Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3243/11.8TTLSB.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: ACORDO DE EMPRESA
TAP
INTERPRETAÇÃO
Data do Acordão: 03/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 86, 05.05.2015, P. 2269-2278
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
DIREITO DO TRABALHO - DIREITO COLECTIVO ( DIREITO COLETIVO ) / INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO ( INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO ) / ACORDO DE EMPRESA.
Doutrina:
- BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1990, Almedina, 182, 183.
- MANUEL DE ANDRADE, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 1963, 28.
- MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Colectivas, Almedina, 2012, 288.
- MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, 2005, 111.
- PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2006, 1106, 1107, 1109; Direito do Trabalho, 2010, 5.ª Edição, Almedina, 1222 e 1223.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 10.º.
RUPT/AE (REGULAMENTO DE UTILIZAÇÃO E PRESTAÇÃO DE TRABALHO), ANEXO AO ACORDO DE EMPRESA SNPVAC-TAP PORTUGAL, PUBLICADO NO BOLETIM DO TRABALHO E EMPREGO, N.º 8, 1.ª SÉRIE, DE 28 DE FEVEREIRO DE 2006: - CLÁUSULAS 22.ª, N.º5 E 23.ª, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 10 DE NOVEMBRO DE 1993, CJ, ACÓRDÃOS DO STJ, ANO I, TOMO III, 291; DE 9 DE NOVEMBRO DE 1994, CJ, ACÓRDÃOS DO STJ, ANO II, TOMO III, 284, DE 10 DE MAIO DE 2001, P.º N.º 300/99, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ; DE 14 DE FEVEREIRO DE 2007, P.º N.º 3411/06, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ; DE 9 DE JUNHO DE 2010, P.º N.º 3976/06.0TTLSB.L1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ; DE 5 DE ABRIL DE 2011, P.º N.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT; DE 30 DE ABRIL DE 2014, P.º N.º 3230/11.6TTLAB.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1 - A interpretação das cláusulas de instrumentos de regulamentação colectiva obedece às regras atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstracção e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.

2 – A folga prevista no n.º 5 da Cláusula 22.ª do RUPT/AE (Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho), anexo ao Acordo de Empresa SNPVAC-TAP Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 8, 1.ª Série, de 28 de Fevereiro de 2006, está sujeita ao regime de alteração previsto no n.º 3 da cláusula 23.ª do mesmo Regulamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

O SINDICATO NACIONAL DO PESSOAL DE VOO DA AVIAÇÃO CIVIL (SNPVAC) intentou a presente acção de anulação e interpretação de cláusulas de acordo de empresa, sob a forma de processo especial, contra TAP PORTUGAL, S.A. pedindo que seja declarado que o n.º 5 da cláusula 22.ª do Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho - (RUPT/AE), anexo ao Acordo de Empresa SNPVAC-TAP Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 8, 1.ª Série, de 28 de Fevereiro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que «“o gozo efectivo de um sábado e domingo seguidos tem obrigatoriamente o seu início às 00h00 de sábado e termo às 23h59 de domingo”, não lhe sendo aplicável o conteúdo do n.º 3 da cláusula 23.ª do mesmo RUPT».

Fundamentou a sua pretensão alegando que, desde Outubro de 1971, os tripulantes de cabine viram legalmente reconhecido o direito à folga semanal de quarenta e oito horas consecutivas; que no Acordo de Empresa, além deste direito, é-lhes garantido o gozo efectivo de uma folga semanal a um Sábado e Domingo seguidos, com intervalo não superior a sete semanas, como decorre da cláusula 22ª, n.º 5 do RUPT e que a TAP pretende fazer valer o entendimento de que esta folga semanal pode ser submetida ao protelamento de 12 horas, a que alude o n.º 3 da cláusula 23.ª do mesmo RUPT, podendo iniciar-se, assim, depois das 00h00 de Sábado.

Regularmente citada a Ré apresentou as suas alegações, refutando as conclusões e interpretações propostas pelo Autor.

O processo prosseguiu os seus termos e veio a ser decidido por sentença de 12 de Maio de 2014, que integra o seguinte dispositivo:

«3.1. Nos termos e fundamentos expostos julga-se a acção procedente e, em consequência, decide-se declarar que o n.º 5 da cláusula 22ª do RUPT/AE deve ser interpretada no sentido que “o gozo efectivo de um sábado e domingo seguidos tem obrigatoriamente o seu início às 00h00 de sábado e termo às 23h59 de domingo”, não lhe sendo aplicável o conteúdo do n.º 3 da cláusula 23ª do RUPT/AE.

