, incidiu concretamente sobre esta questão o acórdão do S.T.J. de 24 de janeiro de 1989 (BMJ n.º 393, pág. 294), relatado por Maia Gonçalves, assim sumariado:

 «V - Rejeitado o recurso por falta de motivação, deve o recorrente ser condenado no pagamento não só da taxa de justiça e custas, como também no quantitativo previsto no art. 420.º, n.º 4 do CPP.»   

A esta decisão segue-se a seguinte anotação no BMJ n.º 393:

V- Não é conhecida jurisprudência sobre a questão de saber se à condenação do recorrente, em razão da rejeição do recurso, no pagamento de três a dez UCs a que se reporta ao art. 420.º, n.º 4, do Código de Processo Penal de 1987, deverá ou não acrescer a relativa à taxa de justiça e custas (estes abrangentes de procuradoria), prevista nos artigos 513.º e 514.º daquele diploma e 188.º, alínea b), 194.º, alínea f) , e 195.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais. A decisão em anotação baseou-se certamente no entendimento de que a condenação no pagamento de taxa de justiça e de custas, por um lado e de soma de unidade de conta por outro assenta em diverso fundamento e visa a tributação de diversa actividade, ali o decaimento e a despesa provocada com a interposição do recurso, aqui a penalização da lide temerária.

Cf. neste sentido, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado de 1987, 2.ª edição, sob anotação ao artigo 420.º.”.         

Pelos fundamentos doutrinários e jurisprudenciais supra referidos, o Supremo Tribunal de Justiça vem sustentando que em caso de rejeição do recurso, o recorrente deve suportar as respetivas custas, pelo decaimento no ato processual a que deu causa, acrescido da sanção processual a que alude o n.º 3 do art. 420.º do C.P.P., pela lide temerária.

Quanto às razões pelas quais a sanção processual a que alude o n.º 3 do art. 420.º do C.P.P. não foi fixada no mínimo – foi fixada em 4 UC, numa moldura entre 3 UC e 10 UC – ela resulta da circunstância de, ao contrário do defendido pelo ora reclamante que entende que “a questão da extemporaneidade é não é cristalina”, se entendeu que a questão não é controvertida.

Assim, é razoável a fixação da importância a pagar pelo recorrente, a título de sanção processual, uma UC acima do limite mínimo, previsto no n.º 3 do art. 420.º do C.P.P.

Aderindo também nesta parte a Conferência à Decisão Sumária proferida anteriormente pelo relator, improcede a reclamação e, consequentemente, fica prejudicado o conhecimento da questão objeto do recurso, ou seja, a reformulação do conhecimento superveniente do concurso, e atenuação da pena única.

III - Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os Juízes, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em indeferir a reclamação apresentada pelo arguido AA da decisão sumária proferida pelo relator.

Custas da reclamação pelo arguido, fixando em 2 UC a taxa de justiça (art. 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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(Certifica-se que o acórdão foi  processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.). 

                                                                                             

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Lisboa, 2 de junho de 2022

Orlando Gonçalves (Relator)

Adelaide Sequeira (Adjunta)

Eduardo Loureiro (Presidente da Secção)              

           

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[1] In “Código de Processo Penal Comentado”, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 2016. Almedina -2ª edição revista, págs. 1133 e 1134.
[2] In “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, edição de 2007, pág. 948. 
[3] In “Direito Processual Penal Português”, UCE, edição de 2018, pág. 285.
[4] In “Código de Processo Penal anotado”, Almedina, 19.ª ed. pág. 874.