Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2630/14.4T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: FIDEICOMISSO
INCUMPRIMENTO
SONEGAÇÃO DE BENS
ANULABILIDADE
INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO
RESTRIÇÃO DE DIREITOS
ALIENAÇÃO
INVALIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
FALSIDADE
CONHECIMENTO
TERCEIRO
CADUCIDADE
LEGÍTIMA
INOFICIOSIDADE
REDUÇÃO
CÔNJUGE
HERDEIRO
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
REGIME APLICÁVEL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / FONTES DO DIREITO / RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – DIREITO DAS SUCESSÕES / ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA / SUCESSÃO LEGITIMÁRIA / REDUÇÃO DE LIBERALIDADES.
Doutrina:
- Carlos Olavo, Substituição Fideicomissária, de 1970-1971, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume I, Almedina, Coimbra, 2002, p. 391 e ss.;
- Cunha Gonçalves, Fideicomisso de Resíduo, in ROA, 1946, I, n.ºs 1 e 2, p. 176-180 ; Tratado de Direito Civil, Volume X, Coimbra Editora, 1935, p. 172;
- Fernando Aguiar-Branco, Dos Fideicomissos (texto de 1947), edição da Fundação Eng.º António de Almeida, 2000, p. 93;
- José Tavares, Successões e Direito Successorio, Volume I, Coimbra, 1903, p. 486;
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, Almedina, Coimbra, 1974 (4.ª reimp.), p. 415 a 419 e ss.;
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II – Parte Geral, Negócio Jurídico, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. 919;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, 1998, p. 156 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL DE 1966 (CC/1996): - ARTIGOS 2.º, N.º 1, 12.º, 287.º, 2086.º, N.º 1, 2169.º E 2178.º.
CÓDIGO CIVIL DE 1867 (CC/1867): - ARTIGO 1871.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 23-10-2003, PROCESSO N.º 03B2197, IN WWW.DGSI.PT;
Sumário :
I - Num caso como o dos autos, em que estão em causa tanto a natureza como o regime de disposição testamentária constante de testamento outorgado durante a vigência do Código de Seabra, tendo a abertura da herança tido lugar cerca de trinta anos após a entrada em vigor do CC de 1966 e discutindo-se a validade dos actos praticados em desrespeito de tal disposição testamentária, a determinação da lei aplicável deve fazer-se em função das regras de aplicação da lei no tempo consagradas no art. 12.º do CC de 1966, as quais são válidas para casos, como o dos autos, em que esteja em causa a sucessão no tempo dos dois códigos civis portugueses (cfr. art. 5.º do D.L. n.º 47.344, de 25/11/1966, que aprovou o novo CC).

II - O regime legal que atribuiu ao cônjuge sobrevivo o estatuto de herdeiro legitimário é de aplicação imediata com a alteração do CC de 1966, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25/11; contudo, a afectação da intangibilidade da legítima não é causa de invalidade dos actos, antes permite a sua redução por inoficiosidade, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores (art. 2169.º, do CC de 1966), no prazo de dois anos a contar da aceitação da herança (art. 2178.º, do CC de 1966).

III - De acordo com o princípio geral da irretroactividade da lei (art. 12.º, n.º 1, do CC de 1966), a natureza da disposição testamentária em causa nos presentes autos, tem de ser determinada em função do regime legal em vigor à data em que o testamento foi outorgado, no caso o Código de Seabra.

IV - Perante disposição testamentária como a dos autos - “dispondo livremente dos seus bens, deixa a seu marido (…) todos os bens móveis, imóveis, jóias, dinheiro ou quaisquer valores que possua à data do seu falecimento, mas em regime de fideicomisso, nos termos do número segundo do artigo mil oitocentos e setenta e um do Código Civil ainda em vigor” -, não pode deixar de se entender que a vontade da testadora era a de sujeitar os bens deixados ao cônjuge ao regime legal próprio do fideicomisso de resíduo previsto no art. 1871.º, nº 2, do CC de 1867 (na redacção do Decreto n.º 19.126, de 16/12/1930, em vigor à data da outorga do testamento dos autos), regime esse caracterizado precisamente pelas restrições à alienação previstas no § único, do mesmo artigo.

V - Apesar de o Código de Seabra não utilizar terminologia que diferencie categorias de invalidade, tal não impediu a doutrina e a jurisprudência de, a partir de regimes jurídicos de ordem geral ou especial consagrados no mesmo código, autonomizar tais categorias, tendo particular divulgação e aceitação a construção doutrinal que distingue entre nulidade absoluta e nulidade relativa.

VI - As diferenças de regime, tal como desenvolvidas pela doutrina, entre a nulidade absoluta e a nulidade relativa na vigência do Código de Seabra correspondem, no essencial, às diferenças entre o regime da nulidade e o regime da anulabilidade, tal como estes regimes vieram a ser consagrados no CC de 1966.

VII - Atento o teor da escritura pública em causa (na qual o herdeiro fiduciário declarou “Que na qualidade de procurador de N, sua mulher, em vinte e três de Março de mil novecentos e noventa e seis, prometeu vender ao comprador os prédios abaixo identificados que só ela a pertenciam” e ainda “Que em execução do referido contrato de promessa vende ao segundo outorgante, pelo preço global, já recebido”), torna-se evidente que a violação das regras legais relativas ao fideicomisso de resíduo foi alcançada através da invocação de um contrato-promessa de compra e venda que teria sido celebrado entre a testadora (representada pelo cônjuge) e o primeiro réu, o qual se provou ter sido forjado com o intuito de, precisamente, defraudar as restrições legais à alienação de tais bens.

VIII - Tendo sido provada a falsidade do contrato-promessa, dúvidas não subsistem acerca do desrespeito pelo regime do fideicomisso de resíduo pelo que, na hipótese de que o desvalor dos actos de alienação em causa seja a nulidade relativa, o momento da cessação do vício para efeitos de início da contagem do prazo para arguir a invalidade (art. 287.º do CC de 1966) não pode ser o momento em que a autora tomou conhecimento da realização da escritura de compra e venda como alegam os recorrentes, mas sim o momento em que tomou conhecimento de que tal escritura fora celebrada em execução de um contrato-promessa forjado, improcedendo, por isso, a excepção de caducidade.

IX - Concluindo-se como em VIII, fica prejudicada a questão da qualificação do vício do contrato de compra e venda dos bens dos autos, celebrado entre o herdeiro fiduciário e o primeiro réu, como nulidade absoluta ou como nulidade relativa, uma vez que, independentemente da conclusão que viesse a ser adoptada, sempre o contrato deve ser considerado inválido.

X - Reconhecida a invalidade do contrato de compra e venda em causa e, consequentemente, a invalidade dos actos de alienação aos sub-adquirentes, aqui réus recorrentes, a tutela destes últimos apenas poderia operar através dos mecanismos de tutela dos terceiros de boa fé, questão já apreciada e decidida pelas instâncias e que não integra o objecto dos presentes recursos.

XI - Num caso como o dos autos em que o herdeiro fiduciário alienou bens do fideicomisso de resíduo em aparente cumprimento de promessa de venda assumida, em vida, pela testadora, através de contrato-promessa que veio a provar-se ter sido por aquele forjado, verificam-se os requisitos da sonegação de bens (art. 2086.º, n.º 1, do CC de 1966), com a consequência da sua perda em benefício da herdeira fideicomissária, aqui autora.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça





1. AA e seu marido, BB, instauraram, em 2 de Maio de 2001, a presente acção declarativa comum sob a forma ordinária, que correu termos no Tribunal Judicial de … com o n.º 111/2001 (a que foram apensos os processos n.º 160/2001 e n.º 161/2001), contra Certos/Incertos Herdeiros de CC (representados pelo Ministério Público), DD e sua mulher, EE, e FF, S.A., pedindo:

1 - Que se declare a nulidade ou a anulabilidade da escritura de 17 de Fevereiro de 1999 outorgada perante o notário do 2.º Cartório da Secretaria Notarial de …, pela qual CC Júnior declarou vender ao 2.º R. marido DD, o prédio rústico denominado Quinta de …, composto por terra de cultivo de batata, centeio, vinha e pastagem, com amendoeiras, laranjeiras e oliveiras, com a área de 410.800 metros quadrados, sito na freguesia de Vale de …, concelho de São João da Pesqueira, a confrontar do norte com o Rio Douro, de Sul com GG, de nascente com a Quinta de HH, e de Poente com a Quinta do II e outro, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 541.º, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de S. … na ficha n.º 00…6/21…3.

2 - Que se ordene o cancelamento no registo predial da inscrição G-2 efectuada na ficha n.º 00…6/21…3 da freguesia de Vale de …;

3 - Que se declare a nulidade da escritura de 26 de Maio de 1999 outorgada perante o notário do 1.º Cartório Notarial de Vila …, pela qual os 2.ºs RR. DD e mulher EE declararam vender à 3.ª R. FF, S.A. o prédio rústico identificado no antecedente pedido n.º 1;

4 - Que se ordene o cancelamento no registo predial da inscrição G-3 efectuada na ficha n.º 00…6/21…3 da freguesia de Vale de …;

5 - Que se declare perdido em benefício da autora, nos termos do disposto no artigo 2096.º, n.º 1 do C.C., o direito que o falecido CC Júnior pudesse ter enquanto herdeiro legitimário de JJ relativamente ao prédio rústico identificado no antecedente pedido n.º 1;

6 - Que se condene a 3.ª R. FF, S.A. a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o prédio rústico identificado no antecedente pedido n.º 1, bem como a entregar-lho imediatamente;

7 - Que se condene a 3.ª R. FF, S.A. a entregar à A. todos os frutos naturais e ou civis, pendentes e futuros, que vier a perceber a partir da data da citação da presente acção e até ao dia da efectiva entrega à autora, em consequência do gozo e fruição do prédio rústico identificado no antecedente pedido n.º 1;

8 - Que se condenem os RR. contestantes nas custas e condigna procuradoria.

Os RR. foram citados.

O R. DD apresentou contestação nos termos que constam de fls. 170 e ss, invocando:

- A caducidade do direito da A. em pedir a anulação do negócio jurídico pela falta do consentimento da fideicomissária (cfr. artigos 4.º a 24.º da contestação);

- Que a A. era sabedora há muito, quer do negócio dos autos quer das razões que o originaram (cfr. artigos 46.º a 62.º da contestação);

- Que a escritura de 17/02/1999 foi celebrada em execução de um contrato-promessa de compra e venda, sendo que tal contrato-promessa havia sido celebrado também em função de uma procuração outorgada no dia 25/02/1993 em que a falecida JJ conferia ao seu marido “poderes para comprar, vender, pelo preço e condições que entender, os prédios sitos em Vale …, São João da Pesqueira, pagar ou receber preços dar ou aceitar quitação, outorgar e assinar as necessárias escrituras, contratos promessa de compra e venda ou outros (...)”. Do contrato-promessa de compra e venda ressalta a possibilidade de execução específica do contrato, sendo esta acção sempre de intentar, caso se entenda que ao falecido CC estava vedado o seu cumprimento voluntário (cfr. artigos 25.º a 40.º da contestação);

- Que o falecido CC não praticou qualquer acto de sonegação de bens (cfr. artigo 43.º da contestação);

- Que é o processo de inventário o próprio para a A. suscitar a questão da sonegação de bens, tendo-se presente que os meios comuns para que a A. foi remetida são-o nos precisos termos do despacho judicial junto aos autos, mantendo-se o processo de inventário como o próprio para discutir e decidir todas as questões aí não incluídas (cfr. artigo 44.º da contestação).

A R. FF, S.A. apresentou contestação/reconvenção nos termos que constam de fls. 180 e ss. Neste articulado a R.:

- Alegou a caducidade do direito da A. (cfr. artigos 1.º a 12.º contestação);

- Invocou que a alienação da Quinta de KK por parte de CC Júnior foi efectuada em execução de um contrato-promessa por si outorgado como procurador da sua indicada mulher, JJ e, sendo assim, é aquela JJ quem, sob o ponto de vista jurídico, aliena e não o fiduciário CC, despido desta qualidade (cfr. artigos 16.º a 18.º);

- Afirmou que está de plena e total boa fé no negócio em causa, desconhecendo, como sempre, qualquer vício que ferisse ou fira a validade quer da compra que efectuou aos ditos DD e mulher, quer relativamente a qualquer negócio anterior, designadamente a falada compra e venda outorgada pelo CC, desconhecendo igualmente a existência do alegado testamento outorgado pela JJ (cfr. artigos 26.º da 31.º da contestação);

- Referiu que, após a compra do prédio, logo entrou na posse do prédio, actuando como sua dona, iniciando a execução no dito prédio de vultuosas benfeitorias, necessárias à natural aptidão agrícola do imóvel e à sua exploração (cfr. artigos 36.º a 73.º da contestação);

- Salientou que não se lhe afigura que o CC tenha pretendido sonegar quaisquer bens à herança da sua mulher (cfr. artigo 76.º da contestação);

- Defendeu que os presentes autos não podem conhecer da questão da sonegação de bens, tendo em atenção que é no inventário judicial que tal assunto poderá ser invocado, discutido e decidido (cfr. artigo 78.º da contestação);

- Alegou que, admitindo, por hipótese, que a venda por si efectuada da Quinta de KK está ferida de vício que determina a sua nulidade ou anulabilidade, certo é que só em consequência de partilha a efectuar se poderá determinar se o bem em causa será ou não totalmente adjudicado àquele CC (agora aos seus legítimos herdeiros), constituindo manifestamente tal adjudicação, senão expressa, pelo menos tácita confirmação do negócio jurídico efectuado entre o dito CC e os 2.ºs RR. (cfr. artigos 81.º e 82.º da contestação).

Termina tal articulado a R. FF, nos seguintes termos:

a) Deve ser julgada procedente e provada a alegada excepção de caducidade do direito de accionar com todas as consequências legais, ou;

b) Caso assim se não entenda, deve a acção ser julgada improcedente por não provada com todas as consequências legais;

c) Se porém forem declarados e reconhecidos os alegados vícios na celebração do negócio referido nos autos, e a identificada Quinta de KK vier a ser adjudicada aos herdeiros ou a herdeiro de CC Júnior na partilha da herança aberta por óbito de JJ, todos identificados nos autos, deve tal adjudicação ser considerada e reconhecida como confirmação expressa ou tácita do negócio celebrado entre o CC e os 2.ºs R.R. ora reconvindos (cfr. pedido de rectificação de fls. 260), mantendo-se plenamente válido e eficaz, nos termos do disposto no artigo 288.º do C.C.;

d) No caso de a acção ser julgada parcialmente procedente e provada em virtude de não ser declarado perdido em benefício dos AA. ora reconvindos o direito que o falecido tinha enquanto herdeiro legitimário de sua mulher e a identificada Quinta de KK não venha a ser adjudicada na sua totalidade aos herdeiros ou a herdeiro do falado CC, e, por via disso, não venha a ser declarada a confirmação do negócio jurídico anteriormente referido, devem os reconvindos herdeiros do referido CC, bem como os reconvindos AA e marido ser condenados a pagar à Reconvinte, na proporção das quotas partes que lhe forem adjudicadas na dita Quinta, a quantia de 127.326.000$00 (cento e vinte e sete milhões trezentos e vinte e seis mil escudos) a título das alegadas benfeitorias executadas pela reconvinte naquela Quinta, bem como o montante correspondente às alegadas benfeitorias futuras a liquidar em execução de sentença;

e) Por outro lado, no caso de a acção ser julgada totalmente procedente e provada, devem os Reconvindos AA e marido serem condenados a pagar à reconvinte o montante de 127.326.000$00 a título das alegadas benfeitorias executadas pela Reconvinte naquela Quinta, bem como o montante correspondente às alegadas benfeitorias futuras a liquidar em execução de sentença;

f) No caso de se verificarem as hipóteses previstas nas als. d) e e) anteriores, devem os Reconvindos DD e mulher ser condenados a restituir à reconvinte a quantia de 110 milhões de escudos (cfr. pedido de rectificação de fls. 260) por si recebida como preço na compra e venda que celebraram com a Reconvinte relativa à Quinta de KK;

g) Devem ainda todos os Reconvindos ser condenados a pagar à Reconvinte juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, juros esses que incidirão sobre as quantias que cada um houver de pagar à Reconvinte;

h) Finalmente devem todos os Reconvindos ser condenados em custas e mais despesas legais.

Na dita contestação/reconvenção suscita-se o incidente da intervenção principal provocada de herdeiros certos, incertos do identificado CC Júnior, bem como de DD e mulher, EE (cfr. fls. 202).

Os AA. replicaram nos termos que constam de fls. 262 e ss. Finalizam tal articulado pugnando pela improcedência de todas e de cada uma das excepções deduzidas, assim como pela improcedência da reconvenção no que aos AA. replicantes respeita, concluindo como na petição inicial.

A R. FF, S.A. treplicou nos termos que constam de fls. 286 e ss. Em tal articulado a referida R. sustenta que as benfeitorias cuja existência por si foi alegada em sede de contestação/reconvenção são necessárias, sendo todas elas efectuadas num critério de normal e cuidada gestão, que presumivelmente seria seguido se, eventualmente, os Reconvindos AA. fossem os donos do prédio em causa. No entanto, mesmo que parte ou a totalidade de tais benfeitorias fossem meramente úteis, elas não poderiam ser retiradas sem detrimento da coisa onde foram efectuadas (cfr. artigos 1.º a 7.º da tréplica). Termina concluindo como na contestação/reconvenção.

Notificados da tréplica vieram os AA. arguir a nulidade da apresentação do referido articulado, para tanto invocando em síntese que, se a R. pretendia ver reconhecido o seu direito ao valor das benfeitorias que realizou e admite serem qualificáveis como úteis, teria que alegar os factos que permitiram essa conclusão jurídica na petição reconvencional, que nunca na tréplica, em resposta à impugnação que os AA. fizeram de as benfeitorias por ela articuladas poderem ser qualificadas como necessárias (cfr. fls. 296 e ss.).

      A R. FF, S.A. pronunciou-se no sentido do indeferimento da apontada nulidade (cfr. fls. 313 e ss.).


Da acção n.º 160/2001

No âmbito da acção ordinária n.º 160/2001, AA e seu marido BB instauraram, em 1 de Junho de 2001, acção declarativa comum sob a forma ordinária contra Certos/Incertos Herdeiros de CC (representados pelo Ministério Público) e LL e sua mulher, MM, pedindo:

1 - Que se declare a nulidade ou a anulabilidade da escritura de 8 de Setembro de 1997, outorgada perante o notário do Cartório Notarial de E…, pela qual CC Júnior declarou doar ao 2.º R. marido LL, o prédio rústico, denominado Vale de NN ou OO, composto por terra de cultura, oliveiras e amendoeiras, com a área de 15.000 metros quadrados, sito na freguesia de Vale …, concelho de S. João da Pesqueira, a confrontar de Norte com a estrada, de Sul com PP, de Nascente com rua e LL, e de Poente com QQ, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2064.º, descrito na Conservatória do Registo Predial de S. … na ficha n.º 01…5/98…6;

2 - Que se ordene o cancelamento no registo predial da inscrição G-2 efectuada na ficha n.º 01…5/98…6 da freguesia de Vale …;

3 - Que se condenem os 2.ºs RR. a reconhecerem o direito de propriedade da herança aberta por óbito de JJ sobre o prédio rústico identificado no antecedente pedido n.º 1, bem como a entregá-lo imediatamente;

4 - Que se condenem os RR. a entregarem à referida herança todos os frutos, naturais e ou civis, pendentes e futuros, que vierem a perceber a partir da data da citação da presente acção e até ao dia da efectiva entrega à autora, em consequência do gozo e fruição do prédio rústico identificado no antecedente pedido n.º 1;

5 - Que se condenem os RR. contestantes nas custas e condigna procuradoria.

Os RR. foram citados.

Os RR. LL e mulher, MM, apresentaram contestação/reconvenção. Em tal articulado invocaram:

- A ilegitimidade activa dos AA. (cfr. artigos 1.º a 9.º da contestação);

- A faculdade de alienar os bens não foi atribuída ao marido pela lei, mas sim pela própria testadora, por vontade desta, no exercício da sua liberdade de testar (cfr. artigos 21.º a 24.º da contestação);

- Que a alienação foi perfeita e válida, não pertencendo o terreno à herança da falecida JJ nem do falecido CC Júnior;

- Que, na hipótese de se considerar que o negócio celebrado entre o falecido CC e o R. é nulo ou anulável, sempre existirá abuso de direito da A., pois que o tio da A. comunicou-lhe que ia alienar o prédio rústico em questão ao R., tendo a A. respondido que fizesse o que entendesse, visto que só depois da sua morte ela seria herdeira, o que foi confirmado pelo marido da A., ao R. e ao filho deste (cfr. artigos 35.º e 36.º da contestação);

- A plantação da vinha e as construções sólidas incorporadas no terreno dos autos, feitas pelos RR., conferiram ao mesmo terreno um valor muito superior ao que este tinha antes daquelas, sendo que o valor do terreno não era superior a dois milhões e quinhentos mil escudos e, após a plantação dos RR., vale, pelo menos, vinte milhões de escudos. Assim, continuam os RR., adquiriram eles o direito ao terreno por acessão industrial imobiliária (cfr. artigos 47.º a 51.º da contestação;

- Mesmo que tal não suceda, os RR. realizaram no terreno em causa benfeitorias necessárias, na sua maior parte, que não podem ser levantadas, pelo que têm eles direito a ser indemnizados pelo respectivo valor (cfr. artigos 53.º e ss.º da contestação).

Terminam, pedindo que:

- Seja julgada procedente a excepção de ilegitimidade da A. e de seu marido e os RR. absolvidos da instância, e, se assim não se entender;

- Seja a acção julgada improcedente e, em consequência, os RR. sejam absolvidos dos pedidos;

- No caso de procedência da acção, que seja julgada procedente a reconvenção e, em consequência, se declare que os RR. Reconvintes adquirem, por acessão, a propriedade do prédio identificado nos autos, mediante o pagamento, por parte destes, da quantia de dois milhões e quinhentos mil escudos, à herança aberta por óbito de JJ ou, se assim não se entender;

- Sejam a Reconvinda e os chamados, solidariamente, a pagar aos RR./Reconvintes, a título de indemnização por benfeitorias, a importância de 14.727.944$00 (catorze milhões setecentos e vinte e sete mil novecentos e quarenta e quatro escudos), acrescida dos juros à taxa legal vencidos desde a citação até integral pagamento;

- Que sejam a Reconvinda e os chamados, solidariamente, a pagar aos RR./Reconvintes a indemnização total, por benfeitorias, que se vier a liquidar em execução de sentença, de acordo com o alegado nos artigos 83.º a 85.º da contestação/reconvenção.

Os RR. contestantes no dito articulado requerem também a intervenção principal provocada dos incertos herdeiros de CC Júnior.

