Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2480/18.9T8ALM.L1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
AÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
UNIÃO DE FACTO
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
PETIÇÃO INICIAL
DESPACHO
REJEIÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / PETIÇÃO INICIAL / RECLAMAÇÃO E RECURSO DO NÃO RECEBIMENTO / RECURSOS / DECISÕES QUE ADMITEM RECURSO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 45;
- Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais – Anotado e Comentado, 2.ª edição, 2009, p. 234;
- Teixeira de Sousa, in Blog do Instituto Português de Processo Civil (IPPC), em anotação ao acórdão do STJ de 02-06-2015.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 559.º, N.º 2 E 629.º, N.º 2, ALÍNEA D).
PROTECÇÃO DAS UNIÕES DE FACTO, APROVADA PELA LEI N.º 7/2001, DE 11 DE MAIO: - ARTIGO 6.º, N.ºS 2 E 3.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGOS 11.º E 12.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 04-02-2010, PROCESSO N.º 1793/09.5TVLSB;
- DE 22-04-2010, PROCESSO N.º 5781/09.3TVLSB.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

- DE 26-01-2012, PROCESSO N.º 06230/10, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Na situação em apreço, e que tem origem no acórdão do Tribunal da Relação que manteve o despacho de rejeição da petição inicial, o pedido é unicamente a declaração da inexistência da situação de união de facto, que constitui o requisito indispensável ao direito de requerer a pensão de sobrevivência à CGA.

II - Assim, e não obstante intervir na acção uma instituição de segurança social, a verdade é que a apreciação do objecto do pedido (no âmbito da acção declarativa de simples apreciação, prevista nos n.os 2 e 3 do art. 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05) não passa pela aplicação da legislação sobre segurança social, justamente porque o que está em causa pertence ao domínio exclusivo do direito civil, não sendo de aplicar o disposto no art. 12.º, n.º 1, al. c), do RCP: por conseguinte, a taxa de justiça teria de ser calculada de acordo com a regra geral de fixação da base tributável, inscrita no art. 11.º do mesmo diploma legal.

Decisão Texto Integral:

PROC. N.º 2480/18.9T8ALM.L1.S2

            REL. 92[1]

                                                                       *

                       ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

A Caixa Geral de Aposentações, I.P., com sede na Rua Dr. Eduardo Neves, n.º 9, Lisboa, interpôs acção declarativa de simples apreciação, prevista no n.º 2, do artigo 6º da Lei n.º 7/2001, de 11/05, contra AA, residente na Rua ..., n.º …, …, ..., ..., pedindo a declaração de inexistência da união de facto invocada pela Ré enquanto fundamento para reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência, por óbito de BB.

Apresentada a petição inicial, a Sra. Oficial de Justiça lavrou e enviou ao Ilustre Mandatário do Autor a seguinte notificação:

“Assunto: Recusa da petição inicial - Artº 17.º da Portaria 280/2013, de 26 de agosto

Fica notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, da recusa da peça processual, considerando que não foi apresentado o comprovativo do pagamento da taxa de justiça na proporção de 50% do valor total à data da prática do ato ou da concessão do benefício de apoio judiciário, por força do artº 17.º da Portaria nº 280/2013 de 26 de agosto, sob pena de desentranhamento do acto processual e a consequente anulação, sem prejuízo, contudo, do benefício concedido ao autor no art.º 560º do CPC, de apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a alínea f) do 558.º do CPC.

Mais fica notificado de que do ato de recusa, cabe reclamação para o Juiz ou, querendo, no prazo de 10 dias, pode apresentar outra petição ou juntar o comprovativo da concessão do apoio judiciário ou do pagamento do remanescente da taxa de justiça - artº 560º do CPC (Lei 41/2013)

A Oficial de Justiça,

CC”.

Notificada a Autora, em 26.04.2018, apresentou o seguinte requerimento/resposta/reclamação:

“A Caixa Geral de Aposentações, notificada nos termos do artigo 560º do Código de Processo Civil, para, sob pena de recusa da peça processual por si apresentada, apresentar outra petição ou juntar documento comprovativo do pagamento prévio da taxa de justiça devida, vem juntar aos presentes autos comprovativo de ter efectuado o pagamento prévio da taxa de justiça devida.

