Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6438/15.1T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: BENFEITORIAS ÚTEIS
BENFEITORIAS VOLUPTUÁRIAS
DETERMINAÇÃO DO VALOR
LEVANTAMENTO DE BENFEITORIAS
OBRAS
AUTORIZAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DETERIORAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
EQUIDADE
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 11/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. O que releva particularmente, no que tange ao aumento de valor, para efeito de qualificação de benfeitorias úteis, é um critério objectivo, no sentido de se tratar de despesas que se destinaram a conservar ou melhorar a coisa (benfeitorias úteis para a coisa, em si mesma). Ou seja, importa é o valor objectivo ou venal da coisa (valor real) e independentemente do específico fim a que possa estar temporariamente afectada: que tais benfeitorias tenham aumentado a funcionalidade e o nível de conforto do imóvel, mesmo que nele deixe de ser exercida a actividade que em qualquer altura aí esteja a ser exercida.

II. Assim, o aumento de valor subjectivo, concretizado em embelezamentos, visando a tornar a coisa mais aprazível ao possuidor, ou mesmo vantagens particulares, ainda que de ordem patrimonial, não releva para a qualificação como benfeitorias úteis, mas apenas como benfeitorias voluptuárias.

III. É ao possuidor que incumbe alegar e provar a impossibilidade de levantamento por o mesmo causar detrimento da coisa; isto é, quem formula o pedido de indemnização pelas benfeitorias úteis é que terá de alegar e provar factos que permitam concluir que elas não podem ser levantadas sem detrimento da coisa.

IV. Sendo que o detrimento a que pode dar lugar o levantamento das benfeitorias úteis não se refere a estas, mas, sim, à coisa benfeitorizada. Daí que, independentemente da situação subjectiva do possuidor, seja juridicamente irrelevante que do levantamento das benfeitorias resulte o detrimento destas.

V. Para efeitos do disposto no art. 566º, nº 3 do C.C., é ao lesado que incumbe o ónus de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação segundo um juízo de equidade.

VI. Só pode relegar-se para liquidação em execução de sentença (ut artº 609º, nº2 do CPC) em última extremidade: quando, de todo em todo, seja impossível, por falta de elementos, efectuá-la (essa liquidação) no processo declarativo. É que a liquidação implica o exercício de actividade que, pela sua natureza, pertence, não à fase executiva, mas à fase declarativa.

VII. Se foram alegados danos e bem assim o seu montante e, não obstante a falta de prova de alguns dos factos alegados, os restantes factos provados permitem a fixação de um valor indemnizatório, então não deve o tribunal perder mais tempo com mais e demoradas produções de prova, arbitrando, então, a indemnização que julgue equilibrada e ajustada aos factos que tenha por assentes nos autos. Isto é, deverá então o Tribunal julgar com recurso à equidade uma vez que não lhe é permitido «abster-se de julgar, alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio», conforme estatuído no art. 8º, nº 1 do C.C..

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível.


I – RELATÓRIO

AA, BB, CC, DD, EE e mulher, FF, GG e marido, HH, II e mulher, JJ, instauraram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Café Restaurante D. João, Lda., pedindo:

a) seja declarado e reconhecido o direito de propriedade da herança aberta por óbito de KK e LL, de que são únicos e exclusivos herdeiros, sobre o prédio que identificam;

b) seja declarado e reconhecido que a ré ocupa o ... do dito prédio precariamente e sem título, utilizando-o para atividade de restauração;

c) seja a ré condenada: i) a reconhecer o constante das alíneas a) e b) e, consequentemente, a desocupar o ... do dito prédio, restituindo-o devoluto de pessoas e coisas; ii) a abster-se da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito de propriedade da dita herança sobre o aludido prédio; iii) a indemnizar a herança na quantia de € 2500, por mês, a título de danos patrimoniais por privação de uso do ... do referido prédio, desde Julho de 2015 até efetiva entrega daquele, calculando-se os montantes já vencidos – com referência a 9 de Outubro de 2015 –, em € 7500, acrescido de indemnização relativa aos meses vincendos, de igual montante, até efetiva entrega do ... do aludido prédio, devoluto de pessoas e coisas; iv) a indemnizar os autores na quantia de € 5000, na proporção de € 1000 para cada um dos cinco, a título de danos não patrimoniais; v) a pagar à herança, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 500 por cada dia, no caso de persistir no uso e ocupação do ... do dito prédio, após o trânsito em julgado dasentença e até cessar efetivamente esse uso e ocupação.

Para o efeito alegam, em síntese, que são os únicos herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de KK e de LL, titular do direito de propriedade sobre o prédio que identificam, cujo ... é ocupado pela ré sem qualquer título para o efeito, recusando restituí-lo aos autores e utilizando-o para o exercício da atividade de restauração, contra a vontade daqueles, o que lhes tem causado danos patrimoniais e não patrimoniais.

A ré contestou, arguindo a ilegitimidade ativa, por falta de intervenção de um dos herdeiros da herança em causa, e impugnando parte da factualidade alegada, sustentando que tomou de arrendamento o ... do aludido prédio em 11-02-1981, que o contrato cessou em 2015 no contexto que descreve e que lhe assiste o direito a ser indemnizada pelo valor de obras que executou no imóvel, com autorização do senhorio, invocando o direito de retenção sobre o imóvel reivindicado até pagamento do montante indemnizatório.

Mais deduziu reconvenção contra os autores, pedindo:

i) sejam os autores condenados a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor das benfeitorias por si executadas no prédio em causa, no valor total de € 204. 244,64, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento;

ii) se reconheça à ré o direito de retenção do prédio, em virtude da realização de obras de beneficiação que constituem benfeitorias úteis e necessárias, suspendendo-se a obrigação de restituir o imóvel enquanto não lhe for paga a indemnização;

iii) subsidiariamente, na improcedência dos pedidos anteriores, se condene os autores a restituir a quantia de € 204.244,64, por força da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, acrescida de juros legais desde a citação até integral e efetivo pagamento;

iv) sejam os autores condenados a pagar à ré a quantia de € 7.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais.

Os autores apresentaram réplica, articulado no qual se pronunciam quanto à matéria de exceção deduzida na contestação, defendem a inadmissibilidade da reconvenção e contestam o pedido reconvencional.

Os autores deduziram incidente de intervenção principal de MM.

A ré apresentou articulado no qual se pronuncia quanto à matéria de exceção invocada na contestação à reconvenção constante da réplica, bem como invoca a litigância de má fé por parte dos autores.

Por despacho de 19-11-2017, foi admitida a intervenção principal provocada de MM.

Por despacho de 30-04-2018, foi admitida a reconvenção quanto aos dois primeiros pedidos principais e ao pedido subsidiário, sendo rejeitada quanto ao pedido indemnizatório formulado, mais se proferiu despacho saneador, no qual se considerou suprida a ilegitimidade face ao incidente de intervenção principal provocada, após o que se procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Em face do exposto, o Tribunal:

A. Julgando a ação e a reconvenção parcialmente provadas e procedentes:

a) declara que a herança aberta por óbito de KK e LL, representada pelos Autores AA, BB, CC, DD, EE, GG e marido HH, II e mulher JJ e pelas Intervenientes Principais NN e MM, é proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., situado na ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., composto por casa de ..., ... e ... andares, com logradouro, a confrontar de norte com OO, sul e nascente Parque Municipal Desportivo e poente estrada municipal;

b) declara que a Ré Café Restaurante D. João, Ld.ª, desde 29 de Julho de 2015, ocupa a parte do prédio identificada nos pontos 11) e 22) da fundamentação de facto, utilizando-o, sem título, para atividade descrita no ponto 26) da fundamentação de facto;

c) condena a Ré a reconhecer o que consta das alíneas a) e b);

d) condena a Ré a indemnizar a herança identificada em a) na quantia mensal de € 1.500, a título de danos patrimoniais pelo exercício de atividade lucrativa em violação do direito de propriedade na parte do prédio identificada nos pontos 11) e 22) da fundamentação de facto, desde 29 de Julho de 2015 até à cessação da utilização identificada em b);

e) condena a herança identificada em a) a pagar à Ré a indemnização que vier a ser liquidada em incidente de liquidação relativamente às benfeitorias necessárias descritas na fundamentação de facto sob os pontos 36) e 29) u) e a benfeitoria útil identificada no ponto 29) v);

f) condena a herança identificada em a) a reconhecer o direito de retenção da Ré destinado a garantir o direito de crédito reconhecido em e), onerando o espaço identificado em b), enquanto não pagar a indemnização que resultar do incidente de liquidação;

g) condena a Ré a desocupar a parte do prédio identificada em b), restituindo-o à herança identificada em a), devoluto de pessoas e coisas, contra o pagamento do valor aludido em e) e a abster-se, após esse momento, da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito de propriedade da dita herança sobre o prédio;

h) absolve a Ré dos restantes pedidos formulados pela herança identificada em a).

B) Julga improcedente o primeiro incidente de litigância de má suscitado pela Ré e procedente o segundo, condenando o Autor AA, na qualidade de autor da declaração identificada no ponto 44) da fundamentação de facto, como litigante de má fé na multa de 5 UCs e no pagamento à Ré, a título de indemnização, o montante de 1.814,25 correspondente ao custo da perícia. Custas:

a) da ação a cargo da herança representada pelos Autores e da Ré, na proporção de 2/10 e 8/10, respetivamente

b) da reconvenção a cargo da Reconvinte e das heranças representadas pelos Autores, na proporção de 6/10 e 4/10, respetivamente.

c) do primeiro incidente de litigância de má fé a cargo da Ré e do segundo incidente a cargo do Autor identificado em B), com fixação da taxa de justiça em 1 UC em cada um deles.

Registe e notifique.»


Inconformada, a Ré veio recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, na parte relativa às alíneas d) e e) do dispositivo, tendo a Relação de ..., em acórdão, proferido a seguinte

Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

a) Alterar a sentença recorrida quanto à condenação constante da al. e) do dispositivo, condenando-se nessa parte a herança identificada em a) a pagar à ré a indemnização que vier a ser liquidada em incidente de liquidação relativamente ao valor das benfeitorias necessárias [sendo estas as despesas relacionadas com as obras descritas em 29) a) a d), j), n) quanto à cozinha, q) e s) quanto às portas degradadas, bem como em 29 u) e 30] e ainda ao valor de todas as demais obras (que não foram incluídas nas referidas benfeitorias necessárias) e que estão descritas no ponto 35 da matéria de facto provada, estas a título de benfeitorias úteis (com exceção da referência às obras descritas nos pontos 31 e 32), condenando-se igualmente a pagar o valor que vier a ser liquidado em incidente de liquidação relativamente à benfeitoria útil identificada no ponto 29 v);

b) Revogar a sentença recorrida quanto à condenação constante da al. d) do dispositivo, condenando-se nessa parte a ré a pagar aos autores a importância que vier a ser liquidada em incidente de liquidação de sentença, correspondente ao valor de que ilegitimamente beneficia à custa da utilização e exploração que vem fazendo do imóvel pertencente aos autores, identificado nos pontos 11 e 22 da fundamentação de facto, de acordo com as regras que disciplinam o enriquecimento sem causa, com início em 29 de julho de 2015 e enquanto perdurar a fruição, até à cessação da utilização identificada em b) do dispositivo.

c) Confirmar a sentença recorrida no restante.”.


Inconformados, vêm, agora, os AA AA e outros interpor recurso de revista, apresentando alegações que rematam com as seguintes

CONCLUSÕES:

A) Do recurso da matéria de direito

i. Da qualificação das benfeitorias realizadas no imóvel como necessárias, úteis e voluptuárias, e respetiva compensação

1 - Na definição legal (art. 216º, do CC), benfeitorias são todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

2 - Como resulta do art. 216º, nº 3, do mesmo Código, as benfeitorias classificam-se em necessárias (as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa); úteis (asque,nãosendo indispensáveis para a sua conservação,lheaumentam, todavia, o valor) e voluptuárias (as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante).

3 - No caso de benfeitorias necessárias o seu possuidor, quer seja de boa ou má fé, tem sempre direito a ser indemnizado por elas.