3.2. Custas a cargo da ré (art.º 527º do NCPC aplicável ex vi art.º 1.º n.º 2 al. a) do CPT).»

Inconformada com esta decisão dela interpôs a Ré recurso de revista, per saltum, para este Supremo Tribunal, nos termos do artigo 678.º do Código de Processo Civil, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:
«1. O regime relativo aos tempos de Serviço de Voo e Repouso do Pessoal Navegante do Transporte Aéreo, encontrava assento legal na Portaria n.º 408/87 de 14 de Maio, diploma [que] previa uma definição de "período de repouso" e de "período de descanso" (art.º 3.º da Portaria), estabelecendo ainda a propósito dos períodos de serviço de voo, que antes de iniciar esse período o tripulante deveria ter um período livre de serviço não inferior a 8 ou 18 horas (arts. 11.º e 15.º da Portaria), bem um período livre de serviço (folga) de pelo menos 48 horas consecutivas por semana, não sendo considerada folga semanal o período de repouso (art.º 14.º n.º 1 da Portaria).
2. Ao referido Diploma seguiu-se a Portaria n.º 328-A/98, de 15 de Abril, que previa um conjunto mais alargado de definições (cfr. art.º 2.º), do qual resultava a introdução da noção de dia de folga (“período livre de serviço para o transporte, com a duração de 24 horas"), folga semanal, (“período de 36 horas livre de serviço para o tripulante que inclui duas noites consecutivas"), tempo de transporte ("tempo a considerar pelo operador para o trânsito de um tripulante, fora da base, entre o local de regresso e o local onde deve apresentar-se ao serviço, e vice-versa"), sendo que o art.º 13.º n.º 3 previa que os períodos de folga podiam ser incluídos nas folgas semanais e nos dias de folga.
3. Actualmente, está em vigor o Decreto-Lei n.º 139/2004, de 5 de Junho, que mantém "grosso modo" o regime anterior, acrescentando, a noção de "dia de folga local" (art.º 2º).
4. Estabelece ainda o actual regime que " ... o período de repouso tem a duração de onze horas, salvo autorização expressa do INAC' (art.º 18.º n.º 5) e ainda que devem ser assegurados ao tripulante vários dias de folga (art.s 19.º n.º 1), sendo que para efeitos de contagem dos sete dias de folga consecutivos para atribuição de uma folga semanal, esta “tem de iniciar-se, pelo menos durante o 7.º dia" (art.º 19.º, n.º 3), mantendo-se o regime de que "os períodos de repouso podem ser incluídos nas folgas semanais e nos dias de folga” (art.º 19.º n.º 4).
5. Já na Regulamentação Colectiva aplicável às Partes, no passado mais recente, vigoraram os seguintes Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho:
- ACT de 1970, publicado no Boletim do INTP n.º 19, de 70.10.15;
- ACT de 1975, publicado no Boletim do Ministério do Trabalho n.º 35, de 75.09.22;
- RPN de 1978 (decisão arbitral), publicado no BTE, l.ª Série, n.º 23 de 78.06.22 (integrado no ACT de 1978, publicado no BTE, l.ª Série, n.º 20, de 78.05.21);
- Regime Sucedâneo de 1981, publicado no DR, 2.ª série, de 81.08.12 e BTE, 1.ª série, n.º 8 de 81.08.09;
- AE/PNC de 1985, publicado no BTE, l.ª série, n.º l0, de 85.03.15, com alterações publicadas no BTE, 1.ª série, n.º 30, de 89.08.16;
- Regime Sucedâneo de 1993, publicado no DR, 2.ª série, de 93.03.31 e BTE, 1.ª série, n.º 14, de 93.04.15;
- AE/PNC de 1994, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 23, de 94.06.22, alterado pelo AE/PNC de 1997, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 40, de 97.10.29; e
- AE/PNC de 2006, publicado no BTE, l.ª série, n.º 8, de 2006.02.28.
6. Nos termos do AE de 1985 (Cl.ª 60.ª e sgs.), a folga semanal era gozada na base e tinha a duração de 48 horas consecutivas, contadas a partir das 00H00 ou 12H00, sendo que os tripulantes tinham direito, pelo menos, a um sábado e um Domingo como período de folga semanal de 7 em 7 semanas.
7. Conforme previsto no n.º 3 da Cl.ª 61 do mencionado AE, não era considerada alteração de folga, a alteração do seu início das 00H00 para as 12H00 ou das 12H00 para as 00H00 horas seguintes, quando não colidisse com o planeamento do tripulante ou, quando colidindo, este o autorizasse.
8. A Cl.ª 22.ª do RUPT, anexo ao AE de 2006, prevê que "4 - O início da folga é contado a partir do início da hora imediatamente seguinte ao termo do período mínimo de repouso do serviço de voo que o anteceda, cumprido que seja o tempo de transição estabelecido nos números 6 e 7 da cláusula 32.º, «tempo de transição entre períodos de serviço de voo»;
5 - Os tripulantes terão direito ao gozo efectivo de um sábado e de um domingo seguidos, como período de folga semanal, com intervalo não superior a sete semanas. 
9. Já a Cl.ª 23.ª do RUPT anexo ao AE de 2006, no seu n.º 3, estipula que "não é considerada alteração à folga o protelamento do seu início não superior a 12 horas".
10. Na definição de folga semanal que consta do n.º 13 da Cl. 4.ª do mesmo RUPT:
"Folga semanal: Período livre de serviço, de quarenta e oito horas consecutivas, dentro de cada sete dias consecutivos, gozado ininterruptamente na base, durante o qual o operador não pode contactar o tripulante", nele não podendo deixar de estar incluída a folga semanal a gozar no fim-de-semana.
11. No regime actual (AE de 2006), diferentemente do AE de 1985, o início da folga é contado a partir do início da hora imediatamente seguinte ao termo do período mínimo de repouso do serviço de voo que o anteceda, cumprido que seja o tempo de transição, não sendo considerada alteração à folga o protelamento do seu início não superior a 12 horas.
12. O tempo/período mínimo de repouso na base é de doze horas (transitoriamente 13 horas) e o tempo de transição na base, entre um período de serviço de voo e uma folga, é de duas horas.
13. Ao contrário do que sucedia no regime do AE de 1985,um tripulante tem, entre o terminus do serviço de voo e o início da sua folga, um intervalo horário mínimo 14 horas correspondendo ao tempo de repouso acrescido da transição (ou transitoriamente, 15 horas).
14. O que, aplicado à Cl.ª 23.º n.º 3, determina que o tempo que, por razões de irregularidade da operação em si ou por necessidades de planeamento decorrentes de alguma irregularidade (por atrasos de voos), portanto, não como regra, se pode prolongar para o sábado não é propriamente a folga, mas sim este intervalo horário de repouso e de transição, a que se segue, então sim, o gozo da folga.
15. O que significa, em resumo, que com as 12 horas do repouso (ou 13, por força do Regime Transitório em vigor - Cfr. Acta e "Regime Transitório" - Ponto 4 - celebrado em 03.10.11, junto com as alegações em 1.ª instância), acrescidas das 2 horas da transição e das 48 horas da folga, em bom rigor, o tripulante estará sempre livre, na base, das 00H00 de sábado às 23H59 de Domingo.
16. Com a interpretação sufragada pela decisão recorrida, não só se mostram cumpridos os períodos de repouso (agora até alargados), como o tripulante está disponível e livre para o convívio familiar e social, não podendo ser chamado para qualquer serviço, no mínimo entre as 00H00 de sábado e as 23H59 de Domingo.
17. E é, no mínimo, porque por força do planeamento, da conjugação dos períodos de repouso, de transição, de folga e de preparação para o voo seguinte, pode acontecer e acontece, que o tripulante esteja livre de serviço desde o início de tarde de sexta-feira até à tarde da segunda-feira seguinte.
18. Para a interpretação dos IRCTs, rege portanto, o disposto no art.º 9.º do Código Civil, e os consabidos elementos literal, teleológico, sistemático e histórico, bem como, quando for o caso, o previsto nos arts.s 236.º e 237.º do Código Civil quanto ao sentido da interpretação dos negócios jurídicos.
19. No caso concreto não está em causa apenas a interpretação de um concreto normativo constante de uma cláusula do AE 2006, mas também e sobretudo, a interpretação conjugada de todo o regime das folgas.
20. Há que conjugar o disposto na Cl.ª 22.ª n.º 5 com o previsto na Cl.ª 23.ª no todo e, em particular, com o seu n.º 3, parece certo que a Cl.ª 22.ª estabelece o regime geral das folgas, enquanto a Cl.ª 23.ª estabelece o regime geral da alteração dessas folgas e ainda uma situação especial que, quando verificada, não se considera alteração ao regime de folga (seja a atribuição, seja a alteração da folga - n.º 3 daquela Cláusula).
21. Não podendo deixar de se concluir que, há uma relação de especialidade entre a Cl.ª 23.ª n.º 3 e as Cls.ª 23.ª n.º 1 e 22.ª do RUPT, anexo ao AE 2006.
22. Nada resulta do clausulado em apreço que permita concluir que o n.º 3 da Cl.ª 23.ª não seja aplicável a todo o regime da Cl.ª 22.ª e, nessa medida, a possibilidade de alterar a folga nos termos daquele n.º 3 também não pode deixar de se aplicar à situação prevista no n.º 5 da Cl.ª 22.ª.
23. Esta interpretação, não só respeita a letra do clausulado, como preserva o sentido útil de ambas as cláusulas em apreço, sem violar os dispositivos legais e contratuais aplicáveis, designadamente, no que diz respeito ao período de repouso (com duração imperativa) e o princípio do direito à folga semanal de quarenta e oito horas consecutivas (neste caso, a um sábado e Domingo).
24. A expressão "gozo efectivo" constante da Cl.ª 22.ª n.º 5 (e que também consta do n.º 1 da mesma cláusula relativamente à folga semanal) apenas pretende assegurar que o gozo das folgas, quaisquer que elas sejam e qualquer que seja o período em que são gozadas, não pode ser "perturbado" pela Apelante, ou seja, não pode naquele período o tripulante ser chamado, sob qualquer pretexto, seja para realizar um serviço de voo, seja para assistência, serviço de reserva, serviço on call, etc ..
25. Por outro lado, a "ratio" da solução alcançada e vertida na Cl.ª 22.ª n.º 5 do RUPT, anexo ao AE de 2006, (elemento teleológico) não é colocada em causa com a interpretação defendida pela Apelante, uma vez que está total e definitivamente assegurada e possibilidade de o tripulante, mesmo tendo operado uma alteração às folgas nos termos do n.º 3 da Cl.ª 23.ª, usufruir com a família e os amigos, todo o dia de sábado e o Domingo.
26. A interpretação defendida pela Apelante é também a que melhor respeita o elemento sistemático, porque é aquela que, respeitando o art.s 9 n.º 3 do Código Civil, melhor salvaguarda o âmbito de aplicação das duas cláusulas em apreço, com o mínimo de sacrifício de qualquer uma delas.
27. Não pode, por isso, ser acolhida a interpretação do n.º 5 da C1.ª 22.ª do RUPT, anexo ao AE de 2006, celebrado entre o Apelado e a Apelante, no sentido de que "o gozo efectivo de um sábado e domingo seguidos têm obrigatoriamente o seu início às zero horas de sábado e terminus às 23H59m de Domingo", não lhe sendo aplicável o conteúdo do n.º 3 da Cl.ª 23.ª do mesmo RUPT.
28. Antes se deve declarar que a execução do planeamento por irregularidade operacional ou a utilização legítima da disponibilidade planeada, pode ter como consequência que a hora de início da folga prevista no n.º 5 da Cl.ª 22.ª, seja protelado até 12 horas, mantendo-se o gozo da folga planeada, ao abrigo do disposto na Cl.ª 23.ª n.º 3 do RUPT; anexo ao AE de 2006.»

Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso e revogada a decisão recorrida.

O Autor respondeu ao recurso interposto, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:
«1ª A interpretação do nº 5 da Cl. 22.ª do RUPT/AE aplicável ao PNC só pode ser no sentido de que o gozo efectivo de um sábado e domingo seguidos tem obrigatoriamente o seu  início às zero horas de Sábado e terminus às 23H59 de Domingo", não lhe sendo aplicável o conteúdo do nº 3 da CL23.ª do mesmo RUPT.
Na verdade,
2ª Pelo que bem andou a M.ª Julgadora de 1.ª instância ao decidir como decidiu, subscrevendo-se, na íntegra, a fundamentação do aresto em crise.
Na verdade,
3ª Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.° do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstracção e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.
4ª Assim, na fixação do sentido e alcance de uma norma, há que atender desde logo ao sentido literal do texto, já que a letra da lei é um elemento irremovível da interpretação, ou um "limite da busca do espírito", não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
E, salvo melhor entendimento, a interpretação preconizada pela Recorrente não se situa já no âmbito do sentido literal possível, pelo que já não é interpretação, mas modificação de sentido.
5ª Ora, na cláusula em apreço reconhece-se aos Tripulantes o "gozo efectivo", pelo menos, "a um sábado e um domingo" como período de folga semanal de 7 em 7 semanas, resultando claro do enunciado linguístico (elemento gramatical ou literal, e salvo melhor entendimento, que esta folga semanal tem necessariamente de coincidir com "um sábado e um domingo", não podendo abranger, como sustenta a TAP, meio dia de sábado, o domingo e meio dia da segunda-feira seguinte.
Aliás, a expressão "gozo efectivo" é explícita e inequívoca, significando que, no caso previsto, a folga semanal tem necessariamente de abranger, além do domingo, o dia completo do sábado anterior.
6ª Mas aquela conclusão advém ainda dos elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica que também tutelam a interpretação das normas.
Assim:
a) Dos antecedentes da lei e da regulamentação colectiva relativa aos períodos de repouso e às folgas do PNC referidos nos autos, maxime dos enunciados no ponto II) das presentes alegações, que aqui se dão por reproduzidos para os legais efeitos, resulta inequívoco que não foi vontade das partes outorgantes do AE 2006, protelar para a segunda feira seguinte o gozo efectivo, pelo menos, de "um sábado e um domingo" como período de folga semanal de 7 em 7 semanas, configurando, por isso, o regime estabelecido no n.º 5 da Cl 22.ª uma excepção que foge à regra geral do n.º 3 da cl 23.ª.               
É que, se as partes quisessem condicionar o início desta folga semanal, fá-lo-iam expressamente, como sempre o fizeram em regulamentação anterior onde, de modo claro, fizeram constar a sua vontade de "empurrar" por determinado período de tempo o inicio desta folga especial.
Acresce que a ratio deste normativo "assenta” em princípios de índole familiar e social, uma vez que o sábado e o domingo são os dias em que a generalidade dos trabalhadores semanalmente descansa, afigurando-se líquido que a vontade das parles, ao estabelecerem este direito, foi salvaguardar aos Tripulantes a possibilidade de, pelo menos com esta periodicidade, poderem usufruir de um fim de semana em família e com os amigos, havendo a folga em apreço de iniciar-se, necessariamente, às 0 horas de sábado" (elementos histórico e sistemático);
b) Doutro passo, o recurso ao elemento teleológico, leva-nos a ponderar quais as finalidades e objectivos que esta norma pretende prosseguir, ou seja, quais os pontos que quer preservar, estando a resposta intrinsecamente ligada à atrás referida razão histórica: assegurar aos Tripulantes de Cabine a possibilidade de pelo menos com aquela periodicidade, poderem usufruir de um fim de semana em família e com os amigos, havendo a folga em apreço de iniciar-se necessariamente às 0 horas de sábado.
O que se justifica também pelas especificidades inerentes a este tipo de actividade, a qual, por natureza, é irregular, assegurando esta norma que, pelo menos de sete em sete semanas, o Tripulante de Cabine tenha direito ao gozo de um fim de semana "normal", coincidente com aquele que é o período normal de folga semanal da generalidade das profissões.
7ª Vide aliás, em moldes em tudo semelhantes, com normas paralelas às que agora estão em apreço, o já doutamente fixado no ASSENTO deste STJ n° 1/95, publicado no DR l.ª SÉRIE A 04-01-1995, PÁG. 42 A 46 - BMJ N° 441 ANO 1994 PÁG. 110 - CJ STJ 1994 ANO II TIII, PÁG. 284.»

Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.

Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, nos termos no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho, integrando a seguinte síntese conclusiva:

«Destarte, emite-se parecer no sentido de que, o n.º 5 da cláusula 22.ª do RUPT/AE deve ser interpretado no sentido de que o gozo efectivo de um sábado e domingo seguidos tem obrigatoriamente o seu início às 00h de sábado e termo às 23h59 de domingo, não sendo aplicável, no circunstancialismos ali previsto, o n.º 3 da cláusula 23.ª, pelo que SMO, deveria ser negado provimento à revista, antes devendo ser confirmado Acórdão sub judicio».