Mais se informa que a Caixa Geral de Aposentações efectuou, como lhe competia fazer, o prévio pagamento da taxa de justiça devida, sendo que, por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais, o valor da auto-liquidação efectuada – € 51,00 – encontra-se correcto.

Tendo a CGA por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, reforma e sobrevivência e outras de natureza especial (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/2007, de 29 de Março), a auto-liquidação da taxa de justiça inicial por si devida é feita ao abrigo do disposto nas referidas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais”.

No dia 02.05.2018, foi proferido o seguinte despacho:

Reclama a ‘Caixa Geral de Aposentações’ da recusa da p.i. pela secretaria, porquanto entende que a taxa de justiça a pagar é a prevista no ponto 1.1. da Tabela 1-B, por força do disposto no artigo 12º, n.º 1, alíneas a) e b) do Regulamento das Custas Processuais, no valor de 51,00 € e cujo pagamento já comprovou.

Apreciando e decidindo:

A alínea a) do n.º 1 do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais, já declarada inconstitucional com FOG, e respeitante à impugnação judicial de decisões de apoio judicial não é, manifestamente, aplicável à situação dos autos, tendo em conta que se trata de uma ação declarativa sob a forma do processo comum.

Quanto à aplicabilidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 12º, esta tem vindo a ser entendida como respeitante aos processos ‘relativos a litígios entre elas (instituições de segurança social ou de providência social) e os seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros’ e que são da ‘competência dos tribunais do trabalho ou dos tribunais da ordem administrativa e tributária’ (in Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 2ª edição, página 234), ou seja, litígios aos quais seja aplicável legislação da segurança social.

Na presente ação de simples apreciação negativa, está em causa a existência ou inexistência de uma união de facto entre duas pessoas, cuja decisão implicará unicamente a aplicação de legislação de natureza civil.

Face ao exposto, entende o Tribunal que a presente ação, contra pessoa que não é beneficiária da Autora, e que não se circunscreve à aplicação de direito da segurança social não integra o conceito de contencioso das instituições da segurança social ou de providência social.

Assim, não sendo aplicável ao caso o artigo 12º, n.º 1, alínea b) do Regulamento das Custas Processuais, indefiro a reclamação e mantenho a recusa – artigo 559º do Código do Processo Civil.

Notifique e demais d.n”.

Tal despacho foi notificado à Autora mediante comunicação datada de 03.05.2018.

Inconformada, interpôs a Autora CGA recurso de apelação, mas o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou o decidido na 1ª instância.

Continuando inconformada, apresentou a Autora recurso de revista excepcional que a Formação não admitiu. No entanto, foi determinada a distribuição como revista normal.

As conclusões da revista são as seguintes:


1. O presente recurso é admissível nos termos do artigo da alínea a) do n° 1 do artigo 672° do Código de Processo Civil, uma vez que das decisões proferidas pelos Tribunais da Relação, que não conheçam do mérito da causa, pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal de Justiça quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito ou quando o acórdão recorrido esteja em contradição com outro, já transitado em julgado ou proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
2. À questão em apreço - saber se as instituições de segurança social, obrigadas nos termos do n° 2 do artigo 6o da Lei n° 23/2010, de 30 de Agosto, em caso de fundadas dúvidas sobre a existência de uma união de facto, a promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação, para efeitos de taxa de justiça, devem considerar a base tributável prevista na regra geral contida na Tabela I-A ou devem ter em conta o valor indicado na Tabela I-B por força do disposto no artigo 12°, n° 1, alínea c) do Regulamento das custas Judiciais -, deve ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça de modo a dissipar dúvidas sobre o regime legal que regula a situação em apreço.
3. Por outro lado, a existência de pelo menos dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa - o acórdão de 4 de Fevereiro de 2010 (processo n° 1793/09.5TVLSB) e o acórdão de 22 de Abril de 2010 (processo n° 5781/09.3TVLSB) -, que, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, decidiram de modo diferente, justifica também a pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça.
4. Decorre da alínea c) do n.° 1 do art.° 12.° do Regulamento das Custas Processuais que, nos processos de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social, para efeitos de determinar a base tributável, se atende ao valor indicado na 1.1 da tabela I-B.
5. Contrariamente ao que considerou o Tribunal da Relação de Lisboa, os processos de contencioso da segurança social não são apenas aqueles em cujos diferendos se pretende a aplicação de legislação sobre a segurança social, mas, também aqueles cujos litígios surgem da aplicação de legislação sobre segurança social.
6. Veja-se, neste sentido, o Acórdão do TCA Sul de 30.09.2010 proc. 06251/10, in www.dgsi.pt., nos termos do qual se incluem no conceito de processos de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social o conjunto de conflitos que surgem da aplicação de legislação sobre a segurança social.
7. Nas acções intentadas pelas instituições de segurança social nos termos do n.º 2 artigo 6º da Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, não obstante eventualmente se aplicar apenas legislação civil, a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, uma vez que se pede a declaração de inexistência de uma união de facto, o litígio resulta da aplicação de legislação sobre a segurança social, a saber, a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto, o Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, que define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social e os artigos 40º e 41º ao Decreto -Lei n.º 142/73, de 31 de Março, que aprovou o Estatuto das Pensões de Sobrevivência.
8. A união de facto é um facto constitutivo do direito à pensão de sobrevivência nos termos do artigo 40 e 41° do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, bem como no do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro.
9. No caso em apreço, o objecto do litígio submetido à apreciação judicial resulta de dúvidas sobre a existência de um facto constitutivo (a união de facto) do direito à pensão de sobrevivência. O litígio não só resulta da aplicação de legislação sobre a segurança social, como a sua apreciação judicial é imposta por um diploma que também integra a legislação sobre segurança social.
10. Pelo que, de acordo com o critério objectivo, aferido pela natureza da questão sub judice (conflitos que surjam da aplicação de legislação sobre a segurança social), e por referência a um critério subjectivo, atento o facto de a Caixa Geral de Aposentações ser uma instituição de segurança social, não restam dúvidas de que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a questão dos autos se subsume à expressão legal contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social ínsita no artigo 12º, n.º 1, alínea c) do Regulamento das Custas Judiciais.
11. O entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa - que sujeita as instituições de segurança social a suportar taxas de justiças muito mais elevadas em acções judiciais cuja interposição é legalmente imposta e cujo objectivo é dissipar dúvidas sobre um facto constitutivo do direito a uma pensão - penaliza, de modo injustificável, as instituições de segurança social.
12. No âmbito do anterior regime, a jurisprudência, de forma unitária, veja-se a título de exemplo o acórdão de 4 de Fevereiro de 2010 (processo n° 1793/09.5TVLSB) e o acórdão de 22 de Abril de 2010 (processo n° 5781/09.3TVLSB), ambos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa[2], sempre considerou que, nas acções judiciais intentadas pelos interessados contra as instituições de segurança social, se aplicava o disposto no artigo 12°, n° 1, alínea c) do Regulamento das Custas Judiciais.
13. Apesar de, no âmbito do regime actual, em caso de dúvidas sobre a existência da união de facto, serem as entidades responsáveis pelo pagamento das prestações a estar obrigadas a promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação, não se descortinam quaisquer fundamentos válidos que suportem a alteração de entendimento do Tribunal da Relação de lisboa sobre esta matéria.
14. A decisão recorrida deve ser revogada por ter violado o disposto no artigo 12°, n° 1, alínea c) do Regulamento das Custas Processuais.


A Ré não respondeu às alegações da revista.

                                                           *

Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente, a questão a decidir, caso se conclua pela admissibilidade da revista, é a de saber se é aplicável à presente acção a norma do artigo 12º, n.º 1, alínea c), do RCP. 


II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos que interessam à decisão do recurso são os que se mostram acima descritos.

O DIREITO


a) A admissibilidade da revista

Na origem da presente revista está o acórdão da Relação de Lisboa que manteve o despacho de rejeição da petição inicial. Neste, o Mmº Juiz havia considerado não ser aplicável à situação dos autos o disposto no artigo 12º, n.º 1, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais, confirmando, desse modo, o acto de recusa de recebimento da petição pela secretaria.

Segundo o disposto no n.º 2 do artigo 559º do CPC, do despacho que confirme o não recebimento cabe sempre recurso até à Relação, o que significa que, em princípio, não é admissível recurso de revista para o Supremo.

No entanto, há que contar com o artigo 629º, n.º 2, alínea d), norma onde se prevê que é admissível sempre recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal.

Conforme tem sido assinalado, esta alínea d) do n.º 2, do artigo 629º abre a “possibilidade de acesso ao terceiro grau de jurisdição em casos em que tal está vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o impedimento ao recurso não reside no facto de o valor da acção ou o da sucumbência ser inferior aos limites mínimos resultantes do n.º 1 do artigo 629º, mas noutro motivo de ordem legal”[3].