4 - Porém, no caso de se tratarem de benfeitorias úteis a regra é de que o possuidor (de boa ou má fé) benfeitorizante tem direito só, em princípio, a levantá-las. Só assim, porém, não sucederá se o seu levantamento causar detrimento da coisa (benfeitorizada) e o dono dela, invocando esse detrimento, se opuser a tal levantamento, situação em que, a troco de ficar com elas, fica então obrigado a indemnizar o possuidor dessas benfeitorias, segundo as regras do enriquecimento sem causa.

5 - Já no que concerne às voluptuárias, e tal como decorre do artº 1275, o seu possuidor só terá direito a levantá-las se estiver de boa fé e elas não causarem detrimento na COISA (porque se causarem não só não pode levantá-las como inclusive não tem direito a receber qualquer valor indemnizatório por elas), pois se as tiver realizado com má fé perde, em qualquer situação, sempre o direito a elas, ou seja, o direito de as levantar ou sequer de receber qualquer valor por elas.

6 - No nosso modesto entendimento, as benfeitorias que dizem respeito às obras de ampliação, mormente, as obras enunciadas no ponto 37 dos factos provados, bem como asdemaisali nãoprevistas nem descritas no ponto36 masqueestão previstas nas restantes alíneas do ponto 29 da matéria de facto assente, constituem benfeitorias voluptuárias.

7 - Pese embora no ponto 40) dos factos provados, resulte que as obras referidas em 29) e 30) aumentaram a área do estabelecimento e valorizaram o imóvel, o certo é que, tais obras são de mera adaptação para a concreta atividade que a Ré exercia e que estava obviamente em crescimento (cfr. facto provado no ponto 37).

8 - Com efeito, a finalidade que presidiu à sua realização, prendeu-se com um projeto de crescimento do negócio da por forma a proporcionar aos seus clientes melhores condições de atendimento e outro tipo de serviços.

9 - Portanto, tais obras, tiveram como único escopo beneficiar, melhorar e implementar a atividade da Ré, ou seja, visaram tão aumentar as potencialidades do gozo do locado - nomeadamente em termos de aumento de comodidades, do seu conforto – o que sempre configuraria uma situação de benfeitoria voluptuária.

10 - Sendo certo que, as utilidades emergentes das obras efetuadas pela Ré,não trazem qualquer benefício e, podem até constituir um entrave para futuro arrendamento e/ou venda do locado, que tenha como afetação outro tipo de serviços.

11 - Portanto, só se pode afirmar com segurança que tais obras valorizam o locado, se em circunstâncias normais, os Autores soubessem que o locado iria ser arrendado e/ou vendido para a mesma atividade exercida pela Ré, já que as utilidades que se podem extrair dessas obras, só valorizam o locado para essa atividade em concreto, e não para atividade diversa.

12 - Assim sendo, qualquer outra qualificação, seria, a nosso ver, ao arrepio da lei, e sem qualquer correspondência na sua letra (cfr. artº 9, nº 2).

13 - Mesmo que assim não se entenda, que não se concebe, nem concede, compulsando o articulado da reconvenção, verifica-se que a Ré se limitou a alegar a deterioração das benfeitorias no caso de serem levantadas, nada dizendo ou alegando sobre do detrimento do prédio dos AA. onde as mesmas foram realizadas, pelo que, perece a prova de um dos pressupostos legais para o direito de indemnização da Ré pelas sobreditas benfeitorias.

14 - Todavia, existiria um outro obstáculo, pelo facto de o direito de indemnização por benfeitorias úteis depender também de o dono da coisa se opor ao levantamento das benfeitorias com fundamento de o mesmo causar o detrimento daquela.

15 - Ora, da conjugação dos nºs 1 e 2 do art. 1273º do CC, resulta que, nas benfeitorias úteis (ao contrário do que sucede com as necessárias) a regra é a de que, em princípio, o seu possuidor apenas tem direito ao seu levantamento, só assim não será quando o dono de coisa benfeitorizada se oponha a esse levantamento precisamente com o fundamento de que o mesmo causa detrimento na sua coisa que foi benfeitorizada.

16 - Considerando que, as benfeitorias (úteis) não são indispensáveis para a conservação da coisa benfeitorizada e que apenas foram feitas pelo possuidor (que pode até estar de má fé, como deve ser considerada a r é neste caso) para aumentar as potencialidades do seu gozo da coisa (nomeadamente em termos de aumento das suas comodidades), é razoável que se deixe ao dono dela (que até não pediu a sua realização) a liberdade de poder ou não ficar com as ditas benfeitorias.

7- Assim sendo, se quiser continuara usufruir de tais melhoramentos ou comodidades, quando do seu levantamento resultam deteriorações para a sua coisa, é justo que deva indemnizar por tal o possuidor que os realizou, pagando-lhe o seu valor (calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa), porém, não querendo ou não lhe interessando (pelos mais diversos motivos) continuar a usufruir desses  melhoramentos ou comodidades, afigura-se-nos irrazoável (à luz da jurisprudência dos interesses e dos princípios) impor-se-lhe a obrigação de, contra a sua vontade, ter de ficar com as respetivas benfeitorias, obrigando-o ainda a ter de pagar uma indemnização ao seu autor, só pelo facto de o seu levantamento causar detrimento na sua própria coisa.

18- Ora posto isto, dado que os AA. (donos do prédio benfeitorizado), não querem ficar com assobreditas benfeitorias, autorizando quea Réproceda ao seu levantamento, falta, assim, um dospressupostos legais –a existência de oposição dos donos da coisa ao levantamento daquelas, com o fundamento de ele provocar o detrimento nessa sua coisa – de que dependia também o seu aqui reclamado direito de indemnização pela realização das mesmas (que as poderá levantar quando lhe aprouver ou para quando para tal for solicitado pelos donos do prédio).

19- Assim, mesmo a considerar-se a benfeitorias elencadas como úteis, a Ré não tem direito a ser indemnizada pela realização das mesmas, que as poderá levantar, pois os AA. donos do prédio, não se apuseram, nem se opõem, ao seu levantamento.

20- Mesmo que assim não se entenda, e admitindo-se por mera hipótese académica a solução adotada no douto tribunal recorrido, de que tais benfeitorias são consideradas benfeitorias úteis, sempre se dirá que tais obras são lícitas.

21- Segundo o primitivo contrato de arrendamento, datado de 11 de Fevereiro de 1981, as partes acordaram na sua cláusula 4º que: “o arrendatário não poderá fazer obras, ficando no entanto obrigado à sua boa conservação e limpeza, respondendo por toda e qualquer deterioração que ele sofra por sua culpa.”. (cfr. facto provado no ponto 11).

22 - De acordo com a interpretação que temos por mais correta da cláusula, considerando o disposto no art.º 236.º do CC, deverá concluir-se que a referida cláusula, não autoriza o arrendatário a efetuar benfeitorias úteis e voluptuárias, autorizando apenas as benfeitorias necessárias.

23 - Não obstante, o art. 29º do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/02, contém um regime transitório, designadamente, para contratos não habitacionais celebradosantesdoDLnº257/95de30/09,comoéocasodocontratoemreferência nos presentes autos, dispondo, no seu nº 3, que a denúncia do contrato de arrendamento, ao abrigo da faculdade concedida pelo artigo 51º,nº 3,al.d),tal como pacificamente verificado no caso em apreciação, confere ao arrendatário o direito a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé, independentemente do estipulado no contrato de arrendamento e ainda que as obras não tenham sido autorizadas pelo senhorio.

24 - Quanto à licitude das obras importa ter presente o seguinte regime jurídico: nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, as regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes e, se nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato (artigo 1111º do CC).

25 - No caso em apreço, resulta da matéria de facto dada como provada que, tais obras foram executadas pela sem se munir previamente de licença camarária para o efeito (cfr facto provado 42).

26 - E, muito embora, esteja assente que o Autor AA, declarou por escrito, datado de Outubro de 2010, invocando a qualidade de cabeça de casal de LL, que autorizava o licenciamento do prédio para as obras que foram efetuadas, o certo é que resultou não provado que as obras tenham sido autorizadas por LL (cfr. ponto p)).

27 - Da factualidade dada como provada, resultou que, as obras foram executadas de modo faseado entre Outubro de 1997 e Julho de 2004 (cfr. facto provado em 29), em Dezembro de 2011 (cfr. facto 30), e em 1999/2000 (cfr. facto provado em 38), o que nos permite concluir que, todas as obras (à exceção das que foram efetuadas em 2011), decorreram no período em que LL ainda era viva (só veio a falecer em Janeiro de 2010), sendo por isso absolutamente crucial que a factualidade dada como não provada na alínea p), tivesse sido dada como provada, para se considerar a obra lícita.

28 - Pelo que, tais obras para além de terem sido ilegais administrativamente, também não foram consentidas por escrito por LL, como se impunha.

29- Mas no caso de se entender que tais obras foram autorizadas, face à declaração escrita, outorgada em Outubro de 2020, não podemos olvidar que, este não é o único herdeiro do locado, como consta da presente ação e ficou provado, pelo que, a aludida declaração tinha de estar assinada não só pelo Autor AA, mas também pelos demais herdeiros.

30 - Assim, forçosamente se tem de concluir que, a Ré relativamente aos restantes herdeiros é possuidora de má-fé.

31 - Pelo que, deve manter-se a condenação da Ré nos termos proferidos pela primeira instância, no dispositivo constante da alínea e), isto é, condenando a herança identificada em a) a pagar à Ré apenas a indemnização que vier a ser liquidada em incidente de liquidação relativamente às benfeitorias necessárias descritas na fundamentação de facto sob os pontos 36) e 29) u) e a benfeitoria útil identificada no ponto 29 v).


B) Da indemnização/compensação pela atuação da depois de extinto o contrato de arrendamento relativamente ao imóvel que continuou a utilizar e a explorar

32 - O artº 566, nº 2 do Código Civil refere-nos que a indemnização em dinheiro se afere pela diferença entre a situação patrimonial caso não tivesse ocorrido o dano e a situação patrimonial atual.

33 - O nº 3 do mesmo preceito estatui que “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”.

34 - Interpretando aquela disposição legal, escreveu VAZ SERRA, que quando o artº. 566º., nº. 3, dispõe que “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, deve o tribunal julgar equitativamente «dentro dos limites que tiver por provados», limita-se a acentuar que, se o tribunal tiver por provados limites do valor dos danos, deve a fixação judicial desse valor ser feita dentro de tais limites”, fundando-se o referido preceito legal na consideração de que “podendo ser impossível a fixação do valor exato dos danos a indemnizar, não deve esse facto excluir a efetivação do direito à indemnização, cometendo, assim, ao tribunal uma fixação equitativa em face das circunstâncias do  caso concreto”, e, prossegue, “se, porém, o tribunal tiver por provados limites, dentro deles deverá efetuar a fixação do valor dos danos”.

35 - Defende ainda o mesmo conceituado Mestre que ainda que o autor não tenha alegado ou provado factos que permitam o juízo de equidade, o referido artº. 566º., nº. 3 “impõe ao tribunal que julgue equitativamente …” (in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 108, págs. 224 e 227).

36 - Muito embora, o Tribunal recorrido tenha procedido à alteração do facto 24), no sentido de que não foi possível apurar o valor mensal pelo qual podia ser arrendado o locado, no nosso entender, existem outros elementos que permitem, com recurso à equidade, fixar um valor concreto.

37 - Desde logo, o limite mínimo que o Tribunal deveria ter em consideração para o apuramento da renda mensal, é a renda praticada até ao termo do contrato, isto é, 584,00€;

38 - Acresce que, do depoimento da testemunha, Engenheiro PP, constatamos que, quando o mesmo fez referência a valores de rendas para o estabelecimento em causa, nunca teve por base a área coberta de 900 m2, como erroneamente entendeu o Tribunal recorrido, referindo-se antes, ao estabelecimento em si, do que via e conhecia, de quando frequentava o espaço.

39- Não se pode confundir o valor da renda mensal que a testemunha estava convicta que um estabelecimento com aquelas características podia valer, com a área estimada que a testemunha achava que o locado tinha (900 m2).