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se a folga prevista no n.º 5 da cláusula 22.ª do RUPT/AE (Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho), anexo ao Acordo de Empresa – A.E. SNPVAC-TAP Portugal, terá, obrigatoriamente, de ter início às zero horas de Sábado e termo às zero horas de Domingo, ou se o início da mesma poderá ser protelado por 12 horas, por aplicação do disposto no n.º 3 do cláusula 23.ª daquele RUPT/AE.

Preparada a deliberação, mediante a entrega de cópia do projecto de acórdão aos Ex.mºs Juízes da Secção Social, por força do preceituado no artigo 687.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, por via do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, e no artigo 186.º deste Código, cumpre apreciar e decidir.


II

Está em causa a determinação do sentido das normas do n.º 5 da cláusula 22.ª e do n.º 3 da cláusula 23.º do Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho, anexo ao Acordo de Empresa SNPVAC – TAP PORTUGAL, publicado no BTE. N.º 8, 1.ª Série, de 28 de Fevereiro de 2006.

As cláusulas em causa são do seguinte teor:

«Cláusula 22.ª
Folga semanal
1 - Os tripulantes terão direito ao gozo efectivo de um período de folga de quarenta e oito horas consecutivas, em cada sete dias consecutivos, a ser gozado na base, salvo o previsto no n.º 7 da cláusula 4.ª, «Definições - Destacamento», sem prejuízo das rotações de longo curso que pela sua duração e natureza específica o não permitam.
2 - O planeamento das folgas semanais deve ser feito de modo que cada folga semanal seja integralmente gozada, no limite, até às 23 horas e 59 minutos do 7.º dia.
3 - Nos casos em que no planeamento, por motivo de optimização da utilização dos tripulantes, não seja observado o limite exposto no número anterior, a folga semanal terá de ter o seu início até às 0 horas do 7.º dia e terá um descanso adicional de duas horas.
4 - O início da folga é contado a partir do início da hora imediatamente seguinte ao termo do período mínimo de repouso do serviço de voo que o anteceda, cumprido que seja o tempo de transição estabelecido nos números 6 e 7 da cláusula 32.ª, «Tempo de transição entre períodos de serviço de voo».
5 - Os tripulantes terão direito ao gozo efectivo de um sábado e de um domingo seguidos, como período de folga semanal, com intervalo não superior a sete semanas.
6 - As situações de licença sem vencimento, incapacidade física temporária, impedimento prolongado superior a um mês não imputável à empresa, o gozo de férias, bem como qualquer falta à prestação de serviço que coincida com um fim-de-semana, interrompem a contagem das sete semanas referidas no n.º 5 da presente cláusula, a qual será reiniciada a partir da apresentação do tripulante ao serviço.
7 - A folga não poderá ser imediatamente precedida de um serviço de assistência.
8 - Aos tripulantes com filhos que careçam de reeducação pedagógica, as folgas deverão ser marcadas para o sábado e o domingo, desde que o requeiram semestralmente com fundamento, comprovado, na impossibilidade de assistência a esses filhos por familiares ou em estabelecimentos adequados.
9 - Até ao final de cada trimestre o tripulante tem de ter gozado o mínimo de 13 folgas semanais.
10 - Até final do 1.º trimestre de cada ano têm que estar gozadas todas as folgas semanais respeitantes ao ano imediatamente anterior.
11 - Uma vez iniciada, a folga não pode ser interrompida.
12 - Os tripulantes gozarão, no regresso à base, obrigatoriamente uma folga semanal de quarenta e oito horas:
a) Após um período de serviço de voo que inclua quatro aterragens;
b) Após um período de serviço de voo de longo curso, no regresso à base, tenha havido ou não estadia fora dela.
13 - Os tripulantes gozarão, no regresso à base, obrigatoriamente uma folga semanal de quarenta e oito horas acrescido de um descanso adicional de vinte horas:
a) Após um voo de longo curso, com block time planeado (em qualquer dos percursos) igual ou superior a dez horas.»
«Cláusula 23.ª
Alteração de folgas
1 - Só com o acordo prévio do tripulante poderão ser alterados e reprogramados os períodos de folga semanal, constantes da sua escala mensal.
2 - Para efeitos do número anterior, não são consideradas alterações à folga semanal as que resultem da aplicação do n.º 9 da cláusula 18.ª, «Bloco mensal de serviço de assistência (BMSA)», ou de irregularidades operacionais ocorridas quando o tripulante se encontre fora da base.
3 - Também não é considerada alteração à folga o protelamento do seu início não superior a doze horas.»

Na interpretação dos dispositivos em causa têm ainda particular relevo alguns segmentos da cláusula 4.ª daquele instrumento de regulamentação colectiva do trabalho que, parcialmente, se transcreve:

«Cláusula 4.ª
Definições
Para efeitos deste regulamento, considera-se:
1) Actividade no solo - a que é inerente às funções atribuídas ao tripulante, nomeadamente instruções, cursos, refrescamentos e qualquer tipo de treino profissional, ou convocação pela empresa, obrigatoriamente considerado como tempo de trabalho;
2) a 3) (…);
4) Base - local onde a empresa tem a sua sede ou outro, circunscrito ao território nacional, que seja definido como tal pela empresa e que conste do contrato de trabalho do tripulante;
5) a 6) (…);
7) Destacamento - situação em que o tripulante, com o seu acordo e por necessidade da empresa, se encontra temporariamente estacionado fora da base por um período de tempo superior ao tempo máximo da rotação e até 30 dias. Este regime carece de negociação e acordo prévio do SNPVAC;
8) (…);
9) Dia de trabalho - dia de calendário que inclua, no todo ou em parte, um serviço de voo ou no solo, ou dia de ausência da base, motivado por serviço;
10) Dia livre de serviço - dia que, não sendo de folga, repouso ou férias, ao tripulante não foi atribuída qualquer actividade no âmbito das suas funções;
11) a 12 (…);
13) Folga semanal - período livre de serviço, de quarenta e oito horas consecutivas, dentro de cada sete dias consecutivos, gozado ininterruptamente na base, durante o qual o operador não pode contactar o tripulante;
14) a 18) (…);
19) Planeamento mensal/escala de serviço – programação mensal dos serviços, das folgas e das férias do tripulante; salvo acordo do próprio, não pode ser alterado fora dos casos expressamente previstos neste acordo de empresa;
20) a 21 (…);
22) Período de repouso - período no solo e em local apropriado para repouso, durante o qual o tripulante está obrigatoriamente liberto de todo e qualquer serviço, após serviço de voo ou no solo, não podendo ser contactado pela empresa;
23) a 26) (…);
27) Residência - local onde o tripulante se encontra em regime de domicílio permanente;
28) Rotação - conjunto de períodos de serviço de voo com início e término na base e que inclua estada fora dela;
29) a 30) (…);
31) Serviço de assistência - período de tempo de trabalho durante o qual o tripulante, para o efeito escalado, permanece à disposição da empresa com vista a efectuar qualquer período de serviço de voo para o qual se encontre qualificado, dentro das atribuições correspondentes à sua categoria profissional;
32) a 48) (…)»;

III

1 - A interpretação dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho tem motivado um debate doutrinário e jurisprudencial derivado da especificidade destas fontes de Direito.