A propósito desta possibilidade de recurso para o STJ, escreve Teixeira de Sousa no Blog do Instituto Português de Processo Civil (IPPC), em anotação ao acórdão do STJ de 02.06.2015:

“O preceito não tem, de modo algum, o sentido de admitir a revista sempre que haja oposição entre dois acórdãos da Relação, ou seja, não permite a interposição da revista de qualquer acórdão da Relação que esteja em oposição com qualquer outro acórdão da Relação; pressuposto (aliás explícito) da aplicação daquele preceito é que a revista, que seria admissível pela conjugação do valor da causa com a alçada da Relação, não seja afinal admitida "por motivo estranho à alçada do tribunal", isto é, por um impedimento legal distinto do funcionamento da regra da alçada.
Quer dizer: o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC só é aplicável se houver uma exclusão legal da revista por um motivo que nada tenha a ver com a relação entre o valor da causa e a alçada do tribunal ou, mais em concreto, se a lei excluir a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria admissível.
A recorrente invoca, precisamente, a contradição entre o decidido no acórdão recorrido e o decidido nos acórdãos da Relação de Lisboa de 04.02.2010 (processo n.º 1793/09.5TVLSB) e de 22.04.2010 (processo n.º 5781/09.3TVLSB), todos eles incidindo sobre a mesma questão fundamental de direito no domínio da mesma legislação.
Se é verdade que a segunda destas decisões (a de 22.04.2010) não pode ser considerada para o efeito pretendido, uma vez que se trata de uma decisão singular do relator e não de um acórdão (v. fls. 94 a 96), não resta, por outro lado, a menor dúvida de que a primeira dessas decisões (o acórdão de 04.02.2010) seguiu rumo contrário ao acórdão recorrido, verificando-se, por isso, a invocada oposição de julgados, justificativa da admissibilidade do recurso de revista, à luz da referida alínea d) do n.º 2 do artigo 629º.

b) O mérito da revista
A regra geral de fixação da base tributável vem postulada no artigo 11º do Regulamento das Custas Processuais (RCP):

“A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo”.

Para aqueles casos em que não existem critérios, na lei processual, para a determinação do valor da causa ou para as causas em que seja impossível ou difícil a determinação do mesmo, o legislador construiu a norma do artigo 12º, sob a epígrafe “fixação do valor em casos especiais”, em que ficcionou a base tributária por reporte ao valor indicado na l. 1 da tabela i-B.

São vários os casos especiais previstos nas diversas alíneas do artigo 12º, mas, para o que aqui interessa, vamos ater-nos ao teor da primeira parte da alínea c), pois é aí que se concentra a controvérsia.

Nos termos desse segmento da alínea c), atende-se ao valor indicado na na l. 1 da tabela i-B nos processos de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social.

A questão está, pois, em saber se a presente acção pode ser caracterizada como integradora do conceito de “contencioso da CGA”. A primeira instância e a Relação de Lisboa disseram que não, mas o acórdão-fundamento (da mesma Relação), perante situação em tudo idêntica, respondeu afirmativamente.

Vejamos:

Esta é uma acção declarativa de simples apreciação, intentada pela CGA ao abrigo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 6º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, na redacção introduzida pela Lei 23/2010, de 30 de Agosto.

Eis o que aí se estabelece: 

2 - A entidade responsável pelo pagamento das prestações, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, pode solicitar meios de prova complementares, designadamente declaração emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos e do Notariado, I. P., onde se ateste que à data da morte os membros da união de facto tinham domicílio fiscal comum há mais de dois anos.

3 - Quando, na sequência das diligências previstas no número anterior, subsistam dúvidas, a entidade responsável pelo pagamento das prestações deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação.

           O que a Autora pede é que se declare a inexistência da união de facto invocada pela Ré, para, desse modo, ficar desobrigada do pagamento da pensão de sobrevivência por esta requerida.

           No acórdão-fundamento concluiu-se, como se disse, em sentido contrário ao acórdão recorrido, usando-se a seguinte argumentação:

            “Contencioso significa litígio, diferendo, conflito, logo, os processos de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social reconduzem-se ao conjunto de conflitos que surgem da aplicação de legislação sobre a segurança social.