40 - Na verdade, a referência aos valores, nomeadamente, que podia o locado ser arrendado por valor superior aos € 1.000,00 ou € 1.500,00, tendo no mais, referido a título exemplificativo, que um imóvel para o desenvolvimento de atividade comercial pode ser arrendado pelo valor mensal de 2.000,00€ tratando-se de restauração, podendo ascender aos 2.500,00€, para instalação de estabelecimento de venda a retalho de artigos diversos, designado correntemente, como “loja dos chineses”, teve sempre por base não a área, mas antes as caraterísticas do estabelecimento.

41- Tanto assim é que, a testemunha enalteceu vários pontos favoráveis do locado, tais como, o facto de se situar numa zona muito movimentada, nas proximidades do centro da cidade de ... e da Estrada Nacional, em zona soalheira, residencial e de estabelecimentos comerciais e de ensino, bem como próxima do estado municipal, e do centro de saúde, com bons acessos, sendo um local onde escasseiam imóveis do género para arrendar.

42 - Dúvidas não subsistem que, usando critérios de equidade, facilmente se chega ao valor fixado pela primeira instância, nomeadamente, no montante de 1.500,00€;

43- Se assim não se entender, o que não se concebe nem concede, não podemos descurar que resultou provado que o valor patrimonial atribuído pela Autoridade Tributária para o aludido espaço correspondente a € 235.324,10.

44- Ora, o legislador consente que, no período transitório para o regime do NRAU, em certas circunstâncias, o senhorio possa exigir do inquilino uma renda de montante anual correspondente a 1/15 do VPT determinado pelas Finanças para todo esse espaço (cfr. artigo 35º), pelo que, a o valor da renda, no mínimo seria de 1.307,35€.

45- Isto considerado, impõe-se alterar a decisão recorrida, devendo ser fixado um quantitativo, tendo em conta a equidade, no montante de 1.500,00€, ou no caso de assim não se entender, pelo menos no valor de 1.307,35€, com início em 29 de julho de 2015 e enquanto perdurar a fruição, até à cessação da utilização.

46 - Por todo o exposto, violou a douta Sentença recorrida, o disposto nos artigos, 9º nº 2, 216º nºs 1 e 3, 236º, 566º nºs 2 e 3, 1111º e 1275º todos do CC, e artigos 29º, nº 3 e 51º, nº 3 d) do NRAU, aprovado pela Lei 6/2006, de 27/02, entre outros.


Termos em que e nos mais de direito aplicáveis deve ser dado provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o acórdão sindicando, e substituindo-o por outro que mantenha a decisão proferida na primeira instância, designadamente, julgando as obras enunciadas no ponto 37 dos factos provados, bem como as demais ali não previstas nem descritas no ponto 36 mas que estão previstas nas restantes alíneas do ponto 29 da matéria de facto assente, como benfeitorias voluptuárias, ou se assim não se entender, que as mesmas são ilícitas e por isso não são suscetíveis de ser indemnizadas, e ainda, condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de 1.500,00€, ou no caso de assim não se entender, pelo menos no valor de 1.307,35€, pelo benefício ilegítimo à custa da utilização e exploração do prédio propriedade dos autores, com início em 29 de julho de 2015 e enquanto perdurar a fruição, até à cessação da utilização.


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Contra-alegou a Ré-Recorrida Café Restaurante D. João, Lda., pugnando pela improcedência do recurso.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II – Delimitação do objecto do recurso

Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são:

Qualificação das benfeitorias realizadas pela R é/Reconvinte no imóvel e respectiva compensação;

1. Indemnização/compensação pela actuação da Ré/Reconvinte depois de extinto o contrato de arrendamento relativamente ao imóvel.

III - Fundamentação


III. 1. É a seguinte a matéria de facto provada (após a decisão da impugnação em recurso[1]):


1. Por escritura pública outorgada a 11 de Março de 1988, no Cartório Notarial de ..., QQ, RR e FFF declararam que, no dia 4 de Agosto de 1981, falecera KK, no estado de casado em únicas núpcias de ambos e sob o regime de comunhão geral com LL, deixando testamento celebrado a 16 de Dezembro de 1984, a fls. 21 do respetivo livro 34 do mesmo Cartório, pelo qual legara a sua mulher o usufruto de todos os seus bens, pela quota disponível e com dispensa de caução e instituiu como herdeiros do remanescente da sua quota disponível, bem como da indisponível, seus filhos, sendo a parte deixada ao filho XX com a cláusula de incomunicabilidade a sua mulher SS ou SS e como herdeiros deixara a suceder-lhe:

- cônjuge: LL;

- filhos:

1) TT, ao tempo casado com SS, no regime de comunhão geral, à data divorciado;

2) AA, casado sob o regime de comunhão geral com NN;

3) II, casado sob o regime de comunhão geral com JJ;

4) UU, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com BB;

5) GG, casada sob o regime da comunhão de geral com HH;

6) EE, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com FF;

não havendo outras pessoas que, segundo a lei, lhes preferissem ou com eles pudessem concorrer na sucessão à herança deixada.

2. Por escritura pública outorgada a 25 de Junho de 2010, no Cartório Notarial da ..., retificada por escritura de 27 de Setembro de 2010, VV, XX, ZZ declararam que, no dia 14 de Janeiro de 2010, falecera LL, no estado de viúva de KK, com quem tinha sido casada sob o regime de comunhão geral de bens, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sucedendo-lhe como únicos herdeiros, sem outrem que os prefira ou com aqueles concorra à sucessão:

- os filhos:

1) TT; 2) AA; 3) II; 4) EE;

- os netos, filhos da pré-falecida filha, UU: 1. CC;

2. DD.

3. Por escritura pública outorgada a 19 de Maio de 2011, no Cartório Notarial do ..., sito na Avenida de ..., ..., freguesia de ..., concelho de ..., AA declarou doar a MM, sua filha, que declarou aceitar, o quinhão hereditário que lhe pertence na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de sua mãe LL, correspondente a 1/6 indiviso da herança.

4. Por escrito autenticado em 1 de Setembro de 2017, GG, na qualidade de procuradora de TT e AAA, declarou em nome do seu representado e pelo preço global de € 118.400, já recebido, ceder o quinhão hereditário, na proporção de 1/6, na herança aberta e indivisa por óbito de seus pais KK e LL, a MM, que declarou aceitar.

5. Mais declarou GG no escrito identificado em 4), em nome da sua representada, prestar o necessário consentimento conjugal.

6. Existe um prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., situado na ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., composto por casa de ..., ... e ... andares, com logradouro, a confrontar de norte com OO, sul e nascente Parque Municipal Desportivo e poente estrada municipal.

7. O prédio identificado em 6) encontra-se registado em comum e sem determinação de parte ou direito por sucessão hereditária de KK e LL em nome dos Autores TT, II, casado sob o regime de comunhão geral com JJ, BB, DD, EE, AA, casado com NN no regime de comunhão geral, GG, casada com HH no regime de comunhão geral e CC.

8. Os Autores dão de arrendamento o prédio identificado em 6), recebem as respetivas rendas e pagam os impostos que sobre o mesmo incidem [alínea G) do despacho em referência].

9. A atuação referida em 8) tem sido levada a cabo pelos Autores nas qualidades identificadas em 1) e 2) e, antes deles, pelos respetivos progenitores, há mais de 20 anos, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na convicção de exercerem direito de propriedade.

10. Por escritura pública celebrada a 5 de Fevereiro de 1981 no Cartório Notarial de ..., BBB e mulher CCC declararam constituir entre si uma sociedade comercial por quotas que adotava a firma “C..., Limitada”, tinha por objeto a indústria similar de hotelaria, nomeadamente, a atividade exploratória de restaurante, bar, café, snack-bar, podendo dedicar-se a outros ramos de comércio e indústria em que os sócios acordassem e fossem permitidos por lei, com o capital de .... 400.000$00, correspondente à soma de duas quotas iguais de .... 200.000$00, pertencendo uma a cada sócio.

11. Por escrito datado de 11 de Fevereiro de 1981, assinado por KK e BBB, este em nome de C..., Ld.ª, invocando, respetivamente, a qualidade de senhorio e inquilina, declararam fazer “contrato de arrendamento relativo a todo o ... do prédio sito na ..., inscrito na matriz da freguesia de ... – urbana – sob o artigo ..., com as seguintes cláusulas: 1º O prazo é de um ano com início em 10 de Fevereiro de 1981, considerando-se prorrogado por iguais períodos e sucessivos períodos nos termos da lei; 2º a renda é de 10.000$00 (dez mil escudos) por mês que o arrendatário pagará nos primeiros dez dias do mês a que disser respeito e em casa e residência do senhorio; 3º o ... destina-se ao exercício da actividade de restaurante, cafés e actividades similares de comidas e bebidas”, nem podendo ser sublocado ou cedido para outros fins sem o consentimento do senhorio; 4º o arrendatário não poderá fazer obras, ficando no entanto obrigado à sua boa conservação e limpeza, respondendo por toda e qualquer deterioração que ele sofra por sua culpa”.

12. Por escritura pública outorgada a 5 de Fevereiro de 1998 no Cartório Notarial de ..., DDD e EEE, declararam, na qualidade de únicos sócios da sociedade identificada em 11) que esta adotava a firma “Café Restaurante D. João, Ld.ª”.

13. A Ré tem o capital de € 5000, dividido em duas quotas de € 2500, pertencentes às pessoas identificadas em 12).

14. A Ré tem como gerente o sócio DDD.

15. Por carta datada de 24 de Março de 2015, dirigida à Ré, o Autor AA, invocando a qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de LL, comunicou o seguinte: “vimos pela presente, e nos termos do disposto no artigo 50º do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006 de 27/02, com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14/08, notificar Vªs Exªs da n/ intenção de proceder à atualização da renda do estabelecimento comercial denominado Restaurante D... correspondente ao ... do prédio urbano sito na ..., da cidade de ..., inscrito na matriz sob o artigo ....018, arrendado a Vªs Exªs e do qual a herança que represento é proprietária, no montante atual de € 584 mensais, para o valor de € 2.500 por mês, a partir do próximo mês de Junho de 2015”.

16. A Ré respondeu à carta identificada em 15) através de missiva enviada a 23 de Abril de 2015, comunicando “a denúncia pela nossa parte do referido contrato de arrendamento, nos termos da alínea d) do nº 3 do artigo 51º da lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro (…), denúncia essa que produzirá os seus efeitos no prazo de 2 meses a contar da recepção pelo senhorio da respectiva comunicação devendo a aqui arrendatária de desocupar o locado e entregá-lo ao cabeça de casal da herança (senhoria) no prazo de 30 dias”.

17. A missiva referida em 16) foi recebida pelo Autor identificado em 15) a 29 de Abril de 2015.

18. A Ré continuou a ocupar o ... do prédio identificado em 6) após o momento referido em 16) contra a vontade dos Autores.

19. Devido ao referido em 18) os Autores não podem utilizar o ... em proveito próprio, designadamente, arrendando-o ou vendendo-o.

20. O prédio identificado em 6) tem boas condições para o exercício do comércio ou serviços. 21. Situa-se nas proximidades do centro da cidade de ... e da Estrada Nacional, numa zona soalheira, residencial e de estabelecimentos comerciais e ensino, com bons com acessos. 22. O estabelecimento referido em 10) tem a área de 705,09 m2.

23. Na zona onde se insere escasseiam imóveis do género para arrendar.

24. O espaço referido em 10) e 22) pode ser arrendado para o desenvolvimento de atividade comercial por valor mensal que não foi possível apurar.

25. O valor patrimonial atribuído pela Autoridade Tributária para o espaço referido em 22) corresponde a € 235.324,10.

26. A Ré continua a utilizar o espaço referido em 11) e 22) para a exploração da atividade de restauração, servindo refeições, bebidas, casamentos, batizados e outro tipo de jantares, cedendo-o também a terceiros para atividades de ensino, sem pagamento de qualquer contrapartida.

27. Os Autores sentem a frustração de não rentabilizar o espaço e por nada por poderem fazer para que a Ré se abstenha do referido em 26).