Não se suscitando dúvidas de fundo sobre a natureza regulamentar da parte mais significativa das normas que integram aqueles instrumentos, nomeadamente, as que incidem sobre a prestação de trabalho, a sujeição da respectiva interpretação aos critérios gerais do sistema jurídico, consagrados nos artigos 9.º e 10.º do Código Civil, não deixa de reflectir aquela especificidade.

De facto, as Convenções Colectivas de Trabalho têm base negocial e resultam de um encontro de vontades das partes no sentido de concretizar uma específica disciplina para os concretos segmentos da relação de trabalho abrangidos.

Esta origem negocial das normas que integram uma convenção colectiva de trabalho situa-as num patamar bem diverso daquele em que se encontra o legislador que define de forma geral e abstracta uma disciplina para certos segmentos do sistema jurídico.

Conforme refere PEDRO ROMANO MARTINEZ, «partindo do pressuposto de que as convenções colectivas de trabalho, na parte regulativa, como produzem efeitos em relação a terceiros, se aproximam da lei, quanto à sua interpretação deve recorrer-se ao art. 9.º do CC. Mas é preciso ter em conta que a convenção colectiva de trabalho se distingue da lei, não tendo as mesmas características; por outro lado, as normas de uma convenção colectiva de trabalho provêem de negociações entre sujeitos privados (…) não emanando unilateralmente do poder central ou regional. Por isso, das negociações havidas podem, nalguns casos, retirar-se elementos importantes para a interpretação das regras constantes da convenção colectiva de trabalho»[1].

Na mesma linha de raciocínio se encontra a posição de MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, que, embora defenda a superação da dicotomia dualista na interpretação das convenções colectivas de trabalho, defende, contudo, a interpretação daquelas estruturas normativas de acordo com os critérios gerais dos artigos 9.º e 10.º do C. C., referindo que «a sujeição da convenção colectiva de trabalho aos parâmetros de interpretação da lei, nos termos apontados, não impedirá a ponderação de factores subjectivos – nomeadamente, no tocante ao conteúdo obrigacional da convenção -, que serão atendíveis no contexto dos elementos históricos de interpretação da lei»[2].

Este debate tem estado presente em inúmeras pronúncias desta Secção.

Referiu-se, com efeito, sobre essa matéria, no acórdão proferido em 30 de Abril de 2014, na revista n.º 3230/11.6TTLAB.S1, o seguinte:

«2.1. Na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo ou regulativo – como é o caso, uma vez que estamos perante cláusulas cuja finalidade é a de regular as relações individuais de trabalho estabelecidas entre os trabalhadores e o empregador (.)[3] - há que ponderar, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas – de aplicação direta aos contratos de trabalho em vigor – e, por outro lado, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados.

Tem este Supremo Tribunal entendido, de forma dominante, que na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções colectivas de trabalho regem as regras atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil (.)[4], visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstracção e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros (.)[5].

Está em causa na presente revista, conforme acima se referiu, a interpretação do disposto no n.º 5 da cláusula 22.ª e do n.º 3 da cláusula 23.º do Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho anexo ao Acordo de Empresa SNPVAC – TAP PORTUGAL, publicado no BTE. N.º 8, 1.ª Série de 28 de Fevereiro de 2006, à luz dos critérios decorrentes do artigo 9.º do Código Civil.

Na interpretação deste segmento normativo, em conformidade com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, assumem particular relevo o texto da lei, ponto de partida do processo interpretativo e limite de qualquer solução normativa que dele seja extraída, face ao disposto no n.º 2 do mesmo artigo, e a «unidade do sistema jurídico», referida igualmente no n.º 1 daquele dispositivo.

No que se refere ao texto da lei, conforme afirma BAPTISTA MACHADO, ele é «o ponto de partida da interpretação» e «como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei», prosseguindo este autor com a afirmação de que cabe igualmente ao texto da lei «uma função positiva», nomeadamente, «primeiro, se o texto da lei comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva porém de se poder concluir com base noutras normas que a redacção atraiçoou o pensamento do legislador» e «quando, com é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis»[6].

No que se refere ao elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos), afirma aquele autor que este elemento «compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos)» e «compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico».

Realça ainda o mesmo autor que este «subsídio interpretativo» se baseia «no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário».[7]

2 - Assentes estes princípios, cumpre ensaiar a determinação do sentido dos dispositivos em causa, procurando encontrar uma resposta para o problema colocado e que se centraliza na questão de saber se as folgas referidas no n.º 5 da cláusula 22.ª do aludido Regulamento podem ser afectadas pelas alterações previstas no n.º 3 da sua cláusula 23.ª.

As cláusulas 22.ª e 23.ª do referido regulamento integram um capítulo único daquela estrutura normativa, o capítulo IV que tem por epígrafe “Folgas”.

 As folgas semanais são um período de descanso e de interrupção da prestação efectiva de trabalho, definidas no ponto n.º 13 da Cláusula 4.ª como «período[s] livre[s] de serviço, de quarenta e oito horas consecutivas, dentro de cada sete dias consecutivos, gozado ininterruptamente na base, durante o qual o operador não pode contactar o tripulante».

As folgas semanais são um período de interrupção da prestação de trabalho autónomo relativamente aos períodos de repouso, definidos no ponto 22 da referida cláusula 4.ª como «período[s] no solo e em local apropriado para repouso, durante o qual o tripulante está obrigatoriamente liberto de todo e qualquer serviço, após serviço de voo ou no solo, não podendo ser contactado pela empresa».

De acordo com o disposto no n.º 1 da cláusula 22.ª, «Os tripulantes terão direito ao gozo efectivo de um período de folga de quarenta e oito horas consecutivas, em cada sete dias consecutivos, a ser gozado na base, salvo o previsto no n.º 7 da cláusula 4.ª, «Definições - Destacamento», sem prejuízo das rotações de longo curso que pela sua duração e natureza específica o não permitam».

Deixando de parte as situações derivadas do destacamento e das rotações de longo curso, que não relevam para a resposta que se busca relativamente ao problema proposto, decorre deste dispositivo a afirmação de que os tripulantes têm direito a um «gozo efectivo» de um período de folga de quarenta e oito horas consecutivas, em cada sete dias consecutivos, a ser gozado na base.

As folgas semanais integram as escalas mensais de serviço, definidas na cláusula 9.ª do regulamento em causa, e, de acordo com o disposto no n.º 2 da cláusula 22.ª sobre que nos debruçamos, «o planeamento das folgas semanais deve ser feito de modo que cada folga semanal seja integralmente gozada, no limite, até às 23 horas e 59 minutos do 7.º dia».

Visa-se com o disposto nesta norma que as folgas sejam integralmente gozadas até ao fim do 7.º dia do ciclo a que correspondem.

Mas, reafirmado este princípio, logo o n.º 3 da mesma cláusula estabelece normação para os casos em que aquele comando não seja respeitado, referindo que «nos casos em que no planeamento, por motivo de optimização da utilização dos tripulantes, não seja observado o limite exposto no número anterior, a folga semanal terá de ter o seu início até às 0 horas do 7.º dia e terá um descanso adicional de duas horas.»