Os AA. replicaram a fls. 180 e ss. Em tal articulado os AA., além do mais, requereram alteração do pedido, nos seguintes termos: 

      Condenar os 2.ºs RR. a reconhecerem a A. como sucessora testamentária da falecida JJ, falecida no passado dia 25 de Julho de 1997.

Terminam tal articulado nos seguintes termos: “Nestes termos e nos mais de Direito:

1.º - Devem ser julgadas improcedentes as excepções deduzidas pelos réus na contestação;

2.º - Deve ser admitida a ampliação do pedido formulada (...);

3.º - Deve ser julgada inteiramente improcedente a reconvenção (...);

4.º - Deve ser julgada inadmissível a pretendida intervenção principal dos herdeiros de CC Júnior para intervirem na instância reconvencional como associados dos autores, no mais se concluindo como na petição inicial”.

Os RR./Reconvintes treplicaram nos termos que constam de fls. 196 e ss. Finalizam, dizendo que “A) Devem ser julgadas improcedentes por não provadas as excepções arguidas pelos autores na Réplica, com as legais consequências; B) Quanto à ampliação do pedido formulada na réplica, conclui-se como na contestação-reconvenção.”.


Acção n.º 161/2001

No âmbito da acção ordinária n.º 161/2001, AA, e seu marido BB, instauraram, em 1 de Junho de 2001, acção declarativa comum sob a forma ordinária contra Certos/Incertos Herdeiros de CC (representados pelo Ministério Público), DD e mulher, EE, e RR e mulher, SS, pedindo:

1 - Que se declare a nulidade ou a anulabilidade da escritura de 17 de Fevereiro de 1999, outorgada perante o notário do 2.º Cartório da Secretaria Notarial de A…, pela qual CC Júnior declarou vender ao 2.º R. marido DD, os prédios urbanos identificados no artigo terceiro da petição inicial;

2 - Que se ordene o cancelamento no registo predial das inscrições G-1 efectuadas nas fichas n.ºs 1100/990420, 1101/990420, 1102/990420, 1103/990420, 1104/990420, 1105/990420 e 1106/990420, todas de Vale …, efectuados a favor dos 2.ºs RR.;

3 - Que se declare a nulidade da escritura de 28 de Março de 2000, outorgada perante o notário do Cartório Notarial de São …, pela qual os 2.ºs RR. DD e mulher, EE, declararam vender ao 3.º R. marido RR os prédios urbanos identificados sob os n.ºs 1 a 7 do artigo 3.º da petição inicial;

4 - Que se ordene o cancelamento no registo predial das inscrições G-2 efectuadas nas fichas n.ºs 1100/990420, 1101/990420, 1102/990420, 1103/990420, 1104/990420, 1105/990420 e 1106/990420, todas de Vale de …, efectuadas a favor dos aqui 3.ºs RR.;

5 - Que se declare perdido em benefício da A., nos termos do disposto no artigo 2096.º, n.º 1 do C.C., o direito que o falecido CC Júnior pudesse ter enquanto herdeiro legitimário de JJ relativamente aos prédios urbanos identificados no artigo 3.º da petição inicial.

6 - Que se condenem os 2.ºs RR. a reconhecerem o direito de propriedade da autora sobre os prédios identificados nos n.ºs 8 a 10 do artigo 3.º da petição inicial, bem como a entregar-lhos imediatamente;

7 - Que se condenem os 2.ºs RR. a entregarem à A. todos os frutos civis, pendentes e futuros, que vieram a perceber a partir da data da citação para a presente acção e até ao dia da sua efectiva entrega à A., em consequência do gozo e fruição dos prédios urbanos identificados nos n.ºs 8. a 10. do artigo 3.º da petição inicial;

8 - Que se condenem os 3.ºs RR. a reconhecerem o direito de propriedade da A. sobre os prédios urbanos identificados nos n.ºs 1. a 7. do artigo 3.º da petição inicial, bem como a entregar-lhos imediatamente;

9 - Que se condenem os 3.ºs RR. a entregarem à A. todos os frutos civis, pendentes e futuros, que vierem a perceber a partir da data da citação para a presente acção e até ao dia da sua efectiva entrega à A., em consequência do gozo e fruição dos prédios identificados nos n.ºs 1. a 7. do artigo 3.º da petição inicial.

Os RR. foram citados.

O R. DD apresentou contestação nos termos que constam de fls. 185 e ss. Em tal articulado o aludido R., em suma, invocou:

- A caducidade do direito da A. em pedir a anulação do negócio jurídico pela falta do consentimento da fideicomissária;

- Que o falecido CC não praticou qualquer acto de sonegação de bens;

- Que é o processo de inventário o próprio para a A. suscitar a questão da sonegação de bens, tendo-se presente que os meios comuns para que a A. foi remetida são os nos precisos termos do despacho judicial junto aos autos, mantendo-se o processo de inventário como o próprio para discutir e decidir todas as questões aí não incluídas;

- A A. era sabedora há muito, quer do negócio dos autos quer das razões que o originaram.

Finalizam pedindo a procedência da excepção peremptória da caducidade e a improcedência da acção, com a consequente absolvição do R. do pedido.

Os RR. RR e mulher apresentaram contestação/reconvenção nos termos que constam de fls. 200 e ss. Em tal articulado alegaram, em suma;

- A caducidade do direito dos AA.;

- A ilegitimidade activa da A., uma vez que do testamento dos autos resulta que ela foi instituída herdeira nos bens que ficassem ao falecimento de CC e não ao falecimento de sua tia JJ, sendo que esse direito só pode ser determinado em sede de inventário aberto por óbito de CC;

- A vontade expressa e inequívoca da testadora é no sentido de que o marido podia alienar livremente todos os bens que recebesse da testadora, sem necessitar de consentimento alheio, tanto que em vida a JJ mandatou o seu marido para proceder às vendas, sinal de que não era determinante na vontade da testadora que esses prédios fossem conservados, para virem integrar, eventualmente, o património da sua sobrinha AA;

- O contrato-promessa celebrado sempre poderia ser objecto de execução específica;

- O R. RR está de boa fé por desconhecer qualquer vício que ferisse ou fira a validade quer da compra que efectuou aos RR. DD e mulher, quer relativamente a qualquer negócio anterior;

- CC Júnior não pretendeu sonegar quaisquer bens à herança de sua mulher;

- Nos presentes autos não se poderá conhecer da matéria de sonegação de bens, pois que tal questão deverá ser invocada, discutida e decidida em sede de inventário;

- Se a venda dos mencionados prédios se encontra ferida de nulidade ou anulabilidade só após a partilha a efectuar é que se poderá determinar se os bens em causa serão ou não adjudicados ao CC, constituindo tal adjudicação, senão expressa, pelo menos tácita confirmação do negócio jurídico efectuado entre o falecido CC e os 2.ºs RR.;

- Os contestantes celebraram a escritura de compra e venda dos prédios urbanos em 28 de Março de 2000 e tinham entrado na posse dos mesmos em Fevereiro do mesmo ano, sendo que desde essa data iniciaram a execução nos ditos prédios de benfeitorias necessárias à natural aptidão dos imóveis e à sua exploração;

- De facto situando-se os ditos prédios junto à margem do rio Douro e na região demarcada do Douro têm eles especial aptidão para exploração turística, sendo que com a dita compra pretende o R. RR transformar tais prédios num aldeamento turístico, sendo que no âmbito desse projecto despendeu ele o montante global de 27.200.000$00;

- Acresce que tal dispêndio se enquadra num projecto global cujo investimento rondará os 150.000.000$00 que terá naturalmente várias fases de execução, cujos projectos foram já solicitados aos respectivos técnicos;

- Assim, têm os RR. direito a ser indemnizados pelas benfeitorias necessárias executadas e que venham a executar nos prédios por eles comprados;

- E, sendo o negócio declarado inválido, têm direito a haver dos RR. DD e mulher a obrigação de restituírem o preço por si recebido.

Terminam, pedindo que:

- Se julguem procedentes as alegadas excepções;

- Caso assim não se entenda deve a acção ser julgada improcedente;

- Sendo a acção julgada procedente e provada, devem os Reconvindos AA e marido ser condenados a pagar à Reconvinte o montante de 27.200.000$00, a título de alegadas benfeitorias executadas, bem assim como o montante das benfeitorias futuras, a liquidar em execução de sentença.

- Para a hipótese de se verificar o previsto na alínea anterior, devem os 2.ºs RR. DD e mulher ser condenados a restituir ao Reconvinte o montante de 20.000.000$00 por si recebido como preço na compra e venda que celebraram;

- Devem os Reconvindos ser condenados a pagar ao Reconvinte juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, juros esses que incidirão sobre as quantias que houverem de pagar. 

Os AA. apresentaram réplica nos termos que constam de fls. 265 e ss..

Terminam pedindo a improcedência de todas e cada uma das excepções deduzidas, assim como pela improcedência da reconvenção nos que aos AA. replicantes respeita, concluindo como na petição inicial.

Em tal articulado os AA. requereram também o confronto do documento junto com a contestação do R. DD com o original do documento arquivado sob o n.º 24 no maço referente ao livro de notas para escrituras diversas n.º 101-B do 3.º Cartório Notarial do Porto.


*


Por despacho proferido em 06-06-2003 foi, além do mais, determinada a apensação ao processo n.º 111/2001 dos processos n.º 160/2001 e 161/2001 (cfr. fls 357 e 464).

*


Foi agendada audiência preliminar em que se decidiu ser a selecção da matéria de facto feita por despacho a notificar às partes (cfr. fls. 487).

Em sede de pré-saneador (cfr. fls. 490 e ss.) foi decidido não suprimir da petição inicial expressões que os RR. DD e mulher entendiam ser atentatórias da honra e do bom nome do falecido CC Júnior. 

Indeferiu-se também o pedido de suspensão da instância até que haja decisão definitiva do processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito de JJ.

Além disso, em sede de pré-saneador foi também decidido:

1 - Rejeitar os pedidos de intervenção principal provocada dos co-RR. herdeiros de CC Júnior e de DD e mulher deduzidos pelos RR. FF, S.A. (proc. n.º 111/2001), LL e mulher (proc. n.º 160/2001) e RR e mulher (proc. n.º 161/2001) e, consequentemente;

2 - Rejeitar os pedidos reconvencionais deduzidos:

a) Pela R. FF, S.A. contra os herdeiros de CC Júnior e de DD e mulher (proc. n.º 111/2001);

b) Pelos RR. LL e mulher contra os herdeiros de CC Júnior (proc. n.º 160/2001) (acrescentando ainda que, “nesta concreta acção, uma vez que os AA. não peticionaram o seu reconhecimento como proprietários do prédio transmitido, temos que o pedido reconvencional resulta unicamente dirigido contra os co-RR, herdeiros de CC Júnior, pelo que neste caso o pedido deduzido há-de ser indeferido in totum visto que indeferida a intervenção nenhuma outra parte primitiva subsiste para o suportar”.)

c) Pelos RR. RR e mulher contra os herdeiros de CC Júnior e DD e mulher (proc. n.º 161/2001).


Admitiu-se o pedido reconvencional formulado pela FF, S.A. contra os AA. no processo n.º 111/2001.

Admitiu-se também o pedido reconvencional formulado por RR e mulher contra os AA. no processo n.º 161/2001.


Fixou-se o valor da acção n.º 111/2001 em € 1.168.813,20 e o valor da acção n.º 161/2002 em € 235.432,61.

Indeferiu-se o pedido de desentranhamento da tréplica apresentada pela R. FF.

Em sede de despacho saneador foi tabelarmente declarada a competência absoluta do Tribunal.

Foi conhecido erro da forma do processo quanto aos pedidos formulados pelos AA. sob o ponto 5., nos autos n.ºs 111/2001 e 161/01, tendo sido decidido que o pedido formulado pelos AA. no sentido de ser declarado perdido a seu favor o direito que o falecido CC Júnior pudesse ter enquanto herdeiro de CC pode ser apreciado nos presentes autos, assim se julgando improcedente a excepção dilatória de erro na forma do processo (cfr. fls. 496 e 497).

Foi afirmada a personalidade e capacidade judiciárias das partes.

Foi conhecida a questão da ilegitimidade activa da A., no sentido da respectiva improcedência e foi afirmado o inerente pressuposto processual (cfr. fls. 498 e 499).

Relegou-se para final o conhecimento da questão da caducidade do direito da A..

O processo foi condensado (cfr. fls. 500 e ss.).

Não se conformando com o despacho que não admitiu parte dos pedidos reconvencionais formulados e a intervenção principal provocada, a R. FF interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto (cfr. fls. 516 e 571).

Os AA. vieram requerer o esclarecimento da decisão de fls. 495 na parte em que se refere que “a A. invocou factos impeditivos ou extintivos do pedido reconvencional deduzido pela R. FF, S.A.. Defendeu-se, pois, por excepção.”.

Por seu turno, vieram também os AA. recorrer da parte do despacho de fls. 495 e 496 em que se refere que a não autorização da fideicomissária ou o respectivo suprimento judicial são factos essenciais constitutivos do direito que os AA. se arrogam.

Além disso, apresentaram reclamação contra os factos assentes e a base instrutória (cfr. fls. 520 a 525).

Por despacho de fls. 603 e 604 e ss. foram admitidos os recursos interpostos pelos AA. e pela R. FF, S.A., como sendo de agravo e com subida diferida. 

Foi também proferido despacho tendente ao esclarecimento das questões suscitadas pelos AA.

Aclarou-se o despacho de fls. 495 na parte tocante a custas e relegou-se para o início da audiência final o conhecimento das reclamações apresentadas.

Realizou-se a instrução.

Os AA. vieram interpor recurso de agravo do despacho de fls. 495 (item IV) (cfr. fls. 614).

Os AA. apresentaram alegações (cfr. fls. 637 e ss.) pugnando pela revogação do despacho recorrido no sentido de que a autorização ou o consentimento para a venda dos bens sujeitos a fideicomisso é elemento constitutivo do direito à alienação e não elemento do direito à declaração de nulidade e que o vício decorrente da falta de autorização ou de consentimento na alienação de um bem sujeito a fideicomisso de resíduo ou irregular é a nulidade e não a anulabilidade.

A R. FF, S.A. apresentou também alegações a fls. 614 e ss. no sentido de ser revogada a decisão e ser admitido o incidente de intervenção principal provocada dos co-Réus e do consequente pedido reconvencional contra eles deduzido.

A R. FF pronunciou-se também quanto à reclamação apresentada contra o despacho de condensação, defendendo o respectivo não atendimento (cfr. fls. 685 e ss.).

A R. FF apresentou contra-alegações relativamente ao recurso interposto pelos AA. (cfr. fls. 689 e ss.).

Foi proferido despacho a admitir o recurso interposto a fls. 614 pelos AA., tendo sido declarado como de agravo e com subida diferida (cfr. fls. 699).

Por despacho de fls. 708 e ss. fixou-se o objecto da perícia.

Os AA. apresentaram alegações a fls. 712 e ss..

A R. FF, S.A. apresentou as suas contra-alegações (cfr. fls. 724 e ss.).

Não se conformando com o despacho de fls. 708 e ss., que fixou o objecto da perícia, veio a R. FF, S.A. dela interpor recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto (cfr. fls. 747).

Tal recurso, interposto a fls. 747, foi admitido com sendo de agravo com subida diferida, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 765).

A R. FF apresentou as suas alegações de recurso a fls. 805 e ss..

Os AA. contra-alegaram a fls. 822 e ss..

Em face do comprovado falecimento do A. BB, a A. AA deduziu o competente incidente de habilitação de herdeiros (cfr. fls. 1026 e ss. e 1066).

Por requerimento de fls. 1052 e ss. a R. FF veio, além do mais, declarar que ocorreu uma alteração da sua denominação social de FF, S.A. para TT - Vinhos, S.A...

Foi declarada suspensa a instância por óbito do aludido A. BB (cfr. fls. 1551).

A fls. 1602 e ss. foi proferida decisão do incidente de habilitação de herdeiros, declarando AA, UU, VV e XX habilitadas em substituição de BB.

Em audiência de julgamento, além do mais:

- Os Co-Réus RR e mulher requereram também a ampliação do pedido nos termos que constam de fls. 2718 e ss. Pedem, nessa sequência, que sejam também os Reconvindos condenados a pagar aos Reconvintes a quantia de € 718.900,00, a título de benfeitorias realizadas depois de contestada a acção;

- A R. FF, S.A. requereu a ampliação do pedido reconvencional para a quantia de € 251.374,61, montante a acrescer ao inicialmente peticionado, o que foi admitido por despacho constante de fls. 2821.

Em 15/05/2014 foi proferida sentença, em cuja parte dispositiva se consignou o seguinte:


«[…]decide-se:

A)      Quanto à acção n.º 111/2001;

A.1. No que toca à acção;

 a) - Declara-se a nulidade da escritura de 17 de Fevereiro de 1999 outorgada perante o notário do 2.º Cartório da Secretaria Notarial de A…, pela qual CC Júnior declarou vender ao 2.º Réu marido DD, o prédio rústico denominado Quinta de KK, composto por terra de cultivo de batata, centeio, vinha e pastagem, com amendoeiras, laranjeiras e oliveiras, com a área de 410.800 metros quadrados, sito na freguesia de Vale …, concelho de São …, a confrontar do norte com o Rio Douro, de Sul com GG, de nascente com a Quinta de HH, e de Poente com a Quinta do II e outro, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 541.º, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de S. João da Pesqueira na ficha n.º 00…6/21…3.

 b) - Ordena-se o cancelamento no registo predial da inscrição G-2 efectuada na ficha n.º 00…6/21…3 da freguesia de Vale …;

 c) - declara-se a nulidade da escritura de 26 de Maio de 1999 outorgada perante o notário do 1.º Cartório Notarial de Vila …, pela qual os 2.ºs R.R. DD e mulher EE declararam vender à 3.ª Ré FF., S.A. o prédio rústico identificado em a) (Quinta de KK);

d) - Ordena-se o cancelamento no registo predial da inscrição G-3 efectuada na ficha n.º 00826/210993 da freguesia de Vale …;

e) Declara-se perdido em benefício da autora, nos termos do disposto no artigo 2096.º, n.º 1 do C.C., o direito que o falecido CC Júnior pudesse ter enquanto herdeiro legitimário de JJ relativamente ao prédio rústico identificado;

f) - Condena-se a Ré FF, S.A. a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o prédio rústico identificado, bem como a entregar-lho imediatamente;

g) - Condena-se a Ré FF, S.A. a entregar à A. todos os frutos naturais e ou civis, pendentes e futuros, que tiver percebido a partir da data da citação da presente acção e até ao dia da efectiva entrega á autora, em consequência do gozo e fruição do prédio rustico identificado, a liquidar em posterior incidente de liquidação.


*


A.2. No que respeita à reconvenção:

a) - Condenam-se os A.A./Reconvindos a pagar à Ré/Reconvinte FF, S.A. o valor das benfeitorias indicadas em 63. a 76. dos factos provados, relegando-se o apuramento do respectivo valor para ulterior incidente de liquidação;

b) Julga-se improcedente o demais peticionado em sede reconvencional, nessa parte se absolvendo os A.A./Reconvindos dos pedidos.


****


B) Quanto à acção n.º 160/2001;

B.1. - No que toca à acção.

a) - Declara-se a nulidade da escritura de 8 de Setembro de 1997 outorgada perante o notário do Cartório Notarial de E…, pela qual CC Júnior declarou doar ao 2.º Réu marido LL, o prédio rústico, denominado Vale de NN ou OO, composto por terra de cultura, oliveiras e amendoeiras, com a área de 15.000 metros quadrados, sito na freguesia de Vale …, concelho de S. João da Pesqueira, a confrontar de Norte com a estrada, de Sul com PP, de Nascente com rua e LL, e de Poente com QQ, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2064.º, descrito na Conservatória do Registo Predial de S. João da Pesqueira na ficha n.º 01…5/98…6.

b) Condenam-se os 2.ºs R.R. a reconhecerem a autora como sucessora testamentária da falecida D. JJ, falecida no passado dia 25 de Julho de 1997.

c) Ordena-se o cancelamento no registo predial da inscrição G-2 efectuada na ficha n.º 01…5/98…6 da freguesia de Vale …;

d) Condenam-se os 2.ºs R.R. a reconhecerem o direito de propriedade da herança aberta por óbito de JJ sobre o prédio rústico identificado em B.1. a), bem como a entregá-lo imediatamente.

e) Condenam-se os R.R. LL e mulher MM a entregar à A. todos os frutos naturais e ou civis, pendentes e futuros, que tiverem percebido a partir da data da citação da presente acção e até ao dia da efectiva entrega á autora, em consequência do gozo e fruição do prédio rustico identificado em B.1.a), a liquidar em posterior incidente de liquidação.


*


B.2. - No que toca à reconvenção.

a) Não se conhecerá da reconvenção formulada pelos R.R. LL e mulher MM por se entender que ela foi totalmente rejeitada no despacho de fls. 491 e ss..


***


C) No que toca à acção n.º 161/2001.

C.1. - No que toca à acção.

a) Declara-se a nulidade da escritura de 17 de Fevereiro de 1999 outorgada perante o notário do 2.º Cartório da Secretaria Notarial de A…, pela qual CC Júnior declarou vender ao 2.º Réu marido DD, os prédios urbanos identificados no artigo terceiro da petição inicial;

b) Ordena-se o cancelamento no registo predial das inscrições G-1 efectuadas nas fichas n.ºs 1100/990420, 1101/990420, 1102/990420, 1103/990420, 1104/990420, 1105/990420 e 1106/990420, todas de Vale de Figueira, efectuados a favor dos 2.ºs R.R.;

c) Declara-se a nulidade da escritura de 28 de Março de 2000 outorgada perante o notário do Cartório Notarial de São João da Pesqueira, pela qual os 2.ºs R.R. DD e mulher EE declararam vender ao 3.º Réu marido RR os prédios urbanos identificados sob os n.ºs 1 a 7 do artigo 3.º da petição inicial;

d) Ordena-se o cancelamento no registo predial das inscrições G-2 efectuadas nas fichas n.ºs 1100/990420, 1101/990420, 1102/990420, 1103/990420, 1104/990420, 1105/990420 e 1106/990420, todas de Vale de Figueira, efectuadas a favor dos aqui 3.ºs R.R.;

e) Declara-se perdido em beneficio da A., nos termos do disposto no artigo 2096.º, n.º 1 do C.C., o direito que o falecido CC Júnior pudesse ter enquanto herdeiro legitimário de JJ relativamente aos prédios urbanos identificados no artigo 3.º da petição inicial daquela acção n.º 161/2001.

e) Condenam-se os 2.ºs R.R. a reconhecerem o direito de propriedade da autora sobre os prédios identificados nos n.ºs 8 a 10 do artigo 3.º da petição inicial da acção em referência, bem como a entregar-lhos imediatamente;

f) Condenam-se os 3.ºs R.R. a reconhecerem o direito de propriedade da A. sobre os prédios urbanos identificados nos n.ºs 1. a 7. do artigo 3.º da petição inicial daquela acção, bem como a entregar-lhos imediatamente;

g) Julgar a acção improcedente no demais peticionado, absolvendo-se os R.R. dos demais pedidos contra eles formulados.