28. Os Autores GG e HH sentem-se tristes com a ocupação realizada pela Ré.

29. A Ré realizou obras no espaço referido em 11) de modo faseado entre Outubro de 1997 e Julho de 2004:

a) substituiu a tijoleira existente na sala do restaurante e na casa de banho que se encontrava desgastada e com rachadelas;

b) colocou tijoleira na cozinha que tinha o pavimento em cimento, desgastado e com remendos;

c) substituiu azulejos das paredes da cozinha, que se encontravam danificadas;

d) substituiu as janelas em madeira, que se encontravam degradadas, por outras em caixilharia de alumínio;

e) construiu um anexo no espaço do logradouro do imóvel e de três garagens que demoliu, com alicerces, colunas, vigas e placa de cobertura em betão;

f) ampliou a cozinha que era pequena e antiquada, instalou a churrasqueira, que antes era uma estrutura improvisada instalada no exterior e criou uma nova sala de restaurante e três novas casas de banho no espaço referido em e);

g) colocou uma chaminé para extração de fumos da churrasqueira e instalou na parede do prédio um extrator de fumos da cozinha;

h) colocou tijoleira no pavimento das divisões referidas em f) e azulejos nas casas de banho e na cozinha;

i) sobre a placa de cobertura da área correspondente às anteriores garagens construiu um andar, assim como um terraço no restante espaço, sendo este usado pelos apartamentos situados ao nível do ..., cujas cozinhas por ali têm acesso através de uma escadaria revestida em mármore construída em substituição da que se encontrava junto ao edifício antes da construção do anexo;

j) remodelou casa de banho já existente com novos sanitários, tijoleiras e azulejos porque os anteriores estavam danificados pelo uso;

k) instalou uma sala de eventos no andar referido em i), com tijoleira no pavimento;

l) criou um lambrim em azulejo nas salas do restaurante, com cerca de 1 metro de altura e cerca de 1,5 m, respetivamente, situadas no ... e correspondente à sala de eventos;

m) colocou tetos falsos em placa de gesso nas salas do restaurante para isolamento acústico e tapar a instalação elétrica;

n) dotou as novas divisões de instalação elétrica e substituiu a das divisões existentes que era antiga e exterior no que diz respeito às tomadas da cozinha;

o) dotou as novas casas de banho e a cozinha de rede de água e esgoto;

p) dotou as casas de banho de lavatórios, bidé e sanita;

q) substituiu a montra do restaurante, em madeira, que estava danificada e permitia a entrada de humidade e frio, por uma idêntica estrutura em caixilharia de alumínio;

r) em 2004 substituiu a segunda montra referida em q) por portadas criando uma fachada envidraçada ao nível do ...;

s) substituiu as portas interiores do estabelecimento, que se encontravam degradadas e colocou outras, com os respetivos aros, nos novos espaços que criou;

t) colocou forros em madeira pelo interior de 4 janelas;

u) fez a ligação das fossas existentes no acesso lateral direito do prédio à rede de saneamento camarário;

v) colocou betonilha afagada nas laterais do prédio destinadas ao acesso pedonal (a da direita) e de viaturas (a da esquerda).

30. A Ré também reparou o telhado substituindo telhas partidas e, em Dezembro de 2011, vedou os caleiros, cumes e rufos que se encontravam em mau estado e causavam infiltrações no ... e no ... do prédio identificado em 6);

31. Parte do muro de delimitação situado nas traseiras do anexo referido, na confrontação com o Parque Municipal Desportivo, ruiu tendo sido reedificado e custeado por pessoa que não foi possível apurar.

32. As obras referidas em 29) e a substituição de telhas referida em 30) foram realizadas à vista e com conhecimento de LL e dos Autores GG e HH que, ao tempo, viviam no apartamento situado no ... do imóvel.

33. Os Autores identificados em 32) beneficiaram do terraço referido em 29) i) que aumentou o anterior varandim da cozinha.

34. O Autor HH ocupou e ocupa uma garagem que beneficiou de obras contemporâneas à construção do anexo, tendo aí instalada uma oficina.

35. As obras identificadas em 29 a) a l), n) a p), r) a u), 31) e 32) não podem ser levantadas sem a respetiva demolição e danificação do imóvel.

36. As despesas relacionadas com as obras referidas em 29) a) a d), j), n) quanto à cozinha, q) e s) quanto às portas degradadas, bem como em 30), tiveram em vista manter as condições de funcionamento do espaço para a atividade da Ré.

37. As obras referidas em 29) e), f), i), k), l), m), n), o) r) destinaram-se ao crescimento do negócio proporcionando aos clientes da Ré melhores condições de atendimento e outro tipo de serviços.

38. Os melhoramentos resultantes das obras referidas em 29) q) já não existem e as identificadas em 29) d), h), j), k), l), m), p), s), t) foram realizadas em 1999/2000.

39. A Ré despendeu quantia que não foi possível apurar na aquisição de materiais de construção e mão de obra para a realização das obras identificadas em 29) e 30).

40. As obras referidas em 29) e 30) aumentaram a área do estabelecimento e valorizaram o imóvel no montante de € 122.655,97.

41. A valorização referida em 40) foi refletida na avaliação efetuada pela Autoridade Tributária, para efeitos do cálculo do Imposto Municipal sobre Imóveis, a qual, em 2013, fixou o valor patrimonial de € 404.871,34 para todo o prédio.

42. A Ré executou as obras sem se munir previamente de licença camarária para o efeito.

43. Após a legalização das obras de ampliação através do processo de licenciamento nº P-PC 66/2001 e a emissão do alvará de utilização nº 204/2013 de 13 de Novembro, em 24 de Maio de 2014, foi averbado no mesmo “... do prédio destinado a estabelecimento de Restauração e Bebidas”.

44. Em escrito com data de Outubro de 2010, o Autor AA, invocando a qualidade de cabeça de casal de LL, declarou: “autoriza o senhor DDD, proprietário do restaurante D. João a pedir o licenciamento do prédio devido às obras de construção civil e restauro que o mesmo fez no prédio sito na ... e por nós autorizadas”.

45. Na missiva identificada em 16), a Ré comunicou ainda: “contudo, acresce dizer que no âmbito do regime transitório relativo ao arrendamento em causa, estabelece-se um regime especial relativo a benfeitorias. No caso, porém, de o contrato ser denunciado pela arrendatária por não aceitar a atualização da renda ao abrigo das disposições dos artigos 31º, nº 3 d) e 51º nº 3 d) NRAU, estabelece-se que a arrendatária tem direito a uma “compensação” por obras licitamente feitas, independentemente do que tiver sido convencionado pelas partes em relação a essa matéria (art. 29º nº 2 e 3 NRAU). Conforme acima se referiu a arrendatária terá consequentemente direito ao reembolso das feitorias referidas. E ainda direito de retenção nos termos do art. 754º do Código Civil até que tais benfeitorias sejam pagas pelo cabeça de casal da senhoria. Direito esse que desde já se invoca até ao pagamento da quantia de € 153.703,69 a título de compensação pelas benfeitorias realizadas no local arrendado”.

46. A compensação referida em 45) não foi paga pelos Autores.


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III. 2. Do mérito do recurso


Analisemos, então, as questões suscitadas na revista.


1. Da qualificação das benfeitorias realizadas pela R é/Reconvinte no imóvel e respectiva compensação

Entendeu a sentença que as obras de ampliação, designadamente, a construção do anexo no espaço do logradouro do imóvel e de três garagens que demoliu, com a criação de uma nova estrutura formada de alicerces, colunas, vigas e placa de cobertura em betão, o seu uso para ampliação da cozinha, instalação da churrasqueira, criação de uma nova sala de restaurante e três novas casas de banho, a edificação de um andar sobre a zona das garagens, destinado a sala de eventos e aproveitamento de um terraço na laje de cobertura na área anteriormente correspondente ao logradouro, com acessos interior e exterior por escadas, com respetivos acabamentos, ou seja, instalação eléctrica, rede de água e saneamento, colocação de tijoleira e azulejos nos novos espaços, construção de chaminé para extração de fumo da churrasqueira e extrator de fumos na cozinha,  mármore nas escadas, tectos falsos, instalação de portas e respetivos aros nos novos espaços, forros em madeira pelo interior de 4 janelas e a substituição da montra em alumínio por portadas criando uma fachada envidraçada ao nível do ... (as quais veio a integrar no ponto 37 dos factos provados), constituem benfeitorias voluptuárias.

Mais considerou que de tais benfeitorias, consideradas voluptuárias, apenas os tectos falsos e as portas podem ser levantados sem provocar dano no prédio, pelo que as restantes despesas não são indemnizáveis.


A Relação veio alterar a decisão, condenando a herança a pagar à ré a indemnização que vier a liquidar-se em incidente de liquidação relativamente ao valor das benfeitorias necessárias [sendo estas as despesas relacionadas com as obras descritas em 29) a) a d), j), n) quanto à cozinha, q) e s) quanto às portas degradadas, bem como em 29 u) e 30] e ainda ao valor de todas as demais obras (que não foram incluídas nas referidas benfeitorias necessárias) e que estão descritas no ponto 35 da matéria de facto provada, a título de benfeitorias úteis (com excepção da referência às obras descritas nos pontos 31 e 32), condenando igualmente a pagar o valor que vier a ser liquidado em incidente de liquidação relativamente à benfeitoria útil identificada no ponto 29 v).


Ou seja, o Tribunal recorrido entendeu que as obras enunciadas no ponto 37 dos factos provados, bem como as demais ali não previstas nem descritas no ponto 36 mas que estão previstas nas restantes alíneas do ponto 29 da matéria de facto assente, devem ser consideradas úteis, visto que aumentaram o valor do imóvel, “revelando-se evidente que aumentaram a respectiva funcionalidade e nível de conforto, independentemente de nele continuar ou não a ser exercida a actividade que a ré ali exerce.”.


Diz-se, com efeito, no acórdão da Relação:

« face à matéria factual definitivamente assente nos autos resulta manifesto que, além das despesas efetuadas com as obras descritas na fundamentação de facto sob os pontos 36 e 29 u), apenas as despesas com reparação do telhado que a ré efetuou, substituindo telhas partidas e, em dezembro de 2011, vedando os caleiros, cumes e rufos que se encontravam em mau estado e causavam infiltrações no ... e no ... do prédio identificado em 6), tal como enunciadas no ponto 30 dos factos provados, serão essenciais para evitar o detrimento da coisa ou para evitar a perda de qualidades essenciais do imóvel, merecendo, por isso, a respetiva qualificação como benfeitorias necessárias, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 216.º do CC.

Neste enquadramento, atendendo exclusivamente à essencialidade das obras para garantir a conservação do próprio imóvel, resulta inequívoco do quadro factual enunciado nos autos que as restantes despesas/obras enunciadas no ponto 37 dos factos provados, bem como as demais ali não previstas nem descritas no ponto 36 mas que estão previstas nas restantes alíneas do ponto 29 da matéria de facto assente, não podem ser classificadas como necessárias, posto que estão fora da função conservatória que as normas dos n.ºs 1 e 3 do citado artigo 216.º do CC reservam para as benfeitorias necessárias[2].

Todavia, devem tais benfeitorias ser qualificadas como úteis, posto que aumentaram o valor do imóvel, revelando-se evidente que aumentaram a respetiva funcionalidade e nível de conforto, independentemente de nele continuar ou não a ser exercida a atividade que a ré ali exerce. Aliás, tal resulta inequivocamente da matéria de facto dada como provada - cf. o ponto 40 dos factos provados - no sentido de que as obras referidas em 29) e 30) aumentaram a área do estabelecimento e valorizaram o imóvel no montante de 122.655,97, circunstância que afasta qualquer possibilidade de consideração de tais despesas como voluptuárias.

Procedem, assim, nesta parte, ainda que parcialmente, as correspondentes conclusões da apelação, devendo as demais benfeitorias que o Tribunal a quo classificou como benfeitorias voluptuárias ser qualificadas como benfeitorias úteis.»[3].


Não vemos como não dar razão, neste segmento, à Relação.


Segundo o art. 216º n.º 1 do CCiv, benfeitorias são todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

Estão em causa despesas naturais ou materiais, ou seja, que se concretizam em actos materiais de obra na coisa beneficiada, “razão por que os impostos, os juros, as amortizações, os prémios de seguro, apesar de despesas destinadas a evitar a perda ou deterioração da coisa, e, nessa medida, se aparentarem com as benfeitorias necessárias (cf. 1ª parte, do n. ° 3 do referido artº. 216. °), não merecem tal qualificativo, ...”[4].