Nestes casos torna-se imperativo que o início da folga tenha o seu início até às 0 horas do sétimo dia, beneficiando o tripulante de um descanso adicional de duas horas. Impõe-se, desta forma, o gozo de, pelo menos, um período de 24 horas, as correspondentes ao 7.º dia do ciclo considerado, nesse dia.

Para a compreensão do regime das folgas semanais tem ainda particular interesse a disciplina no n.º 4 da referida cláusula 22.ª que refere que «o início da folga é contado a partir do início da hora imediatamente seguinte ao termo do período mínimo de repouso do serviço de voo que o anteceda, cumprido que seja o tempo de transição estabelecido nos números 6 e 7 da cláusula 32.ª, relativa a «Tempo de transição entre períodos de serviço de voo».

Decorre deste número que, para fixar o início do tempo da folga, há que atender ao «termo do período mínimo de repouso do serviço de voo que o anteceda» e ao tempo de transição entre períodos de serviço de voo, decorrente dos n.ºs 6 e 7 da cláusula 32.ª.

Nos termos do n.º 1 e 2 da cláusula 31.ª «constitui tempo de repouso o tempo livre de qualquer obrigação, em que o tripulante tem a possibilidade de descanso horizontal, num local de repouso que na base é a residência do tripulante» e o tempo mínimo de repouso é de doze horas na base e de onze fora da base ou a duração do período de serviço de voo, aquele que for maior».

Ainda em sede de disciplina das folgas semanais, resulta do n.º 5 da cláusula 22.ª que vimos analisando, que «os tripulantes terão direito ao gozo efectivo de um sábado e de um domingo seguidos, como período de folga semanal, com intervalo não superior a sete semanas».

Decorre deste dispositivo que os tripulantes têm direito a que, num ciclo de sete semanas, uma folga semanal corresponda ao gozo efectivo de um Sábado e um Domingo seguidos.

Está em causa na presente revista saber se esta folga semanal pode ser objecto das alterações a que se refere o n.º 3 da cláusula 23.ª do regulamento em análise.

A cláusula 23.ª do regulamento refere-se a «alteração de folgas» e estabelece no seu n.º 1 que «só com o acordo prévio do tripulante poderão ser alterados e reprogramados os períodos de folga semanal, constantes da sua escala mensal».

Resulta deste número a reafirmação do princípio da estabilidade das escalas de serviço, do que decorre que a alteração das folgas semanais apenas pode ser alterada com o acordo prévio do tripulante.

Os n.ºs 2 e 3 desta cláusula consagram excepções a este princípio, fluindo do n.º 2 que «para os efeitos do número anterior, não são consideradas alterações à folga semanal as que resultem da aplicação da cláusula 18.ª (…) ou de irregularidades operacionais ocorridas quando o tripulante se encontre na base» e que «também não é considerada alteração à folga o protelamento do seu início não superior a doze horas».

As partes estão divididas sobre a possibilidade de aplicar este número 3 à folga prevista no n.º 5 da referida cláusula 22.ª

3 – Na decisão recorrida respondeu-se negativamente a esta possibilidade com os seguintes fundamentos:

«Com efeito, resulta da referida cláusula o direito dos tripulantes ao gozo efectivo de um sábado e um domingo, como folgas, de sete em sete semanas. Tal significa, partindo do elemento literal, que a referida folga terá obrigatoriamente de coincidir com um sábado e domingo, ambos como dias completos, o que resulta quando expressamente se refere que ao “gozo efectivo” desses dias.

Como refere e bem o autor a ratio do referido normativo assenta em princípios de índole familiar e social, porquanto o sábado e domingo são habitualmente dias de descanso para a generalidade dos trabalhadores. Pretendeu-se desta forma permitir aos tripulantes também essa possibilidade de poder desses dias com a família ainda que numa periodicidade de pelo sete em sete semanas.

Resulta do elemento literal da referida cláusula que se pretendeu atribuir aos tripulantes o gozo efectivo de um sábado e do domingo não sendo por isso aplicável o disposto no n.º 3 da cláusula 23ª do RUPT.

Com efeito, tal aplicabilidade conduziria que o início do referido período se iniciasse já a meio do dia de sábado, prolongando-se depois para segunda feira e claramente tal não resulta da redacção do n.º 5 da cláusula 22ª nem da ratio deste normativo melhor explicitada supra, não colhendo assim os argumentos da ré.

Assim deve a referida cláusula 22ª n.º 5 RUPT/AE ser interpretada no sentido que “o gozo efectivo de um sábado e domingo seguidos tem obrigatoriamente o seu início às 00h00m de sábado e termo às 23h59m de domingo”, não lhe sendo aplicável o disposto no n.º 3 da cláusula 23ª da RUPT/AE.»

4 – Nas conclusões das alegações da revista apresentadas pela Ré, afirma esta que «no caso concreto não está em causa apenas a interpretação de um concreto normativo constante de uma cláusula do AE 2006, mas também e sobretudo, a interpretação conjugada de todo o regime das folgas» e que «há que conjugar o disposto na Cl.ª 22.ª n.º 5 com o previsto na Cl.ª 23.ª no todo e, em particular, com o seu n.º 3» e que «parece certo que a Cl.ª 22.ª estabelece o regime geral das folgas, enquanto a Cl.ª 23.ª estabelece o regime geral da alteração dessas folgas e ainda uma situação especial que, quando verificada, não se considera alteração ao regime de folga (seja a atribuição, seja a alteração da folga - n.º 3 daquela Cláusula)».

Realça que «nada resulta do clausulado em apreço que permita concluir que o n.º 3 da Cl.ª 23.ª não seja aplicável a todo o regime da Cl.ª 22.ª e, nessa medida, a possibilidade de alterar a folga nos termos daquele n.º 3 também não pode deixar de se aplicar à situação prevista no n.º 5 da Cl.ª 22.ª» e que essa «interpretação, não só respeita a letra do clausulado, como preserva o sentido útil de ambas as cláusulas em apreço, sem violar os dispositivos legais e contratuais aplicáveis, designadamente, no que diz respeito ao período de repouso (com duração imperativa) e o princípio do direito à folga semanal de quarenta e oito horas consecutivas (neste caso, a um sábado e Domingo)».

Destaca ainda que «a expressão "gozo efectivo" constante da Cl.ª 22.ª n.º 5 (e que também consta do n.º 1 da mesma cláusula relativamente à folga semanal) apenas pretende assegurar que o gozo das folgas, quaisquer que elas sejam e qualquer que seja o período em que são gozadas, não pode ser "perturbado" pela Apelante, ou seja, não pode naquele período o tripulante ser chamado, sob qualquer pretexto, seja para realizar um serviço de voo, seja para assistência, serviço de reserva, serviço on call, etc.» e que «a "ratio" da solução alcançada e vertida na Cl.ª 22.ª n.º 5 do RUPT, anexo ao AE de 2006, (elemento teleológico) não é colocada em causa com a interpretação defendida pela Apelante, uma vez que está total e definitivamente assegurada e possibilidade de o tripulante, mesmo tendo operado uma alteração às folgas nos termos do n.º 3 da Cl.ª 23.ª, usufruir com a família e os amigos, todo o dia de sábado e o Domingo».