*


C.2 - No que toca à reconvenção.

a) Julga-se o pedido reconvencional formulado pelos R.R./Reconvintes RR e mulher SS totalmente improcedente, absolvendo-se concomitantemente os A.A./Reconvindos dos pedidos reconvencionais em mérito.


***


Custas da acção n.º 111/2001 a suportar pelos R.R..

Custas da reconvenção do processo n.º 111/2001, a suportar, provisoriamente, por A.A./Reconvindos e R./Reconvinte, na proporção de metade, sem prejuízo do acerto a efectuar posteriormente, em face do decaimento que venha a verificar-se em ulterior incidente de liquidação.


***


Custas da acção n.º 160/2001 a suportar pelos R.R..

***


Custas da acção n.º 161/2001, a suportar por A.A. e R.R., na proporção do respectivo decaimento.

Custas da reconvenção formulada no processo n.º 161/2001 a suportar pelos R.R./Reconvintes.[…]».


2. Desta sentença interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra os RR. RR e mulher, SS, a R. FF, S.A. (actual TT - Vinhos, S.A..) e os RR. LL e mulher.

À apelação dos RR. RR e mulher, SS, bem assim como à apelação da R. FF, S.A. (actual TT - Vinhos, S.A..), foi atribuído efeito suspensivo (despacho de 02/09/2015).


Por acórdão de 17/01/2017 (fls. 3338) foi proferida a seguinte decisão:


“V - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em:

- Julgar improcedentes todos os recursos de Apelação e confirmar a sentença impugnada,

- Negar provimento aos Agravos interpostos pela Ré “FF, S.A.” (TT - Vinhos, S.A...) e confirmar o decidido nos despachos impugnados nesses recursos;

- Julgar, em consequência da confirmação da sentença, prejudicado, o conhecimento dos agravos interpostos pelos AA/Apelados.”


3. Vêm os RR. RR e mulher, os RR. LL e mulher, e a R. FF, S.A. (actual TT - Vinhos, S.A..) interpor, autonomamente, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Os RR. RR e mulher formularam as seguintes conclusões:

“1. As disposições efectuadas pela JJ no seu testamento dia 29 de Abril de 1967, por um lado deixando ao seu marido, CC Júnior, todos os bens móveis, imóveis, jóias, dinheiro ou quaisquer valores que possuísse à data do seu falecimento, mas em regime de fideicomisso, nos termos art. 1.871° n° 2 do Código de Seabra e por outro lado acrescentando que podia ele marido usufruir e alienar os ditos bens são contraditórias, inconciliáveis e incompatíveis ou, pelo menos, insofismavelmente confusas;

2. Em qualquer dos casos, importa proceder a uma interpretação do dito testamento de forma a apurar a real e efectiva vontade da testadora;

3. Na expressão “contexto do testamento”, utilizada no art.º 2.187° n° 1 do CC inclui-se quer o texto de cada uma das suas disposições, quer o seu conjunto unitário, acentuando-se e valorando-se as relações entre as várias partes, pelo que não deve o testamento ser interpretado atomisticamente, mas na sua dimensão total;

4. O contexto do testamento permite concluir que foi propósito da testadora instituir o seu marido como seu único herdeiro, pois, na data em que foi lavrado o testamento, ele ainda ocupava apenas a quarta classe dos sucessíveis, depois dos irmãos e descendentes destes;

5. Tal vontade assim expressa foi perfeitamente legal e compreensível, tanto mais que não tinha já ascendentes, nem tinha nem pela sua idade esperava descendentes, não havendo, então, herdeiros legitimários, sendo notória a intenção de acautelar a posição do marido, futuro viúvo e prevendo a hipótese de ainda restarem bens da sua herança à data da morte deste seu marido, dispor desses eventuais bens, atribuindo-os à sobrinha;

6. Tal vontade corresponde e traduz, objectivamente, as regras normais da vida conjugal. Em primeiro lugar está o cônjuge e é a ele que se quer garantir, conferindo-lhe a posição de herdeiro testamentário, subtraindo a herança à aplicação das regras da sucessão legítima, a favor de sobrinhos que se apresentem, na data do testamento, como sucessíveis prioritários na sucessão legítima, reservando para estes apenas os bens que restarem à data da morte do marido;

7. É esta a interpretação da vontade da testadora mais normal, razoável, conforme às leis da vida e da vida conjugal, e que no testamento tem expressão uma vez que a testadora permite ao seu marido a irrestrita alienação dos bens por ela deixados;

8. Perante a impossibilidade de conciliar a liberdade irrestrita, expressamente concedida pela testadora ao seu marido para alienar os bens por ela deixados, explicitando e precisando uma deixa anterior por remissão a um preceito legal que com tal liberdade é incompatível, deve a liberdade de alienar, por mais normal, razoável e conforme com a vida conjugal, ser julgada como verdadeira vontade da testadora;

9. A disposição da testadora consubstancia uma declaração condicional, permitida hoje pelo art° 2.229° do CC e não uma substituição fideicomissária, ainda que irregular;

10. Assim não decidindo, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, pelo menos o art. 1.871° n° 2 § único do Código de Seabra e os arts.° 2.187° n° 1 e 2.295° n° 1, al. b) do CC;

11. Os actos violadores do art. 1.861° do Código Seabra e do art. 2.295° do CC são anuláveis e não nulos;

12. Assim não decidindo, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o art. 294° do CC;

13. Tendo decorrido mais de um ano desde 25/11/1999, data em que a recorrida Virgínia teve conhecimento dos negócios em causa e dos vícios que lhe[s] imputa, sem ter proposto a presente acção, operou-se a caducidade do direito de accionar;

14. Assim não decidindo, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, pelo menos o art. 287° do CC.

Por tudo o alegado (…) deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue a acção improcedente”


Os RR. LL e mulher formularam as seguintes conclusões:

“1) Do despacho proferido a fls. 491 a 495

a) O despacho proferido a fls. 491 a 495 dos autos, não transitou em julgado em relação

ao pedido reconvencional formulado contra a AA., reconvindos, ora Recorridos, nomeadamente, peticionando as benfeitorias efectuadas no prédio em causa e pedido de indemnização a ser liquidado em execução de sentença, pelo que, sendo assim, há manifesta omissão de pronúncia do sr. Juiz da 1ª Instância, sobre tais pedidos reconvencionais, nulidade que o acórdão recorrido também não conheceu e que, de novo, se invoca para os devidos e legais efeitos.

b) Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, afigura-se aos Recorrentes que, há também omissão de pronúncia no acórdão da Relação, ora recorrido, pois, apesar da produção de prova sobre a matéria alegada pelos Recorrentes, que colheu no essencial, resposta positiva, o acórdão recorrido talqualmente a sentença nada diz sobre a alegada excepção peremptória, no âmbito da qual, tal matéria foi levada ao questionário.

2) Demais, e no que diz respeito ao testamento, aludido nos autos:

a) Face ao teor do testamento junto aos autos, o mesmo não se pode interpretar como configurando uma disposição fideicomissária.

b) Com efeito, os termos em que está elaborado o testamento em causa não se comprazem com o regime dos fideicomissos estabelecidos na lei, ao tempo em que foi outorgado.

c) Nesse testamento, a testadora autoriza o seu marido, a quem constitui seu universal herdeiro - deixa-lhe todos os bens que possua à data do seu falecimento - a alienar livremente e sem quaisquer restrições, os bens da sua herança.

d) Isto é, (...) “a usufruir e alienar os ditos bens” “e os que ficarem ao falecimento dele, herdeiros, pertencerão à sua sobrinha e afilhada, dela testadora, AA” (...) ora, apelada.

e) Tal disposição, testamentária não constitui um fideicomisso de resíduo, pois, a autorização de alienação dada ao herdeiro, marido da testadora, não tem qualquer restrição.

f) Por isso, tal declaração testamentária há-de considerar-se, apenas, como uma declaração condicional, no sentido que, só após a morte do marido e se existirem bens da herança da testadora então suceder-lhe-ia a sua identificada sobrinha.

g) Assim, face ao exposto, a interpretação que o Sr. Juiz “a quo” faz do testamento na douta sentença recorrida, não reflete a vontade real da testadora, que resulta do aludido testamento.

h) Sendo totalmente irrelevante a referência no testamento à norma jurídica do fideicomisso, pois tal referência nenhum efeito pode produzir na sua interpretação se, indagada a vontade do testador, esta não encontrar expressão nas declarações testamentárias, o que é o caso dos autos.

i) Por outro lado, ao tempo da abertura da herança o marido da testadora era seu herdeiro legitimário - art°. 2144° do Cód. Civil, e seu único e universal herdeiro.

j) Por isso, tal disposição testamentária - a admitir, por hipótese, tratar-se de uma disposição fideicomissária - estava ferida de invalidade absoluta, por ofensa do princípio da intangibilidade da legítima.

k) Nessa previsão sempre seria indispensável proceder a inventário para partilha, a fim de se aferir se os bens que restavam da herança ofendiam, ou não, a quota legitimária do cônjuge sobrevivo, a fim de se proceder à sua partilha.

I) Nesta conformidade, e face às conclusões das alíneas a) a j) do ponto 2, da Conclusão, o negócio celebrado entre os Recorrentes e o falado Agostinho, não está ferido de qualquer vício, mantendo-se plenamente válido e eficaz,

m) Violando, desta forma, o Acórdão recorrido, nomeadamente, os artigos 1861° e 1872°, n°2, Parágrafo Único do Código de Seabra e os artigos 2187°, n ° 1, 2295°, n 1, al.) b), 2144° e 294°, todos do Código Civil.

Termos em que, deve ser dado provimento (…) ao presente recurso e revogando-se a decisão recorrida, julgar totalmente improcedente a acção, com todas as consequências legais.

Ou, caso assim se não entenda, o que não é de esperar, e a acção seja julgada procedente, então deve ser julgado totalmente procedente o pedido reconvencional formulado contra a Reconvinda, ora Recorrida, com todas as consequências legais.”


       A R. FF, S.A. (actual TT - Vinhos, S.A..) formulou as seguintes conclusões:

“a) Quando os AA. recorridos propuseram a presente acção o seu direito de accionar já se achava caduco.

b) Na realidade a A. recorrida tinha conhecimento há mais de um ano, reportado à data em que propôs a presente acção, do negócio titulado pela escritura de 17 de Fevereiro de 1999 - doct. de fls. 131.

c) Tal conhecimento foi reconhecido pela A. no seu depoimento pessoal prestado na audiência do julgamento, e acha-se provado cfr. resposta positiva ao quesito 6º.

d) Por outro lado, o vício que a A. alegou acerca do negócio em causa, sempre implicaria a sua anulabilidade e não nulidade.

e) Com efeito, admitindo, por hipótese, que o testamento dos autos estatui uma disposição fideicomissária, o certo é que, a alienação pelo fiduciário de bens do acervo do fideicomisso, sem autorização do fideicomissário é um acto anulável e não nulo.

f) É que, nesse caso, a invalidade desse negócio está estatuída no interesse do fideicomissário e não de qualquer interessado, como resulta claramente da lei.

g) A não ser assim, aquele que não desse a referida autorização ao fiduciário para este celebrar negócio (v.g. venda de um bem do fideicomisso), sempre ficaria impedido de o confirmar, o que seria inaceitável sob o ponto de vista jurídico, nomeadamente, pelas razões supra expostas.

h) Por isso, determinado o vício do alegado negócio - escritura de compra e venda de fls   - a sua anulabilidade, a excepção de caducidade do direito de accionar da A. terá de proceder, porquanto a acção foi proposta decorrido mais de um ano (2 de Maio de 2011[rectius: 2001]) sobre o conhecimento que a A. teve desse negócio (25/11/1999).

i) Acresce que, na hipótese configurada e descrita nas alíneas x), y) e z) do ponto A, o direito a accionar da A. padeceria, igualmente, de caducidade, tendo o acórdão recorrido violado, entre outros, os art°s. 287°, 327°-3 e 332°-1 Cod. Civil.

j) Devendo, assim, ser reconhecida e declarada essa excepção com todas as consequências legais.

Porém, se não for esse o entendimento de Vs. Exs, o que só, por hipótese, se coloca,

k) Por outro lado, face ao teor do testamento junto aos autos, o mesmo não se pode interpretar como configurando uma disposição fideicomissária.

I) Com efeito, os termos em que está elaborado o testamento em causa não se comprazem com o regime dos fideicomissos estabelecidos na lei, ao tempo em que foi outorgado.

m) Nesse testamento, a testadora autoriza o seu marido, a quem constitui seu universal herdeiro - deixa-lhe todos os bens que possua à data do seu falecimento - a alienar livremente e sem quaisquer restrições, os bens da sua herança.

n) Isto é, (...) “a usufruir e alienar os ditos bens” “e os que ficarem ao falecimento dele, herdeiros, pertencerão à sua sobrinha e afilhada, dela testadora, AA” (...) ora, apelada.

o) Tal disposição, testamentária não constitui um fideicomisso de resíduo, pois, a autorização de alienação dada ao herdeiro, marido da testadora não tem qualquer restrição.

p) Por isso, tal declaração testamentária há-de considerar-se, apenas, como uma declaração condicional, no sentido que, só após a morte do marido e se existirem bens da herança da testadora então suceder-lhe-ia a sua identificada sobrinha, cfr. Jurisprudência citada.

q) Por isso, face ao exposto, a interpretação sufragada no douto acórdão recorrido faz do testamento, não reflecte a vontade real da testadora, que resulta do seu texto.

r) Sendo totalmente irrelevante a referência no testamento à norma jurídica do fideicomisso, pois tal referência nenhum efeito pode produzir na sua interpretação se, indagada a vontade do testador, esta não encontrar expressão nas declarações testamentárias, pelo que o acórdão violou, entre outros, os art°s. 1861°, 1871°-2 parágrafo único do Cod. Seabra e art°s. 2187° n°. 1 e 2295° n°. 1 al. b) do C.C., bem como o art°.- 294° do C.C. o que é o caso dos autos.

s) Por outro lado, ao tempo da abertura da herança o marido da testadora era seu herdeiro legitimário - art°. 2144° do Cód. Civil, e seu único e universal herdeiro.

t) Por isso, tal disposição testamentária - a admitir, por hipótese, tratar-se de uma disposição fideicomissária - estava ferida de invalidade absoluta, por ofensa do princípio da intangibilidade da legítima.

u) Nessa previsão sempre seria indispensável proceder a inventário para partilha, a fim de se aferir se os bens que restavam da herança ofendiam, ou não, a quota legitimaria do cônjuge sobrevivo, a fim de se proceder à sua partilha.

v) Por outro lado, para além da sonegação de bens imputada ao marido da testadora não poder ser conhecida neste processo, a mesma, em qualquer caso, não se verifica.

w) Com efeito, a sonegação terá que ser deduzida por incidente no processo de inventário e aí apreciado em julgamento.

x) Ora, no caso dos autos, tal não se verificou, nem existe qualquer despacho no processo de inventário junto aos autos, a ordenar a discussão dessa questão nos meios comuns.

y) Acresce que, se tal se tivesse verificado, - o que não aconteceu - sempre os efeitos dessa decisão - sobre a sonegação, teriam de se produzir no inventário onde o incidente tivesse sido suscitado, pois, tais efeitos são incidentes sobre a partilha dos bens da herança.

z) 0 que não é o caso dos autos.

aa) Pelo que, também aquela alegada falsidade sempre teria de ser suscitada no aludido inventário e, daí, remetida eventualmente para os meios comuns. O que não foi o caso dos autos.

bb) Pelo que, tal decisão deve ser também, revogada por violação da lei - 1349° do CPC.

cc) Finalmente, as benfeitorias realizadas pela Apelante ao prédio em causa - Qta. de KK - devem ser classificadas como necessárias - e não úteis, apenas - em conformidade com a matéria provada nos autos.

dd) Com efeito, tais benfeitorias realizadas pela Apelante tiveram por finalidade evitar a perda e progressiva deterioração e o abandono da Qta. de KK da respectiva produção agrícola nela efectuada.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente:

a) Revogar-se o acórdão recorrido e julgar-se a acção totalmente improcedente com todas as consequências legais,

Ou, caso assim, se não entenda, o que não é de esperar, e

b) Caso se confirme a procedência da acção, serem consideradas e qualificadas como necessárias as benfeitorias peticionadas na reconvenção, com todas as consequências legais.”


      A A. Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

        Por acórdão de 20/06/2017 (fls. 4634) a Relação conheceu das alegadas nulidades do acórdão de 17/01/2017 (fls. 3338), decidindo pela não verificação das mesmas.

        

4. Tendo a acção sido proposta antes de 01/01/2008 e a decisão da Relação sido proferida em 17/01/2017, o regime recursório é o que resulta da norma do nº 1 do art. 7º, da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que dispõe: “Aos recursos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei [1 de Setembro de 2013] em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recurso decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.” Aos presentes recursos de revista não se aplica, pois, o obstáculo da dupla conforme, previsto no nº 3 do art. 671º, do CPC.


5. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

1. Mediante escritura celebrada no dia 29 de Abril de 1967, no Cartório Notarial da …, JJ declarou: "querer fazer o seu testamento e disposição de última vontade da maneira seguinte: Que é casada no regime de separação absoluta de bens com CC Júnior, e não tem descendentes, nem ascendentes vivos. Assim, dispondo livremente dos seus bens, deixa a seu marido, CC Júnior, todos os bens móveis, imóveis, jóias, dinheiro ou quaisquer valores que possua à data do seu falecimento, mas em regime de fideicomisso, nos termos do número segundo do artigo mil oitocentos e setenta e um do Código Civil ainda em vigor. Assim, seu referido marido poderá usufruir e alienar os ditos bens, mas, os que ficarem ao falecimento dele, herdeiro, pertencerão à sobrinha e afilhada dela testadora, AA. Esta será a única herdeira da testadora, no caso de seu marido lhe não sobreviver ou morrer simultaneamente. Assim o disse do que dou fé e nada mais querendo acrescentar ao seu testamento o dá por findo (cfr. documento de fls. 17 e ss. cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos) (cfr. al. A) dos Factos Assentes).

2. JJ faleceu no dia 25-07-1997 (cfr. documento de fls. 23 e 24 cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos) (cfr. al. B) dos Factos Assentes).

3. Em 25 de Julho de 1997 pertenciam a favor de JJ os seguintes prédios:

 - Prédio rústico, denominado Quinta de KK, composto por terra de cultivo de batata, centeio, vinha e pastagem, com amendoeiras, laranjeiras e oliveiras, com a área de 410.800 m2. sito na freguesia de Vale …, do concelho de S. João da Pesqueira, a confrontar de Norte com o rio Douro, de Sul com GG, de Nascente com a Quinta de HH e de Poente com a Quinta do II e outro, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 541, descrito na Conservatória do Registo Predial de S. João da Pesqueira, na ficha n.º 00…6/210993 (cfr. al. C) dos Factos Assentes).

4. O prédio rústico denominado Vale de NN ou OO, composto por terra de cultura, oliveiras e amendoeiras, com a área de 15.000 m2., sito na freguesia de Vale …, do concelho de S. João da Pesqueira, a confrontar do Norte com a estrada, de Sul com PP e de Poente com QQ e de Nascente com rua e LL, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2.064, e descrito na Conservatória do Registo Predial de S. João da Pesqueira na ficha n.º 01…5/98…6 (cfr. al. D) dos Factos Assentes).

5. O prédio urbano, composto por casa de dois andares e uma divisão, com área de 36 m2, sito no lugar de São…, da freguesia de Vale …, do concelho de São João da Pesqueira, a confrontar a norte com ZZ, de Sul com JJ, de Nascente com AAA e de Poente com Rua, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 192, descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira, na ficha n.º 01…0/99…20 (cfr. al. E) dos Factos Assentes).

6. O prédio urbano, composto por casa térrea e lagar de azeite, com a área de 70 m2., sito no lugar de KK, da freguesia de Vale …, do concelho de São João da Pesqueira, a confrontar a Norte, Nascente e Poente com rua, e de Sul com JJ, inscrito na matriz predial sob o art. 194, e descrito na Conservatória do Registo Predial de S. João da Pesqueira, na ficha n.º 01…1/99…0 (cfr. al. F) dos Factos Assentes).

7. O prédio urbano composto por casa térrea, com a área de 30 m2., sito no lugar de São …, da freguesia e concelho de São João da Pesqueira, a confrontar de Norte com AAA, de Sul e Poente com Rua, e de Nascente com JJ, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 200, descrito na Conservatória do Registo Predial de S. João da Pesqueira sob a ficha n.º 01…2/99…0 (cfr. al. G) dos Factos Assentes).

8. O prédio urbano composto por dois andares e cinco divisões, com a área de 100 m2, quintal com 50 m2, quinteiro com 150 m2., coberto com 35 m2., e dois lagares e armazéns com 100 m2., sito no lugar de São …, da freguesia e concelho de São João da Pesqueira, a confrontar de Norte, Sul e Nascente com JJ e de Poente com rua, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 207, descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira sob a ficha n.º 01…3/99…0 (cfr. al. H) dos Factos Assentes).

9. O prédio urbano composto de casa térrea, com a área de 24 m2., sito no lugar de São …, da freguesia e concelho de São João da Pesqueira, a confrontar de Norte e Nascente com rua, de Sul com BBB e, de Poente, com CCC, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 210, e descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira sob a ficha n.º 01…4/99…0 (cfr. al. I) dos Factos Assentes)

10. O prédio urbano composto por casa com área de 40 m2., sito no lugar de São …, da freguesia e concelho de São João da Pesqueira, a confrontar de Norte, Sul e Nascente com JJ e Poente com rua, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 324, descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira sob a ficha n.º 01…5/99…0 (cfr. al. J) dos Factos Assentes).

11. O prédio urbano composto por casa com área de 16 m2., sito no lugar de São …, da freguesia e concelho de São João da Pesqueira, a confrontar de Norte, Sul e Poente com DDD e de Nascente com JJ, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 325, descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira sob a ficha n.º 01…6/99…0 (cfr. al. K) dos Factos Assentes).

12. O prédio urbano composto por casa com área de 30 m2., sito no lugar de São …, da freguesia e concelho de São João da Pesqueira, a confrontar de Norte com AAA, de Sul com rua, de Nascente com EEE e Poente com JJ, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 201, e omisso na Conservatória do Registo Predial (cfr. al. L) dos Factos Assentes).

13. O prédio urbano composto por casa com dois andares e três divisões, com a área de 25 m2., sito no lugar de São …, da freguesia e concelho de São João da Pesqueira, a confrontar de Norte e Nascente com JJ, e de Sul e Poente com EEE, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 206, e omisso na Conservatória do Registo Predial (cfr. al. M) dos Factos Assentes).