Podem ser (n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo):

- necessárias – as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa;

- úteis – as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor;

- voluptuárias – as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.


Neste quadro classificativo, parece-nos claro que as apontadas benfeitorias (de cuja classificação divergiram as instâncias) se devem qualificar como úteis, pois que se não pode dizer-se serem indispensáveis para a conservação da coisa, aumentaram-lhe, porém, o valor.

Efectivamente se não pode dizer-se que as apontadas benfeitorias (que, como dito, a sentença reputou de voluptuárias) podem qualificar-se como necessárias, pois não têm (ou tiveram) por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa (artº 216º, nº3 CC), parece evidente, também, que, não sendo embora indispensáveis para sua conservação, “lhe aumentam, todavia, o valor” (cit. nº3), sendo que de forma alguma se nos afigura poder dizer-se com justeza que se trata de benfeitorias que mais não serviram para recreio do benfeitorizante (ut o mesmo nº 3, fine).


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A este propósito, ensinava MANUEL DE ANDRADE, ainda no domínio do CC de 1867 mas com aplicação ao regime actual, que o aumento de valor, para efeito de qualificação de benfeitorias úteis, se reporta ao valor objectivo ou venal da coisa, também designado por valor comum ou real, sendo que o aumento de valor subjectivo, que represente apenas ornatos ou embelezamento de modo a tornar a coisa mais aprazível, conforme as preferências do possuidor, ou mesmo vantagens particulares, ainda que de ordem patrimonial, não relevam como benfeitorias úteis mas como benfeitorias voluptuárias[5].

Ou seja, o que aqui releva particularmente – até porque, também aqui, divergem as partes – é um critério objectivo, no sentido de se tratar de despesas que se destinaram a conservar ou melhorar a coisa – e que a conservaram ou melhoraram, parece evidente, dessa forma tendo aumentado o valor da coisa beneficiada.

Também nesta linha, o Ac. do STJ de 30.04.2019[6]: “As definições que emergem do art. 216º têm subjacente um critério de essencialidade ou utilidade das benfeitorias para a coisa, em si mesma, ou seja, independentemente do específico fim a que possa estar temporariamente afetada.”.

Isto é, o que importa é saber se se trata de benfeitorias que se tornaram essenciais para a coisa (para o fim a que esta se destinou e/ou destina) ou simplesmente úteis, num critério objectivo, à margem do fim específico a que a coisa se destina ou a que, temporariamente, está afectada.

Ainda sobre a distinção entre benfeitorias necessárias e úteis (e no sentido aqui seguido), atente-se nas (sempre actuais) palavras de CUNHA GONÇALVES[7]:

«(…) benfeitorias necessárias são as “despesas indispensáveis para a conservação da cousa (…), isto é, para manter íntegra a cousa na sua função económica normal e cuja omissão importaria, ou a destruição, ou a deterioração da cousa ou do seu estado de utilização. São as “reparações ordinárias e extraordinárias” (…), tais como consertos dos telhados, caiações ou pinturas das paredes exteriores e das portas e janelas, reposição dos vidros partidos, restauração dos muros parcialmente caídos, etc. Benfeitorias necessárias podem ser também obras novas, como a construção de sebes, valados e muros, a colocação de marcos divisórios, se forem indispensáveis para a conservação da integridade da cousa; ao passo que simples reparações, quando dispensáveis, não serão benfeitorias necessárias.

Benfeitorias úteis (…) são aquelas que, não sendo indispensáveis para a conservação da cousa, lhe aumentam todavia o valor. São os melhoramentos (…); e a maior valorização pode realizar-se com ou sem aumento de rendimento. Em geral, são benfeitorias úteis as novas construções, as novas plantações, as inovações ao modo de desfrutar a cousa, as aberturas de poços e fontes, etc.»[8].

Ou, ainda, no ensinamento de OLIVEIRA ASCENSÃO[9]:

«As benfeitorias estão ligadas ao poder jurídico de transformação, que é um dos aspectos do gozo. São melhoramentos de uma coisa, portanto alterações nela realizadas com o fim de a beneficiar.

Consoante o benefício efectivamente obtido distinguem-se em necessárias, úteis e voluptuárias (art.º 216.º/2 e 3). São necessárias as que evitam o detrimento da coisa; úteis as que aumentam a potencialidade de gozo desta (…).»[10].


Para maiores desenvolvimentos sobre a qualificação/distinção das benfeitorias (maxime necessárias ou úteis - também em sintonia com o entendimento aqui seguido), ver, ainda (com vastas e pertinentes referências doutrinais - na circunstância, feitas por arrendatário em prédio rústico destinado a exploração agro-pecuária), o Ac. do STJ de 19.12.2018, proc. 214/14.6T8BJA.E1.S2 (TOMÉ GOMES)[11]


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Em suma, sendo, como são, as benfeitorias, aqui em questão, úteis para a coisa, em si mesma, tendo aumentado o valor objectivo ou venal da coisa (prédio), é claro que bem andou a Relação em classificá-las como benfeitorias úteis (e não voluptuárias, como entendeu a 1ª instância).

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no que tange à indemnização/compensação devida ao autor das benfeitorias (úteis – pois assim as classificámos e é destas que falamos), temos que: assiste-lhe o direito ao seu levantamento desde que tal seja possível sem causar dano à coisa; não sendo possível o levantamento sem esse dano, tem direito a ser indemnizado em valor correspondente ao resultante da aplicação das regras do enriquecimento sem causa (cit. artº 1273º, nº 1 e 2 CC).

A sentença afastou o direito indemnizatório da Ré pelas apontadas benfeitorias que fez no prédio, já que as considerou voluptuárias. Mal, porém, pois, como vimos, devem qualificar-se de úteis, com o consequente direito da Ré à compensação nos termos previstos na lei.

Como dito, o direito indemnizatório, nos sobreditos termos, depende da verificação de um pressuposto: ser impossível separá-las ou levantá-las, por, inevitavelmente, tal acarretar detrimento para a coisa benfeitorizada (pois, se o seu autor as puder levantar sem qualquer dano para a coisa, pode levar a cabo tal levantamento, obviamente, então, sem haver lugar à indemnização – senão, ficaria com as benfeitorias e ainda com um valor indemnizatório equivalente ao das mesmas!).


Decorre deste regime – neste sentido se pronunciando claramente a doutrina e jurisprudência[12] – que é ao possuidor que incumbe alegar e provar a impossibilidade de levantamento por o mesmo causar detrimento da coisa; isto é, quem formula o pedido de indemnização pelas benfeitorias úteis é que terá de alegar e provar factos que permitam concluir que elas não podem ser levantadas sem detrimento da coisa.

Esta regra está, aliás, de acordo com o critério do ónus da prova definido no art. 342º n.º 1, pois constitui facto constitutivo do direito a impossibilidade de levantamento sem detrimento da coisa (parece que já assim não será no caso de ser pedido o levantamento das benfeitorias: será então ao dono da coisa que cabe invocar o dano, como meio de oposição ao levantamento (circunstância impeditiva), com o consequente reconhecimento do direito a indemnização[13]).


Uma outra nota a não esquecer: o detrimento a que pode dar lugar o levantamento das benfeitorias úteis não se refere a estas, mas, sim, à coisa benfeitorizada. Daí que, independentemente da situação subjectiva do possuidor, seja juridicamente irrelevante que do levantamento das benfeitorias resulte o detrimento destas[14]-[15].


Atento o explanado, como bem remata o acórdão, «resta concluir que a apelante tem direito a ser indemnizada também pelo valor das despesas que deram origem às benfeitorias que se consideram úteis e que não podem ser levantadas sem a respetiva demolição e danificação do imóvel, ou seja, para além de ter direito a ser indemnizada pelo valor das benfeitorias que receberam a classificação de necessárias [sendo estas as despesas relacionadas com as obras descritas em 29) a) a d), j), n) quanto à cozinha, q) e s) quanto às portas degradadas, bem como em 29 u) e 30] tem ainda direito a ser indemnizada pelo valor de todas as demais obras (que não foram incluídas nas referidas benfeitorias necessárias) e que estão descritas no ponto 35 da matéria de facto provada, estas a título de benfeitorias úteis (com exceção ainda da referência às obras descritas nos pontos 31 e 32)”.


**


Discordando deste entendimento, observam os recorrentes que as obras feitas pela Ré (então, na qualidade de arrendatária) visaram tão só aumentar as potencialidades do gozo do locado – nomeadamente em termos de aumento de comodidades, do seu conforto -, o que sempre configuraria uma situação de benfeitoria voluptuária.

E entendem assim, na medida em que (dizem):

1. “os Autores não estão vinculados a arrendar/vender o locado única e exclusivamente para a atividade exploratória de restaurante, bar, café, snack-bar, podendo a afetação do locado ser alterada para outros ramos de comércio e indústria. Assim sendo, as utilidades emergentes das obras efetuadas pela Ré, não trazem qualquer benefício e, podem até constituir um entrave para futuro arrendamento e/ou venda do locado, que tenha como afetação outro tipo de serviços”.

2. Não há lugar a indemnização do autor das benfeitorias úteis, na medida em que os AA se não opuseram, nem opõem ao seu levantamento. E só opondo-se, alegando que o mesmo causaria dano à coisa, tal ressarcimento da Ré poderia ter lugar.

3. As obras feitas pela Ré são ilícitas, na medida em que a Ré as levou a cabo sem estar munida da necessária licença camarária. Como tal, tais obras não são passíveis de serem ressarcidas.

4. Não houve autorização do senhorio a autorizar o licenciamento do prédio para as obras. Para além de que a Ré, relativamente aos demais herdeiros, é possuidora de má fé.


Não vemos que lhes assista razão, salvo o devido respeito:

§ Parece-nos mais que evidente que as obras, pela sua natureza e dimensão, conservaram, aumentaram e valorizaram imenso o imóvel (cfr., v.g., os factos provados sob os nºs 29, 35 e 40). Pelo que se trata de uma valorização que vai muito para além do locado em si mesmo, da concreta actividade que nele a Ré vem exercendo.

São, no essencial, obras estruturais, que não apenas aumentaram em muito a área do prédio, como lhe propiciaram mesmo novas e relevantes potencialidades e comodidades. Tudo em benefício dos AA, pois ficam a dispor de um prédio que a Ré em muito valorizou, valorização essa que seguramente se vai reflectir numa futura utilização, seja por eles, seja por outrem (e seja para comércio ou para serviços), ou venda.

Aliás, bem ilustrativo disso mesmo está – como bem anota a recorrida – o facto de a autoridade tributária ter aumentado em muito o valor patrimonial do imóvel!


Portanto, o benefício trazido pelas obras é evidente, não podendo deixar de ser consideradas benfeitorias úteis e, como tal, indemnizáveis. Como bem refere o Ac. do STJ de 30.04.2019[16], “As obras realizadas pelos autores, descritas nos pontos 17 e 18 da matéria de facto provada criação de duas instalações sanitárias para os utentes com separação de sexos; criação de uma instalação sanitária para o pessoal; criação de vestiário para o pessoal junto do acesso de serviço; criação da despensa do dia em espaço autónomo, junto à zona de atendimento; criação de copa contígua à zona de atendimento; criação de zona de armazenagem; instalação de frigoríficos na contiguidade da copa, segundo as normais regras de experiência, serão, sem dúvida, fundamentais para a prossecução do fim que os autores desenvolvem no imóvel.

Todavia, do ponto de vista da sua essencialidade para a integralidade do próprio imóvel elas não podem ser vistas como necessárias, mas sim como úteis, dado que aumentam a funcionalidade e o nível de conforto do imóvel, mesmo que nele deixe de ser exercida a atividade que os autores aí exercem.".


Este entendimento até é, aliás, reforçado pela perícia levada a cabo nos autos, pela qual se vê que as obras aumentaram a área do prédio: de uma área inicial com 173,86 m2, o estabelecimento passou a ter uma área total de 705,09 m2!


Ainda para ilustrar a essência do que sejam benfeitorias úteis, veja-se o exemplo carreado aos autos pela recorrida, de construção de uma simples piscina, e que é bem expressivo: considerou o STJ[17] que “"A construção de uma piscina é, claramente uma benfeitoria útil na medida em que o prédio com a piscina é seguramente mais valioso do que sem a mesma –, que não pode dele ser retirada sem detrimento do prédio, uma vez que transparece dos autos que a mesma está incorporada no solo.".


