Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
029925
Nº Convencional: JSTJ00002679
Relator: TOSCANO PESSOA
Descritores: DESCONTO NA PENA DE PRISÃO ANTERIOR
DETENÇÃO
ULTRAMAR
INDIGENA
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195905270299252
Data do Acordão: 05/27/1959
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IªS DE 16-09-1959 ; BMJ 87 , 275
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1959
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: DL 39817 DE 1954/09/15 ARTIGO 16 PAR7 ARTIGO 17 N13 ARTIGO 21.
DL 39997 DE 1954/12/29 ARTIGO 16 ARTIGO 17 ARTIGO 18.
CPP29 ARTIGO 668 ARTIGO 669.
CPC61 ARTIGO 767 PARUNICO.
D 39666 DE 1954/05/20 ARTIGO 26 ARTIGO 53.
CP886 ARTIGO 99.
D 16473 DE 1929/02/06.
D 16474 DE 1929/02/06.
L 2066 DE 1953/07/27.
DL 39688 DE 1954/06/25 ARTIGO 26.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL PROC29925 DE 1958/05/02.
ACÓRDÃO RL PROC529 DE 1957/03/23.
Sumário :
Apos o Decreto-Lei n. 39997, de 29 de Dezembro de 1954, continua em vigor o preceito contido no ultimo periodo do paragrafo 7 do artigo 16 do Decreto-Lei n. 39817, de 15 de Setembro de 1954.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de Justiça:

No Julgado Municipal de Catio, comarca da Guine, foi o indigena A, condenado em 16 anos de degredo, a cumprir na Colonia Penal Agricola das Ilhas das Galinhas, pelo crime de homicidio voluntario, na pessoa, do tambem indigena B.
Interposto desta sentença, o competente recurso obrigatorio, foi a pena alterada, no Tribunal da Relação de Lisboa, por seu acordão de 2 de Maio de 1958, para 18 anos e 243 dias de trabalhos publicos, mandando contar por inteiro, a detenção sofrida, nos termos do artigo 16, paragrafo 7, do Decreto-Lei n. 39817, de 15 de Setembro de 1954, que se considerou não revogado, pelo disposto nos artigos 16 e 17 do Decreto-Lei n. 39997, de 29 de Dezembro do mesmo ano.
O alcance desta ultima proposição levou o excelentissimo Procurador da Republica, a interpor, para este Supremo Tribunal de Justiça, o recurso extraordinario a que se refere o artigo 669 do Codigo de Processo Penal, vista a impossibilidade de recurso ordinario, e estar o acordão, em oposição, nessa parte, com o do mesmo Tribunal, de 23 de Março de 1957, lavrado no processo n. 529, 1 Secção, que transitou em julgado, e esta junto, por certidão a folhas 47.
Alegando logo a seguir, esclarece esse magistrado, a folhas 42, a procedencia das condições de admissibilidade do recurso extraordinario. E pronuncia-se a favor, da tese do acordão recorrido, procurando demonstrar, com grande clareza que, na verdade, o aludido paragrafo 7 se encontra em vigor.
O processo, subiu então a este Tribunal Supremo, cuja Secção Criminal, reconhecendo a folhas 56, tanto as realidades da apontada divergencia, no dominio da mesma legislação, como a impossibilidade de recurso ordinario, determinou se prosseguisse nos termos normais do recurso, para Tribunal Pleno.
Em seu parecer, o excelentissimo Ajudante do Procurador- -Geral da Republica, defende, larga e proficientemente, a visada solução, acentuando, nomeadamente o caracter de especialidade, de que se revestem os diplomas destinados a regular o estatuto dos indigenas, no Ultramar Portugues.
Seguiram-se vistos, a todos os senhores juizes deste Tribunal.
E o processo, apresenta-se agora, devidamente preparado, para decidir.
Tudo visto e ponderado:
I - Nos termos do artigo 767, paragrafo unico, do Codigo de Processo Civil, aplicavel por força do disposto nos artigos 669 e 668 e seus paragrafos do Codigo de Processo Penal, a posição do acordão de folhas 56, não impedira o Tribunal Pleno, de decidir em sentido contrario.
Duvidas não ha, porem, que os dois acordãos, foram proferidos, no dominio da mesma legislação: Decretos-Lei ns. 39817 e 39997, ja mencionados.
Deles não cabia recurso ordinario, segundo o artigo 21 do primeiro desses diplomas. Nos termos, tal preceito e artigo 17, n. 13, desse decreto, como de resto, ja anteriormente estava legislado no artigo 53 do Decreto n. 39666, de 20 de Maio de 1954, as decisões dos Juizes Municipais, quando reus e ofendidos sejam indigenas, tem de ser obrigatoriamente confirmadas na Relação, e, do acordão desta não ha recurso.
Um dos acordãos transitou. Era insusceptivel de recurso ordinario, como acaba de dizer-se. Temos o segundo, em recurso extraordinario.
A oposição e manifesta, pois se aquele, de 22 de Março de 1957, a um indigena, condenado na pena de trabalhos publicos, mandou descontar por metade, a detenção sofrida, por aplicação do artigo 99 do Codigo Penal, redacção do Decreto-Lei n. 39688, em face dos artigos 16 e 17 do Decreto-Lei n. 39997, que teriam revogado o paragrafo 7 do artigo 16 do Decreto-Lei n. 39817, o segundo, de 9 de Maio de 1958, agora recorrido, mandou-a descontar por inteiro, conforme a esse paragrafo 7, que estaria em pleno vigor, e não alterado, por aqueles artigos 16 e 17.
II - Tal como vem douta e muito largamente alegado nos autos, a evolução legislativa, verificada nos ultimos tempos, no plano das leis fundamentais, Acto Colonial,
Carta Organica do Imperio Colonial Portugues e Constituição Politica, movimentou-se no sentido de actualizar e melhorar certas directivas que informaram o sistema anterior da regulamentação das questões referentes aos indigenas, Decretos ns. 16473 e 16474, de 6 de Fevereiro de 1929.
Atraves da sequencia de diplomas posteriores, Lei Organica do Ultramar Portugues (Lei n. 2066, de 27 de Julho de 1953), Estatuto dos Indigenas Portugueses das Provincias da Guine, Angola e Moçambique (Decreto- -Lei n. 39666, de 20 de Maio de 1954) essa orientação traduz-se numa tendencia marcante, no sentido da especialidade, que ainda depois se acentua, numa serie de providencias complementares.
Problemas ha, que passam a estruturar-se em moldes diversos, dos que vigoram para a Metropole. Certos diplomas, vão regular, especialmente, aspectos que necessitavam uma atenção, e um regime particulares.
E nesse criterio de especialidade, que o Decreto- -Lei n. 39817, ao promulgar a organização e competencia dos Julgados Municipais e Juizos de Paz, estabelece e regula, como ja dissemos, a revisão obrigatoria das penas maiores aplicadas aos indigenas, por acordão da Relação, sem recurso, como determinava tambem que a detenção pelos mesmos sofrida seja levada em conta, por inteiro, na pena cominada (artigos 16 e 17).
Na mesma senda, o Decreto-Lei n. 39997. Nada alterou sobre competencia dos Juizes Municipais, obrigatoriedade de revisão superior das suas decisões, nem quanto ao aludido regime de não recurso, dos acordãos resultantes.
No seu artigo 16, manda aplicar ao Ultramar a reforma penal de 1954, Decreto-Lei n. 39688, de 5 de Julho de 1954.
Mas, tal aplicação, far-se-a a titulo subsidiario, e com modificações, uma das quais, a substituição obrigatoria das penas maiores, ou correccionais, e das medidas de segurança, pela pena de trabalhos publicos, a qual era facultativa, pelo disposto no artigo 26 do Decreto-Lei n. 39666.
Do regime existente ficaram em pleno vigor, como e logico, os preceitos não alterados, nomeadamente, pelo que interessa ao caso dos autos, o aludido paragrafo 7. A simples mudança, da substituição facultativa, para obrigatoria, em nada veio colidir, com a medida usada, nesse paragrafo, para o desconto da detenção sofrida pelos indigenas.
E, nem podera entender-se, que a nova redacção, dada ao artigo 99 do Codigo Penal por aquele Decreto n. 39688, que manda descontar apenas metade da prisão preventiva, no cumprimrnto da pena de prisão maior, seja de molde a alterar essa medida.
Trata-se de uma regra de caracter geral, que não podera revogar implicitamente, o preceito especial daquele paragrafo 7 sem mera razão iniludivel, evidente.
Ora, bem ao contrario, verificamos que o artigo 17 do Decreto-Lei n. 39997, apenas suscita a aplicação do Decreto-Lei n. 39688, e portanto daquele n. 99, aos indigenas, subsidiariamente, ou seja na falta de leis especialmente destinadas a estes.
Claro que, existindo em tal materia, o preceito especial do aludido paragrafo 7, que manda descontar por inteiro a detenção, não ha necessidade de encarar a incidencia de qualquer outro, que apenas subsidiariamente poderia explicar-se, dada a redacção do aludido artigo 17.
E, acresce mesmo estar-se perante uma pena de trabalhos publicos, que o artigo 99 não encara.
Por outro lado, a restrição feita ao artigo 18 do mesmo Decreto-Lei n. 39997, para vir a funcionar inteiramente o regime vigente na Metropole, quando o cumprimento da pena, nesta se verifique, resulta como argumento a contrario sensu, em favor da tese defendida.
III - Nestes termos se entende que o paragrafo 7 do artigo 16 do Decreto-Lei n. 39817, se mantem em pleno vigor, devendo por isso, as detenções sofridas ser computadas por inteiro, nas penas de trabalhos publicos, que forem aplicadas aos indigenas, e a cumprir nas Provincias Ultramarinas, de Guine, Angola e Moçambique, firmando-se o assento seguinte:
Assento:
Apos o Decreto-Lei n. 39997, de 29 de Dezembro de 1954, continua em vigor o preceito contido no ultimo periodo do paragrafo 7 do artigo 16 do Decreto-Lei n. 39817, de 15 de Setembro de 1954.

Sem imposto de justiça.

Lisboa, 21 de Julho de 1959

F. Toscano Pessoa (Relator) - Eduardo Coimbra - Mario Cardoso - Silva e Sousa - Campos de Carvalho - J. Figueirinhas - Agostinho Fontes - Lopes Cardoso - A.Gonçalves Pereira - Albuquerque Freitas Costa - Morais Cabral - A. Sampaio Duarte - Sousa Monteiro - Lencastre da Veiga - Alves Monteiro.