14. O prédio urbano composto por Capela, sito no lugar de São …, da freguesia e concelho de São João da Pesqueira, a confrontar de todos os lados com caminho, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 493, e omisso na Conservatória do Registo Predial (cfr. al. N) dos Factos Assentes).

15. Sob o n.º 1155/98 corre termos na 3.ª Secção do 7.º Juízo Cível da Comarca do …, um processo de inventário, intentado pela A. em 14-10-1998, onde exerceu o cargo de cabeça-de-casal CC Júnior (cfr. al. O) dos Factos Assentes).

16. Na relação de bens, junta ao referido processo em 01-03-1999, o cabeça-de-casal entre outros, relacionou sob a verba n.º 38 o prédio descrito em 3., com a indicação de que estava descrito na Conservatória do Registo Predial com os n.ºs 9.232, a fls. 139, 9233, a fls. 139 v.º, 9238, a fls. 142, 9.239, a fls. 142 v.º, 9240, a fls. 143, 9244, a fls. 145 e 9246 a fls. 146, todos do Livro B-21, sob a verba n.º 39 o prédio descrito em 4. e sob as verbas 27.º a 36.º os prédios descritos de 5. a 14. (cfr. al. P) dos Factos Assentes).

17. Na referida relação de bens, o cabeça-de-casal referiu "relacionam-se as verbas n.ºs 1 a 16 e 27 a 39 que, apesar de serem objecto de contrato promessa de compra e venda ainda em vida da falecida JJ, à morte da inventariada estarem ainda registadas em seu nome (cfr. documento de fls. 50 a 60 cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos) (cfr. al. Q) dos Factos Assentes).

18. Mais declarou que "relaciona-se a verba n.º 39, objecto de doação por escritura de 8 de Setembro de 1997, no Cartório Notarial de E…" (cfr. al. R) dos Factos Assentes).

19. Na sequência de reclamação à relação de bens apresentada pela ora A., em 26-04-1999, em que no tocante às verbas n.ºs 38 e 39, pugnou que fossem eliminadas e substituídas por outra englobando ambos os prédios, o cabeça-de-casal, em requerimento dirigido ao processo em 25-05-1999, declarou que "O prédio rústico denominado Quinta de KK e relacionado sob a verba n.º 38 (...) a sua venda foi objecto de registo por compra à inventariada, conforme se prova pela fotocópia da certidão emitida pela Conservatória de Registo Predial de S. João da Pesqueira" (cfr. fls. 86 a 89 cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos) (cfr. al. S) dos Factos Assentes).

20. No dia 18-11-1999, o cabeça-de-casal juntou aos autos de inventário cópia da escritura de compra e venda do prédio descrito em 3. (cfr. documento de fls. 107 a 113 cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos) (cfr. al. T) dos Factos Assentes).

21. Em 15 de Março de 2000, o cabeça-de-casal juntou aos autos de inventário cópia do contrato-promessa cujo objecto era, além do mais, a venda do prédio referido em 3. (cfr. documento de fls. 114 a 120 cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos) (cfr. al. U) dos Factos Assentes).

22. Por despacho judicial de 26-05-2000, foram os interessados naquele inventário remetidos para os meios comuns quanto à resolução da questão concernente com a validade dos negócios referentes aos imóveis supra descritos (cfr. documento de fls. 123 a 127 cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos) (cfr. al. V) dos Factos Assentes).

23. CC Júnior faleceu no dia 16 de Fevereiro de 2001, na freguesia de …, concelho do Porto (cfr. al. W) dos Factos Assentes).

24. Mediante escritura celebrada no dia 17-02-1999, na Secretaria Notarial de A…, CC Júnior declarou que, em execução do contrato-promessa celebrado em 23-03-1996, na qualidade de procurador da sua mulher JJ, vendia a DD, que declarou comprar, os prédios identificados em 3. e 5. a 14. pelo preço de 17.670.000$00 (cfr. al. X) dos Factos Assentes).

25. Por escritura celebrada no dia 26-05-1999, no Cartório Notarial de Vila …, DD e mulher EE, declararam vender a FF, S.A., representada por FFF e GGG, que declararam comprar, o prédio descrito em 3., pelo preço de 107.000.000$00 (cfr. al. Y) dos Factos Assentes).

26. Por escritura pública celebrada em 28-03-2000, no Cartório Notarial de São João da Pesqueira, HHH, na qualidade de procuradora de DD e mulher EE, declarou vender a RR, que declarou comprar, os prédios identificados em 5. a 11., pelo preço total de 20.000.000$00 (cfr. al. Z) dos Factos Assentes).

27. Por escritura pública celebrada no dia 8-09-1997, no Cartório Notarial de E…, CC Júnior declarou (...) doar a LL, casado com MM, no regime de comunhão de adquiridos, o prédio rústico composto de terreno e cultura com oliveiras e amendoeiras, com a área de 15.000 m2., sito nos limites dos lugares da OO e Vale NN, freguesia de Vale ..., do concelho de S. João da Pesqueira, a confrontar do Norte com estrada, do Sul com PP, do Nascente com a rua e LL e do Poente com QQ, descrito na Conservatória do Registo Predial de S. João da Pesqueira sob o n. º22.552, omisso na respectiva matriz predial, que declarou aceitar (cfr. al. AA) dos Factos Assentes).

28. Essa aquisição por doação encontra-se registada a favor de LL mediante a Ap. 02/980126, inscrição G-2 (cfr. al. BB) dos Factos Assentes).

29. A aquisição por compra do direito de propriedade do prédio referido em 3. encontra-se registada a favor de DD, pela Ap. 07/990420, inscrição G-2, e os prédios referidos em 5. a 14. mediante ap. 07/990420, de cada uma das descrições que lhes corresponde (cfr. al. CC) dos Factos Assentes).

30. A aquisição por compra do direito de propriedade do prédio referido em 3. encontra-se registada em favor da FF, S.A., mediante a Ap.01/990714, inscrição G-3 (cfr. al. DD) dos Factos Assentes).

31. A aquisição por compra do direito de propriedade dos prédios referidos em 5. a 11. encontram-se registadas em favor de RR mediante as Ap. 01/20000328, inscrição G2, de cada uma das descrições que lhes corresponde (cfr. al. EE) dos Factos Assentes).

32. A A. não consentiu na venda do prédio referido em 3. (artigo 1.º da B.I.).

33. Nem nas vendas dos prédios referidos de 5. a 14. (cfr. artigo 2.º da B.I.).

34. Nem na doação do prédio referido em 4. (cfr. artigo 3.º da B.I.).

35. O CC Júnior, na qualidade de procurador de JJ, e o R. DD não firmaram o contrato-promessa referido na escritura realizada na escritura realizada a 17-02-1999 (cfr. artigo 4.º da B.I.).

36. O contrato-promessa referido na escritura realizada a 17-02-1999 foi outorgado em data posterior ao dia 13-10-1998 (cfr. artigo 5.º da B.I.).

37. A A. teve conhecimento da realização da escritura de compra e venda referente à venda do prédio descrito em 3. em 25 de Novembro de 1999 (cfr. artigo 6.º da B.I.).

38. Na mesma data a A. teve conhecimento da venda dos prédios referidos de 5. a 14. (cfr. artigo 7.º da B.I.).

39. A R. FF, S.A. desconhecia os termos da escritura referida em 24., bem como o referido em 32. (cfr. artigo 13.º da B.I.).

40. Na Quinta de KK era cultivado 3,804 ha. de vinha (cfr. artigo 16.º da B.I.)

41. Dos quais 0,864 estavam abandonados (cfr. artigo 17.º da B.I.).

42. E 2,940 ha. eram de vinha não mecanizada (cfr. artigo 18.º da B.I.)

43. A referida Quinta era constituída em socalcos largos e desnivelados, com grande densidade de plantação (cfr. artigo 19.º da B.I.).

44. Na mencionada Quinta existiam 15,77 ha. de olival, com oliveiras centenárias (cfr. artigo 20.º da B.I.).

45. E existiam 15,030 ha. de mato, constituído por vegetação mediterrânica arbustiva espontânea (cfr. artigo 21.º da B.I.).

46. Em 26-05-1999, cerca de 3,7 ha. da vinha da Quinta de KK tinha direito a benefício (cfr. artigo 22.º da B.I.).

47. Nessa decorrência, na vindima de 1999 foram beneficiados 12.050,00 litros de mosto (cfr. artigo 23.º da B.I.).

48. Na mesma data, da aquisição, a Quinta estava dividida em 4 parcelas distantes entre si (cfr. artigo 24.º da B.I.).

49. As castas eram constituídas por uma mistura aleatória de castas (cfr. artigo 25.º da B.I.).

50. Tinha cerca de 10% de uvas brancas (cfr. artigo 26.º da B.I.).

51. Os trabalhos agrícolas na referida Quinta tinham de ser executados à mão (cfr. artigo 28.º da B.I.).

52. Só havendo possibilidade de proceder à sua fertilização com recurso à tracção animal (cfr. artigo 29.º da B.I.).

53. Para os trabalhos agrícolas a executar na referida Quinta despendiam-se 1.200 horas de trabalho manual, por hectare e por ano (cfr. artigo 30.º da B.I.).

54. O preço de mão-de-obra sazonal em 1999 era de cerca de 800$00/hora (cfr. artigo 31.º da B.I.).

55. As vinhas ao alto são mecanizadas por tracção directa, sendo necessárias, à execução dos trabalhos agrícolas, 300 a 400 horas de trabalho manual e cerca de 80 horas de tracção mecânica, por hectare e por ano (cfr. artigo 32.º da B.I.).

56. O aluguer de tracção mecânica em 1999 era de cerca de 3.500$00/hora (cfr. artigo 33.º da B.I.).

57. Em 1999 a Quinta de KK produzia cerca de 4,5 toneladas de uvas por ha./ano (cfr. artigo 34.º da B.I.).

58. A produção das vinhas novas é de cerca de 6,5 toneladas de uvas por ha/ano (cfr. artigo 35.º da B.I.).

59. A partir de Novembro de 1999 a R. FF, S.A. iniciou a plantação de novas vinhas (cfr. artigo 36.º da B.I.).

60. A área de implantação de vinha é actualmente de 17,95 ha. (cfr. artigo 37.º da B.I.).

61. A área de implantação de olival é actualmente de 7,01 ha. (cfr. artigo 38.º da B.I.).

62. Cerca de 10 ha. são constituídos por vegetação espontânea (cfr. artigo 39.º da B.I.).

63. A R. FF, S.A. preparou terreno para implantação da vinha (cfr. artigo 40.º da B.I.).

64. Comprou fertilizantes (cfr. artigo 41.º da B.I.).

65. Material de aramação (cfr. artigo 42.º da B.I.):

66. E plantas (cfr. artigo 43.º da B.I.).

67. Recorreu ao trabalho de outrém (cfr. artigo 44.º da B.I.).

68. No que despendeu a quantia global de 70.699.000$00 (cfr. artigo 45.º da B.I.).

69. Requereu licenças de plantação de vinha (cr. artigo 46.º da B.I.).

70. Para o efeito a R. FF, S.A. despendeu quantia não concretamente apurada (cfr. artigo 47.º da B.I.).

71. Procedeu a obras de drenagem da água da chuva (cfr. artigo 48.º da B.I.).

72. Tendo despendido a quantia de 1.107.000$00 (cfr. artigo 49.º da B.I.).

73. Implantou um sistema de bombeamento e distribuição de água de rega e tratamentos fitossanitários (cfr. artigo 50.º da B.I.).

74. Construiu tanques de armazenamento de água, tendo despendido a quantia de 5.433.000$00 (cfr. artigo 51.º da B.I.).

75. Construiu um parque de máquinas e casa de abrigo de trabalhadores (cfr. artigo 52.º da B.I.).

76. No que despendeu a quantia de 2.600.000$00 (cfr. artigo 53.º da B.I.).

77. A Ré FF, S.A. adquiriu um tractor de rasgos contínuos de marca New-Holland (cfr. artigo 54.º da B.I.).

78. Tendo pago a quantia de 4.200.000$00 (cfr. artigo 55.º da B.I.).

79. A Ré FF, S.A. adquiriu um pulverizador no valor de 700.000$00 (cfr. artigo 56.º da B.I.).

80. A referida Ré adquiriu também um escarificador, por valor não concretamente apurado (cfr. artigo 57.º da B.I.).

81. Estas máquinas também são utilizadas pela falada Ré na exploração de outros seus prédios rústicos (cfr. artigo 58.º da B.I.); (alterado pela Relação)

82. Entre Novembro de 1999 e Junho de 2001 a Ré FF, S.A. pagou, a titulo de salário, ao Eng. III a quantia de 1.900.000$00 (cfr. artigo 59.º da B.I.).

83. No mesmo período pagou ao chefe de cultura JJJ a quantia de 1.411.000$00 (cfr. artigo 60.º da B.I.).

84. Em 2001 no Projecto de Rentabilização da Quinta de KK estavam previstas novas plantações de vinha, na área disponível, no valor de 100.000 contos (cfr. artigo 61.º da B.I.).

85. No período referido - Nov./1999 a Junho/2001 - o Eng.° III e JJJ, além de o terem feito na Quinta de KK, também trabalharam noutras explorações agrícolas, pertença da Ré FF, S.A. (cfr. artigo 62.º d B.I.). (alterado pela Relação)

86. Os materiais, obras e equipamentos mencionados nos pontos 65., 71., 73., 74. e 75. não podem ser retirados sem detrimento do prédio onde foram implantados/realizados (cfr. artigo 63.º-A da B.I.).

87. Após a aquisição do prédio referido em 4. os R.R. LL e mulher limparam e lavraram o terreno (cfr. artigo 66.º da B.I.).

88. A partir do início do ano 2000, os ditos R.R. procederam á sua terraplanagem e arroteamento (cfr. artigo 67.º da B.I.).

89. Construíram acessos e arruamentos (cfr. artigo 68.º da B.I.).

90. Os R.R. LL e esposa colocaram;

 - Muros de vedação e de suporte de terras, sendo que estes muros de suporte de terras no caso se mostram desnecessários para a cultura da vinha;

 - Portões (cfr. artigo 69.º da B.I.).

91. Iniciaram a construção de um armazém e de uma garagem (cfr. artigo 70.º da B.I.).

92. Plantaram uma vinha com cerca de 14.000 metros quadrados e mais de 4.000 pés (cfr. artigo 71.º da B.I.).

93. Em 2000/2001 nos trabalhos, obras e materiais realizados no prédio indicado em 4., os R.R. LL e mulher despenderam:

 - A quantia de 4.590.588$00 com a plantação de 1,4 ha. de vinha;

 - A quantia de 351.000$00 com a colocação de portões;

 - A quantia de 3.500.000$00 com a colocação de muros;

 - A quantia de € 1.000,00 pelo projecto de licenciamento do armazém e do muro de vedação (cfr. artigo 71.º-A da B.I.).

94. Antes da realização dos trabalhos referidos o terreno referido em D) tinha o valor de 1.500 contos (cfr. artigo 72.º da B.I.).

95. Actualmente o prédio referido em 4. tem o valor de mercado de 50.000,00 € (cfr. artigo 73.º da B.I.).

96. O R. RR tem como objectivo transformar os prédios por ele adquiridos num aldeamento turístico (cfr. artigo 74.º da B.I.).

97. Com os custos referentes a topógrafos, projectistas e arquitectos, o R. RR despendeu, até à entrada da contestação, um montante não concretamente apurado (cfr. artigo 76.º da contestação).

98. Com o custo de manutenção e guarda de imóveis o R. despendeu, até à entrada da contestação, um montante não concretamente apurado (cfr. artigo 77.º da B.I.).

99. O referido R. celebrou já contratos no valor de 11.000.000$00 para restauro e recuperação de casas antigas, sendo que as casas foram recuperadas (cfr. artigo 78.º da B.I.).

100. E 4.900.000$00 para recuperação de um lagar de azeite, que foi recuperado (cfr. artigo 79.º da B.I.).

101. E 3.000.000$00 para restauro e recuperação de uma capela, que foi restaurada e recuperada (cfr. artigo 80.º da B.I.).

Mais se provou documentalmente que:

102. No dia 25 de Fevereiro de 1993, no Terceiro Cartório Notarial do …, perante KKK, Ajudante do mesmo Cartório, compareceu como outorgante JJ, casada com CC Júnior, sob o regime de separação de bens e por ela foi dito: "Que constitui seu bastante procurador seu referido marido CC Júnior (...) a quem com a faculdade de substabelecer, confere poderes para comprar, vender, pelo preço e condições que entender, os prédios sito no Vale …, São João da Pesqueira, pagar ou receber preços, dar ou aceitar quitação, outorgar e assinar as necessárias escrituras, contratos promessa de compra e venda ou outros; - mais lhe concede poderes para a representar em quaisquer Repartições Públicas e Administrativas; em todos os actos e assuntos que, de qualquer modo seja interessado, e designadamente, nas repartições de Finanças, requerer isenções de sisa de contribuição predial ou outras a que tenham direito, liquidar impostos reclamando dos indevidos ou excessivos (...)" (cfr. documento de fls. 2011 a 2014 cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).

103. A fls. 168 a 173 do processo de inventário n.º 1155/98, que correu termos no 7.º Juízo Cível do … consta um documento, datado de 04-02-1999, com o selo branco do Cartório Notarial de P…, denominado "pública-forma" em que foi declarado que "é fotocópia pública-forma, que fiz extrair, do documento que me foi apresentado e vai conforme o original, que restituí" sendo que dessa fotocópia consta um documento denominado "Contrato Promessa de Compra e Venda Dação em Pagamento e Constituição de Direito de Uso e Habitação" no qual se encontra declarado:

 "(...)1.1. - CC Júnior (...), por si e na qualidade de procurador de sua mulher JJ (...) conforme procuração de 25 de Fevereiro de 1993 (...)" "1.2. - DD (...). 2.1. - A representada do Primeiro Outorgante é a dona e legitima possuidora dos prédios a seguir identificados, todos eles situados na freguesia de Vale …, concelho de S. João da Pesqueira: a) Prédio urbano composto por casa com dois andares e uma divisão, sita no Lugar de KK (...) inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 192; b) Prédio urbano composto por casa térrea com lagar e azeite, sito em KK (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 194; c) Prédio urbano composto por casa térrea, sito em KK (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 200; d) Prédio urbano composto por casa térrea sito em KK (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 201; e) Prédio urbano composto por casa com dois andares e três divisões, sito em KK (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 206, f) Prédio urbano composto por casa com dois andares e cinco divisões, quintal, quinteiro, um coberto, dois lagares e armazém, sito em KK (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 207, g) Prédio urbano composto por casa térrea, em KK (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 210, h) Prédio urbano composto por casa, em KK (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 324, i) Prédio urbano composto por casa, em KK (...), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 325, j) Prédio urbano composto por capela denominada capela de Santo … (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 493, k) Prédio urbano composto por casa térrea, em KK (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 315; l) Prédio rústico composto por terra de batata, centeio, vinha e pastagem, com 900 amendoeiras, 59 laranjeiras e 1050 oliveiras, sito em KK (...) inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 541; m) Prédio rústico composto por olival, em C… (...) inscrito na matriz predial rustica sob os artigos 1016, 1261; n) Prédio rústico composto por olival, em C… (...) inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1006; o) Prédio rústico composto por olival e vinha, em L… (...), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1043; p) Prédio rústico composto de vinha e olival, em V… (...), inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 1044, 1045; q) Prédio rústico composto por terra de vinha, olival e monte, em B… (...), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1063; r) Prédio rústico composto por vinha, em L… (...) inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1077; s) Prédio rústico composto por olival, sito em G… (...), inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 1068, 1070; t) Prédio rústico composto por terra de semeadura, vinha e olival, com pombal, em Z…, denominado Quinta do LLL, inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 1071, 1072 (...)" "(...)2.3 - A representada do Primeiro Outorgante promete vender ao Segundo Outorgante, que promete comprar, os prédios identificados (...), com tudo o que os compõe, nomeadamente, os móveis, alfaias agrícolas e outros pertences, nos seguintes (...) TERMOS E CONDIÇÕES (...)". "(...) O preço da prometida compra e venda é de Esc. 30.000.000$00 (...)". "(...) A escritura pública do contrato prometido será celebrada após o pagamento do preço e logo que o Segundo Outorgante para tanto notificar o Primeiro Outorgante do dia, hora e Cartório Notarial da sua celebração; 3.6. - Nesta data, o Segundo Outorgante toma posse dos prédios objecto deste contrato e serão de sua conta todas as despesas decorrentes com a exploração agrícola dos prédios rústicos e a conservação dos prédios urbanos, bem como todos os custos inerentes à propriedade dos bens, nomeadamente o pagamentos dos impostos e taxas devidos; 3.7.- A venda é efectuada com reserva para a representada do Primeiro Outorgante, e com a constituição a seu favor, do direito de uso e habitação, nos termos das disposições dos artigos 1484.º e seguintes do Código Civil; (...) 3.9 - O presente contrato fica sujeito à execução específica, nos termos do disposto no artigo 830.º do Código Civil (...)" sendo que na ultima folha da pública-forma consta a seguinte declaração: "Reconheço a assinatura retro de CC Júnior (...) na qualidade de procurador de JJ Júnior, com poderes para o acto, conforme fotocópia da procuração que me foi exibida, outorgada em 25 de Fevereiro de 1993, no 3.º Cartório Notarial do Porto, o qual me exibiu fotocópia certidão passada pela Repartição de Finanças de S. João da Pesqueira, da qual consta que os prédios urbanos foram inscritos na matriz anteriormente ao ano de 1951. Porto e 8.º Cartório Notarial, 29 de Março de 1996. A Ajudante (Assinatura ilegível)". (cfr. documento de fls. 168 a 173 dos autos de inventário apensados aos presentes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).

104. Sobre a descrição predial do prédio indicado em 3. encontram-se inscritos, através da ap. 02/20…02, os pedidos da acção a que coube o n.º 111/2001 (cfr. documento de fls. 167 e 168 cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

105. Sobre as descrições prediais dos prédios indicados em 5. a 11. encontram-se inscritos, através da ap. 07/20…01, os pedidos da acção a que coube o n.º 161/2001.


6. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, o objecto dos recursos delimita-se pelas conclusões dos mesmos. Assim, nos presentes recursos estão em causa as seguintes questões:


Recurso dos RR. RR e mulher

- Natureza da disposição da testadora: declaração condicional e não substituição fideicomissária irregular;

- Actos praticados em violação do regime do art. 1871º, nº 2, § único, do Código de Seabra e do art. 2295º, do CC de 1966 são anuláveis e não nulos;

- Caducidade do direito da A. de interpor a presente acção.


Recurso dos RR. LL e mulher

Questões relativas aos pedidos reconvencionais (enunciadas por meio da reprodução das conclusões recursórias):

- “a) O despacho proferido a fls. 491 a 495 dos autos, não transitou em julgado em relação

ao pedido reconvencional formulado contra a AA., reconvindos, ora Recorridos, nomeadamente, peticionando as benfeitorias efectuadas no prédio em causa e pedido de indemnização a ser liquidado em execução de sentença, pelo que, sendo assim, há manifesta omissão de pronúncia do sr. Juiz da 1ª Instância, sobre tais pedidos reconvencionais, nulidade que o acórdão recorrido também não conheceu e que, de novo, se invoca para os devidos e legais efeitos.”