§ Não parece fazer qualquer sentido outro dos argumentos plasmados pelos Recorrentes: que a Ré não tem direito a ser ressarcida das benfeitorias (úteis) que levou a cabo no prédio, porque (dizem) tal compensação só poderia ocorrer caso os AA se opusessem ao seu levantamento, o que não aconteceu (a tal não se puseram).


O ressarcimento ou indemnização das benfeitorias está ligado à sua classificação. Pelo que basta que sejam classificadas como úteis para que sejam indemnizáveis em conformidade com as regras do enriquecimento sem causa, quando o levantamento cause detrimento da coisa (artº 1273º, nº 2 do CC).

Portanto, quer o dono da coisa autorize ou não o seu levantamento, o direito dos benfeitorizantes a serem ressarcidos, nos sobreditos termos, existe sempre. Como não podia deixar de ser: seria, até, abusivo que se negasse o direito a indemnização quando as benfeitorias não pudessem ser levantadas sem detrimento da coisa só porque o proprietário fez “declaração” de que se não opunha a tal levantamento – quando sabia que o dano com o levantamento era uma realidade e que por isso mesmo as benfeitorias não podiam ser levantadas!

Ou seja, os AA sabem que o levantamento das benfeitorias não é possível, pois levaria à demolição quase total do prédio. E sabem, também, que no geral se trata de obras que em muito beneficiaram o prédio, aumentando-lhe muito significativamente a área, as funcionalidades e (também em muito) o respectivo valor. Só que, na sua ótica, para beneficiar desses melhoramentos sem ter de ressarcir um cêntimo que fosse à Ré, bastaria dizer que…se não opõe ao levantamento…daquilo, repete-se, que não pode ser levantado!

De forma alguma se corrobora a sua “tese”.


§ Quanto à alegada ilicitude das obras, sob alegação ou fundamento da falta de prévia licença camarária e, outrossim, da insuficiência da autorização dada para as mesmas pela LL e, depois, pelo cabeça de casal AA, entendemos que também aqui falta a razão aos Recorrentes.


Ao abrigo do previsto na Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, que instituiu o Novo Regime do Arredamento Urbano, o Autor AA, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de LL, por comunicação de 24 de Março de 2015, deu a saber à Ré o pretendido aumento da renda (esta que era de € 584 mensais, passaria, conforme tal comunicação, para € 2.500 por mês, a partir de Junho de 2015), tendo a Ré, por missiva de 23 de Abril de 2015, exercido a faculdade prevista no artigo 51º nº 3 alínea d) do referido diploma legal, ou seja, fez saber que denunciava o contrato de arrendamento com produção de efeitos em dois meses a contar da recepção da comunicação pela herança[18].

Ora, tendo optado pela denúncia do contrato de arrendamento, rege, então, o artº 29º do NRAU (ut nº3), que contém um regime transitório, designadamente, para contratos não habitacionais celebrados antes do DL nº 257/95 de 30 de Setembro, que a denúncia do contrato de arrendamento, ao abrigo da faculdade concedida pelo artigo 51º nº 3 alínea d) confere ao arrendatário o direito a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé, independentemente do estipulado no contrato de arrendamento e ainda que as obras não tenham sido autorizadas pelo senhorio.

Ou seja, e no que ora importa, o direito a indemnização que a lei prevê para as benfeitorias úteis é independente da postura do proprietário do prédio, existindo, quer se oponha quer não se oponha ao seu levantamento e independentemente do que tenha sido estipulado no contrato de arrendamento celebrado inter partes relativamente a obras no arrendado.


E a alegação dos Recorrentes relativamente à ilicitude das obras/benfeitorias (por levadas a cabo pela Ré sem estar munida da necessária licença camarária e daí sustentando que tais obras não são passíveis de serem ressarcidas) também não vinga.

É certo que o citado artº 29º do NRAU, a propósito da compensação ao arrendatário em caso de denúncia por este do contrato de arrendamento ao abrigo do estatuído no artº 51º nº 3 a. d) do mesmo diploma, fala em compensação por obras licitamente feitas.

Porém, não se alveja que dos factos provados se possa extrair pela licitude nos termos e com as consequências que daí prendem extrair os recorrentes.

Sobre o que deve entender-se por obras licitamente feitas, discorreu assim a sentença, a nosso ver bem.

Escreveu-se ali: «Como vimos anteriormente, a compensação prevista no artigo 29º nº 3 não depende da prévia autorização do senhorio para a realização das obras, pelo que a expressão “obra licitamente feita” não pode ser entendida como sinónimo de “obra autorizada”, admitindo-se, no entanto, que possa ser equivalente a “obra aceite”. Nesse contexto, o ...[19], numa situação de inexistência de autorização escrita para as obras, chama a atenção que os senhorios não alegaram oposição às obras realizadas e, invocando o circunstancialismo do desenvolvimento da relação contratual e os princípios da boa fé, concluiu pela sua aceitação.

No nosso caso, entre 1997 e 2004, faseadamente, a Ré:

a) substituiu a tijoleira existente na sala do restaurante que se encontrava desgastada e com rachadelas;

b) colocou tijoleira na cozinha que tinha o pavimento em cimento, desgastado e com remendos;

c) substituiu azulejos das paredes da cozinha, que se encontravam danificadas;

d) substituiu as janelas em madeira, que se encontravam degradadas, por outras em caixilharia de alumínio;

e) construiu um anexo no espaço do logradouro do imóvel e de três garagens que demoliu, com alicerces, colunas, vigas e placa de cobertura em betão;

f) ampliou a cozinha que era pequena e antiquada, instalou a churrasqueira, que antes era uma estrutura improvisada instalada no exterior e criou uma nova sala de restaurante e três novas casas de banho no espaço referido em e);

g) colocou uma chaminé para extração de fumos da churrasqueira e instalou um extrator de fumos da cozinha na parede do prédio;

h) colocou tijoleira no pavimento das divisões referidas em f) e azulejos nas casas de banho e na cozinha;

i) sobre a placa de cobertura da área correspondente às anteriores garagens construiu um andar, assim como um terraço no restante espaço, sendo este usado pelos apartamentos situados ao nível do ..., cujas cozinhas por ali têm acesso através de uma escadaria revestida em mármore construída em substituição da que se encontrava junto ao edifício antes da construção do anexo;

j) remodelou casa de banho já existente com novos sanitários, tijoleiras e azulejos porque os anteriores estavam danificados pelo uso;

k) instalou uma sala de eventos no andar referido em i), com tijoleira no pavimento;

l) criou um lambrim em azulejo nas salas do restaurante, com cerca de 1 metro de altura e cerca de 1,5 m, respetivamente, situadas no ... e correspondente à sala de eventos;

m) colocou tetos falsos em placa de gesso nas salas do restaurante para isolamento acústico e tapar a instalação elétrica;

n) dotou as novas divisões de instalação elétrica e substituiu a das divisões existentes que era antiga e exterior no que diz respeito às tomadas da cozinha;

o) dotou as novas casas de banho e a cozinha de rede de água e esgoto; p) dotou as casas de banho de lavatórios, bidé e sanita;

q) substituiu a montra do restaurante, em madeira, que estava danificada e permitia a entrada de humidade e frio, por uma idêntica estrutura em caixilharia de alumínio;

r) em 2004 substituiu a segunda montra referida em q) por portadas criando uma fachada envidraçada ao nível do ...;

s) substituiu as portas interiores do estabelecimento, que se encontravam degradadas e colocou outras, com os respetivos aros, nos novos espaços que criou;

t) colocou forros em madeira pelo interior de 4 janelas;

u) fez a ligação das fossas existentes no acesso lateral direito do prédio à rede de saneamento camarário;

v) colocou betonilha afagada nas laterais do prédio destinadas ao acesso pedonal (a da direita) e de viaturas (a da esquerda);

x) reparou o telhado, substituindo telhas partidas e, mais tarde, em 2011, vedou os caleiros, cumes e rufos que se encontravam em mau estado e causavam infiltrações no ... do prédio.

Os descritos trabalhos, com exceção dos realizados em 2011, decorreram à vista e com conhecimento da progenitora dos Autores, bem como dos demandantes GG e HH, pois viviam no apartamento situado no ... do imóvel e, inclusivamente, beneficiaram do aumento do varandim situado nas traseiras, que ficou transformado em terraço após a ampliação, bem como da reconstrução da garagem onde o terceiro instalou uma oficina.

Por outro lado, no âmbito das diligências com vista à legalização das obras pela ..., por terem decorrido sem prévio nem contemporâneo licenciamento, as quais culminaram na emissão do alvará de utilização nº 204/2013 de 13 de Novembro, em Outubro 2010 o Autor AA, enquanto cabeça de casal da herança aberta por óbito de LL, assinou declaração onde consta autorizar o gerente da Ré a pedir “o licenciamento do imóvel do prédio devido às obras de construção civil e restauro que o mesmo fez no prédio sito na ... e por nós autorizadas”.

Esta declaração, atento o contexto e a finalidade mencionada, não pode ser encarada como uma verdadeira autorização, dado que não foi contemporânea das obras, significando, antes, cooperação na legalização e, igualmente, aceitação da sua realização, dando azo a que concluamos pela licitude dos trabalhos realizados no locado pela Reconvinte.

Dir-se-á, também, que a realização das obras sem a competente licença de construção não conduzirá inevitavelmente à conclusão pela ilicitude das obras desde que no momento da invocação do crédito se encontrem legalizadas.»[20].

Concorda-se inteiramente.


Assim, virem os AA alegar ilicitude das obras para se escusarem ao pagamento da compensação prevista na lei, afigura-se-nos nada abonatório, atenta a factualidade que os autos ostentam.

Bastará atentar que: se trata de benfeitorias realizadas à vista e com o conhecimento dos herdeiros (ponto 32. dos factos provados) e que os Autores GG e HH delas beneficiaram (ponto 33. e 34. dos factos provados); os Autores nunca a tal se opuseram, apesar delas bem saberem; os senhorios autorizaram as mesmas (cfr. facto provado 44, quanto ao cabeça de casal AA); o licenciamento das obras veio mesmo a acontecer (como reza o facto provado nº 43).


Tem, assim, a Ré direito a ser ressarcida das benfeitorias uteis que fez no prédio, acima elencadas, nos termos sustentados no acórdão recorrido, sendo que a Ré alegou e provou (como lhe era imposto pelas regras do ónus da prova) os pertinentes factos para a sua classificação em tal categoria.


Improcede, assim, esta questão.


2. Da indemnização/compensação pela actuação da Ré/Reconvinte depois de extinto o contrato de arrendamento relativamente ao imóvel


Insurgem-se os Autores/Recorrentes contra o facto de o acórdão recorrido, diferentemente do que fez a sentença, ter remetido para posterior incidente de liquidação em execução de sentença a indemnização correspondente à obrigação de restituição de tudo quanto tenha sido obtido pela ré à custa dos autores, pela continuidade do exercício de actividade lucrativa em violação do direito de propriedade, de acordo com as regras que disciplinam o enriquecimento sem causa, porquanto considerou que os elementos de facto apurados se revelavam insuficientes para a sua quantificação nesse momento, mesmo com recurso à equidade.

Sustentam os recorrentes que deveria ter-se mantido a decisão da 1ª instância, pois entendem que existem elementos suficientes para, com recurso à equidade, se poder fixar um valor concreto, no que respeita ao benefício ilegítimo da Ré, à custa da utilização e exploração que vem fazendo do imóvel pertencente aos autores.


Na sentença foi a Ré condenada (al. d) do dispositivo) a indemnizar a herança identificada em a) na quantia mensal de € 1.500, a título de danos patrimoniais pelo exercício de atividade lucrativa em violação do direito de propriedade na parte do prédio identificada nos pontos 11) e 22) da fundamentação de facto, desde 29 de Julho de 2015 até à cessação da utilização identificada em b).