Por sua vez, o recorrido sustenta a bondade da decisão recorrida assente na ideia de que «a interpretação do n.º 5 da Cl. 22.ª do RUPT/AE aplicável ao PNC, só pode ser no sentido de que o gozo efectivo de um sábado e domingo seguidos tem obrigatoriamente o seu  início às zero horas de Sábado e terminus às 23H59 de Domingo", não lhe sendo aplicável o conteúdo do nº 3 da CL23.ª do mesmo RUPT».

Refere que «na cláusula em apreço reconhece-se aos Tripulantes o "gozo efectivo", pelo menos, "a um sábado e um domingo" como período de folga semanal de 7 em 7 semanas, resultando claro do enunciado linguístico (elemento gramatical ou literal), e salvo melhor entendimento, que esta folga semanal tem necessariamente de coincidir com "um sábado e um domingo", não podendo abranger, como sustenta a TAP, meio dia de sábado, o domingo e meio dia da segunda-feira seguinte».

Invoca em abono desta posição que «dos antecedentes da lei e da regulamentação colectiva relativa aos períodos de repouso e às folgas do PNC referidos nos autos, maxime dos enunciados no ponto II) das presentes alegações, que aqui se dão por reproduzidos para os legais efeitos, resulta inequívoco que não foi vontade das partes outorgantes do AE 2006, protelar para a segunda feira seguinte o gozo efectivo, pelo menos, de "um sábado e um domingo" como período de folga semanal de 7 em 7 semanas, configurando, por isso, o regime estabelecido no n.º 5 da Cl 22.ª uma excepção que foge à regra geral do n.º 3 da cl 23.ª» e que «se as partes quisessem condicionar o início desta folga semanal, fá-lo-iam expressamente, como sempre o fizeram em regulamentação anterior onde, de modo claro, fizeram constar a sua vontade de "empurrar" por determinado período de tempo o inicio desta folga especial.»

Conclui referindo que «a ratio deste normativo "assenta” em princípios de índole familiar e social, uma vez que o sábado e o domingo são os dias em que a generalidade dos trabalhadores semanalmente descansa, afigurando-se líquido que a vontade das partes, ao estabelecerem este direito, foi salvaguardar aos Tripulantes a possibilidade de, pelo menos com esta periodicidade, poderem usufruir de um fim de semana em família e com os amigos, havendo a folga em apreço de iniciar-se, necessariamente, às 0 horas de sábado" (elementos histórico e sistemático)».

5 – Na vigência do A.E publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 10, de 15 de Março de 1985, com revisão publicada no mesmo Boletim, 1.ª Série, n.º 30, de 16 de Agosto de 1989, esta Secção debruçou-se igualmente sobre a forma de fixação do início desta folga, no acórdão de 9 de Novembro de 1994, proferido no processo n.º 4027, nos seguintes termos: «Pelo exposto, negando a revista, mantém-se o decidido no Acórdão recorrido quanto à interpretação das mencionadas cláusulas, por também se entender que "o período de folga semanal previsto no n.º 4, da cláusula 60.ª, tem obrigatoriamente o seu início às 0 horas de sábado" e que "o conteúdo do n.º 3, da cláusula 61.ª, não é aplicável à folga estabelecida na cláusula 60.ª, n.º 4”».

As cláusulas com base nas quais foi proferido aquele aresto eram do seguinte teor:

«Cláusula 60.ª
(Folga semanal)
1 - A folga semanal será gozada na base e terá a duração de 48 horas consecutivas, contadas a partir das 0 horas ou 12 horas.
2 - A folga semanal não poderá ser imediatamente precedida de serviço de assistência.
3 - As folgas de cada mês poderão ser acumuladas até ao máximo de 6 dias, sendo gozadas sem interrupção.
4 - Os tripulantes terão direito, pelo menos, a um sábado e um domingo como período de folga semanal de 7 em 7 semanas.»
«Cláusula 61.ª
(Alteração de folgas)
1 - Só com acordo prévio do tripulante poderá ser alterado um período de folga constante da sua escala mensal.
2 - Para os efeitos do número anterior, não são consideradas alterações à folga semanal as que resultem da aplicação da cláusula 5º.ª e da cláusula 52.ª, até três vezes por trimestre, e das alterações comerciais ou irregularidades operacionais ocorridas quando o tripulante se encontre fora da base.
3 - Também não é considerada alteração de folga a alteração do seu início das 0 horas para as 12 horas ou das 12 horas para as 0 horas seguintes, quando não colida com o planeamento do tripulante, ou, quando colidindo, este o autorize.»

Na fundamentação daquele aresto referiu-se o seguinte:

«Ora, o sentido natural e directo do texto do referido n.º 4 colide frontalmente com o resultado interpretativo preconizado pela recorrente.

De facto, naquele n.º 4 reconhece-se aos tripulantes o direito, pelo menos, "a um sábado e um domingo" como período de folga semanal de 7 em 7 semanas. Com esta periodicidade, a folga semanal tem, portanto, de coincidir com "um sábado e um domingo", não podendo abranger, como sustenta a recorrente, meio dia de sábado, o domingo e meio dia da segunda-feira seguinte.

Tal interpretação não encontra no texto da norma um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, pelo que não pode ser acolhida.

Aliás, as palavras integrantes do enunciado linguístico da norma são tão explícitas e categóricas que não podem exprimir, nem sequer de modo imperfeito ou constrangido, mais do que um só pensamento, ou seja, o de que, no caso previsto, a folga semanal tem necessariamente de abranger, além do domingo, o dia completo do sábado anterior. Em tal situação, o intérprete deve aceitar o sentido verbal da norma (cfr. Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 1963, página 28).

Terão sido razões de índole familiar e social que, fundamentalmente, estiveram na génese daquela norma, em virtude do sábado e domingo serem os dias em que a generalidade dos trabalhadores semanalmente descansa.

Esses dias são, consequentemente, os mais adequados ao convívio familiar e social. Havendo a folga em apreço de iniciar-se, necessariamente, às 0 horas de sábado, é-lhe inaplicável o regime previsto no n. 3, da citada cláusula 61.ª.»[8]

6 – À luz dos critérios interpretativos acima referidos, torna-se líquido que o elemento sistemático não permite uma diferenciação da folga prevista no n.º 5 da cláusula 22.ª das demais folgas previstas naquela cláusula, de forma a afastá-la do regime do n.º 3 da cláusula 23.ª

Na verdade, as duas cláusulas constituem um único bloco normativo, fixando-se na 22.ª o regime base de fixação da folga semanal e estabelecendo-se na cláusula 23.ª as situações em que é permitida a alteração das folgas planeadas.

As cláusulas em causa têm um cariz complementar, estabelecendo-se na cláusula 23.ª as condições excepcionais em que o planeamento mensal pode ser alterado, com o que se frustram as expectativas entretanto criadas pelo planeamento aos trabalhadores abrangidos.

Por outro lado, nada no teor literal desta cláusula 23.ª permite afirmar que o regime de alteração não se aplique à folga estabelecida no n.º 5 da cláusula 22.ª, sendo líquido que os princípios estabelecidos nos seus pontos n.ºs 1 e 2 também podem ser aplicados naquela folga.