- “b) Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, afigura-se aos Recorrentes que, há também omissão de pronúncia no acórdão da Relação, ora recorrido, pois, apesar da produção de prova sobre a matéria alegada pelos Recorrentes, que colheu no essencial, resposta positiva, o acórdão recorrido talqualmente a sentença nada diz sobre a alegada excepção peremptória, no âmbito da qual, tal matéria foi levada ao questionário.”

Questões relativas aos pedidos das acções:

- Disposição testamentária não instituiu um fideicomisso de resíduo, antes reveste a natureza de declaração condicional pela qual a sobrinha testadora seria beneficiada apenas se à morte do marido da testadora ainda restassem bens da herança;

- Subsidiariamente, invalidade de tal disposição fideicomissária por, ao tempo da abertura da herança, o marido da testadora ser seu herdeiro legitimário;

- Em consequência do que sempre seria de proceder a inventário para partilha a fim de se aferir se, com os bens que restavam na herança, se ofendia a quota legitimária do cônjuge sobrevivo, sendo, por isso, válido o negócio celebrado entre CC e os Recorrentes.


Recurso da R. FF, S.A. (actual TT - Vinhos, S.A..)

Questões relativas aos pedidos das acções:

- Caducidade do direito dos AA. interporem a presente acção;

- Vício do negócio em causa é a anulabilidade e não a nulidade pelo que teria de proceder a excepção de caducidade;

- Na hipótese descrita nas alíneas x), y) e z) do ponto A) do corpo das alegações recursórias (a saber: segundo a A. o prazo de caducidade só poderia contar-se a partir da notificação do despacho proferido nos autos do processo de inventário, remetendo para os meios comuns a resolução da questão relativa à validade dos actos de transmissão dos bens da herança), o direito da A. também teria caducado por aplicação do regime do arts. 287º, 327º e 332º, do CC de 1966;

- Disposição testamentária não instituiu um fideicomisso de resíduo, sendo antes uma simples declaração condicional a favor da sobrinha da testadora;

- Invalidade de tal disposição fideicomissária por, ao tempo da abertura da herança, o marido da testadora ser seu herdeiro legitimário;

- Em consequência do que sempre seria de proceder a inventário para partilha a fim de se aferir se, com os bens que restassem na herança, se ofendia a quota legitimária do cônjuge sobrevivo;

- Não ocorreu sonegação dos bens e, de qualquer forma, tal questão sempre teria de ser deduzida por incidente no processo de inventário.

Questões relativas ao pedido reconvencional:

- Natureza necessária das benfeitorias por si realizadas.


        As questões serão conhecidas pela seguinte ordem de precedência:

I - Quanto aos pedidos das acções

- Natureza da disposição testamentária [todos os recursos];

- Invalidade da disposição fideicomissária por, ao tempo da abertura da herança, o marido da testadora ser seu herdeiro legitimário [recurso dos RR. LL e mulher, e recurso da R. FF, S.A.];

- Em consequência do que sempre seria de proceder a inventário para partilha a fim de se aferir se, com os bens que restassem na herança, se ofendia a quota legitimária do cônjuge sobrevivo [recurso dos RR. LL e mulher, e recurso da R. FF, S.A.];

- Vício dos actos praticados em violação da disposição testamentária [recurso dos RR. RR e mulher, e recurso da R. FF, S.A.];

- Caducidade do direito da A. [recurso dos RR. RR e mulher, e recurso da R. FF, S.A.];

- Na hipótese descrita nas alíneas x), y) e z) do ponto A) do corpo das alegações recursórias do recurso da R. FF (a saber: segundo a A. o prazo de caducidade só poderia contar-se a partir da notificação do despacho proferido nos autos do processo de inventário, remetendo para os meios comuns a resolução da questão relativa à validade dos actos de transmissão dos bens da herança), o direito da A. também teria caducado por aplicação do regime do arts. 287º, 327º e 332º, do CC de 1966 [recurso da R. FF, S.A.];

- Não ocorrência de sonegação de bens e, de qualquer forma, necessidade de a questão ser deduzida por incidente no processo de inventário [recurso da R. FF, S.A.].


II - Quanto aos pedidos reconvencionais

         Recurso dos RR. LL e mulher:

- O despacho proferido a fls. 491 a 495 dos autos não transitou em julgado em relação ao pedido reconvencional formulado contra os AA. Reconvindos, peticionando as benfeitorias efectuadas no prédio em causa e uma indemnização a ser liquidada em execução de sentença, pelo que, sendo assim, há omissão de pronúncia da sentença sobre tal pedido reconvencional, nulidade de que o acórdão recorrido também não conheceu;

- Ainda que assim não se entendesse, há também omissão de pronúncia no acórdão da Relação, ora recorrido, pois, apesar da produção de prova sobre a matéria alegada pelos Recorrentes, que colheu no essencial resposta positiva, o acórdão recorrido assim como a sentença nada diz sobre a alegada excepção peremptória, no âmbito da qual tal matéria foi levada ao questionário.


Recurso da R. FF, S.A.:

- Natureza necessária das benfeitorias por si realizadas.


7. As questões objecto dos presentes recursos de revista foram apreciadas pelas instâncias em sentido favorável aos AA. Dada a especificidade e complexidade da presente lide – em que estão em causa tanto a natureza como o regime de disposição testamentária constante de testamento outorgado ainda durante a vigência do Código de Seabra, tendo a abertura da herança tido lugar cerca de trinta anos após a entrada em vigor do Código Civil de 1966 (e já após a reforma do direito sucessório introduzida no mesmo código pelo Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro), e discutindo-se a validade dos actos praticados pelos RR. em alegado desrespeito de tal disposição testamentária – impõem-se especiais cautelas na determinação da lei aplicável, em função do regime das regras de aplicação da lei no tempo consagradas no art. 12º do Código Civil actualmente vigente, as quais são válidas para casos, como o dos autos, em que esteja em causa a sucessão no tempo dos dois códigos civis portugueses (cfr. art. 5º do Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o novo Código Civil).


8. Questão logicamente precedente de todas as demais é a da determinação da natureza da disposição testamentária em causa.

Relevam os seguintes factos provados:

1. Mediante escritura celebrada no dia 29 de Abril de 1967, no Cartório Notarial da …, JJ declarou: "querer fazer o seu testamento e disposição de última vontade da maneira seguinte: Que é casada no regime de separação absoluta de bens com CC Júnior, e não tem descendentes, nem ascendentes vivos. Assim, dispondo livremente dos seus bens, deixa a seu marido, CC Júnior, todos os bens móveis, imóveis, jóias, dinheiro ou quaisquer valores que possua à data do seu falecimento, mas em regime de fideicomisso, nos termos do número segundo do artigo mil oitocentos e setenta e um do Código Civil ainda em vigor. Assim, seu referido marido poderá usufruir e alienar os ditos bens, mas, os que ficarem ao falecimento dele, herdeiro, pertencerão à sobrinha e afilhada dela testadora, AA. Esta será a única herdeira da testadora, no caso de seu marido lhe não sobreviver ou morrer simultaneamente. Assim o disse do que dou fé e nada mais querendo acrescentar ao seu testamento o dá por findo (cfr. documento de fls. 17 e ss. cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos) (cfr. al. A) dos Factos Assentes).

2. JJ Leal faleceu no dia 25-07-1997 (cfr. documento de fls. 23 e 24 cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos) (cfr. al. B) dos Factos Assentes).


O testamento de JJ foi outorgado por escritura de 29 de Abril de 1967, na vigência do Código de Seabra (CC de 1867), uma vez que o Código Civil de 1966 apenas entrou em vigor a 1 de Junho de 1967.

Nos termos do art. 5º, do Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o novo Código Civil, “A aplicação das disposições do novo código a factos passados fica subordinada às regras do artigo 12º do mesmo diploma, com as modificações e os esclarecimentos constantes dos artigos seguintes” (entre os quais se conta o regime do art. 22º do mesmo diploma legal, preceito relativo à declaração de nulidade e à anulabilidade de testamento ou disposição testamentária anteriores à entrada em vigor do novo código, que, porém, não é convocável no caso dos autos por não estar em causa a validade do testamento mas sim dos actos praticados em seu desrespeito).

Deste modo, e de acordo com o princípio geral da irretroactividade da lei (art. 12º, nº 1, do CC de 1966), a natureza da disposição testamentária em apreciação nos presentes autos, tem de ser determinada em função do regime legal em vigor à data em que o testamento foi outorgado (isto é, em 29/04/1967), regime legal esse no qual se inclui também a norma relativa à própria interpretação dos testamentos. A este respeito tem pois de ser convocada a prescrição do art. 1761º do Código de Seabra com o seguinte teor:


     “Em caso de dúvida sôbre a interpretação da disposição testamentária, observar se á o que parecer mais ajustado com a intenção do testador, conforme o contexto do testamento”.    


       De acordo com esta norma (que transitou para o nº 1, do art. 2187º do CC de 1966, ao qual foi adicionada a regra do nº 2, relativa à admissão de “prova complementar” a que o regime do Código de Seabra não se referia), a interpretação do testamento deve seguir um critério subjectivista, isto é, de determinação da vontade do testador, devendo o intérprete atender não apenas ao texto de cada disposição testamentária vista de forma isolada, mas ao conjunto do testamento (o “contexto”).

       Para a resolução da questão sub judice torna-se também necessário ter presentes os seguintes aspectos do regime sucessório do CC de 1867 (na redacção do Decreto nº 19.126, de 16 de Dezembro de 1930):

- O cônjuge não era herdeiro legitimário (cfr. art. 1784º) e integrava tão-só a 4ª classe dos sucessores legítimos, após os descendentes (1ª classe), os ascendentes (2ª classe) e os irmãos e seus descendentes (3ª classe), nos termos do art. 1969º;

- Admitiam-se disposições fideicomissárias que, entre outras, se encontravam sujeitas às seguintes normas legais:


Artigo 1866º

“A disposição testamentária, pela qual algum herdeiro ou legatário é encarregado, de conservar e transmitir por sua morte a um terceiro a herança ou legado, diz-se substituição fideicomissária ou fideicomisso.”


Artigo 1867º

“São proibidas as substituições fideicomissárias em mais de um grau.”


Artigo 1871º

“São havidas como fideicomissárias e, como tais, válidas num grau:

1.º As disposições com proibição de alienar por actos inter vivos;

2.º As disposições que chamarem um terceiro ao que restar da herança ou do legado por morte do herdeiro ou do legatário.

§ único. A faculdade de alienar atribuída ao fiduciário, por força do n.º 2, só lhe é permitida depois de o fiduciário não ter bens alguns próprios, com exclusão do prédio da sua residência habitual, e depois de ter obtido para isso autorização do fideicomissário, ou o seu suprimento judicial.”


       A doutrina especializada qualificava como fideicomissos irregulares as hipóteses previstas nos nºs 1 e 2, do art. 1871º, sendo que – no que importa para a presente lide – o regime do nº 2 corresponde ao denominado fideicomisso de resíduo ou de eo quod supererit (cfr. José Tavares, Successões e Direito Successorio, Vol. I, Coimbra, 1903, pág. 486, Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, Vol. X, Coimbra Editora, 1935, pág. 172, e Fernando Aguiar-Branco, Dos Fideicomissos (texto de 1947), edição da Fundação Eng.º António de Almeida, 2000, pág. 93). Tal modalidade de fideicomisso irregular transitou também para o CC de 1966 em termos sensivelmente equivalentes (cfr. art. 2295º, nº 1, alínea b) e nº 3).

      Entenderam as instâncias que a disposição testamentária dos autos (facto 1) instituiu um fideicomisso de resíduo, sujeito, por isso, ao regime restritivo do § único, do art. 1871º, do CC de 1867 (na redacção do Decreto nº 19.126, de 16 de Dezembro de 1930).

      Contra, alegam os RR. Recorrentes essencialmente o seguinte: na medida em que, na vigência do Código de Seabra, o cônjuge sobrevivo não era herdeiro legitimário, antes se situava na quarta classe dos sucessíveis, atrás dos irmãos e seus descendentes, a vontade da testadora terá sido a de acautelar a posição do marido, CC; pelo teor da deixa testamentária, designadamente pela autorização para “usufruir e alienar” todos os bens, sem indicação de restrições à faculdade de alienação, deve entender-se que a mesma disposição reveste a natureza de simples declaração condicional, sendo para o efeito irrelevante a referência (constante do testamento) a fideicomisso e ao art. 1871º do CC (de 1867). Tal declaração condicional teria apenas como efeito que, se à morte do marido da testadora ainda existissem bens da herança desta na sua titularidade, revertessem os mesmos para a sobrinha da testadora, A. na presente acção.


         Quid iuris?


     Dada a vetustez do regime legal em causa, afigura-se que – na sequência do que foi feito pela Relação –, para a melhor compreensão do mesmo, será conveniente socorrermo-nos do artigo de Cunha Gonçalves, intitulado Fideicomisso de Resíduo (publicado na Revista da Ordem dos Advogados, 1946, I, nºs 1 e 2, págs. 176-180). Transcrevemo-lo quase na íntegra, destacando as passagens que se afiguram de maior interesse para a resolução da questão dos autos:


     “É tão enraizado nos portugueses, e também nos demais povos em que a família não se tornou uma instituição instável, o amor pela descendência, que, apesar de ser uma velharia, os fideicomissos surgem a cada passo e às vezes aparecem nos tribunais. Parece que os testadores, impedindo que os seus bens sejam alienados pelo sucessor imediato e assegurando a transmissão deles para os descendentes de grau subsequente, têem a sensação de que prolongam a sua própria existência e o seu próprio bem-estar.

        Algumas vezes, porém, o testador, deixando a sua herança ou legado a determinada pessoa, não se opõe à alienação dos bens, - geralmente porque o sucessor, sendo pessoa relativamente pouco abonada, pode ter necessidade de os vender; mas prevê que esta venda não se realize, no todo ou em parte, até à morte do herdeiro ou legatário, e determina que, nesta hipótese, os mesmos bens ou o resto deles passem a terceiro. É o que se chama fideicomisso de resíduo ou fideicomisso por equiparação, expressamente previsto no art. 1.871.º do Código Civil.

          Note-se que, embora esta disposição legal se refira ao que restar da herança ou legado, não é forçoso que o herdeiro ou legatário venda uma parte. Ainda que ele, de facto, não venda parte alguma, a totalidade, que ficou no seu património, será também o que restar; e assim haverá, também neste caso, um ‘fideicomisso de resíduo’.

         Alguns testadores, porém, para mais claramente afirmarem a liberdade de alienação que conferem ao herdeiro ou legatário, esclarecem que lhe deixam os bens em domínio pleno, acrescentando em seguida a cláusula característica: «mas, se houver algum resto da herança na data da sua morte, quero que esse resto passe para Fulano».

        Poderá afirmar-se que, mesmo em tal hipótese, há um fideicomisso de resíduo? Sem dúvida alguma. Todavia, a Relação de Coimbra, num Acórdão recente cuja data não fixámos, julgou que não existia tal fideicomisso, já porque não se verifica a definição do fideicomisso consignada no art. 1.866.º do Código Civil, no qual se exige que o fiduciário conserve e transmita os bens, já porque o testador havia deixado os bens em domínio pleno, já enfim porque o herdeiro havia já alienado os bens todos, no exercício do mesmo domínio pleno, do qual é característica legal a faculdade de alienar. Tudo isto, porém, são equívocos e sofismas, como se verá do seguinte:

1.º - As palavras «conservar e transmitir» são aplicáveis, apenas, ao fideicomisso-tipo, ao fideicomisso normal ou regular, e não ao fideicomisso de resíduo, em relação ao qual a lei expressamente prevê a alienação parcial dos bens. Nem pode deixar de ser assim; pois, sem a venda parcial, como pode haver resto;

         Damos como reproduzido o que a este respeito dissemos no vol. X, págs. J 54 a 156 do nosso Tratado de Direito Civil.

         O citado art. 1.871.º do Código Civil dizia e ainda diz:

         «Serão havidas ou são havidas como fideicomissárias:

     2.° - As disposições que chamarem um terceiro ao que (possìvelmente, é claro) restar da herança ou do legado por morte do herdeiro ou do legatário».

        Ora, se tais disposições são fideicomissárias, apesar de nelas não haver a obrigação de conservar e transmitir os bens, e, pelo contrário, se prevê a alienação parcial, ficando só um resto que se transmite, não há razão nem justiça em se afirmar que elas não são fideicomissárias. Isto é julgar contra lei expressa!

       De outro lado, sendo certo que o herdeiro pode não alienar os bens ou só alienar parte deles, - porque a alienação é uma faculdade e não obrigação cominatória, é claro que toda a herança ou parte dela passará forçosamente para o terceiro; e assim o herdeiro, mesmo sem o ter querido, conserva e transmite à pessoa designada. O herdeiro não pode dispor desses bens causa mortis ou em testamento; eles não se transmitem tampouco aos seus sucessores legítimos. Portanto, a definição do art. 1.866.° é extensiva aos bens não alienados, ao resto ou resíduo herdado pelo terceiro. Daí a justeza da equiparação legal do fideicomisso de resíduo ao fideicomisso-tipo.

        Isto basta para se verificar o êrro do primeiro fundamento do citado Acórdão.

   3.° - O fideicomisso de resíduo é, como já vimos, caracterizado pela faculdade conferida ao fiduciário, tanto pela lei, como pelo autor da herança, de alienar todos ou parte dos respectivos bens. Não se pode sequer conceber um tal fideicomisso sem a faculdade de alienar, ao menos em parte, pois sem esta alienação não pode haver a parte restante que se transmitirá ao terceiro.

     Ora, a faculdade de alienar pressupõe, forçosamente, o domínio pleno, visto o disposto no art. 2.359.° do Código Civil. Portanto, é puro pleonasmo, é absolutamente desnecessário, escrever-se que o fiduciário de resíduo terá o domínio pleno dos bens legados; pois, ainda que esta frase não existisse no testamento, o herdeiro teria esse domínio, - sem prejuízo do direito condicional ou hipotético do fideicomissário a herdar o resto da herança, ou seja, os seus bens não alienados.

            Improcede, pois, o segundo argumento do Acórdão.

    4.° - Mas, a faculdade de alienar não é um requisito absoluto da propriedade plena. O citado art. 2.359.º do Código Civil, depois de dizer que «o direito de alienação é inerente à propriedade», acrescenta que «ninguém pode ser obrigado a alhear ou não alhear senão nos casos e pela forma declarados na lei». Por outros termos, o domínio pleno é perfeitamente compatível com a restrição legal do direito de alienar.

      De facto, há domínios plenos inalienáveis; e há domínios plenos que só são alienáveis mediante certos acordos prévios com outrem e com certas formalidades. Tais são os casos regulados nos arts. 1.119.°, 1.128.°, 1.149.°, 1.559.°, 1.564.º a 1.566.°, 1.677.º e 1.678.º, além de muitos outros casos previstos em leis especiais, alguns dos quais foram especificados no citado nosso Tratado, vol. XII, n.º 1.830, que damos como reproduzido.

     Ora, a despeito da faculdade de alienar que tem o fiduciário ou herdeiro condicional, a verdade é que essa faculdade não é absoluta: porque o § único do mesmo art. 1.871.º sujeita o exercício da mesma faculdade a duas condições impreteríveis, a saber: a) ter o fiduciário alienado já os seus bens próprios, anteriores ou posteriores; b) ter a alienação sido consentida pelo fideicomissário.

        Estas duas condições, ou seja, o citado § único foi aditado ao antigo art. 1.871.º pelo Decreto-lei n.º 19.126 (que alterou vários artigos do Código Civil), afim de solver a antinomia existente entre esse artigo e o antigo art. 1.871.º; pois enquanto o primeiro autorizava o fiduciário a alienar todos os bens que o testador lhe deixar, o segundo dizia:

       «Os herdeiros ou legatários cujas heranças ou cujos legados estiverem sujeitos a substituições fideicomissárias serão havidos por meros usufrutuários».

       Esta disposição abrangia sem dúvida o art. 1.871.º já porque este artigo regula duas disposições havidas por fideicomissárias, já porque estas não foram expressamente exceptuadas.

      Mas, os meros usufrutuários só podem alienar o seu usufruto e não a propriedade dos respectivos bens, como claramente dispõe o art. 2.207.º do Código Civil.

       Além disto, no direito antigo, o fiduciário só podia alienar os bens sujeitos ao fideicomisso de resíduo no caso de estar em necessidade, por falta de outros bens.

       Mas, o art. 1.871.°, nada dizia a este respeito: não obstava a que o fiduciário alienasse os bens sem necessidade, de má fé, só para lesar o fideicomissário. Havia que esclarecer este ponto. É o que fez o aludido § único, que, por isso, é interpretativo e inovador simultaneamente.

      Logicamente, pois, o fiduciário que alienar os bens legados, apesar de não ter necessidade alguma disso ou tendo bens seus, até de valor superior ao daqueles, e sem obter o prévio consentimento do fideicomissário, que é o proprietário condicional deles, infringirá a lei e praticará uma alienação nula (Código Civil. arts. 10.° e 671.° n.º 4).

            (…).” [negritos nossos]


      Vejamos.

      Ainda que o caso concreto considerado no artigo de Cunha Gonçalves não coincida (ao menos inteiramente) com o caso dos autos, das considerações doutrinais expendidas podem retirar-se úteis ensinamentos para a questão aqui em apreciação. A saber: que, na vigência do Código de Seabra, era frequente a instituição de fideicomissos com o intuito de condicionar a transmissão sucessória dos próprios bens em dois graus; que o recurso à figura do fideicomisso de resíduo era particularmente adequado quando se pretendia beneficiar em primeira linha pessoa “pouco abonada” (o fiduciário), que poderia ter necessidade de alienar bens, mas prevendo que, em segunda linha, os bens não alienados passassem para o fideicomissário; que a conjugação destes dois objectivos do testador era feita de acordo com o disposto no § único, do art. 1871º:

 

     “A faculdade de alienar atribuída ao fiduciário, por força do n.º 2, só lhe é permitida depois de o fiduciário não ter bens alguns próprios, com exclusão do prédio da sua residência habitual, e depois de ter obtido para isso autorização do fideicomissário, ou o seu suprimento judicial.”


      Aplicando estes ensinamentos ao caso dos autos, temos que o facto de a testadora ter deixado todos os seus bens ao marido Agostinho, com as faculdades de “usufruir e alienar”, é inteiramente compatível com o instituto do fideicomisso de resíduo. Na verdade, mais uma vez nas palavras de Cunha Gonçalves, “Não se pode sequer conceber um tal fideicomisso sem a faculdade de alienar, ao menos em parte, pois sem esta alienação não pode haver a ‘parte restante’ que se transmitirá ao terceiro”.

