Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
025755
Nº Convencional: JSTJ00008704
Relator: JOSE COIMBRA
Descritores: FALSAS DECLARAÇÕES A AUTORIDADE PUBLICA
REGISTO CIVIL
ESTADO CIVIL
ASSENTO
Nº do Documento: SJ194503230257553
Data do Acordão: 03/23/1945
Votação: MAIORIA COM 5 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 12-04-1945; BOMJ ANO 5,122
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECUROS PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1945
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/ESTADO.
Legislação Nacional:
CP886 ARTIGO 6 N2 ARTIGO 216 N3 ARTIGO 242.
DL 33725 DE 1944/06/21 ARTIGO 22 PAR1.
CPC39 ARTIGO 528.
DL 32637 DE 1943/01/22.
DL 27305 DE 1936/12/08.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1936/11/20 IN COL OF ANO35 PAG298.
Sumário :
Anteriormente ao Decreto-Lei n. 33725, de 21 de Junho de 1944, aquele que nas declarações prestadas ao funcionario de registo civil para obter o seu bilhete de identidade, se atibuisse, sendo solteiro, o estado de casado com pessoa certa e determinada, cometia o crime previsto e punido pelo artigo 242 do Codigo Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Do acordão de folhas 171, que, em confirmação do da Relação de Lisboa, a folhas 134, e do despacho de pronuncia, a folhas 69 verso, declarou incurso nas sanções do artigo 216, n. 3, do Codigo Penal, A, comerciante, de 41 anos, natural da freguesia de Monte Virgem, comarca de Redondo, por, em declarações prestadas na conservatoria do registo civil, para obtenção do seu bilhete de identidade, ter afirmado que era casado com B, quando, na realidade, era solteiro, interpos o mencionado arguido recurso para o tribunal pleno com o fundamento de que, sobre tal ponto de direito, se encontrava aquele acordão em oposição com o de 20 de Novembro de 1936, publicado na Colecção Oficial, ano 35, pagina 298, e com o de 15 de Dezembro do mesmo ano de 1936, registado a folhas 132 verso do competente livro, segundo os quais o facto atribuido ao recorrente não constituiria infracção penal.


Nas conclusões da sua alegação de folhas 202 afirma que esse facto não constitue o crime do artigo 216, n. 3, do Codigo Penal, nem o do artigo 242 do mesmo Codigo, devendo o conflito de jurisprudencia ser resolvido nessa conformidade.
Na alegação do douto representante do Ministerio Publico junto deste Supremo Tribunal sustenta-se a legalidade do acordão recorrido e conclue-se por dizer que "deve prevalecer a doutrina do acordão recorrido e lavrar-se assento que a estabilize".


Pelo acordão de folhas 196 foi reconhecida a existencia da invocada oposição de julgados, que efectivamente se verifica, cumprindo assim conhecer do objecto do recurso, muito embora a questão nele suscitada ter perdido o seu interesse geral, por se achar prevista e regulada em normas do recente decreto-lei n. 33725, de 21 de Junho de 1944.
Examine-se, porem, o problema em face da legislação anterior a este decreto-lei.
No artigo 216 do Codigo Penal preve-se e pune-se a falsificação de documentos autenticos.


Ora os documentos oficiais não fazem prova plena para alem do seu conteudo, que e formado pelos factos passados no acto da sua celebração e, assim, o recorrente, que nenhuma declaração fez no bilhete de identidade, não podia ter cometido o crime do artigo 216, n. 3, do Codigo Penal. O ja citado decreto-lei n. 33725, de 21 de Junho de 1944, ao incriminar, em seu artigo 22, factos identicos ao atribuido ao recorrente, fala de falsas declarações a autoridade publica ou a funcionario no exercicio de funções, patenteando assim que, em casos como o dos autos, se não trata de crime de falsificação de documentos. Alem disto o bilhete a que os autos se referem não teve por fim autenticar ou certificar o estado civil, mas simplesmente a identidade pessoal, que, nos termos do decreto-lei n. 27305, se estabelece por meio da dactiloscopia, sinaletica e antropometria e que, portanto, nada tem com o estado civil.
Mas, não se dando o crime de falsificação de documento, verificar-se-a o do artigo 242 do Codigo Penal? O recorrente para obter o seu bilhete de identidade era obrigado a fazer as declarações a que se refere o competente modelo anexo ao Codigo do Registo Civil, e entre elas figuram as relativas ao estado.


Ora o recorrente, que era solteiro, declarou-se casado com B, pessoa devidamente identificada nos autos.


Prestou assim falsas declarações, não so quanto a ele, mas tambem sobre facto relativo a outra pessoa, a mencionada B. E como tais declarações foram prestadas a autoridade publica - o competente funcionario do registo civil -, praticou o recorrente o crime previsto e punido no artigo 242 do Codigo Penal.