          A Caixa Geral de Aposentações, I.P., é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado e tem por missão gerir o regime da segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e outras de natureza especial, tendo por atribuição, entre outras, assegurar a gestão e atribuição de pensões e prestações devidas no âmbito do regime de segurança social do sector público e de outras de natureza especial, nos termos da lei – arts. 1/1, 3/1 e 2 a) DL 84/2007 de 29/3.

            (…)

           Atento o pedido formulado e competindo à Caixa Geral de Aposentações gerir o regime de segurança social público no que concerne às pensões de sobrevivência e outras de natureza especial, está bem de ver que esta acção é abrangida pelo disposto no art. 12/1 c) RCP, uma vez que se insere no âmbito dos processos de contencioso da segurança social ou da previdência social.”

           A seguir-se esta latíssima orientação, sempre que a CGA se apresentasse a juízo em disputa com qualquer cidadão ou entidade, teria de entender-se que essa actuação se inseria no âmbito do seu contencioso e estaria, por isso, abrangida pela norma do artigo 12º, n.º 1, alínea c) do CRP.

            Não pode ser assim, salvo o devido respeito.

           Aquela que, para nós, continua a ser interpretação que melhor se coaduna com o espírito do legislador, quando criou a norma em discussão, mostra-se reflectida no acórdão do TCA Sul de 26.01.2012[4]. Considerou-se, aí, que serão abrangidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º do RCP (i) os litígios que ao mesmo tempo tenham por objecto relações jurídicas reguladas por legislação sobre segurança social, em que intervenham instituições de segurança social ou de previdência social (critério do sujeito), mas também, (ii) que versem sobre diferendos a que se aplique ou sejam regulados por legislação sobre a segurança social (critério material).

            Só a conjunção das circunstâncias concretas em que estes dois critérios se exprimam pode conduzir à aplicação do artigo 12º, n.º 1, alínea c).

            Também Salvador da Costa[5] aponta neste sentido, vincando precisamente o referido critério material:

Os processos do contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social relativos a litígios entre elas e os seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, inscrevem-se na competência dos tribunais do trabalho ou dos tribunais da ordem administrativa e tributária[6], conforme a especificidade das matérias em causa (artigo 118º, alínea l), da Lei nº 52/2008, de 28 de agosto)”.

Integraria claramente o conceito de processo do contencioso da CGA, da competência material da jurisdição administrativa, aquele em que, por exemplo, determinada pessoa viesse pedir a declaração de nulidade/anulabilidade de acto administrativo dessa instituição que lhe recusasse o direito à pensão de sobrevivência, requerido com fundamento na existência de uma situação de união de facto.

           No caso dos autos, o que é pedido é unicamente a declaração da inexistência da situação de união de facto, sendo que é esta situação de união de facto que constitui requisito indispensável do direito de requerer a pensão de sobrevivência à CGA. Portanto, não obstante intervir na acção uma instituição de segurança social, a verdade é que a apreciação do objeto do pedido não passa pela aplicação da legislação sobre segurança social, justamente porque o que está em causa pertence ao domínio exclusivo do direito civil: verificar se existiu, ou não, uma situação de união de facto entre o falecido BB, subscritor da CGA, e a Ré, AA, para efeitos de esta se habilitar à atribuição de pensão de sobrevivência.

           Por conseguinte, não sendo de aplicar à situação dos autos o disposto no artigo 12º, n.º 1, al. c) do RCP, terá de manter-se o decidido, na medida em que a taxa de justiça devida teria de ser liquidada de acordo com a regra geral de fixação da base tributável, inscrita no artigo 11º do RCP.

                                                                       *


III. DECISÃO

Nos termos que ficaram expostos, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

                                                           *

Custas pela recorrente.

                                                           *


                                             LISBOA, 27 de Junho de 2019

Henrique Araújo (Relator)

Maria Olinda Garcia

Ricardo Queirós

________________________
[1] Relator:     Henrique Araújo
  Adjuntos:  Maria Olinda Garcia
                      Raimundo Queirós
[2] Nas conclusões consta “Tribunal da Relação do Porto”, por evidente lapso de escrita.
[3] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, página 45.
[4] No processo n.º 06230/10, em www.dgsi.pt.
[5] “Regulamento das Custas Processuais – Anotado e Comentado”, 2ª edição, 2009, páginas 234.
[6] Nosso sublinhado.