     E quanto às restrições à alienação, que os Recorrentes alegam não existirem uma vez que a disposição testamentária não as descrimina? A resposta não oferece dúvida alguma. Constando da disposição testamentária a passagem “dispondo livremente dos seus bens, deixa a seu marido, Agostinho Freitas Leal Júnior, todos os bens móveis, imóveis, jóias, dinheiro ou quaisquer valores que possua à data do seu falecimento, mas em regime de fideicomisso, nos termos do número segundo do artigo mil oitocentos e setenta e um do Código Civil ainda em vigor, não poderá deixar de se entender que a vontade da testadora era a de sujeitar os bens deixados ao cônjuge ao regime legal próprio do fideicomisso de resíduo previsto na norma indicada, regime esse caracterizado precisamente pelas restrições à alienação previstas no § único, do mesmo art. 1871º, do CC de 1867 (na redacção do Decreto nº 19.126, de 16 de Dezembro de 1930, em vigor à data da outorga do testamento dos autos).

     Alegar, como fazem os Recorrentes, que a vontade da testadora seria antes a de atribuir ao cônjuge Agostinho a propriedade de todos os bens da testadora, sem quaisquer restrições à sua alienação, valendo a disposição a favor da sobrinha como declaração condicional para a hipótese de, à data da morte do Agostinho, subsistirem ainda na sua titularidade bens da herança, não encontra qualquer correspondência no texto ou no contexto da disposição testamentária.

      Conclui-se assim que, pela disposição testamentária dos autos, foi instituído um fideicomisso de resíduo, nos termos e para os efeitos do art. 1871º, nº 2, do Código Civil de 1867 (na redacção do Decreto nº 19.126 de 16 de Dezembro de 1930), sendo-lhe aplicáveis as restrições à alienação do § único do mesmo artigo.


9. Quanto à questão da alegada invalidade superveniente da disposição testamentária fideicomissária, alegam os Recorrentes que, uma vez que, ao tempo da abertura da sucessão (que corresponde, nos termos do art. 2031º do CC de 1966, à data da morte da JJ, isto é, 25/07/1997), o marido CC era já seu herdeiro legitimário (cfr. art. 2157º, do mesmo Código, na redacção que lhe foi dada pela Reforma de 1977, passando a incluir o cônjuge no grupo dos herdeiros legitimários e colocando-o na primeira classe dos mesmos), teria de se proceder previamente a inventário para partilha a fim de se aferir da ofensa da quota legitimária do cônjuge sobrevivo pela disposição testamentária em causa.

     Entende-se que o regime legal que atribuiu ao cônjuge sobrevivo o estatuto de herdeiro legitimário é de aplicação imediata com a entrada em vigor da Reforma de 1977, aprovada pelo Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro, conforme se afigura resultar da interpretação conjugada das normas (arts. 176º e 177º) deste diploma relativas à aplicação da lei no tempo.

      Contudo, a afectação da intangibilidade da legítima não é causa de invalidade dos actos, antes permite a sua redução por inoficiosidade, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores (art. 2169º, do CC de 1966), no prazo de dois anos a contar da aceitação da herança (art. 2178º, do CC de 1966).

     Ora, tendo o CC, enquanto herdeiro fiduciário da JJ, aceitado a herança pelo menos na data de 8 de Setembro de 1997, ao outorgar a escritura pública de doação aos RR. LL e mulher (facto 27), o direito à redução por inoficiosidade tinha já caducado à data do seu falecimento (do Agostinho), ocorrida em 16 de Fevereiro de 2001 (facto 23), e, consequentemente, também à data da propositura das acções dos autos (acção nº 111/2001: 2 de Maio de 2001; acção nº 160/2001: 1 de Junho de 2001; acção nº 161/2001: 1 de Junho de 2001).

      De qualquer forma, se alguma dúvida subsistisse quanto ao decurso do prazo de caducidade, a legitimidade para invocar o direito à redução por inoficiosidade caberia aos herdeiros certos/incertos do CC, réus na presente acção, representados pelo Ministério Público – que não o invocaram – e não aos RR. sub-adquirentes, aqui Recorrentes.

      Fica assim prejudicada a questão da forma processual para conhecimento da alegada ofensa da quota legitimária do cônjuge sobrevivo.

      Conclui-se pela não verificação da invalidade de tal disposição fideicomissária dos autos por, ao tempo da abertura da sucessão (25/07/1997), o cônjuge da testadora ser seu herdeiro legitimário.


10. Quanto à questão, a todos os títulos essencial, da natureza e regime do vício dos actos praticados em violação da disposição testamentária – no caso, a alienação de bens pelo fiduciário CC, em desrespeito pelas exigências do § único, do art. 1871º, do CC de 1867 –, importa, antes de mais, averiguar à luz de que lei deve tal questão ser apreciada.

      Para o efeito há que ter presente os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, consagrados no art. 12º do CC de 1966:


“1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”


    Sendo que, como se afirmou supra (ponto 8 do presente acórdão), conforme previsto no art. 5º, do Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966, tais critérios normativos do art. 12º do CC 1966 valem também para a determinação da lei aplicável a factos passados em relação à entrada em vigor do novo Código (CC de 1966).

      Na falta de norma específica do CC de 1867, que determine especificamente o valor negativo dos actos de desrespeito dos fideicomissos em geral, e do fideicomisso de resíduo em particular, é de convocar o regime geral da invalidade daquele código, que se circunscreve às regras contidas no seu art. 10º:


     “Os actos praticados contra a disposição da lei, quer esta seja proibitiva, quer preceptiva, envolvem nulidade, salvo nos casos em que a mesma lei ordenar o contrário.

§ único. Esta nulidade pode, contudo, sanar-se pelo consentimento dos interessados, se a lei infringida não for de interesse e ordem pública.”       


     Apesar de o Código de Seabra não utilizar terminologia que diferencie categorias de invalidade, tal não impediu a doutrina e a jurisprudência de, a partir de regimes jurídicos de ordem geral (como a possibilidade de confirmação de certos actos inválidos, prevista no § único, do art. 10º, aqui transcrito) ou especial, autonomizar tais categorias (cfr. síntese de posições doutrinais sobre a questão em Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II – Parte Geral. Negócio Jurídico, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, nota 3195 da pág. 919). Nesta matéria teve particular divulgação e aceitação a construção de Manuel de Andrade (repetidamente convocada pelos Recorrentes) em Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1974 (4ª reimp.), págs. 415 e segs. que aqui se apresenta:


     “É clássica a distinção entre nulidades absolutas e relativas.

       Qual a essência, a ideia fundamental da distinção? As nulidades absolutas são particularmente graves nas causas que as determinam e nos efeitos que provocam. E precisamente a diversidade dos efeitos procede da diferente gravidade da causa.

      Confrontando o regime das nulidades absolutas com o das relativas, o que vemos de capital e decisivo é o seguinte:

    1º - O regime das nulidades absolutas é determinado por motivos de interesse público; é um regime destinado a salvaguardar o interesse público.

   2º - As nulidades relativas são estabelecidas por motivos de interesse particular. São nulidades que provêm da infracção de um interesse particular. São nulidades que provêm da infracção de requisitos postos, não para a salvaguarda do interesse público, mas para salvaguarda do interesse particular de certas pessoas.

    Concebe-se ainda, todavia – e é importante notá-lo -, que concorram num dado aso razões (interesses em jogo) que justifiquem o atribuir-se à nulidade correspondente um regime misto de nulidade absoluta e de nulidade relativa.

            (…)”. [negritos nossos]


      Ainda segundo Manuel de Andrade (cit., págs. 417 e seg.), o regime das nulidades absolutas caracteriza-se pelo seguinte:

a) As nulidades absolutas operam ipso iure ou ipsa vi legis;

b) Podem ser invocadas por qualquer pessoa que tenha interesse em que se não produzam em relação a si os efeitos do respectivo negócio;

c) São insanáveis pelo decurso do tempo;

d) A nulidade absoluta é insanável por confirmação dos interessados.

      Quanto às características do regime das nulidades relativas, indica o autor que vimos citando as seguintes (págs. 419 e segs.):

“a) As nulidades relativas não operam ipso iure;

b) Só podem ser invocadas por determinada pessoa, e não por todas as que nisso tenham interesse;

c) São sanáveis pelo decurso do tempo;

d) Podem ser sanadas por confirmação dos interessados


      Tais diferenças de regime entre a nulidade absoluta e a nulidade relativa correspondem afinal, no essencial, às diferenças entre o regime da nulidade e o regime da anulabilidade, tal como estes regimes vieram a ser consagrados no CC de 1966.

       Perante o exposto, qual deve ser então o desvalor dos actos de alienação dos bens que integravam o fideicomisso de resíduo instituído pela testadora dos autos, JJ?

       As instâncias – utilizando a terminologia actual que distingue ente nulidade e anulabilidade – entenderam que tais actos são nulos, aplicando-se-lhes plenamente o correspondente regime, incluindo a possibilidade de arguição a todo o tempo. Para tal, tanto a sentença da 1ª instância como o acórdão da Relação, que, nesta parte, àquela aderiu sem reservas, fundaram o juízo de nulidade no facto de os actos de alineação violarem normas legais de carácter imperativo.

       A 1ª instância – considerando que o regime dos fideicomissos, e em particular do fideicomisso de resíduo, tal como regulado pelo CC de 1966, manteve no essencial o regime do CC de 1867, conforme a doutrina o vinha interpretando –, aplicou ao caso dos autos, de forma indiferenciada, o regime do CC de 1966; no que aqui agora importa, considerou que a violação das normas imperativas quanto à alienação de bens integrantes de um fideicomisso de resíduo, consagradas no art. 2295º, nº 3, e no art. 2291º, nºs 1 e 2, ambos do CC de 1966, conjugada com a regra geral do art. 294º do mesmo código (que determina a nulidade dos actos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo) determina a nulidade dos actos de alienação de bens em causa nos autos.

     A esta posição aderiu a Relação, considerando ser também esse o entendimento à luz do CC de 1867 (e convocando a este respeito o acórdão do STJ de 23/10/2003 (proc. nº 03B2197)), relativo a um fideicomisso de resíduo instituído na vigência daquele Código.


      Vejamos.

       Como, em rigor, o regime aplicável nesta matéria é o regime do Código de Seabra e não o regime do CC de 1966, há que fazer uma precisão: a norma legal desrespeitada pelos actos de alienação dos bens do fideicomisso dos autos é, como vimos supra, o § único, do art. 1867º, do Código de Seabra, sendo que, de acordo com o art. 10º do mesmo código, os actos praticados contra lei (neste caso de natureza proibitiva) “envolvem nulidade”.

     Aqui chegados, regressamos, porém, ao ponto de partida. Porque aquilo que se pretende apurar é precisamente se, sabendo-se que, na terminologia do CC de 1867, não se distinguem categorias de invalidade, mas que, substantivamente, tais categorias existem (conforme resulta da lição de Manuel de Andrade, entre outros autores), no caso de desrespeito pelas restrições legais à alienação de bens deixados em fideicomisso de resíduo, estaremos perante uma hipótese de nulidade absoluta ou de nulidade relativa; ou, em alternativa, perante uma hipótese de nulidade mista.

      Os Recorrentes que suscitaram a questão em apreciação (RR. RR e mulher, e R. FF, S.A.) argumentam no sentido de os actos em causa estarem feridos de mera anulabilidade (ou nulidade relativa) e não de nulidade (ou nulidade absoluta). Fazem-no, baseando-se precisamente no critério distintivo entre as categorias da invalidade, formulado por Manuel de Andrade (reproduzido supra, no presente acórdão) – segundo o qual a nulidade absoluta deriva da necessidade de tutela de um interesse público e a nulidade relativa resulta da necessidade de tutela de interesse particulares –, concluindo que, no caso das regras restritivas à alienação dos bens do fideicomisso de resíduo, estariam em causa apenas interesses particulares, sendo que, por isso mesmo, sempre seria admissível a confirmação de tais actos pelo fideicomissário.

      Em sentido divergente, isto é, defendendo que os actos em causa padecem de nulidade, se pronunciam os AA. Recorridos (considerando, porém, que, mesmo que se opte pela qualificação do vício como anulabilidade, sempre seria de manter a decisão das instâncias), alegando para ser esse o regime mais adequado às hipóteses, como a do fideicomisso dos autos, em que a indisponibilidade de bens apresenta um carácter objectivo. Para o efeito citam o interessante estudo de Carlos Olavo, “Substituição Fideicomissária” (datado de 1970-1971, mas publicado apenas em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 391 e segs.), no qual, reportando-se ao regime sucessório do CC de 1966 – mas referindo-se à indisponibilidade dos bens pelo fiduciário – defende que “o vício se situa no próprio objecto a que o conteúdo do acto se reporta, considerado perante a particular afectação a que a lei o sujeita”, constituindo assim “uma figura específica de impossibilidade do objecto”, abrangida pela regra da nulidade do art. 280º, nº 1, do CC de 1966. Assinale-se, porém, que Carlos Olavo se está a reportar ao fideicomisso regular, dado que os Recorridos omitem, mas que não pode ser ignorado.

        

      O que dizer?

      Antes de mais, assinale-se que o indicado acórdão do STJ de 23/10/2003 (proc. nº 03B2197), consultável em www.dgsi.pt, não tratou directamente da questão de saber se a invalidade dos actos praticados em desrespeito de um fideicomisso de resíduo, instituído na vigência do CC de 1897, configura nulidade absoluta ou nulidade relativa (ou, na terminologia do CC de 1966, nulidade ou anulabilidade). Na verdade, como na terminologia do código antigo não se distinguiam categorias de invalidade, o facto de aquela decisão judicial ter decretado a nulidade não permite, sem mais, concluir que se tratava de uma ou outra modalidade de invalidade. A que acresce que se afigura que, no caso em apreciação no acórdão de 23/10/2003, não fora invocada a caducidade do direito de arguir a nulidade relativa ou anulabilidade, o que tornava aquela distinção irrelevante.

      Regressando ao caso sub judice.

      Tanto a fundamentação das instâncias, como a argumentação das partes em sede recursória, permitem confirmar a dificuldade intrínseca da questão da natureza do vício dos actos violadores das normas legais restritivas da alienação dos bens que integram um fideicomisso, mais especificamente um fideicomisso de resíduo. Na verdade, a resolução cabal da questão implicará elevado esforço analítico, de modo a aprofundar os argumentos aqui brevemente enunciados e a completá-los com outros, tudo no quadro mais amplo da figura da indisponibilidade ou, mais rigorosamente, da indisponibilidade relativa, tendo em conta que, no fideicomisso de resíduo, a faculdade de alienação de bens é restringida ao preenchimento de certas condições, mas não inteiramente excluída, o que poderá relevar, por exemplo, ao nível da possibilidade de sanação do acto por confirmação do fideicomissário.

      Tal estudo aprofundado da questão em causa só se justificará, porém, se se concluir, diversamente do que ajuizaram as instâncias, que a eventual qualificação do vício como nulidade relativa (ou anulabilidade) não conduzirá ao mesmo resultado prático-jurídico.

     Conclui-se, assim, provisoriamente, que a questão da natureza do vício dos actos de alienação dos autos se encontra prejudicada, salvo se, em resultado da qualificação como nulidade relativa (ou anulabilidade), resultar a caducidade do direito dos AA. a accionar os RR. RR e FF, S.A. que invocaram a excepção.

         Passa-se em seguida a conhecer desta questão.


11. A apreciação da questão da alegada caducidade do direito dos AA. a accionar os RR. RR e FF, S.A. implica previamente que se esclareça o seguinte:

(i) Tendo em conta que a natureza e os efeitos do vício dos actos de desrespeito pelo fideicomisso dos autos se aferem pelo regime do CC de 1867;

(ii) Tendo também em conta que, como se viu, na vigência do CC de 1867, se admitia comummente a distinção entre duas categorias de invalidade, com as diferenças de regime supra elencadas (na formulação de Manuel de Andrade), as quais correspondem às diferenças de regime da nulidade e da anulabilidade do CC de 1966;

(iii) Considera-se que – na falta, no CC de 1867, de um regime geral completo tanto da nulidade absoluta como da nulidade relativa – se deve recorrer às soluções normativas do regime da anulabilidade do CC de 1966, quer por se entender revestirem elas natureza de lei interpretativa, quer, em alternativa, por se entender constituírem critérios integradores das lacunas do regime do Código de Seabra.

         Assim, a apreciação da questão da alegada caducidade do direito dos AA. a accionar os RR., será feita em função do regime do CC de 1966, conclusão que se afigura consentânea com o facto de, em todo o processado, tanto as partes como as instâncias terem dado como assente ser esse o regime directamente aplicável.


      Há que explicitar que a questão da caducidade do direito dos AA. a arguir a anulabilidade dos actos desrespeitadores do fideicomisso de resíduo só se coloca quanto aos aqui RR. Recorrentes RR e mulher, e FF, S.A. Com efeito, conforme resulta dos arts. 333º, nº 2, e 303º, do CC de 1966, a caducidade do direito a arguir a anulabilidade tem de ser invocada, o que não foi feito pelos RR. LL e mulher, pelo que nada mais há a conhecer que obste à invalidade da doação do bem identificado em 4. pela escritura pública outorgada em 08/09/1997.

        

      Vejamos, então, o que se passa em relação aos Recorrentes RR e mulher, e FF, S.A., sub-adquirentes do R. DD, o qual, por sua vez, adquiriu do falecido CC por escritura de compra e venda dos bens identificados em 3 e 5 a 11.

      Antes de mais, importa considerar o teor da fundamentação do acórdão da Relação, na parte que aqui interessa:

    “(…) pelas razões que também ficaram explicitadas na sentença, ainda que se entendesse que a sanção aplicável a tais negócios seria a da anulabilidade, nem assim a caducidade ocorreria, já que as acções em causa sempre teriam dado entrada em juízo antes do decurso do prazo do direito de accionar.

       Na sentença e bem, negou-se que se verificasse a inoponibilidade da declaração da nulidade (ou da anulabilidade), de que trata do artº 291, do CC, designadamente, por se entender que ocorria a previsão do nº 2, do preceito, o que afastava a aplicação do nº 1 desse artigo.” [negritos nossos]


       Alegam os Recorrentes que se verifica erro de julgamento por falta de consideração do regime do nº 1, do art. 287º do CC de 1966, no qual se dispõe o seguinte:


     “Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.”


        Reconhece-se ter o acórdão recorrido (assim como a sentença de 1ª instância) ignorado este prazo de um ano, aplicando somente o regime do art. 291º do CC de 1966, relativo à inoponibilidade dos efeitos da invalidade a terceiros de boa fé, em cujo nº 2 se prevê que tal inoponibilidade não possa proceder se a acção de invalidade for “proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio”. Este prazo tem uma função específica, que não pode ser confundida com a função do prazo geral de um ano para arguição da anulabilidade, previsto no citado art. 287º, nº 1, do CC de 1966. O qual é excepcionado se o negócio não tiver sido cumprido (nº 2), hipótese que não se coloca no caso sub judice.

       A questão da verificação do prazo de caducidade de um ano tem pois de ser reapreciada.

         Vejamos a cronologia dos factos relevantes:


- 25 Fevereiro 1993 - Procuração pela qual JJ constitui seu procurador o cônjuge CC, conferindo “poderes para comprar, vender, pelo preço e condições que entender, os prédios sito no Vale da Figueira (…), outorgar e assinar as necessárias escrituras, contratos de compra e venda ou outros…” (fls. 2011-2014) [Facto 102]

- 25 Julho 1997 – Falecimento da testadora JJ [Facto 2]

- 14 Outubro 1998 – Autora instaurou processo de inventário [Facto 15]

- 17 Fevereiro 1999 – Escritura pública de Compra e Venda (tendo como vendedor o CC e como comprador o R. DD) em que aquele declara “Que na qualidade de procurador de JJ, sua mulher, em vinte e três de Março de mil novecentos e noventa seis, prometeu vender ao comprador os prédios abaixo identificados que só ela a pertenciam. Que a sua mulher faleceu em vinte e cinco de Julho de mil novecentos e noventa e sete, tendo deixado testamento em que o instituiu herdeiro de todos os seus bens em regime de fideicomisso, nos termos do número dois do artigo mil oitocentos e setenta e um do CC, com o direito de usufruir e alienar os mesmos bens e com a cláusula fideicomissária de os bens herdados que restarem por óbito do outorgante ficarem para AA. Que em execução do referido contrato de promessa vende ao segundo outorgante, pelo preço global, já recebido, de Dezassete Milhões Seiscentos e Setenta mil escudos, os seguintes prédios…” (prédios identificados em 3 e 5 a 14 dos factos) [registado em 20/04/1999] [Factos 24 e 29]

- 1 Março 1999 – CC, na qualidade de cabeça de casal, junta relação de bens ao processo de inventário na qual declara que certos bens foram “objecto de contrato promessa de compra e venda ainda em vida da falecida JJ” [Facto 16]

- 25 Maio 1999 – Requerimento de Agostinho no processo de inventário no qual declara “O prédio rústico denominado Quinta de KK e relacionado sob a verba nº 38 (…) a sua venda foi objecto de registo por compra à inventariada, conforme se prova pela fotocópia da certidão emitida pela Conservatória…” [Facto 19]

- 26 Maio 1999 – Escritura pública de Compra e Venda do prédio 3 (Quinta de KK) – o R. DD vende à R. FF, S.A. [registado em 14/07/1999] [Factos 25 e 30]

- 18 Novembro 1999 – Cabeça de casal CC junta aos autos de inventário cópia da escritura pública de compra e venda do prédio 3. ao R. DD (Quinta de KK) [Facto 20]

- 25 Novembro 1999 – Autora teve conhecimento da venda (ao R. DD) dos prédios 3 e 5 a 14 [Factos 37 e 38]

- 15 Março 2000 – Cabeça de casal CC junta aos autos de inventário cópia do contrato-promessa de fls. 114-120 [Facto 21]

- 28 Março 2000 – Escritura pública de Compra e Venda dos prédios 5 a 11 – o R. DD vende ao R. RR [registado em 28/03/2000] [Factos 26 e 31]

- 2 de Maio de 2001 – Propositura da acção 111/2001 contra DD e FF, S.A

- 1 de Junho de 2001 – Propositura da acção 161/2001 contra DD e RR e mulher


      Com particular importância para a resolução da questão em apreciação, foram ainda dados como provados os factos seguintes:


35. O CC Júnior, na qualidade de procurador de JJ, e o R. DD […] não firmaram o contrato-promessa referido na escritura realizada na escritura realizada a 17-02-1999

36. O contrato-promessa referido na escritura realizada a 17-02-1999 foi outorgado em data posterior ao dia 13-10-1998


      Da factualidade provada resulta que, efectivamente e tal como alegam os Recorrentes FF, S.A, e RR e mulher, se se considerar que o início da contagem do prazo de um ano (previsto no art. 287º, nº 1, do CC de 1966) para arguir a anulabilidade se faz a partir da data em que a A. teve conhecimento da escritura pública de compra e venda pela qual foram desrespeitadas as restrições legais à alienação dos bens que integram o fideicomisso de resíduo, outorgada pelo falecido CC e o pelo R. DD, verifica-se que, tanto à data em que foi demandada a R. FF, S.A. como à data em que foram demandados os RR. RR e mulher, o prazo de um ano tinha já decorrido. Teria assim de proceder a excepção de caducidade invocada por uma e outros RR.