Revogam, pois, o acordão recorrido na parte em que classificou o facto atribuido ao recorrente como crime previsto e punido no artigo 216, n. 3, do Codigo Penal e dão assim, nesta parte, provimento ao recurso, mas para o efeito de tal facto ficar classificado como crime do artigo 242 do mesmo Codigo.
E estabelecem o seguinte assento:


Anteriormente ao decreto-lei n. 33725, de 21 de Junho de 1944, aquele que, nas declarações prestadas ao funcionario do registo civil para obter o seu bilhete de identidade, se atribuisse, sendo solteiro, o estado de casado com pessoa certa e determinada cometia o crime previsto e punido pelo artigo 242 do Codigo Penal.


Minimo do imposto de justiça pelo recorrente.


Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Março de 1945

Jose Coimbra - Luiz Osorio - Rocha Ferreira - M. Duque
- Pereira e Sousa - Heitor Martins - Magalhãis Barros -
- Baptista da Silva - Teixeira Direito (vencido. Não ha lugar ao assento por o facto não ser punido antes do decreto-lei n. 33725, não havendo assim que suscitar se o abrangia o artigo 216, n. 3, nem o artigo 242 do Codigo Penal) - Baptista Rodrigues (vencido. Entendo tambem que não havia crime) - F. Mendonça (vencido. Continuo a entender que o caso esta enquadrado no n. 3 do artigo 216 do Codigo Penal, mas a pena a aplicar e a do artigo 22 do decreto-lei n. 33725, de 21 Junho de 1944, em virtude do que dispõe o n. 2 do artigo 6 do mencionado Codigo.
O bilhete de identidade, atentas as disposições dos artigos 2422 do Codigo Civil e 528 do Codigo de Processo Civil, e um documento autentico, oficial, que constitue geralmente prova plena, e tem, portanto, a mesma fe que a escritura publica.


A identificação consta de um conjunto de elementos que tem por fim certificar a identidade do possuidor do bilhete; desses elementos faz parte o estado civil, cuja declaração e obrigatoria, como se ve do modelo anexo ao Codigo do Registo Civil e do disposto no decreto-lei n. 32637, de 22 de Janeiro de 1943.


O Estado tem interesse em possuir uma identificação civil que seja perfeita e conforme a verdade; as palavras do relatorio do decreto-lei n. 27305, de 8 de Dezembro de 1936, justificam plenamente esta asserção.
A declaração falsa não foi feita no proprio bilhete de identidade, mas o recorrente praticou-a conscientemente no impresso assinado por ele e apresentado ao conservador do registo civil, sabendo que essa falsidade ia ser transcrita no bilhete de identidade.


Bilhete de identidade e declaração constituem um todo unico, e como aquele merece a mesma fe que a escritura publica, tem necessariamente de dar-se a essa declaração igual fe.


No acto praticado pelo recorrente existem os seguintes elementos: a) Falsificação feita num escrito destinado a ser reproduzido num documento autentico, que tem a mesma fe que a escritura publica; b) Falsa declaração de um facto que o mesmo documento tem por fim certificar e autenticar; c) Possibilidade de prejuizo para o Estado ou terceira pessoa. Existe esta possibilidade para o Estado, não so por fraude a lei, mas tambem porque o Estado quer que os cidadãos prestem informações exactas a fim de que a identificação civil constitua um serviço perfeito e regular.
E ate se da possibilidade de prejuizo para terceira pessoa, visto B figurar como mulher do recorrente, quando o não era.


São estes os requisitos que a citada disposição legal exige para que alguem possa ser nela abrangido, e por isso não podia ser outra, a meu ver, a incriminação do recorrente) - Oliveira Pires (vencido. Tambem entendo que o recorrente, fazendo uma declaração falsa sobre o seu estado civil, com o fim de que tal falsidade constasse do bilhete de identidade que solicitava, cometeu o crime do artigo 216, n. 3, do Codigo Penal, como bem se ve na declaração de voto do Excelentissimo juiz Mendonça.
O artigo 242 do mesmo Codigo previne e pune a falsidade em declarações quando prestadas no cumprimento da obrigação a que se refere o mesmo artigo.
Pelo decreto-lei n. 33725, a falsidade em declarações sobre a identidade, estado ou outra qualidade, a que a lei atribua efeitos juridicos, e considerada infracção mais grave do que a do citado artigo 242, e ainda de maior gravidade se as declarações se destinam a ser exaradas em documento oficial - artigo 22 e seu paragrafo 1) - Miguel Crespo (vencido. Entendo que, antes da publicação do decreto-lei n. 33725, não era punida a falsa declaração prestada pelo requerente do bilhete de identidade sobre o seu estado civil no respectivo requerimento, porque não se trata de nenhum dos documentos enumerados no artigo 216, n. 3, do Codigo Penal, e respeita ao estado civil do proprio declarante, o que o excluia da sanção do artigo 242 do mesmo diploma).