Acresce que não resultam do teor do referido n.º 5 elementos que permitam a individualização daquela folga das demais, no que se refere ao respectivo regime de alteração, pelo que não se pode afirmar a existência de uma situação excepcional da forma de fixação do início daquela folga.

De facto, o que decorre daquele número 5 é a garantia de que, num ciclo de 7 semanas, o trabalhador tem direito a que folga semanal recaia num Sábado e no Domingo que lhe sucede.

E não é o segmento “gozo efectivo” que dela consta que permite a respectiva individualização do regime geral, no que refere a alterações do planeado.

Na verdade, essa expressão aparece igualmente no n.º 1 da referida cláusula 22.ª, na definição do conteúdo da folga, coincida ela ou não com os dias que integram o fim de semana.

Deste modo, o conteúdo da cláusula em causa está dirigido para o facto de a mesma recair num Sábado e num Domingo imediatos, mas dela nada decorre relativamente a definição do horário do início e o termo dessa folga, elementos que se hão-de encontrar na disciplina genérica que deriva daquele regulamento, mais concretamente, das referidas cláusulas 22.ª e 23.ª.

 Não pondo em causa que se visa potenciar a normalidade das relações familiares e sociais dos tripulantes abrangidos, atento o papel dos fins de semana nas sociedade em que vivemos, não se alcançam elementos objectivos que demonstrem que o protelamento do início dessa folga nos termos do n.º 3 da cláusula 23.ª inviabilize a realização daqueles objectivos.

Nem se invoque em sentido contrário a orientação subjacente ao acórdão desta Secção de 9 de Novembro de 1994, proferido no processo n.º 004027, acima referido uma vez que a disciplina estabelecida nos dois Acordos de Empresa, quer no que se refere à fixação do início das folgas, quer no que se refere às alterações, apresenta diferenças consideráveis.

Na verdade, enquanto no n.º 1 da Cláusula 60.ª do AE de 1985 se estabelecia que o tempo de folga se contava «a partir das 0 horas ou 12 horas», no AE de 2006, que é objecto do presente processo, faz-se depender o início da folga, nos termos do n.º 4 da Cláusula 22.ª, do «início da hora imediatamente seguinte ao termo do período mínimo de repouso do serviço de voo que o anteceda, cumprido que seja o tempo de transição estabelecido nos números 6 e 7 da cláusula 32.ª, «Tempo de transição entre períodos de serviço de voo».

Decorre desta alteração a necessidade de garantir aos trabalhadores o gozo do período de repouso antes do início do período da folga, salvaguardando-se, por esta via, a integralidade da mesma e articulando os dois períodos de descanso.

É este facto que permite à recorrente afirmar nas conclusões 13.ª e 15.ª das alegações que apresentou que «ao contrário do que sucedia no regime do AE de 1985, um tripulante tem, entre o terminus do serviço de voo e o início da sua folga, um intervalo horário mínimo 14 horas correspondendo ao tempo de repouso acrescido da transição (ou transitoriamente, 15 horas)» e que «com as 12 horas do repouso (ou 13, por força do Regime Transitório em vigor - Cfr. Acta e "Regime Transitório" - Ponto 4 - celebrado em 03.10.11, junto com as alegações em 1.ª instância), acrescidas das 2 horas da transição e das 48 horas da folga, em bom rigor, o tripulante estará sempre livre, na base, das 00H00 de sábado às 23H59 de Domingo».

Por outro lado, ao contrário da fixação com referência horária do início da folga, que se verifica no Acordo de Empresa de 1985, no AE em vigor aponta-se, no n.º 2 da referida Cláusula 22.ª, para que o planeamento das folgas semanais seja «feito de modo que cada folga semanal seja integralmente gozada, no limite, até às 23 horas e 59 minutos do 7.º dia», estabelecendo-se no n.º 3 da mesma cláusula uma compensação para as situações em que aquele limite não seja observado, referindo que «nos casos em que no planeamento, por motivo de optimização da utilização dos tripulantes, não seja observado o limite exposto no número anterior, a folga semanal terá de ter o seu início até às 0 horas do 7.º dia e terá um descanso adicional de duas horas».

Do mesmo modo, no que se refere ao regime de alteração das folgas, enquanto no n.º 3 da cláusula 61.ª do AE de 1985 se estabelecia que «também não é considerada alteração de folga a alteração do seu início das 0 horas para as 12 horas ou das 12 horas para as 0 horas seguintes, quando não colida com o planeamento do tripulante, ou, quando colidindo, este o autorize», no AE de 2006 afirma-se expressamente que «também não é considerada alteração à folga o protelamento do seu início não superior a doze horas», dispensando-se a referência ao planeamento e ao acordo do trabalhador, o que não pode deixar de ser tomado em consideração na fundamentação do protelamento do início das folgas com base neste dispositivo.


V


Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista e revogar a decisão recorrida, e, em consequência, fixar a interpretação do n.º 5 da cláusula 22.ª e do n.º 3 da cláusula 23.ª do RUPT/AE (Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho), anexo ao Acordo de Empresa entre o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) e a TAP – Portugal, S.A., publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 8, 1.ª Série, de 28 de Fevereiro de 2006, nos termos seguintes:

«A folga prevista no n.º 5 da Cláusula 22.ª do Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho, anexo ao Acordo de Empresa SNPVAC-TAP Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 8, 1.ª Série, de 28 de Fevereiro de 2006, está sujeita ao regime de alteração previsto no n.º 3 da cláusula 23.ª do mesmo Regulamento».

Custas pelo Autor.

Transitado em julgado, publique-se no Diário da República e no Boletim do Trabalho e Emprego, nos termos do artigo 186.º do Código de Processo do Trabalho.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 25 de Março de 2015

António Leones Dantas (Relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha

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[1] Direito do Trabalho, 2010, 5.ª Edição, Almedina, p.p. 1222 e 1223.
[2] Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Colectivas, Almedina, 2012, p. 288.
[3] [1]Cfr., quanto ao objecto das cláusulas de conteúdo regulativo ou normativo, Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2006, pág. 1106 e 1107.
[4] [2] Neste sentido, os Acs. do STJ de 10 de Novembro de 1993, CJ, Acórdãos do STJ, Ano I, Tomo III, pág. 291; de 9 de Novembro de 1994, CJ, Acórdãos do STJ, Ano II, Tomo III, pág. 284, de 10 de Maio de 2001, proferido na Revista n.º 300/99, acessível em www.dgsi.pt; de 14 de Fevereiro de 2007, proferido na Revista n.º 3411/06, acessível em www.dgsi.pt; e, mais recentemente, de 9 de Junho de 2010, proferido na Revista n.º 3976/06.0TTLSB.L1.S1, também acessível em www.dgsi.pt, e e de 5 de Abril de 2011, proferido na Revista n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1, acessível na referida base de dados.
[5] [3] Cfr., neste sentido, Pedro Romano Martinez, obra citada, a pág. 1109; cfr., igualmente, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, 2005, pág, 111.
[6] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1990, Almedina, p. 182.
[7] Obra citada, p. 183.
[8] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.