      Contudo, atento o teor da escritura pública em causa (na qual o falecido CC declarou “Que na qualidade de procurador de JJ, sua mulher, em vinte e três de Março de mil novecentos e noventa e seis, prometeu vender ao comprador os prédios abaixo identificados que só ela a pertenciam” e ainda “Que em execução do referido contrato de promessa vende ao segundo outorgante, pelo preço global, já recebido”), torna-se evidente que a violação das regras legais relativas ao fideicomisso de resíduo foi alcançada através da invocação de um contrato-promessa de compra e venda, que teria sido celebrado entre a testadora (representada pelo marido CC) e o R. DD, o qual se provou ter sido forjado com o intuito de, precisamente, defraudar as restrições legais à alienação de tais bens. Na verdade, se o contrato-promessa (com data de 23 de Março de 1996) referido na escritura pública de 26 de Maio de 1999 tivesse existido, ao ter sido celebrado em vida da testadora JJ (por um seu representante voluntário), nos termos do art. 412º do CC de 1966 vincularia também os seus sucessores (o fiduciário CC e a fideicomissária AA, aqui A.). Em tal caso, a venda dos bens identificados em 3 e 5 a 11 não desrespeitaria as regras legais do fideicomisso de resíduo, uma vez que corresponderia apenas a um acto de cumprimento das obrigações que, em vida, vinculavam a testadora JJ, e a que os seus sucessores também se encontravam vinculados.

      Tendo sido provada a falsidade do contrato-promessa, dúvidas não subsistem acerca do desrespeito pelo regime do fideicomisso de resíduo. Considerando a possibilidade – que, em tese geral, se admitiu supra – de que o desvalor dos actos de alienação em causa seja a nulidade relativa (ou a anulabilidade), o momento da cessação do vício para efeitos de início da contagem do prazo de um ano não pode ser o momento em que a A. tomou conhecimento da realização da escritura de compra e venda, mas sim o momento em que tomou conhecimento de que tal escritura fora celebrada em execução de um contrato-promessa forjado. Resulta da prova feita (cfr. resposta à B.I. – a fls. 2837-2838) que este momento foi o da recepção da carta da Imprensa Nacional Casa da Moeda, datada de 7 de Março de 2001 (documento de fls. 137, junto com a p.i.), contendo a informação sobre a data de fornecimento das estampilhas fiscais sobre as quais foi aposta assinatura no contrato-promessa. Assim sendo, tanto à data da propositura da acção nº 111/2001 contra a R. FF, S.A. (2 de Maio de 2001) como à data da propositura da acção nº 161/2001 contra os RR. RR e mulher (1 de Junho de 2001) ainda não tinha decorrido o prazo de um ano do art. 287º, nº 1, do CC de 1966.

      Conclui-se assim que, na hipótese de se entender que o desrespeito do regime do fideicomisso dos autos gera mera nulidade relativa (ou anulabilidade), a excepção de caducidade do direito a arguir a invalidade do contrato de compra e venda dos bens identificados em 3 e 5 a 11 é improcedente.


12. Aqui chegados, fica prejudicada a questão da qualificação do vício do contrato de compra e venda dos bens identificados em 3 e 5 a 11, celebrado entre o falecido CC e o R. DD, como nulidade absoluta ou como nulidade relativa (ou anulabilidade), uma vez que, independentemente da conclusão que viesse a ser adoptada, sempre o contrato deve ser considerado inválido.

      Assim como fica prejudicada a questão suscitada pela Recorrente FF, S.A. quanto à hipótese descrita nas alíneas x), y) e z) do ponto A) do corpo das alegações recursórias da R. FF (a saber: segundo a A. o prazo de caducidade só poderia contar-se a partir da notificação do despacho proferido nos autos do processo de inventário, remetendo para os meios comuns a resolução da questão relativa à validade dos actos de transmissão dos bens da herança), o direito da A. também teria caducado por aplicação do regime do arts. 287º, 327º e 332º, do CC de 1966.

     Reconhecida a invalidade do contrato de compra e venda em causa e, consequentemente, a invalidade dos actos de alienação aos sub-adquirentes FF, S.A. e RR, aqui RR. Recorrentes, a tutela destes últimos apenas poderia operar através dos mecanismos de tutela dos terceiros de boa fé, questão já apreciada e decidida pelas instâncias e que não integra o objecto dos presentes recursos.


13. Antes de prosseguir, recorde-se:

- Ter a sentença de 1ª instância (confirmada pela Relação) declarado a nulidade do contrato de doação celebrado entre o falecido CC e o R. LL, condenando-o (e à mulher) a reconhecerem o direito de propriedade da herança dos autos sobre o bem identificado em 4 e ordenando a sua entrega;

- Ter a sentença de 1ª instância (confirmada pela Relação) declarado a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o falecido ACC e o R. DD, e, consequentemente, declarado também:

- A nulidade do contrato de compra e venda do bem identificado em 3 (Quinta de KK), celebrado entre o R. DD e a R. FF, S.A., condenando esta a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre tal bem e ordenando a sua entrega;

- A nulidade do contrato de compra e venda dos bens identificados em 5 a 11, celebrado entre o R. DD e o R. RR, condenando este (e a mulher) a reconhecerem o direito de propriedade da A. sobre tais bens e ordenando a sua entrega.


     Ora, para a hipótese de vir a ser confirmada a decisão de declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o falecido CC e o R. DD (como se concluiu no presente acórdão), suscita a Recorrente FF, S.A. a questão subsidiária da alegada não ocorrência da sonegação de bens da herança e, de qualquer forma, da necessidade de a mesma ser deduzida por incidente no processo de inventário, questão que importa apreciar.

      No que respeita ao alegado erro da forma de processo, concluíram as instâncias – o que, compulsado o processado, não merece censura – ter sido tal questão decidida no despacho saneador (a fls. 496-497), sem que tivesse sido objecto de recurso, produzindo assim efeito de caso julgado formal.

       Quanto à questão substantiva da verificação ou não de sonegação de bens da herança da JJ pelo falecido CC, dispõe o art. 2096º do CC de 1966 (em vigor à data em que os actos em causa ocorreram):


“1. O herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis.

2. O que sonegar bens da herança é considerado mero detentor desses bens.”


         Na lição de Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1998, págs. 156 e seg.), este regime visa reprimir “a ‘ocultação dolosa’, por parte do herdeiro, da existência de bens pertencentes à herança” e assenta nos seguintes requisitos: (i) é necessário que se verifique “um fenómeno de ‘ocultação de bens’ – o qual pressupõe, obviamente, um facto ‘negativo’ (a omissão de uma ‘declaração’) cumulado com um facto ‘jurídico’ de carácter positivo (o ‘dever’ de declarar, por parte do omitente)”; (ii) a conduta – por acção ou por omissão – do agente tem de ser dolosa, ainda que, “de acordo com a escala valorativa das condutas humanas próprias do direito, à figura do dolo directo (violação directa, consciente ou intencional da norma) se equiparam as situações afins do dolo indirecto e do chamado dolo eventual”.

      Releva a seguinte factualidade (tal como enunciada pelas instâncias ao conhecer da questão da sonegação de bens pelo falecido CC):


- Mediante escritura celebrada no dia 17-02-1999, na Secretaria Notarial de A…, CC Júnior declarou que, em execução do contrato-promessa celebrado em 23-03-1996, na qualidade de procurador da sua mulher JJ, vendia a DD, que declarou comprar, os prédios identificados em 3. e 5. a 14. pelo preço de 17.670.000$00 (cfr. facto dado como provado  24);

- O CC Júnior, na qualidade de procurador de JJ, e o R. DD não firmaram o contrato-promessa referido na escritura realizada na escritura realizada a 17-02-1999 (cfr. facto dado como provado sob o n.º 35.).

 - O contrato-promessa referido na escritura realizada a 17-02-1999 foi outorgado em data posterior ao dia 13-10-1998 (cfr. facto dado como provado sob o n.º 36.).

 - Sob o n.º 1155/98 correu termos na 3.ª Secção do 7.º Juízo Cível da Comarca …, um processo de inventário, intentado pela A. em 14-10-1998, onde exerceu o cargo de cabeça-de-casal CC Júnior (cfr. facto dado como provado sob o n.º 15).

- Na relação de bens, junta ao referido processo em 01-03-1999, o cabeça-de-casal entre outros, relacionou sob a verba n.º 38 o prédio descrito em 3., com a indicação de que estava descrito na Conservatória do Registo Predial com os n.ºs 9.232, a fls. 139, 9233, a fls. 139 v.º, 9238, a fls. 142, 9.239, a fls. 142 v.º, 9240, a fls. 143, 9244, a fls. 145 e 9246 a fls. 146, todos do Livro B-21, sob a verba n.º 39 o prédio descrito em 4. e sob as verbas 27.º a 36.º os prédios descritos de 5. a 14. (cfr. facto dado como provado sob o n.º 16).

 - Na referida relação de bens, o cabeça-de-casal referiu “relacionam-se as verbas n.ºs 1 a 16 e 27 a 39 que, apesar de serem objecto de contrato promessa de compra e venda ainda em vida da falecida JJ, à morta da inventariada estarem ainda registadas em seu nome (cfr. facto dado como provado sob o n.º 17).

 - Na sequência de reclamação à relação de bens apresentada pela ora A., em 26-04-1999, em que no tocante às verbas n.ºs 38 e 39, pugnou que fossem eliminadas e substituídas por outra englobando ambos os prédios, o cabeça-de-casal, em requerimento dirigido ao processo em 25-05-1999, declarou que “O prédio rústico denominado Quinta de KK e relacionado sob a verba n.º 38 (...) a sua venda foi objecto de registo por compra à inventariada, conforme se prova pela fotocópia da certidão emitida pela Conservatória de Registo Predial de S. João da Pesqueira” (cfr. facto dado como provado sob o n.º 19.);

 - Em 15 de Março de 2000, o cabeça-de-casal juntou aos autos de inventário cópia do contrato-promessa cujo objecto era, além do mais, a venda do prédio referido em 3. (cfr. matéria de facto dada como provada sob o n.º 21..


         Não oferece dúvidas que o cabeça de casal CC usou de artifícios – no caso, um contrato-promessa falso – com o intuito de que a escritura de compra e venda dos bens identificados em 3 e 5 a 11 dos autos, outorgada em 17/02/1999, aparentasse ter sido por si outorgada em cumprimento da obrigação de venda assumida pela testadora JJ perante o R. DD através daquele contrato-promessa, no qual, aliás, se previa expressamente a possibilidade de execução específica.

     Sufraga-se o entendimento das instâncias de que se encontram cabalmente provados quer o requisito da ocultação de bens quer o requisito da conduta dolosa do falecido CC (no caso, na modalidade mais gravosa de dolo directo).

     Conclui-se, assim, pela ocorrência da sonegação de bens pelo herdeiro CC, com a consequência prevista no art. 2086º, nº 1, do CC de 1966: perda em benefício dos outros herdeiros; no caso dos autos, e conforme decidido pelas instâncias, perda dos bens identificados em 3. e 5 a 11 em benefício da fideicomissária, aqui A.


14. Passa-se a conhecer das questões relativas aos pedidos reconvencionais, começando pelas questões dos RR. Recorrentes LL e mulher, que aqui se enunciam novamente:

- O despacho proferido a fls. 491 a 495 dos autos não transitou em julgado em relação ao pedido reconvencional formulado contra os AA. Reconvindos, peticionando as benfeitorias efectuadas no prédio em causa e uma indemnização a ser liquidada em execução de sentença, pelo que, sendo assim, há omissão de pronúncia da sentença, sobre tal pedidos reconvencional, nulidade de que o acórdão recorrido também não conheceu;

- Ainda que assim não se entendesse, há também omissão de pronúncia no acórdão da Relação, ora recorrido, pois, apesar da produção de prova sobre a matéria alegada pelos Recorrentes, que colheu no essencial resposta positiva, o acórdão recorrido assim como a sentença nada diz sobre a alegada excepção peremptória, no âmbito da qual tal matéria foi levada ao questionário.


Vejamos o teor do acórdão recorrido na parte que aqui releva:


“III - Comecemos pelo vício de forma que se aponta à sentença.

       Sustentam os Apelantes LL e mulher que a sentença enferma de omissão de pronúncia, por dois motivos:

       Em primeiro lugar, referem os Apelantes que “…o despacho proferido a fls. 491 a 495 dos autos, não transitou em julgado em relação ao pedido reconvencional formulado contra a A. reconvinda, ora Apelada, nomeadamente, peticionando as benfeitorias efectuadas no prédio em causa e outro pedido de indemnização a ser liquidado em execução de sentença, pelo que, sendo assim, há manifesta omissão de pronúncia do sr. Juiz “a quo”, sobre tais pedidos reconvencionais.

         Ora, bem se entendeu no despacho da 1ª Instância, de 23/10/2015, que apreciou esta putativa nulidade, dizendo:

       «[…]Na sentença recorrida, o Tribunal pronunciou-se sobre os pedidos reconvencionais formulados pelos identificados R.R. LL e mulher nos termos que constam especialmente de fls. 2971 verso a 2974 verso, ali se afirmando, nomeadamente, que a não admissão da intervenção principal provocada de um dos herdeiros determinou a inadmissibilidade dos demais pedidos reconvencionais formulados pelos aludidos R.R..

       E, também a fls. 2978 e 2978 verso a sentença se pronunciou e fundamentou no sentido de que a recusa de todos os pedidos reconvencionais formulados pelos ditos R.R./Reconvintes deriva do despacho de fls. 490 e ss..

       Daí que inexista qualquer omissão de pronúncia quanto a este particular aspecto, por se entender que o pedido reconvencional não foi admitido (isto é, foi recusado) no âmbito do identificado despacho de fls. 490 e ss. (do qual não foi arguida qualquer nulidade tempestivamente (cfr. artigos 201.°, n.° 1, 203.°, n.° 1 e 205.°, n.° 1 do C.P.C.). […]».

       Portanto, no despacho de fls. 491 a fls. 494, foi entre o mais, rejeitado o pedido de intervenção deduzido pelos RR LL e mulher e, rejeitada, também “in totum”, a reconvenção que estes haviam deduzido.

        A haver discordância do assim decidido, deveria esta ter sido expressa em recurso de agravo, não constituindo qualquer “nulidade processual”, que, mesmo a existir, estaria sempre sanada atento o decurso o prazo para a respectiva arguição.

       Por outro lado e ante à alusão, no despacho de que ora se trata, a um eventual aproveitamento do alegado, enquanto excepção peremptória, houve o cuidado, na sentença, de afastar uma tal hipótese.

        Defendem os Apelantes LL e mulher, ainda, que também ocorreria omissão de pronúncia em resultado de «…apesar da produção de prova sobre a matéria alegada pelos Apelantes, que colheu no essencial, resposta positiva…» a sentença nada dizer «…sobre a aludida excepção peremptória, no âmbito da qual, tal matéria foi levada ao questionário.».

        Também aqui estamos como o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” entende no referido despacho de 23/10/2015.

       Na sentença abordou-se a questão da acessão industrial imobiliária, aí se tendo chegado à conclusão - fundamentada - de que essa matéria não podia ser conhecida enquanto excepção.

       Quanto à “falta de pronúncia sobre outra excepção peremptória”, não detectamos qual seja essa excepção, pelo que, a invocada nulidade, em face dos termos em que foi alegada, não pode ser reconhecida.

         A sanção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC (alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do anterior CPC), para a omissão de pronúncia, tem a ver com a inobservância do que se preceitua no n.º 2 do artº 608º do mesmo Código (nº 2 do artº 660º, do pretérito CPC), na parte que impõe ao juiz o dever de - para além de conhecer daquelas questões que é seu mister julgar oficiosamente -, “...resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras...”.

        Assim, embora no âmbito das correspondentes normas da pretérita legislação processual civil, foi entendimento constante, quer na doutrina, quer nos Tribunais Superiores , que a omissão de pronúncia não se verificava quanto a questões cuja não apreciação fora ditada pela circunstância do respectivo conhecimento estar prejudicado pela solução dada a outras questões. Era o que resultava do trecho “questões que devesse apreciar” constante da alínea d) do n.º 1, do art.º 668º do CPC, em conjugação com o disposto no n.º 2 do art.º 660º.

        Como se viu as questões que foram devidamente identificadas pelos Apelantes como tendo tido a respectiva apreciação omitida pela 1ª Instância, foram aí abordadas, quer do despacho de fls. 491 a fls. 494, quer na sentença, improcedendo a omissão de pronúncia invocada pelos Apelantes LL e mulher.” [negritos nossos]


Quanto à primeira questão – saber se o despacho proferido a fls. 491 a 495 dos autos transitou ou não em julgado em relação ao pedido reconvencional formulado contra os AA. Reconvindos, peticionando as benfeitorias efectuadas no prédio em causa e uma indemnização a ser liquidada em execução de sentença; e, em consequência, saber se ocorre ou não omissão de pronúncia da sentença sobre tal pedido reconvencional, nulidade de que o acórdão da Relação também não terá conhecido – começa-se por dizer que, como é evidente pela fundamentação do acórdão recorrido supra transcrita, a Relação conheceu da questão do trânsito em julgado do despacho de fls. 491-495, concluindo que o mesmo se verificou; e, consequentemente, conheceu também da alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia acerca do pedido reconvencional formulado contra os AA., decidindo que, tendo o despacho de fls. 491-495 transitado em julgado, não padecia a sentença do alegado vício.

Assim, omissão de pronúncia do acórdão recorrido acerca da alegada questão da omissão de pronúncia da sentença, não existe. O que poderá suceder é que exista erro de julgamento da Relação quanto à questão da formação de caso julgado formal do despacho de fls. 491-495, o que importa conhecer.

Vejamos.

É o seguinte o teor do despacho de fls. 491-495 proferido pelo Juiz de 1ª instância, que se opta por reproduzir na íntegra:


“III) DOS PEDIDOS RECONVENCIONAIS E DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS:

Na acção declarativa de condenação n.º 111/01, a R. FF, S.A. deduziu pedido reconvencional contra os AA., os herdeiros de CC Júnior e DD e mulher, pedindo a condenação destes a pagar-lhe 127.326.000$00.

Funda o pedido deduzido contra os AA. e os herdeiros de Agostinho Júnior no reembolso dos montantes por si gastos na transformação e melhoramento da Quinta de KK, isto no caso de a acção ser julgada total ou parcialmente procedente.

Dos RR. DD e mulher pretendem, caso venham a sufragar na acção, a devolução do valor correspondente ao preço pago pela compra do referido prédio.

Na acção declarativa de condenação n.º 160/01, os RR. LL e MM deduziram pedido reconvencional contra os AA. e os herdeiros de CC Júnior.

Fundamentam-no dizendo que o valor das benfeitorias nele praticadas é superior ao valor do prédio rústico denominado Vale de NN ou OO, pelo que entendem terem-no adquirido por acessão industrial imobiliária, peticionando o seu reconhecimento como seus donos, mediante o pagamento à herança de 2.500.000$00.

Caso assim não se entenda, peticionam a condenação da autora e dos herdeiros de CC Júnior a pagar-lhes pela realização de benfeitorias, o valor de 14.727.944$00 e o que se vier a liquidar em execução de sentença.

Para tanto suscitaram o incidente de intervenção principal dos herdeiros de CC Júnior.

Na acção declarativa n.º 161/ 01, RR e mulher SS deduziram pedido de reconvenção nos seguintes termos: i) sendo a acção julgada procedente devem os AA. ser condenados a pagar aos reconvintes a quantia de 27.200.000$00, a título de benfeitorias, quer as já executadas, quer as futuras que se venham a apurar em sede de execução de sentença; ii) dos réus DD e mulher pretendem a restituição do montante de 20.000.000$00, correspondente ao preço pago pela aquisição dos prédios rústicos identificados na escritura de compra e venda junta a fls. 154.

Cumpre decidir:

Nos termos do disposto no art. 274º, do Código de Processo Civil o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.

Há, neste caso, uma modificação no objecto da acção. Esta, para além de ter por objecto o pedido inicialmente formulado pelo autor, passa a ter também por objecto um pedido formulado pelo réu.

Estamos assim em face de um cruzamento de acções: na acção proposta pelo autor enxerta-se a acção proposta pelo réu.

Não obstante, o legislador limitou a possibilidade de dedução do pedido reconvencional, ou seja, o réu não pode deduzir, na acção já em curso, toda e qualquer pretensão contra o autor.

Os limites postos pela lei à admissão da reconvenção podem classificar-se em objectivos e processuais:

Os objectivos traduzem-se na exigência de uma certa conexão ou relação entre o objecto do pedido reconvencional e o objecto do pedido do autor.

Esta conexão está definida nas diversas alíneas do art, 274º, do Código de Processo Civil, existindo: a) quando o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; b), quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias; e c) quando o pedido tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe.

Como limites processuais indicam-se a forma do processo e a competência do tribunal. No que concerne à competência do tribunal regula o n.º 3, do art. 274º do Código de Processo Civil, que não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu e ao pedido do autor correspondam formas de processo diferentes da Que corresponde ao do autor, salvo se essa diferença provier do diferente valor dos pedidos.

O segundo limite processual diz respeito à competência do tribunal. Não é admissível a reconvenção quando o tribunal da acção não tiver competência, em razão da matéria e da hierarquia.

Baixando ao caso em apreço temos que os réus 1) FF, S.A.; 2) LL e MM e 3) RR e SS deduziram, cada um, pedido reconvencional contra os herdeiros de CC Júnior e contra DD e mulher. Como aqueles não são autores nas respectivas acções, os reconvintes lançaram mão do incidente da intervenção de terceiros, para os dotarem dessa qualidade.

Podiam tê-lo feito? Pensamos que não.

É certo que o n.º 4º, do art. 274º, do Código de Processo Civil estabelece que "se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos, que, de acordo com os critérios aplicáveis à pluralidade das partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respectiva intervenção principal provocada, nos termos do disposto no art: 326°".

Por força do disposto no art. 325º do Código de Processo Civil, "qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito de intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária". Com os incidentes da intervenção de terceiros, assiste-se à chegada ao processo de um terceiro- definido como quem não é parte originária nos autos, nem sucessor de qualquer das partes - com o fito de fazer valer uma pretensão própria ou de contra ele ser feita valer uma pretensão.

Ora, nos termos o nº 4 do supra transcrito preceito legal e de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes - arts. 30º e 31º do CPC - o réu só pode suscitar a intervenção como associados do reconvinte ou do reconvindo de outros sujeitos diversos das partes primitivas. No caso dos sutos, pretendem os RR, contra os ditames da lei, fazer intervir quem já é parte na acção, ou seja quem não tem a qualidade de terceiro.