Para chegar a tal desiderato, escreveu-se na sentença:

“O enriquecimento da Ré corresponde ao valor de uma renda que teria de pagar para instalar o seu estabelecimento comercial num local com as características daquele que continua a fruir, ou seja, uma área de 705,09 m2, tendo por referência a situação do imóvel nas proximidades do centro da cidade de ... e da Estrada Nacional, em zona soalheira, residencial e de estabelecimentos comerciais e de ensino, com bons com acessos, local onde escasseiam imóveis do género para arrendar.

Por seu turno, o empobrecimento da herança representada pelos Autores e Intervenientes tem de ser aferido em função dos rendimentos que poderiam colher caso tivessem a disponibilidade do ... e do uso a que pretendiam destiná-lo, designadamente, arrendá-lo ou vender o prédio onde se integra sem as limitações decorrentes de existir um terceiro a frui-lo exercendo ali uma atividade comercial, mas ponderando a existência de um ónus decorrente da existência de um direito real de garantia que conduz à indisponibilidade do espaço.

Ficou demonstrado que aquela área de 705,09 m2, ocupada pela Ré, pode ser arrendada para o desenvolvimento de atividade comercial pelo valor mensal de € 2.000 se se tratar de restauração e € 2.500, para instalação de estabelecimento de venda a retalho de artigos diversos, vulgo “loja dos chineses”.

Importa acrescentar que, de acordo com a missiva de 24 de Março de 2015, remetida pelo Autor cabeça de casal da herança de LL, não impugnada, antes da pretendida atualização da renda para € 2.500, a contrapartida mensal estava fixada em € 584.

Para nos socorrermos do critério plasmado no artigo 1.045º do Código Civil, precisa-mos de ter em consideração que a licitude da recusa de entrega da fração do imóvel fundada no direito de retenção tem como consequência arredar a mora da Ré, o que nos conduz ao valor singelo de € 584; por outro lado, o valor atualizado que a Ré teria de pagar para fruir daquele espaço na atividade de restauração ascende a € 2.000; em contrapartida, embora o empobrecimento dos Autores possa ascender a € 2.500, atenta a hipótese de celebração de um contrato de cedência temporária onerosa para comércio a retalho, precisamos de nos focar na perda de disponibilidade inerente ao direito de retenção.

Assim, o valor da indemnização pelo dano patrimonial sofrido pelos Autores pela fruição da Ré em violação do direito de propriedade daqueles, não poderá ser inferior à renda praticada até ao termo do contrato, € 584 nem superior ao valor locativo no mercado de arrendamento para a atividade de restauração, € 2.000.

Ponderando que foi a Ré, com as obras realizadas e aceites pelos Autores GG e marido HH e o cabeça de casal da herança, quem deu origem à valorização mas, também, que além da sua atividade tem permitido a fruição por terceiro na atividade de ensino, usando critérios de equidade, a indemnização deverá ascender a € 1.500 por mês ou fração, com início em 29 de Julho de 2015 e enquanto perdurar a fruição ou até à extinção do direito de retenção caso perdure até esse momento.».


Que dizer?

Como visto, a sentença sustentou o valor indemnizatório arbitrado, essencialmente, na prova que nessa instância havia sido feita do valor locativo do prédio: “… que aquela área de 705,09 m2, ocupada pela Ré, pode ser arrendada para o desenvolvimento de atividade comercial pelo valor mensal de € 2.000 se se tratar de restauração e € 2.500, para instalação de estabelecimento de venda a retalho de artigos diversos, vulgo “loja dos chineses”” (ponto 24 dos factos ali provados[21])


Porém, a Relação, na decisão da impugnação da matéria de facto, veio a alterar a resposta a esse ponto 24 dos factos provados, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:

"24. O espaço referido em 10) e 22) pode ser arrendado para o desenvolvimento de atividade comercial por valor mensal que não foi possível apurar.".


Questiona-se, então, se perante a alteração factual levada a cabo pela relação (nesse ponto 24), ficou inviabilizada a possibilidade de ser arbitrado a favor dos AA/Recorrentes um montante indemnizatório pela actuação da Ré/Reconvinte depois de extinto o contrato de arrendamento relativamente ao imóvel.

O mesmo é dizer se, perante aquela alteração da resposta ao ponto 24 dos factos provados na sentença, deixou de haver dados suficientes que permitam ao julgador fixar um montante indemnizatório, mesmo recorrendo à equidade, antes se lhe impondo que relegue para futuro incidente de liquidação a determinação dessa indemnização.


Ou seja, será que perante aquela alteração da matéria de facto pela Relação, deixou de haver, sequer, os limites de que fala VAZ SERRA[22] dentro dos quais seria possível fixar o valor dos danos?

Não nos parece.


Foram alegados pelos Autores, ora Recorrentes, factos relativos aos danos e respectivo montante indemnizatório, no segmento ora sob apreciação.

Apenas, e só, se não provou aquele valor locativo, preciso, do prédio, valor esse que se havia dado como provado na sentença e fora levado ao referido facto 24.

Ou seja, na primeira instância, porque oportunamente alegados e considerados relevantes para o mérito da demanda, os factos relativos aos valores possíveis de rendas para o estabelecimento em causa foram levados à produção de prova, designadamente sobre os mesmos tendo deposto a testemunha PP.

Acontece, porém, que a Relação, ao invés da primeira instância, entendeu não relevar esse depoimento na mesma medida em que o fez a 1ª instância.

Com efeito, tecendo o acórdão (cfr. pp 76 ss) considerações sobre o depoimento desta testemunha, rematou que a mesma “nunca confirmou que o estabelecimento em causa nos autos pudesse ser arrendado pelo valor de €2.000,00 mensais, duvidando mesmo da rentabilidade de um estabelecimento com uma renda dessa ordem face à procura existente na cidade de ..., ainda que admitindo que eventualmente o pudesse ser por valor superior aos €1.000 ou €1.500, mas sempre tendo por base uma área coberta de 900 m2.”. E concluiu que “a ponderação crítica do concreto meio de prova em referência, que o Tribunal a quo valorou como decisivo para dar como provada a concreta matéria agora impugnada pela apelante, não permite firmar um juízo de suficiente probabilidade da verificação das concretas circunstâncias vertidas no ponto 24 da matéria de facto provada, no que respeita aos concretos valores mensais dos arrendamentos de espaços destinados ao desenvolvimento das actividades comerciais ali enunciados, nem tais circunstâncias decorrem da análise dos restantes meios de prova produzidos ou juntos aos autos.”.

Por isso – ou com sustento nisso –, alterou a redacção daquele ponto 24 dos factos provados.

E por considerar inexistirem elementos factuais suficientes, entendeu a Relação que nem recorrendo à equidade tinha dados para fixar um montante indemnizatório a favor dos AA/Recorrentes.

Com efeito, escreveu-se, em jeito de remate, no acórdão:

"O enquadramento antes traçado implica, no âmbito do caso em apreciação, que se deva relegar para posterior incidente de liquidação em execução de sentença a indemnização correspondente à obrigação de restituição de tudo quanto tenha sido obtido pela à custa dos autores, de acordo com as regras que disciplinam o enriquecimento sem causa, porquanto os elementos de facto apurados revelam-se manifestamente insuficientes para a sua quantificação neste momento, mesmo com recurso à equidade - cf., designadamente, o que consta definitivamente assente quanto ao ponto 24 da matéria de facto provada.".


Não concordamos, neste segmento, com o aresto da Relação, ou seja, que se imponha relegar para posterior incidente de liquidação em execução de sentença a determinação da referida indemnização.

Vejamos.


Concorda-se que apelar às rendas praticadas nas “lojas dos chineses” não é argumento minimamente consistente e convincente, pois que, como também observa a Ré, trata-se de uma actividade “muito específica, que sofre de especulação dos valores das rendas e, por isso, muito afastado do valor locativo real dos imóveis”.


Já, porém, nos parece que, perante a factualidade que os autos ostentam, não faz sentido relegar-se para a liquidação em execução de sentença.

E por duas razões:

Primeiro, porque sobre o facto que, no essencial, se pretende provar, relativo à determinação do valor indemnizatório aqui em causa a arbitrar aos AA, já incidiu produção de prova. Só que tal factualidade não ficou provada.

Veja-se que a testemunha arrolada é ... (profissão que exerce) e, como tal, particularmente qualificado para se pronunciar sobre a matéria em causa. Só que entendeu a Relação não lhe dar o mesmo crédito que quem o arrolou entendia merecer.

Segundo, porque os autos (até) contêm elementos suficientes para, com a necessária segurança, se poder arbitrar a indemnização, mesmo com recurso à equidade.


Reza o art. 609º, nº 2 do C.P.C. (correspondente ao anterior art. 661º, nº 2 do C.P.C.), que se «não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida».

Por sua vez, dispõe o art. 566º, nº 3 do C.C., que, «se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados». Sendo que ao lesado incumbe o ónus de «alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação segundo um juízo de equidade. Cfr. acórdãos do S.T.J., de 4 de Junho de 1974, no B.M.J., nº 238, págs. 204 e segs., e da Relação de Lisboa, de 18 de Outubro de 1972, sumariado no mesmo Boletim, nº 220, pág. 204)»[23].

A dúvida põe-se, então: como articular estes dois normativos legais - um que relega a quantificação dos danos provados para uma fase posterior à da prolação da sentença final de mérito; outro que determina a quantificação imediata de tais danos com recurso à equidade?

Alegada e provada que esteja a existência dos danos, «o tribunal encontra-se perante esta situação: verificou que o réu deixou de cumprir determinada obrigação ou praticou certo facto ilícito; quer dizer, reconhece que tem de o condenar; mas o processo não lhe fornece elementos para determinar o objecto ou a quantidade da condenação. Em face destes factos, nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença».

Como tal, «a liquidação deve fazer-se no processo de declaração; só pode relegar-se para o processo de execução em última extremidade: quando, de todo em todo, seja impossível, por falta de elementos, efectuá-la no processo declarativo. É que a liquidação implica o exercício de actividade que, pela sua natureza, pertence, não à fase executiva, mas à fase declarativa (...).

Em harmonia com este pensamento há-de aplicar-se o art. 661º [do anterior C.P.C.]. O juiz não deve proferir condenação ilíquida por espírito de comodidade ou em obediência à lei do mínimo esforço; só fará uso dela quando o processo de declaração não lhe forneça os elementos indispensáveis para emitir condenação líquida»[24].


Ou seja, cremos que só não tendo sido alegados factos na acção declarativa quanto ao valor dos peticionados danos (danos esses igualmente alegados - e provados) ou, tendo-os alegados de forma insuficiente, tornou impossível nessa acção a sua quantificação de forma a emitir um juízo de condenação líquida sobre os mesmos, é que faz sentido deixar-se essa quantificação para ulterior liquidação. Pois que, tendo sido alegados os danos e bem assim a sua exacta quantificação e só por falência da prova ali carreada sobre os mesmos é que essa quantificação não foi efectivada, não se vê por que razão se deve avançar para essa ulterior liquidação, na qual se vai repetir a produção de prova já feita na anterior fase declarativa (e se pode dizer-se que na fase da liquidação poderá carrear prova adicional à que carreou na primeira frase, pode bem dizer-se que que não o tendo feito nessa primeira fase, sibi imputet, pois podia e deveria tê-lo ali feito, evitando perda de tempo e encargos adicionais adicionais, para o tribunal e para as partes).


Ou seja, se - como ocorreu no caso sub judice - foram alegados danos e bem assim o seu montante e, não obstante a falta de prova de alguns dos factos alegados (como ocorreu com o facto 24, alterado pela Relação), os restantes factos provados permitem a fixação de um valor indemnizatório, então não deve o tribunal perder mais tempo com mais e demoradas produções de prova, arbitrando, então, a indemnização que julgue equilibrada e ajustada aos factos que tenha por assentes nos autos. Isto é, deverá então o Tribunal julgar com recurso à equidade uma vez que não lhe é permitido «abster-se de julgar, alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio», conforme se dispõe no art. 8º, nº 1 do C.C..

Com efeito, tendo a parte previamente alegado os factos quantificadores dos danos invocados, tendo os mesmos sido objecto de prova em julgamento e não tenha logrado a sua demonstração, relegar o apuramento da sua exacta medida para liquidação de sentença é pactuar com morosidades indesejadas no desfecho da demanda, mais se não estando a fazer do que a conceder nova oportunidade de prova ao lesado[25], permitindo-lhe que repita a prova que já logrou fazer ou….acrescentar prova, sim, mas que podia e devia ter carreado na fase declarativa.


Provados os danos, «mas ainda não determinado o seu exacto montante, e fornecendo-lhe o sistema jurídico duas alternativas para se obter o desiderato desejado (art. 661º-2 do CPC e/ou o art. 566º-3 do CC), terá o intérprete a tarefa de procurar a solução mais plausível, adequada, equilibrada e justa, em cada caso que se lhe apresente, pois terá sempre de ter em conta que se o legislador consagrou as duas modalidades foi porque entendeu que nem sempre o direito ficava assegurado com apenas um desses instrumentos»[26].

Assim, «das duas uma: ou se verifica ser possível o apuramento em ulterior fase executiva, por, na acção, os factos pertinentes não terem sido objecto de controvérsia, mas não como consequência do fracasso da prova; ou, após toda a possibilidade alegação e prova, não se tenha alcançado uma conclusão segura, por se mostrar esgotada a possibilidade de recurso a outros elementos que precisariam o montante devido. Ali, proferir-se-á uma condenação a liquidar ulteriormente; na última hipótese, recorrer-se-á equidade, já que numa fase posterior nada mais se poderia esclarecer, antes só contribuindo para maior morosidade da justiça»[27].


Assim, percute-se que no caso presente foram alegados factos relativos ao quantum indemnizatório a arbitrar pela indevida ocupação do estabelecimento, pela Ré, após terminus do contrato de arrendamento, girando a determinação desse quantum à volta do valor locativo do estabelecimento.

Essa prova, porém, não lograram fazê-la os AA/Recorrentes, apesar de, designadamente, terem carreado prova, designadamente o referido...PP.

Temos, aqui, então, e desde logo, verificada a supra apontada situação de falta de apuramento do valor dos danos, não por não terem sido objecto de controvérsia, mas sim como consequência do fracasso da prova.

Mas temos muito mais: há no elenco dos factos provados prova bastante para, então, se seguir a segunda opção acima aludia, qual seja, fixar a indemnização por recurso à equidade.


Refere VAZ SERRA[28], que quando o artº. 566º., nº. 3, dispõe que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, deve o tribunal julgar equitativamente «dentro dos limites que tiver por provados», limita-se a acentuar que, se o tribunal tiver por provados limites do valor dos danos, deve a fixação judicial desse valor ser feita dentro de tais limites”, assentando esse normativo legal na consideração de que “podendo ser impossível a fixação do valor exacto dos danos a indemnizar, não deve esse facto excluir a efectivação do direito à indemnização, cometendo, assim, ao tribunal uma fixação equitativa em face das circunstâncias do caso concreto”.

E, em jeito de remate, acrescenta que “se, porém, o tribunal tiver por provados limites, dentro deles deverá efetuar a fixação do valor dos danos”.


Vejamos.

Se é certo que, perante a alteração pela relação do facto provado nº 24, deixou de constar no elenco factual probatório um valor preciso, exacto, do valor locativo do imóvel ocupado pela Ré, outros elementos factuais há, porém, alegados e provados, que nos permitem, com (pelo menos) razoável segurança e recorrendo à equidade, arbitrar um valor indemnizatório.

Assim, designadamente, os seguintes:

- O valor da renda praticada à data da cessação do contrato de arrendamento (com a denúncia operada pela Ré/arrendatária): € 584,00 (essa, portanto, a baliza mínima que deve ser considerada na determinação daquele valor locativo);

- Que o prédio “tem boas condições para o exercício do comércio ou serviços (facto 20), situando-se “nas proximidades do centro da cidade de ... e da Estrada Nacional, numa zona soalheira, residencial e de estabelecimentos comerciais e ensino, com bons com acessos” (facto 21);

- Que na zona onde se insere escasseiam imóveis do género para arrendar (facto 23);

- Que o valor patrimonial atribuído pela Autoridade Tributária para o espaço referido em 22) corresponde a € 235.324,10 (facto 25).


Dito isto:

A sentença fixou em 1.500,00/mês o valor de indemnizatório a pagar pela Ré aos AA, enquanto perdurar a fruição do estabelecimento, até à cessação da utilização.

Cremos que perante os factos provados, supra referidos, a indemnização arbitrada na sentença nem parece estar desajustada da realidade, bem conhecida, do mercado.

Porém, há outro elemento que nos permite determinar com mais precisão esse quantum indemnizatório mensal: precisamente o valor patrimonial atribuído pela Autoridade Tributária para esse espaço ocupado pela Ré, qual seja, € 235.324,10, em conjugação com o estatuído no NRAU (Lei nº 6/2006, de 27 de Dezembro - e subsequentes alterações) – aumento esse, acentuado, da Autoridade Tributária, precisamente, por reconhecer ou verificar as grandes potencialidades e comodidades do edifício (consequências, obviamente, em muito das benfeitorias levadas a cabo pela Ré, as quais, como referido, são, no essencial, obras estruturais, que não apenas aumentaram em muito a área do prédio, como lhe propiciaram essas relevantes potencialidades e comodidades. Tudo em benefício dos AA).


Com efeito, o artº 35º desse NRAU permite que, no período transitório para o esse regime, em certas circunstâncias, o senhorio possa exigir do inquilino uma renda de montante anual correspondente a 1/15 do VPT determinado pelas Finanças para esse espaço. O que significa que o valor que o senhorio (leia-se, os AA) podia exigir pelo arrendamento do espaço aqui em causa, ocupado pela ré, seria, no mínimo, de €1.307,35 (1/15 do aludido valor patrimonial tributário).

Assim sendo, e considerando que aquele “valor anual correspondente a 1/15 do valor do locado”, correspondente ao valor “valor atualizado da renda” (cit. artº 35º (nº2, al. a)), é,  precisamente, o “limite máximo” que ao senhorio é possível exigir, entende-se ajustado, e equitativo, fixar o valor indemnizatório mensal a cargo da Ré e a favor dos AA/Recorrentes, nesse mesmo montante de €1.307,35 (com início em 29 de Julho de 2015 e enquanto perdurar a fruição pela ré, até à cessação da utilização do prédio pertença dos AA).


Assim, procede esta questão.


Consequentemente, há-de ser julgado parcialmente procedente o recurso de revista interposto pelos Autores.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente: - Concede-se parcialmente a revista, alterando-se o decidido no Acórdão da Relação de ... no que tange à al. b) do seu dispositivo (cfr. pp 107-108 do acórdão), mantendo-se o disposto na al. d) do dispositivo da sentença (que a Relação revogara), salvo quanto à “quantia mensal” ali mencionada, a qual se fixa em €1.307,35.

- No mais, mantém-se o decidido pela Relação.


Custas da revista a cargo de Recorrentes e Recorridos, em partes iguais.


Lisboa, 30-11-2021


Fernando Baptista (Juiz Conselheiro Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto)

Abrantes Geraldes (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

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[1] Tendo a Relação decidido:
a) rejeitar a impugnação da decisão de facto quanto à alínea n) da matéria não provada, a qual se declara como não escrita;
b) rejeitar a impugnação da decisão de facto no que concerne às alíneas p) e q) dos factos não provados, por se revelar manifestamente inconsequente e inútil;
c) alterar os factos constantes dos pontos 13, 24, 30, 36 e 38 da matéria provada, dando-lhes nova redação.
[2] Cf., a propósito, o Ac. do STJ de 12-07-2011 (Relator: 3769/07.8TBVCD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Destaques nossos.
[4] QUINTINO SOARES, estudo sobre "Acessão e Benfeitorias", publicado na CJ-STJ, ano IV, Tomo 1 - 1996, p. 12.[5] Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. 1º, Coimbra, 1974, pag. 274-275.
[6] MARIA OLOINDA GARCIA, p. 9229/14.3T8LRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Tratado de Direito Civil, em comentário ao Código Civil Português, Vol. III, Coimbra Editora, 1931, pp. 622-623.
[8] Destaque nosso.
[9] In Direito Civil Reais, 5.ª Edição (reimpressão), Coimbra Editora, 2000, p. 109.
[10] Destaque nosso.
[11] Disponível em www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, CC Anotado, Vol. III, 2ª ed., 42; RODRIGUES BASTOS, Notas ao CC, Vol. V., 31; na jurisprudência, entre outros, os Acs. do STJ de 3.4.84, BMJ 336-420, de 26.2.92, BMJ 414-556, e ainda, em www.dgsi.pt, de 12-02-2013 (Maria dos Prazeres Beleza - p. 2138/06.1TJLSB.L1.S1)  de 29.5.79 (proc. n.º 067830), de 3.5.90 (proc. n.º 077854), de 23.4.2002 (proc. n.º 01A4298) e de 3.4.2003 (proc. n.º 03A663); acs. da RL de 20.7.78, CJ III, 4, 214, de 3-10-2017, p. 2647/15.1YLPRT.L1-1; de 28-02-2013, p. 2138/06.1TJLSB.L1-2.

[13] Cfr. Ac. do STJ de 27.4.99, BMJ 486-273.

[14] Neste sentido, PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Ibidem; citado Ac. desta Relação de 20.7.78.
[15] Obviamente que, tratando-se de prédio rústico dificilmente se concebe que o levantamento de benfeitorias úteis provoque detrimento do prédio. Neste caso, o levantamento implicará a destruição dos bens em que as benfeitorias se concretizam, mas, como se disse, o detrimento destas não tem relevância jurídica.
[16] Proc. 9229/14.3/8LRS,L1.S1.
[17] Ac. de 01.03.2012, proc. 689/09.5TBALM.L1.S1
[18] Tudo normal, portanto.

De facto, o artigo 50º do citado diploma, com a redação introduzida pelas Leis nº 31/2012 de 14 de Agosto e nº 79/2014 de 19 de Dezembro estatui que, no âmbito do arrendamentos para fins não habitacionais, a transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos, o valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana, com o prazo de resposta de 30 dias, com informação sobre o conteúdo possível da resposta, nos termos do nº 3 do artigo 51º, as circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta em conformidade com o nº 4 do artigo 51º, a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, de harmonia com o nº 6 do mesmo artigo, bem como as consequências da falta de resposta e/ou da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no citado nº 4, facultando cópia da caderneta predial urbana.

O artº 51º reza sobre as atitudes possíveis do arrendatário, perante aquela intenção do senhorio em aumentar a renda: aceita a renda proposta; opõe-se, ao valor da renda comunicada, propondo um novo valor, cabendo, então, ao senhorio, no prazo de trinta dias, a contar da recepção da proposta comunicar ao arrendatário se aceita ou não a proposta, valendo o silêncio como aceitação, ficando então o contrato submetido ao regime do NRAU a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao da recepção dessa comunicação pelo arrendatário ou do termo do referido prazo; ou denuncia o contrato de arrendamento, extinguindo-se, então, o contrato de arrendamento no prazo de dois meses a contar da recepção pelo senhorio da resposta, ficando, então, o arrendatário obrigado a desocupar o arrendado e entregá-lo ao senhorio no prazo de trinta dias (ut nº3, al. s) - e ainda arts. 53º e 34º, do referido diploma).
[19] In in http://www.dgsi.pt/jtrl processo nº 389.11.6TBVPV.L2-.8.
[20] Destaques nossos.

[21] Tinha, na sentença, a seguinte redação: “24. O espaço referido em 10) e 22) pode ser arrendado para o desenvolvimento de atividade comercial por valor mensal de 2.000, para restauração, e 2.500, para venda a retalho de artigos diversos, vulgo “loja dos chineses” [resposta ao artigo 22º da petição inicial].”.
[22] RLJ,  Ano 108º, pp 224 ss.

[23] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, em anotação ao artº 566º - destaques nossos.

[24] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Limitada, 1984, pp 70 -71. O destaque é nosso.

[25] Cfr. Ac. do Ac. STJ de 25.03.2003, CJSTJ, Ano XI, Tomo I, p. 140 a 143.
[26] Ac. do STJ, de 03.02.2009, Processo nº 08A3942.
[27] Ac. do STJ, de 17.06.2008, Processo nº 08A1700.
[28] Cit. RLJ, Ano 108, 224 ss.