A admitir-se o referido incidente teríamos uma situação bizarra de alguém ser simultaneamente réu e reconvindo, o que subverteria os princípios basilares quer do instituto da reconvenção, quer da intervenção principal provocada, razões pelas quais as intervenções suscitadas devem ser rejeitadas.

Contudo, analisado o objecto da causa reconvencional, temos que, no que concerne às acções 111/2001 e 161/2001,nunca os AA. e os herdeiros de CC Júnior poderiam ter um interesse semelhante. Pelo contrário, tais interesses são até antagónicos: àqueles interessa a destruição das relações jurídicas sucessivamente estabelecidas entre os chamados, para, dessa forma, os prédios transmitidos serem devolvidos à fideicomissária; ao invés, aos chamados interessará a manutenção intocada de tais negócios, por forma a preservarem intacta a situação jurídico-patrimonial dali surgida.

De todo o modo, sempre os reconvintes terão os seus direitos acautelados:

- na parte que tange com a indemnização pelas benfeitorias levadas a cabo, resulta desnecessária a intervenção provocada dos herdeiros de Agostinho Júnior, uma vez que, atenta a configuração da relação material controvertida efectuada pelos AA., nunca aqueles poderão ver declarada a seu favor a titularidade dos prédios em questão: ou a acção procede e os prédios alienados ficarão a fazer parte do património da fideicomissária AA, ou a acção improcede e os referidos prédios permanecerão com os seus actuais proprietários. De todo o modo, nunca os herdeiros do dito CC Júnior terão que repor as benfeitorias efectuadas;

- quanto à devolução, por parte dos co- réus DD e mulher, da quantia paga pelos prédios transmitidos, a proceder a acção, os adquirentes/reconvintes veriam a sua pretensão satisfeita fruto da aplicação das regras do artº 289 do CC, não sendo necessário adulterar as regras do incidente da intervenção de terceiros para conseguir tal fim.

Pelo exposto, concluímos pela inadmissibilidade do incidente de intervenção principal suscitado.

Pelos motivos acima expostos chegamos também à conclusão que a intervenção principal provocada deduzida no processo n.º 160/2001, por ser dirigida contra quem já era parte (que não os AA) na acção, iria redundar na acima apontada confusão da reunião no mesmo sujeito processual das qualidades de réu e reconvindo .

Só que, nesta concreta acção, uma vez que os AA. não peticionaram o seu reconhecimento como proprietários do prédio transmitido, temos que o pedido reconvencional resulta unicamente dirigido contra os co-RR, herdeiros de CC Júnior, pelo que neste caso o pedido deduzido há-de ser indeferido in totum visto que indeferida a intervenção nenhuma outra parte primitiva subsiste para o suportar.

Todavia, mesmo não podendo ser declarados os direitos que os RR. reconvintes pretendiam fazer valer, sempre a matéria por si alegada poderá e será utilizada à guisa de excepção peremptória, uma vez que, a provar-se, logrará impedir os efeitos pretendidos pelos AA.

Nestes termos:

- rejeito os pedidos de intervenção principal provocada dos co-RR herdeiros de CC Júnior e de DD e mulher deduzidos pelos RR FF, SA (proc.º n.º 111/2001), LL e mulher (proc.º n.º 160/2001) e RR e mulher (proc.º n.º 161/2001),e

Consequentemente,

- rejeito os pedidos reconvencionais deduzidos:

a) pela R. FF, S.A. contra os herdeiros de CC Júnior e de DD e mulher (proc.º n.º 111/2001);

b) pelos RR. LL e mulher contra os herdeiros de CC Júnior (proc.º n.º 160/2001); e

c) pelos RR. RR e mulher contra os herdeiros de CC Júnior e DD e mulher (proc.º n.º 161/2001).


 *


Custas pelos RR. acima identificados, na proporção do seu decaimento. Notifique.

***


Resta-nos apreciar os pedidos reconvencionais deduzidos pela R. FF, S.A. e pelos RR. RR e mulher contra os AA., e que se reconduzem ao reembolso das benfeitorias realizadas nos prédios que adquiriram.

À luz dos princípios supra expostos temos que, no que concerne aos requisitos materiais os pedidos deduzido contra os AA. têm cabimento na al. b), do art. 274°, do Código de Processo Civil. Por outro lado, este tribunal é absolutamente competente para conhecer dos pedidos deduzidos pelos reconvintes e a estes correspondem formas de processo coincidentes (art, 462º, do CPC).

Estão assim reunidos, os pressupostos de que depende a admissibilidade dos pedidos reconvencionais deduzidos.

Pelo exposto, decido:

a) Admitir o pedido de reconvenção formulado pela R. FF, S.A. contra os AA. no processo 111/2001;e

b) Admitir o pedido de reconvenção formulado por RR e mulher contra os AA. no processo 161/2001.


***


A dedução de pedido reconvencional determina a alteração do valor da causa o qual passará a ser o resultado da soma dos dois pedidos (art, 308º, n.º2, do C.P.C. e 10°, do C.C.J.).

Assim sendo o tribunal fixa os seguintes valores às acções:

111/2001:1.168.813.20 euros o correspondente a 234.326.000$00 (107.000.000$00, da acção + 127.326.000$00, da reconvenção na parte admitida);

- 161/2001:235.432,61 euros o correspondente a 47.200.000$00 (20.000.000$00, da acção + 27.200.000$00, da reconvenção na parte admitida).”


      Vejamos.

   Se é certo que os RR. LL e mulher deduziram um pedido reconvencional principal, dirigido contra os AA., e um pedido reconvencional subsidiário, dirigido contra os AA. e os herdeiros do falecido CC, e que o despacho em causa começou por rejeitar o pedido dirigido contra os herdeiros do falecido CC, também é certo que, de seguida, considerou que, dado não terem os AA. peticionado o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio, “o pedido deduzido há-de ser indeferido in totum”. Decidindo, a final, admitir apenas (parte dos) pedidos reconvencionais formulados nas acções nº 111/2001 e nº 161/2001. Formou-se, assim, caso julgado formal quanto à não admissão dos pedidos reconvencionais da acção nº 161/2001; e, consequentemente, não padece a sentença de nulidade por omissão de pronúncia quanto ao pedido ou pedidos reconvencionais que nela foram dirigidos contra os AA.

     Conclui-se, assim, não se verificar a alegada nulidade por omissão de pronúncia do acórdão da Relação sobre o pedido ou pedidos reconvencionais dos RR. LL e mulher dirigidos contra os AA., nem tampouco se verificar erro de julgamento do acórdão recorrido quanto ao trânsito em julgado do despacho de fls. 491 a 495.


     Passemos a apreciar da segunda nulidade invocada pelos Recorrentes LL e mulher: ainda que a primeira nulidade não venha a ser reconhecida, sempre ocorrerá omissão de pronúncia do acórdão da Relação, pois, apesar da produção de prova sobre a matéria alegada pelos Recorrentes, que colheu no essencial resposta positiva, o acórdão recorrido assim como a sentença nada diz sobre a alegada excepção peremptória, no âmbito da qual tal matéria foi levada ao questionário.

         Vejamos.

       Está em causa a possibilidade de a questão da acessão industrial imobiliária, suscitada pelos RR. LL e mulher em sede de reconvenção, poder valer como excepção peremptória, de acordo com a hipótese enunciada no despacho de fls. 491 a 495 nos seguintes termos:

       “Todavia, mesmo não podendo ser declarados os direitos que os RR. reconvintes pretendiam fazer valer, sempre a matéria por si alegada poderá e será utilizada à guisa de excepção peremptória, uma vez que, a provar-se, logrará impedir os efeitos pretendidos pelos AA.”


     Ora, da leitura da fundamentação do acórdão recorrido, supra transcrito, resulta patente ter a Relação conhecido da questão da alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a questão da acessão industrial imobiliária. Aqui se retomam os parágrafos relevantes do acórdão:

      “Por outro lado e ante a alusão, no despacho de que ora se trata, a um eventual aproveitamento do alegado, enquanto excepção peremptória, houve o cuidado, na sentença, de afastar uma tal hipótese.

       Defendem os Apelantes LL e mulher, ainda, que também ocorreria omissão de pronúncia em resultado de «…apesar da produção de prova sobre a matéria alegada pelos Apelantes, que colheu no essencial, resposta positiva…» a sentença nada dizer «…sobre a aludida excepção peremptória, no âmbito da qual, tal matéria foi levada ao questionário.».

        Também aqui estamos como o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” entende no referido despacho de 23/10/2015.

       Na sentença abordou-se a questão da acessão industrial imobiliária, aí se tendo chegado à conclusão - fundamentada - de que essa matéria não podia ser conhecida enquanto excepção.

       Quanto à “falta de pronúncia sobre outra excepção peremptória”, não detectamos qual seja essa excepção, pelo que, a invocada nulidade, em face dos termos em que foi alegada, não pode ser reconhecida.” [negritos nossos]


      Não se verifica assim a alegada nulidade por omissão de pronúncia do acórdão recorrido.

      Quanto muito poderá existir erro de julgamento por, diversamente do ajuizado pela Relação, se verificar que efectivamente a sentença padecia da alegada omissão de pronúncia. Questão de que se passa a conhecer.

       Compulsada a sentença, encontra-se a seguinte desenvolvida fundamentação:

      “Deverá, neste momento, referir-se que os R.R. LL e mulher MM na sua contestação/reconvenção vieram invocar a acessão industrial imobiliária.

       E, em consequência, pediram a declaração de que tais R.R./Reconvintes adquirem, por acessão, a propriedade do prédio descrito em 4. e 27., mediante o pagamento, por parte destes, da quantia de dois milhões e quinhentos mil escudos, à herança aberta por óbito de JJ (cfr. pedido reconvencional identificado sob II. A) da Reconvenção – especialmente fls. 143 verso -).

      Como emerge do despacho de fls. 491 a 494 e 494 e 495, rejeitaram-se os pedidos reconvencionais formulados pelos R.R. LL e mulher contra os herdeiros de CC Júnior e apenas se admitiram as reconvenções formuladas pelos R.R. FF, contra os A.A. (no processo n.º 111/2001) e o pedido de reconvenção formulado por RR e mulher contra os A.A., no processo n.º 161/2001.

       Daqui deriva que foram rejeitados, nomeadamente, os pedidos reconvencionais deduzidos pelos R.R. LL e mulher contra os herdeiros de CC Júnior.

       Todavia, como os direitos relativos à herança (no caso, herança aberta por óbito de JJ) apenas podem ser exercidos conjuntamente contra todos os herdeiros (cfr. artigo 2091.º, n.º 1, “in fine” do C.C.) a não admissão daquela intervenção principal provocada de um dos herdeiros determinou a inadmissibilidade do demais pedidos reconvencionais formulados pelos aludidos R.R..

      De todo o modo, a verdade é que, relativamente aos pedidos reconvencionais formulados pelos R.R. LL e MM, no despacho referido a fls. 494, referiu-se: “Todavia, mesmo não podendo ser declarados os direitos que os R.R./reconvintes pretendiam fazer valer, sempre a matéria por si alegada poderá e será utilizada à guisa de excepção peremptória, uma vez que, a provar-se, logrará impedir os efeitos pretendidos pelos A.A.”.

     Daqui derivaria que poderia eventualmente cogitar-se a hipótese de a acessão industrial imobiliária ser aqui perspectivada como excepção peremptória.

        Como ressalta do artigo 1325.º do C.C. dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertence.

        (…)

       Posto isto importa apreciar, no caso dos autos, se a acessão industrial imobiliária pode ou não ser configurada como excepção peremptória nos presentes autos.

        A resposta deverá ser negativa.

        De facto, a negação da intervenção principal provocada dos herdeiros de CC Júnior afirmada aquando da prolação do despacho de fls. 491 a 494 determinou a não admissão da reconvenção fundada na acessão industrial imobiliária. Ora, tanto a reconvenção (que não foi admitida) como a excepção só podiam funcionar mediante a intervenção principal provocada dos herdeiros de CC Júnior do lado activo da acção.

       Com efeito, na relação processual nascida com a acção o outro herdeiro de JJ (CC Júnior, actualmente representado pelos seus incertos herdeiros que, por seu turno, são representados pelo Ministério Público) é Réu. Daí deriva que ele não possa, nomeadamente, “contestar” (rectior: replicar) no que tange á existência dos requisitos da acessão industrial imobiliária alegada pelos falados R.R. (v.g. no respeitante ao valor da indemnização devida por acessão industrial imobiliária). E isto porque o artigo 502.º, n.º 1 do C.P.C. vigente á data da entrada dos articulados é taxativo no sentido de que a réplica é um articulado da parte que processualmente ocupa a posição de A. da acção.

       Desta forma, deverá concluir-se que não tendo sido aceite a intervenção principal provocada dos herdeiros de CC Júnior não pode na presente acção conhecer-se da invocada acessão industrial imobiliária como excepção peremptória (o que não invalida que ditos R.R./Reconvintes possam vir a fazer valer esse direito de acessão industrial imobiliária em acção autónoma, dado que concluindo-se, como se concluiu, que a reconvenção deduzida não é admissível e que a acessão não pode aqui valer como excepção peremptória, não se forma caso julgado sobre tal matéria).” [negritos nossos]


      Não oferece dúvidas de que a sentença apreciou a possibilidade de a acessão industrial imobiliária ser conhecida como excepção peremptória, tendo concluído em sentido negativo.

       Diferente seria se os RR. LL e mulher, em sede de apelação, tivessem impugnado a sentença nesta parte, invocando erro de julgamento (sobre a impossibilidade de a acessão industrial imobiliária ser conhecida como excepção peremptória). Nessa hipótese, a Relação teria de voltar a conhecer da questão. Compulsada porém a apelação, verifica-se (a fls. 3147-3149) que aqueles RR. não o fizeram.

      Conclui-se, por isso, que o acórdão da Relação não padece da alegada nulidade por omissão de pronúncia quanto à nulidade por omissão de pronúncia da sentença a respeito da (im)possibilidade de a acessão industrial imobiliária ser configurada como excepção peremptória, nem tampouco ocorre erro de julgamento quanto à inexistência de tal nulidade.


15. Por fim, há que conhecer da questão do recurso da R. FF, S.A. quanto à natureza das benfeitorias por si realizadas, benfeitorias que a Recorrente entende ser de qualificar como necessárias e não como úteis.

      Estão em causa as benfeitorias correspondentes aos factos 63 a 76, afigurando-se necessário ter presentes também os factos 40 a 62 relativos ao estado do prédio identificado em 3 (Quinta de São Xisto) aquando da sua aquisição pela R. FF, S.A.:

           

40. Na Quinta de KK era cultivado 3,804 ha. de vinha (cfr. artigo 16.º da B.I.)

41. Dos quais 0,864 estavam abandonados (cfr. artigo 17.º da B.I.).

42. E 2,940 ha. eram de vinha não mecanizada (cfr. artigo 18.º da B.I.)

43. A referida Quinta era constituída em socalcos largos e desnivelados, com grande densidade de plantação (cfr. artigo 19.º da B.I.).

44. Na mencionada Quinta existiam 15,77 ha. de olival, com oliveiras centenárias (cfr. artigo 20.º da B.I.).

45. E existiam 15,030 ha. de mato, constituído por vegetação mediterrânica arbustiva espontânea (cfr. artigo 21.º da B.I.).

46. Em 26-05-1999, cerca de 3,7 ha. da vinha da Quinta de KK tinha direito a benefício (cfr. artigo 22.º da B.I.).

47. Nessa decorrência, na vindima de 1999 foram beneficiados 12.050,00 litros de mosto (cfr. artigo 23.º da B.I.).

48. Na mesma data, da aquisição, a Quinta estava dividida em 4 parcelas distantes entre si (cfr. artigo 24.º da B.I.).

49. As castas eram constituídas por uma mistura aleatória de castas (cfr. artigo 25.º da B.I.).

50. Tinha cerca de 10% de uvas brancas (cfr. artigo 26.º da B.I.).

51. Os trabalhos agrícolas na referida Quinta tinham de ser executados à mão (cfr. artigo 28.º da B.I.).

52. Só havendo possibilidade de proceder à sua fertilização com recurso à tracção animal (cfr. artigo 29.º da B.I.).

53. Para os trabalhos agrícolas a executar na referida Quinta despendiam-se 1.200 horas de trabalho manual, por hectare e por ano (cfr. artigo 30.º da B.I.).

54. O preço de mão-de-obra sazonal em 1999 era de cerca de 800$00/hora (cfr. artigo 31.º da B.I.).

55. As vinhas ao alto são mecanizadas por tracção directa, sendo necessárias, à execução dos trabalhos agrícolas, 300 a 400 horas de trabalho manual e cerca de 80 horas de tracção mecânica, por hectare e por ano (cfr. artigo 32.º da B.I.).

56. O aluguer de tracção mecânica em 1999 era de cerca de 3.500$00/hora (cfr. artigo 33.º da B.I.).

57. Em 1999 a Quinta de KK produzia cerca de 4,5 toneladas de uvas por ha./ano (cfr. artigo 34.º da B.I.).

58. A produção das vinhas novas é de cerca de 6,5 toneladas de uvas por ha/ano (cfr. artigo 35.º da B.I.).

59. A partir de Novembro de 1999 a R. FF, S.A. iniciou a plantação de novas vinhas (cfr. artigo 36.º da B.I.).

60. A área de implantação de vinha é actualmente de 17,95 ha. (cfr. artigo 37.º da B.I.).

61. A área de implantação de olival é actualmente de 7,01 ha. (cfr. artigo 38.º da B.I.).

62. Cerca de 10 ha. são constituídos por vegetação espontânea (cfr. artigo 39.º da B.I.).

63. A R. FF, S.A. preparou terreno para implantação da vinha (cfr. artigo 40.º da B.I.).

64. Comprou fertilizantes (cfr. artigo 41.º da B.I.).

65. Material de aramação (cfr. artigo 42.º da B.I.):

66. E plantas (cfr. artigo 43.º da B.I.).

67. Recorreu ao trabalho de outrém (cfr. artigo 44.º da B.I.).

68. No que despendeu a quantia global de 70.699.000$00 (cfr. artigo 45.º da B.I.).

69. Requereu licenças de plantação de vinha (cr. artigo 46.º da B.I.).

70. Para o efeito a R. FF, S.A. despendeu quantia não concretamente apurada (cfr. artigo 47.º da B.I.).

71. Procedeu a obras de drenagem da água da chuva (cfr. artigo 48.º da B.I.).

72. Tendo despendido a quantia de 1.107.000$00 (cfr. artigo 49.º da B.I.).

73. Implantou um sistema de bombeamento e distribuição de água de rega e tratamentos fitossanitários (cfr. artigo 50.º da B.I.).

74. Construiu tanques de armazenamento de água, tendo despendido a quantia de 5.433.000$00 (cfr. artigo 51.º da B.I.).

75. Construiu um parque de máquinas e casa de abrigo de trabalhadores (cfr. artigo 52.º da B.I.).

76. No que despendeu a quantia de 2.600.000$00 (cfr. artigo 53.º da B.I.).


        Vejamos a fundamentação da sentença na parte em que qualifica tais benfeitorias como benfeitorias úteis:

      “Os trabalhos de reconversão e de reestruturação da vinha (tal como resulta da matéria de facto dada como provada sob os n.ºs 40. a 62.) descritos nos pontos 63. a 76., constituem “benfeitorias úteis”, sendo manifesto que não podem ser levantadas do prédio, estando nele incorporadas e, embora não resulte explicitamente provado nem o tendo a Ré FF, S.A. expressamente alegado que as enunciadas benfeitorias valorizaram e, em que medida, o prédio descrito em 3., parece manifesto que as ditas benfeitorias valorizaram o prédio em questão. Desde logo, é um facto público e notório que a reconversão de uma vinha nos termos dados como provados, situada em local privilegiado do Douro, conduziu necessariamente à valorização do prédio em questão e, nesse quadro, revelar-se-ia uma clamorosa injustiça, denegar à Ré FF, S.A. o direito de ser indemnizada pelo montante correspondente à valorização do prédio que por via daquelas benfeitorias foi alcançada [sendo de salientar que o facto de alguém despender determinada quantia com a realização de trabalhos e obras em bem alheio não significa necessariamente que lhe acrescente idêntico valor], não resultando apurado o respectivo valor, nem sequer sendo possível ao Tribunal, por não dispor de elementos para tanto, fixá-lo com recurso à equidade, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do C.P.C., se decide relegar o respectivo apuramento para ulterior incidente de liquidação.”

           

       A Relação aderiu ao juízo da 1ª instância com a seguinte fundamentação:

        “As despesas que se provaram terem sido feitas pela Apelante “FF, S.A.”, na Quinta de KK e que na sentença se classificaram como úteis, podem ter sido “necessárias”, para os objectivos - designadamente, de qualidade e de quantidade daquilo que aí pretendia produzir - que tal Apelante se propunha alcançar naquela Quinta, mas isso não faz com que tais despesas configurem, à luz da 1ª parte do nº 3 do artº 216º, do CC, benfeitorias necessárias, que são aquelas que, na expressão utilizada no Acórdão desta Relação de 10/02/2015 (Apelação nº 1289/12.8TBACB.C1) se “… dirigem à conservação da coisa benfeitorizada, isto é, a obviar à sua perda, destruição ou deterioração”.

       Benfeitorias úteis serão, certamente, as que resultaram indicadas de 63. a 76. dos factos provados, conforme se decidiu e bem na sentença.”


      Vem a Recorrente FF, S.A. insistir ser de qualificar tais benfeitorias como benfeitorias necessárias porque “tiveram por finalidade evitar a perda e progressiva deterioração e o abandono da Qta. de KK da respectiva produção agrícola nela efectuada.”

         Vejamos.

        De acordo com o critério do nº 3, do art. 216º, do CC de 1966, “São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa” e são benfeitorias “úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor”.

       Do confronto entre o estado da quinta à data da sua aquisição pela R. FF, S.A. (factos provados 20 a 62) com a descrição das intervenções levadas a cabo pela referida R. na mesma quinta (factos 63 a 73) resulta patente que tais intervenções não se destinavam a “evitar a perda, destruição ou deterioração” da quinta, mas a aproveitar melhor a sua capacidade produtiva, ou seja, a aumentar o seu valor pelo que é inteiramente correcto qualificá-las como benfeitorias úteis.

      Conclui-se, assim, não merecer censura o entendimento das instâncias de que as benfeitorias realizadas pela R. FF, S.A. no prédio identificado em 3, revestem a natureza de benfeitorias úteis.


16. Pelo exposto, julgam-se os recursos improcedentes, confirmando-se – ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente quanto à questão da invalidade do contrato de compra e venda identificado no ponto 25 dos factos provados – a decisão do acórdão recorrido.



Custas dos recursos pelos respectivos Recorrentes.


Lisboa, 4 de Outubro de 2018



Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho