Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1387/11.5TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: CONTRATO DE SWAP
CONTRATO INOMINADO
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
CIRCUNSTÂNCIAS DO CONTRATO
TAXA DE JUROS
CRISE FINANCEIRA
MODIFICAÇÃO
BOA FÉ
RESOLUÇÃO DE NEGÓCIO
CONTRATO DE EXECUÇÃO CONTINUADA OU PERIÓDICA
Data do Acordão: 10/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / DECLARAÇÃO NEGOCIAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIREITO DOS VALORES MOBILIÁRIOS - ÂMBITO DE APLICAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, pp. 265 a 273.
- Carneiro da Frada, “Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito versus Contratos de Gestão de Carteiras”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 69, pp. 633 e seguintes, e 682.
- Costa Ran, Luis, “El contrato de Permuta Financiera”, in Revista Juridica de Catalunya, n.º 1, 1990, p. 71.
- Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, p. 343 e seguintes.
- Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, refundido e actualizado, p. 344.
- José Engrácia Antunes, “Os derivados”, in Cadernos do Mercado de Valores Imobiliários n.º 30, pp. 118 a 119; Os Instrumentos Financeiros, Almedina, Coimbra 2009, p. 101, 167 e seguintes.
- M. Alves Monteiro, “O Mercado Português dos Derivados”, in O Economista (1999), pp. 119 a 127.
- Maria Clara Calheiros, “O Contrato de Swap”, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Juridica, n.º 51, Coimbra Editora, p. 81 e doutrina por ela citada.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume II, 6ª edição, pp.103, 104.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, pp. 627 a 629.
- Oliveira Ascensão, “Direito dos Valores Mobiliários”, in AAVV, volume IV, pp. 41 a 68, Coimbra Editora, 2003.
- Vaz Serra, Anotação ao Acórdão do STJ de 17/02/1980, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 113º, p. 311.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 222.º, 289.º, 406.º N.º1, 432.º, 433.º, 434.º, N.º2, 437.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 668º, Nº 1, ALÍNEA D), 2.ª PARTE, 684.º, 685.º - A, 716.º, N.º1, 732.º.
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGO 2.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 10/04/2008.
Sumário :

I - Contrato de swap, ou de permuta financeira, é o contrato através do qual uma parte transfere o risco económico inerente a um activo para outra parte, em troca de uma remuneração; concretamente as partes obrigam-se (i) ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, (ii) na mesma moeda ou em moedas diferentes, (iii) numa ou várias datas predeterminadas, (iv) calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente, a uma determinada taxa de juro.
II - São seus caracteres o serem contratos a prazo; consensuais, (não estando sujeitos a forma legal obrigatória, excepto nos casos em que se insiram em serviços de intermediação financeira com o público investidor), não reais (cuja formação requer a mera declaração das partes contratantes), sinalagmáticos (sendo fonte para ambas as partes de obrigações ligadas entre si por um nexo de reciprocidade), patrimoniais (onde está, em regra, afastado qualquer “intuitu personae”, sendo irrelevante a pessoa ou a qualidade dos contratantes), onerosos (envolvendo atribuições patrimoniais para ambas as partes) e aleatórios (no sentido em que é o risco e incerteza que fornece a própria causa e objecto contratuais).
III - Quanto ao seu objecto, dividem-se em duas modalidades fundamentais: os swaps de dívidas (as partes acordam permutar ou trocar entre si quantias pecuniárias expressas em duas moedas diferentes, calculadas mediante a aplicação de uma taxa de câmbio predeterminada) e os de juros (as partes contratantes acordam trocar entre si quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juro fixas e/ou variáveis).
IV - A resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias depende da verificação dos seguintes requisitos: (i) que haja alteração relevante das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, ou seja, que essas circunstâncias se hajam modificado de forma anormal, e que (ii) a exigência da obrigação à parte lesada afecte gravemente os princípios da boa fé contratual, não estando coberta pelos riscos do negócio.
V - Nos contratos, como os referidos em I em que as partes visam justamente negociar sobre a incerteza, o risco fornece o próprio objecto contratual pelo que a alteração das circunstâncias tem de ser de apreciável vulto ou proporções extraordinárias: o prejuízo só justifica a resolução ou modificação do contrato quando se verifique um profundo desequilíbrio do contrato, sendo intolerável com a boa - fé que o lesado o suporte.
VI - Tal profundo desequilíbrio pode resultar da significa descida das taxas de juro (que chegou abaixo dos 3,95%), provocada por grave crise financeira, com grande divergência da taxa, superior, que as partes representaram como possível e a que o contrato pretendia assegurar (in casu, 5,15%).
VII - Os swaps, que conferem às partes posições jurídicas permutáveis relativas a determinadas quantias pecuniárias em data ou datas futuras previamente fixadas, são contratos de execução sucessiva ou periódica –a sua realização exige várias prestações, durante o tempo de vigência do contrato –pelo que se lhes aplica o n.º 2 do artigo 434.º do CC.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

Nesta acção de condenação, com a forma ordinária, que BB, L.da" intentou contra o "BANCO AA (Portugal), S.A, a autora alegou, em síntese, que, no 1º semestre de 2008, celebrou com a ré um contrato de locação financeira imobiliária que teve por objecto um pavilhão industrial e que, na sequência da celebração desse contrato, um responsável da dependência de Braga do réu incentivou a autora a celebrar um outro contrato, com vista a fixar a taxa de juro dentro de determinados limites/barreiras, pois a prestação paga pela autora no contrato de locação financeira estava indexada à taxa Euribor e temia-se que essa taxa continuasse a subir. Aquele responsável referiu à autora que no contrato de taxa de juro que lhe pretendia propor fixava-se um limite da taxa de juro dentro da qual a autora apenas pagava a taxa de juro prevista no contrato, ou seja 4,55%, sendo que, se essa taxa aumentasse até ao limite de 5,15%, a autora pagaria sempre aquela taxa inicial de 4,55% e, caso a taxa de juro ultrapassasse aquele limite, a autora teria que pagar a taxa de juro correspondente, perdendo todo e qualquer benefício. Nesse caso, o réu poderia fazer cessar o contrato.

Correspondentemente, caso a taxa de juro descesse até aos 3,95%, a autora continuaria a pagar a taxa de 4,55%, retirando daí o réu um benefício de 0,60% e, caso a taxa de juro descesse abaixo dos 3,95%, a autora teria então também o direito de fazer cessar de imediato o contrato, por forma a pagar a taxa de juro real e efectiva. Com esta explicação do réu, a autora ficou convencida que o réu podia denunciar o contrato a partir da taxa de juro dos 5,15% e a autora, por sua vez, também o poderia fazer a partir dos 3,95%, e só por isso aceitou celebrar com o réu o referido contrato, o que aconteceu em 8/08/2008.

Acresce que o contrato em causa foi apresentado à autora, antecipadamente redigido pelo réu, com as condições que o réu aí pretendeu colocar. A autora apenas se limitou a assinar, nada lhe tendo sido lido, nem explicado. O legal representante da autora é pessoa muito simples, que tem apenas a instrução básica e nunca tinha contratado qualquer operação bancária especial ou complexa, sendo certo que nunca a autora se apercebeu que o contrato que assinava poderia acarretar qualquer risco e, consequentemente, a perda de valores significativos.

Acontece que, a partir do mês de Janeiro de 2009, a taxa de juro começou a descer a um ritmo acelerado, ultrapassando o limite de 3,95% e, em 29/06/2009, o réu debitou à autora o total de € 6.660,63. Nessa altura, a autora comunicou ao réu que pretendia de imediato pôr fim ao contrato, tendo o réu esclarecido que para o fazer teria de pagar um valor superior a € 50.000.

Mais alega a autora que a crise económica e financeira, que se instalou a partir de 15/09/2008, fez descer de forma acentuada as taxas de juro, pelo que o contrato celebrado sofreu um grande e repentino desequilíbrio, sendo certo que as circunstâncias que despoletaram a descrita crise financeira e económica não eram de modo algum previsíveis e, por isso, não podiam estar cobertas pelos riscos próprios do contrato.

Assim, a referida alteração anormal das circunstâncias permitirá sempre à autora pedir a resolução do contrato de taxa de juro em discussão nestes autos.

Com estes fundamentos, a autora pede que (i) se declare nulo e de nenhum efeito o contrato objecto desta acção, condenando-se o réu a restituir a quantia de € 44.709,38, acrescida dos juros de mora que se vencerem a partir da citação. Caso assim não se entenda, (ii) que se anule o contrato de SWAP de taxa de juro por erro na transmissão da declaração e erro sobre o objecto do negócio ou, caso assim não se entenda, (iii) que se declare resolvido o contrato por alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar e, em qualquer um dos casos, ordenando-se a restituição à autora da quantia de € 44.709,38, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

O réu contestou, alegando que a celebração do contrato foi precedida de vários contactos entre autora e réu, com inúmeras trocas de correspondência e uma reunião onde foram explicadas à autora as vantagens e desvantagens da cobertura da taxa de juro, com a proposta de várias soluções. Acresce que o legal representante da autora sempre se fez acompanhar de alguém que se apresentava como assessor para estas matérias. Mais alega que o contrato de SWAP em questão cobre, nos seus precisos termos, o risco de variação de taxa de juro, mas não defende a autora de qualquer variação da taxa de juro, pelo que a ré impugna tudo o que a autora alega em contrário, defendendo que nunca fez crer à autora que esta poderia denunciar o contrato a partir dos 3,95%. Mais defende o réu que, atenta a natureza do contrato de SWAP, o risco de alteração das taxas de juro não pode ser excluído do contrato, razão pela qual deve improceder o pedido de resolução por alteração das circunstâncias. Mais alega que a autora aceitou as consequências benéficas do contrato que agora pretende declarar nulo, pelo que a sua conduta excede os limites impostos pela boa - fé e pelos bons costumes, representando um grosseiro exercício do direito na modalidade de venire contra factum proprium.

A ré conclui pela improcedência da acção e pede a sua absolvição do pedido.

Os autos prosseguiram e, após julgamento, veio a ser proferida sentença que, com fundamento na alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, julgou a ação procedente e, em consequência, declarou a resolução do contrato de SWAP de taxa de juro com barreira celebrado pelas partes, condenando o réu a restituir à autora a quantia de € 44.709, 38 acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a citação até efectivo cumprimento.

Inconformado, apelou o réu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 8/03/2012, na improcedência da apelação, confirmou, por unanimidade, a sentença recorrida.

Do acórdão que assim decidiu interpôs o réu recurso de revista excepcional, invocando como pressuposto de admissibilidade o previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, porquanto a realidade jurídica normativa reveste, em seu entender, no caso sub judice, manifesta dificuldade e complexidade e reclama aturado estudo e reflexão, porque se trata de questão nova que à partida se revela susceptível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, susceptíveis de conduzir a decisões contraditórias.

A “Formação” admitiu a revista excepcional com o aludido fundamento, remetendo os autos à distribuição.

O réu finalizou as suas doutas alegações, formulando as seguintes conclusões:

1ª – A repercussão da crise na “base” e “essência” do contrato de SWAP deve ser entendida com a maior das cautelas; sendo essa base (variação da taxa de juro), pela sua própria natureza, marcadamente aleatória, o facto de ela vir a pender para uma das partes não permite que a outra venha sustentar que se tivesse previsto a alteração – in casu a descida da taxa de juro – não teria celebrado o contrato. Pois, como é evidente, qualquer “apostador” que soubesse de antemão o resultado da “aposta”, só viria a apostar caso esse resultado lhe fosse favorável.

2ª – O SWAP de taxa de juro é um tipo contratual marcadamente aleatório, pois “o principal elemento recorrente e caracterizante do contrato de SWAP é constituído pelo facto de que a obrigação de cada uma das partes de efectuar a prestação devida à outra surge, ou, pelo menos, torna-se actual e exigível somente pela verificação de certos acontecimentos – a subida ou descida da cotação de uma moeda em relação à outra, ou a alta ou baixa do nível de uma taxa variável. Ao verificar-se tal acontecimento, a obrigação surgirá a cargo de uma ou de outra parte. (…) A aleatoriedade distingue então o contrato em causa uma vez que a realização da prestação principal por uma ou outra das partes, bem como a determinação do seu montante dependem da verificação de um acontecimento incerto e de modo nenhum influenciável pelas partes”.

3ª – As especificidades que a natureza aleatória do contrato de SWAP convoca não foram consideradas pelo Tribunal a quo, porquanto, se o tivessem sido, o mesmo nunca teria julgado procedente o pedido de resolução do contrato com base no instituto da alteração das circunstâncias.

4ª – E não o teria feito porque “a principal consequência da classificação do contrato de SWAP na categoria dos contratos aleatórios é a não aplicação do regime do artigo 437º do Código Civil sobre a resolução com base na alteração das circunstâncias, em face de uma inesperada e grave evolução, para uma ou outra das partes, das taxas (…) adoptadas como referentes do contrato de SWAP celebrado”.

5ª – O acórdão recorrido enferma de erro de julgamento, designadamente por incorrecta qualificação do contrato dos autos, de que veio a resultar a desconsideração de uma norma jurídica cuja aplicação ao caso sub judice se impunha – o artigo 434º, n.º 2 do Código Civil.

6ª – O Tribunal a quo fez assentar o juízo de qualificação do contrato de SWAP dos autos como contrato de execução periódica numa definição meramente genérica de SWAP, a qual não tem qualquer correspondência com o contrato a qualificar.

7ª – Os pagamentos devidos por força do contrato de SWAP dos autos têm natureza periódica.

8ª – O contrato de SWAP dos autos é um contrato de execução periódica, pelo que o artigo 434º, n.º 2 do Código Civil é aplicável à sua resolução por alteração das circunstâncias.

9ª – A questão que se coloca é, portanto, a de saber se, ao abrigo do contrato de SWAP dos autos, foram realizadas prestações relativamente às quais a alteração das circunstâncias – verbi gratia a descrição da acentuada baixa das taxas de juro, dado que o conceito de crise não é, naturalmente, um conceito operativo, torna legítima a respectiva abrangência pela eficácia resolutiva.

10ª – Enquanto causa específica de resolução, o instituto da alteração das circunstâncias depende da confluência de vários factores, nomeadamente: (i) do carácter imprevisível e/ou “anormal” da alteração das circunstâncias; (ii) de que a exigência das obrigações pela parte lesada “afecte gravemente os princípios da boa – fé; e (ii) de que a alteração não se encontra coberta pelos riscos próprios do contrato (artigo 437º, n.º 1 do CC).

11ª - Uma vez que a alteração circunstancial que motivou a resolução do contrato de SWAP se traduziu numa descida "repentina e acentuada das taxas de juro" provocada pela crise financeira mundial, será necessário determinar, a partir de quando, (a) o impacto dessa descida no âmbito debitório do contrato tornou o cumprimento das obrigações dele emergentes "gravemente" contrário aos "princípios da boa - fé" e que (b) a extensão da variação das taxas extravasou do risco próprio do contrato (cfr. artigo 437º, nº 1, do C.C.).

12ª - Apenas a partir da verificação cumulada destes "factos" poderá afirmar-se que entre as prestações realizadas e a causa da resolução – isto é a alteração das circunstâncias - existe um vínculo que legitima a resolução de todas elas (cfr. artigo 434.º, n.º 2, do C.C.).

13ª - As decisões são omissas sobre o momento (ou valores de taxa de juro ou prestações), a partir do qual o tribunal deu todos e cada um dos pressupostos do n.º 1 do artigo 437º por verificados.

14ª - Esse momento é fundamental para uma aplicação do instituto da alteração das circunstâncias conforme com o sentido normativo do artigo 434º, nº 2, do C.C.

15ª - Assim, quanto ao momento da verificação do requisito de que a "exigência dos obrigações assumidos pela parte ofenda gravemente o principio da boa - fé", deverá tomar-se em consideração, entre outros, o facto de o prejuízo só justificar "a resolução ou modificação do contrato quando se verifique um profundo desequilíbrio do contrato, sendo intolerável, em conformidade com a boa - fé, que o lesado o suporte. Torna-se, pois, necessária verificação de dano grave, considerável ou descomunal".

16ª - No caso sub judice, a apreciação da questão de saber se a exigência do cumprimento das obrigações contratuais do Recorrido ofende gravemente a boa - fé, não pode desligar-se da estrutura de onerosidade que as partes inicialmente conjecturaram para o contrato de SWAP.

17ª - Todavia, dada a natureza aleatória do mesmo, tal estrutura não é, nem nunca foi, passível de ser determinada ex ante, e muito menos determinada com precisão.

18ª - Assim sendo, só a indemonstrada manutenção do contrato - com a estrutura de onerosidade actual - até ao seu termo de vigência poderia chocar de frente com aquele princípio.

19ª - Se, por hipótese, subissem as taxas de juro, a aplicação da "cláusula rebus sic stantibus” aos presentes autos não iria sequer ser hipotisada porque, nessa situação, estaríamos perante a mais elementar e "equilibrada" concretização de risco de variação de taxas que o contrato de SWAP cobre.

20ª - Não sendo assim, a ausência de uma estrutura de onerosidade (ou de um ponto de equilíbrio entre prestações) contratualmente (pré) determinada e, bem assim, de uma equivalência necessária entre prestações, impõe a afirmação de que apenas a manutenção - nos termos actuais - da exigência do cumprimento das obrigações emergentes do contrato de SWAP, até ao termo do respetivo prazo de vigência, poderia, eventualmente, ser qualificada como gravemente ofensiva da "boa - fé".

21ª - No limite, a resolução do contrato dos autos apenas deverá ser decretada com eficácia ex nunc, assim salvaguardando as prestações já realizadas entre as partes (cfr. artigo 434º, n.º 2).

22ª - A estipulação contratual de uma taxa fixa de 4,55% revela que as partes contemplaram, aquando da celebração do contrato, a possibilidade - e o risco - de a Euribor a 3 Meses vir a descer abaixo daquele valor.

23ª - A sentença é omissa quanto aos valores de taxa de juro a partir dos quais o risco próprio do contrato foi ultrapassado.

24ª - Atento o teor da cláusula primeira do contrato celebrado, em especial onde se procede à fixação de uma taxa (fixa) de 4,55%, o entendimento de que o SWAP não cobre o risco de variações das taxas de juro abaixo desse valor, ofende claramente a letra e o espírito daquele contrato.

A Autora contra – alegou, salientando que o recorrente abstrai deliberadamente de todo o conjunto dos factos provados, detendo-se na apreciação teórica do contrato de SWAP, para, a partir daí, pugnar pela não resolução desse contrato.

Acrescenta que a maioria das razões, que o recorrente invoca perante este Supremo Tribunal, é nova e, por isso, não devem ser apreciadas (vide artigo 671º do CPC).

As instâncias debruçaram-se já sobre os factos concretos, ponderando-os e valorando-os à luz das normas legais, concluindo pelo seu enquadramento no instituto da resolução por alteração anormal das circunstâncias, determinando que essa resolução abrange as prestações já efectuadas (vide n.º 1 do artigo 437º e 2ª parte do n.º 2 do artigo 434º do CC).

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto que se encontra assente.

1º - A autora é uma empresa industrial que fabrica peúgas para exportação (Alínea A).

2º - Em 2008, a autora celebrou com o réu um contrato de locação financeira imobiliária que teve por objecto um pavilhão industrial, sito na freguesia da ..., Barcelos (Alínea B).

3º - Em Julho de 2008, o responsável da dependência de Braga do réu, Dr. CC, apareceu na sede da autora, incentivando-a a celebrar um outro contrato (Alínea C).

4º - Esse responsável do réu referiu à autora que um tal contrato tinha a ver com o facto de a taxa de juro dos empréstimos bancários se encontrar nessa altura muito alta (4,40%) (Alínea D).

5º - E daí a conveniência em celebrar um contrato que fixasse essa taxa de juro dentro de determinados limites/barreira, isto porque a prestação referente ao contrato de locação se encontrava indexada à taxa Euribor e, como essa taxa estava alta (e temia-se que continuasse a subir), essa prestação tinha tendência também para subir (alínea E).

6º - Ou seja, em vez de se correr o risco das suas prestações do contrato de locação subirem sem limite, por efeito desse contrato, fixar-se-ia um limite/barreira dentro do qual a autora pagaria sempre a mesma taxa de juro (Alínea F).

7º - Sendo que, caso a taxa de juro subisse para além desse limite/barreira, a prestação da autora referente ao contrato de locação manter-se-ia exactamente no mesmo valor (Alínea G).

8º - Esse responsável do réu referiu à autora que, no contrato de taxa de juro que lhe pretendia propor, fixava-se um limite/barreira da taxa de juro, dentro do qual a autora apenas pagava a taxa de juro base prevista no contrato (Alínea H).

9º - Em 8/08/2008, o réu apresentou e solicitou à autora que assinasse o referido contrato de taxa de juro, tendo ficado a constar do mesmo, designadamente, o seguinte:

CONTRATO DE SWAP DE TAXA DE JURO COM BARREIRA

Entre:

a) - Primeiro Contratante:

BANCO AA (PORTUGAL), S.A. (…).

b) - Segundo Contratante:

BB, L.DA (…)

É celebrado e reciprocamente aceite de boa - fé, o presente contrato de SWAP de taxa de juro com barreira, o qual se rege pelo clausulado subsequente (…):

CLÁUSULA PRIMEIRA (Objecto)

Pelo presente contrato, acordam o Banco e a Cliente, em contratar um instrumento financeiro derivado denominado SWAP de taxa de juro com barreira, ao abrigo do qual as partes ficam obrigadas a efectuar entre si pagamentos, nos termos e condições previstos na ficha técnica que se transcreve infra e no contrato que ora se celebra:

a) - Instrumento financeiro contratado: SWAP de taxa de juro com barreira;

b) - Valor nocional inicial: € 600 000,00 (seiscentos mil euros);

(…)

Sendo que:

1 - Se a Euribor a três meses for igual ou inferior a 5,15%, a taxa variável cliente será de 4,55%;

2 - Se a Euribor a três meses for superior a 5,15%, a taxa variável cliente será a referida Euribor a três meses;

(…)

CLÁUSULA SEGUNDA

(Vigência)

1 - O presente contrato vigorará, por 5 anos, com início em 8 de Agosto de 2008 e termo em 2 de Agosto de 2013;

2 - Não obstante o exposto no ponto anterior desta cláusula, a cliente poderá solicitar ao Banco o cancelamento antecipado total da operação ora contratada, mediante comunicação escrita, observando um pré-aviso de 10 dias úteis – com referência à data em que pretenda que tal cancelamento se torne eficaz – devendo tal comunicação ser entregue na agência 149-BEC Braga, do Banco, aplicando-se neste caso, o disposto nas cláusulas Terceira e Quarta infra

CLÁUSULA TERCEIRA

(Processamento do cancelamento do derivado financeiro)

1 - Na sequência do previsto na cláusula anterior, o cancelamento antecipado da operação nos termos do seu n.º 2 ou a actualização extraordinária – por redução – do valor nocional implicará o cancelamento total ou parcial desta operação, sendo que tal cancelamento originará o apuramento do correspondente “valor do mercado”, com referência à data da cessação da operação e que poderá ser negativo ou positivo para a Cliente

(…)

CLÁUSULA QUINTA

(Declarações da Cliente)

1 - A Cliente declara perante o Banco que:

a) - Celebra com o Banco este contrato com a finalidade de cobrir o risco inerente a potenciais aumentos de taxas de juro compensatórias (…)

DECLARAÇÃO FINAL

A Cliente declara que solicitou ao Banco a celebração da presente operação de Derivado Financeiro com as características que se encontram plasmadas neste contrato, nomeadamente as constantes nas Cláusulas Primeira, Terceira e Quarta.

A Cliente declara ainda que realizou a sua própria avaliação/valoração da operação objecto deste contrato, nomeadamente, sobre a conveniência e oportunidade de celebrar o mesmo - tendo-se munido de assessoramento jurídico, financeiro e fiscal externo ao Banco – reconhecendo, expressamente, que as características da operação se ajustam aos seus objectivos de financiamento e que os riscos associados à mesma adaptam-se ao seu perfil.

Mais reconhece a Cliente ter sido informada das condições associadas a eventuais cenários de alteração de taxa de juro, pelo que é capaz de avaliar as vantagens e inconvenientes financeiros do contrato e que, em consequência, entende, assume e aceita plenamente os termos, condições e riscos inerentes ao mesmo e à operação que constitui o seu objecto. Em especial, a Cliente assume e entende as consequências de um eventual cancelamento antecipado do Derivado Financeiro a que este contrato se refere - particularmente, as cláusulas Terceira, Quarta e Sétima, cujo teor declara entender na íntegra – estando consciente de que o mesmo, pode ocasionar-lhe um valor económico que implique uma perda superior ao possível benefício obtido até ao momento do referido cancelamento antecipado (…) – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial que se reproduz para os devidos efeitos (Alínea I).

10º - Este contrato de taxa de juro foi apresentado à autora já antecipadamente redigido pelo réu e com todas as condições que o réu entendeu aí colocar (Alínea J).

11º - A autora nunca discutiu antes com o réu quaisquer das condições específicas desse contrato, a não ser a fixação da taxa de juro e o limite/barreira a partir do qual o contrato podia ser denunciado (Alínea K).

12º - De Agosto a Dezembro de 2008, a autora pagou sempre a taxa de juro a 4,55% tal como contratado (Alínea L).

13º - Relativamente ao período de tempo em que essa taxa ultrapassou os 5,15%, o réu não creditou qualquer valor a favor da autora, e também não denunciou o contrato (Alínea M).

14º - A partir do mês de Janeiro do ano de 2009, a taxa de juro começou a descer a um ritmo acelerado, ultrapassando mesmo o limite/barreira dos 3,95% contratado (Alínea N).

15º - Em 29/06/2009, o réu debitou à autora, de uma só vez, os seguintes valores: € 331,90; € 353,57; € 352,35; € 1235,34; € 1362,89; € 92,95; € 1401,85 e € 1529,78, num total de € 6.660,63, cfr. documentos n.os 2 a 9 juntos com a petição inicial, que se reproduzem para os devidos efeitos (Alínea O).

16º - Nessa mesma altura, o réu enviou à autora oito notas de débito referentes a esses valores, todas com a mesma data de 29/06/2009, sendo as seis primeiras com data - valor de 2/04/2009 e duas com data de 4/05/2009 e 2/06/2009 (Alínea P).

17º - Essas notas de débito não continham qualquer explicação sobre a forma como foram apurados o respectivo valor, as taxas de juro tidas em conta e os meses a que respeitavam (Alínea Q).

18º - A autora questionou de imediato o réu sobre o débito destes valores, tendo-lhe este respondido que esse débito tinha a ver com o facto de a taxa de juro ter descido abaixo do limite/barreira de 3,95% (Alínea R).

19º - E que esses valores respeitavam aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março do ano de 2009 (Alínea S).

20º - Estando por isso a autora obrigada a pagar-lhe a diferença entre a taxa de juro Euribor que se foi verificando ao longo desses três meses e a taxa de 4,55% fixada no contrato (Alínea T).

21º - A autora comunicou logo ao réu que, tendo em conta esses débitos de valor considerável e a tendência para a descida da taxa Euribor, pretendia pôr de imediato fim ao contrato (Alínea U).

22º - O réu informou a autora de que o cancelamento antecipado desse contrato implicava pagar ao réu um valor superior a € 50 000,00 (cinquenta mil euros) (Alínea V).

23º - Nos meses subsequentes, o réu continuou a debitar à autora em cada mês a diferença entre a taxa de juro Euribor em vigor e a taxa de 4,55% fixada no contrato, tendo debitado à autora um total de € 38.048,75, referentes aos meses de Abril de 2009 a Abril de 2011, conforme documentos 10 a 29 da petição inicial, que se reproduzem para os devidos efeitos (Alínea X).

24º - A autora tem pago esses valores apenas para não incorrer numa situação formal de incumprimento bancário, pois que, caso não pagasse, o réu comunicaria esse facto ao Banco de Portugal, que por sua vez o difundiria por todos os Bancos (Alínea W).

25º - Essa informação, a ocorrer, poria de imediato em causa a credibilidade da autora junto de todos os Bancos e dos seus clientes, o que seria absolutamente desastroso para a sua estabilidade económica (Alínea Y).

26º - O contrato foi celebrado em 8/08/2008 sem que fosse possível prever a crise económica e financeira que se instalou a partir de 15/09/2008 (Alínea Z).

27º - A partir desta última data, e por efeito da falência do centenário e 4º maior Banco de Investimento dos EUA (LEHMAN BROTHERS), percepcionou-se que muitos dos produtos bancários não tinham contrapartida em valores reais (Alínea AA).

28º - O LEHMAN BROTHERS não resistiu à crise do mercado de crédito imobiliário de alto risco (subprime) (Alínea BB).

29º - Tendo perdido 2,7 mil milhões de euros no 3º trimestre de 2008, depois de ter sofrido fortes depreciações dos activos ao nível do seu portefólio de créditos imobiliários (Alínea CC).

30º - A queda deste Banco representa o momento em que a crise financeira se transformou em pânico global e ameaçou tornar-se numa Grande Depressão comparável à de 1929 (Alínea DD).

31º - O sistema financeiro, na realidade, não dispunha do capital que era suposto ter, uma vez que muito do crédito que concedia não tinha contrapartida material (Alínea GG).

32º - Ou seja e na prática, formalmente circulava muito mais dinheiro do que na realidade existia (Alínea HH).

33º - A consciência de uma tal realidade fez com que os Bancos repentinamente se contraíssem na concessão de crédito, afectando os particulares e empresas que, sem crédito, não podiam prosseguir a sua actividade (Alínea II).

34º - Com o fim de combater a recessão e retomar a concessão de crédito, os Bancos Centrais de todo o mundo passaram a injectar no sistema bancário valores nunca até então imaginados (Alínea JJ).

35º - Provocando com isso uma repentina e acentuada descida das taxas de juro (Alínea KK).

36º - Ora, esse efeito reflectiu-se, directa e intrinsecamente, no contrato de SWAP de taxa de juro objecto desta acção, que tinha precisamente na sua essência e base a taxa de juro (Alínea LL).

37º - Por esse efeito, o referido contrato sofreu um grande e repentino desequilíbrio, verificando-se que a autora, no curto espaço de três meses, passou a ter um encargo e um prejuízo grave decorrente desse contrato (Alínea MM).

38º - As circunstâncias que despoletaram a descrita crise financeira e económica não eram de modo algum previsíveis e continuam a ser absolutamente anormais (Alínea NN).

39º - O contrato referido no ponto 2º foi assinado no 2º semestre de 2008 e marcou o início da relação comercial/bancária entre autora e réu (Resposta ao quesito 1º).

40º - O referido nos pontos 3º a 8º aconteceu durante as negociações com vista à celebração do contrato de locação (resposta ao quesito 2º).

41º - Em Julho de 2008, os responsáveis do réu que negociaram com a autora a celebração do contrato em causa referiram que se a taxa de juro aumentasse até determinado limite/barreira, a autora pagaria sempre a taxa de juro fixa prevista no contrato (resposta ao quesito 3º).

42º - Caso a taxa de juro ultrapassasse esse limite/barreira, a autora teria de pagar a taxa de juro correspondente, perdendo pois todo e qualquer benefício (resposta ao quesito 4º).

43º - Caso a taxa de juro descesse abaixo da taxa de juro contratada (fixa), a autora continuaria a pagar tal taxa, suportando a diferença (resposta ao quesito 6º).

44º - Na sequência dos contactos mantidos com o réu, a autora assinou o acordo referido no ponto 9º (resposta ao quesito 9º).

45º - O réu enviou o contrato à autora para, no dia seguinte, ser assinado, não lhe tendo lido a totalidade das cláusulas que o compunham (resposta ao quesito 10º).

46º - O representante da autora é uma pessoa simples, que trabalha no dia – a - dia na produção de peúgas e nunca antes tinha contratado qualquer operação bancária complexa (resposta ao quesito 11º).

47º - Na data da assinatura do referido contrato (8/08/2008), a taxa de juro Euribor, a três meses, encontrava-se no valor de 4,966% e no dia 30/09/2008 encontrava-se a 5,277%, tendo subido até ao valor de 5,395% em 9/10/2008 (resposta ao quesito 18º).

48º - Na sequência do referido no ponto 22º, a autora insistiu com o réu para que encontrasse uma solução para o problema, pedindo-lhe que aceitasse a cessação do contrato (resposta ao quesito 19º).

49º - O contrato de locação financeira e o referido no ponto 9º foram ambos assinados em 8/08/2008 e foram precedidos de vários contactos, envolvendo troca de correspondência, três reuniões (em 26/05/2008, 9/06/2008 e 13/06/2008) para tratar do contrato de locação financeira e uma reunião (em 3/07/08) para apresentar à autora as várias modalidades de taxas de juro por que a autora poderia optar, nomeadamente, por aquela que resultasse da celebração de um contrato de SWAP de taxa de juro com barreira, tendo sido explicadas as vantagens e desvantagens e conteúdo do referido contrato ao representante da autora, que se fazia acompanhar por um amigo, ex-bancário (resposta ao quesito 20º).

3.

Dispõe o artigo 684º do Código de Processo Civil que, “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, acrescentando o artigo 685º-A do mesmo código que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

Resulta destas normas, como é, aliás, entendimento doutrinário e jurisprudencial uniforme, que é pelas conclusões do recorrente que se define e delimita o objecto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso, pelo que não pode o tribunal “ad quem” conhecer de questões naquelas não incluídas.

Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento no acórdão recorrido e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente têm de se considerar definitivamente decididas, não podendo delas conhecer-se em recurso.

Daí que, se o tribunal de recurso apreciar questões que não se mostrem versadas nas conclusões, a menos que se trate de matéria de conhecimento oficioso, a decisão respectiva incorre na nulidade por pronúncia indevida (ou excessiva), prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d) – 2.ª parte – do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 732º, em conjugação com o artigo 716º, nº 1, ambos do mesmo código.

No caso dos autos, a ré discorda do acórdão recorrido, que confirmou integralmente a sentença da 1ª instância, apenas na parte em que procedeu à resolução do contrato de SWAP por alteração das circunstâncias, por duas alegadas razões:

a) – “Por assentar numa aplicação forçada (e, portanto, necessariamente indevida) ao caso sub judice do instituto da alteração das circunstâncias, previsto e regulado no artigo 437º e seguintes do Código Civil;

b) – Por desconsiderar o facto de estar em causa a resolução de um contrato de execução periódica, do qual resulta a exclusão das prestações já realizadas entre as partes do âmbito de eficácia da resolução”.

Assim sendo, analisadas as conclusões da recorrente, são as seguintes as questões a dilucidar:

a) – Se a essência do contrato de swap reside no risco subjacente à variação da taxa de juro, independentemente do que a motivou, e, por isso, o tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente o disposto no artigo 437º do Código Civil.

b) – De todo o modo, se o prejuízo só justifica a resolução ou modificação do contrato, quando se verifique um profundo desequilíbrio do contrato e a existência de um dano grave.

c) – Se o contrato de swap é um contrato de execução periódica e, como tal, a resolução do mesmo não abrange as prestações já efectuadas.

4.

CARACTERIZAÇÃO DO TIPO DE CONTRATO CELEBRADO ENTRE AS PARTES:

Para melhor compreensão das questões suscitadas, importa analisar o que seja um contrato de swap, o que implicará uma prévia análise do que sejam instrumentos financeiros e instrumentos derivados.

Os instrumentos financeiros são um conjunto de instrumentos juscomerciais susceptíveis de criação e/ou negociação no mercado de capitais, que têm por finalidade primordial o financiamento e/ou a cobertura do risco da actividade económica das empresas. Tais instrumentos financeiros encontram-se expressamente consagrados no artigo 2º, n.os 1 e 2 do CVM, sendo os instrumentos derivados um dos tipos ou categorias dos instrumentos financeiros, contradistinguindo-se dos demais (instrumentos mobiliários e instrumentos monetários) por serem instrumentos típicos do mercado de capitais a prazo. Ou seja, o mercado dos derivados caracteriza-se por ser um segmento do mercado financeiro cujas operações, no lugar de serem objecto de execução imediata (operações a contado ou spot), envolvem a existência de um período de tempo mais ou menos longo que pode ir de alguns meses a algumas semanas ou dias apenas, entre a data da sua celebração e a data da execução dos direitos e obrigações deles emergentes (operações a prazo ou “forward”), podendo esse prazo ter uma natureza firme ou condicional.

Na definição de Engrácia Antunes[1], “designam-se por instrumentos derivados ou simplesmente derivados, os instrumentos financeiros resultantes de contratos a prazo celebrados e valorados por referência a um determinado activo subjacente”[2].

A doutrina jurídica e económica especializada tem procurado agrupar os instrumentos derivados em diferentes espécies ou tipologias, de acordo com uma diversidade de critérios ordenadores, sendo o critério mais divulgado o que classifica os derivados de acordo com o conteúdo da posição jurídico – contratual. Segundo este critério, os “swaps”, (a par dos “futuros” e “opções”) são um tipo de instrumento financeiro derivado nominado, previsto no artigo 2º, n.º 1, alínea e) do CVM[3]. Todavia, ao contrário dos futuros e das opções, os “swaps” são tipicamente derivados de mercado de balcão.

O swap faz, assim parte, em conjunto com outros instrumentos financeiros dos quais se destacam os futuros e as opções, dos mercados de produtos derivados ou mercados derivados. A atribuição da designação “derivativo” ou “produto derivado” tem origem no facto de se tratar de activos que têm subjacentes outros activos.

O CMV não fornece uma definição legal do contrato de swap, a qual é, no entanto, consensual entre a doutrina.

Na definição de José Engrácia Antunes[4], “swap” (literalmente, troca ou permuta) é o contrato pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias datas predeterminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente uma dada taxa de câmbio ou de juro.

Trata-se de um contrato através do qual uma parte transfere o risco económico inerente a um activo para outra parte, em troca de uma remuneração[5], obrigando-se concretamente as partes (i) ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, (ii) na mesma moeda ou em moedas diferentes, (iii) numa ou várias datas predeterminadas, (iv) calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente, e neste caso específico, a uma determinada taxa de juro.

Assim, os contratos de swap revestem usualmente, além da sua característica fundamental de contratos a prazo, uma natureza consensual, (não estando sujeitos a forma legal obrigatória, revestem, todavia, usualmente forma escrita voluntária (artigo 222º do Código Civil), uma vez que remetem frequentemente para modelos contratuais padronizados que contêm um conjunto de condições gerais que virão a enquadrar e regular os diferentes contratos individuais de permuta financeira celebrados entre as partes), não real, (cuja formação requer a mera declaração das partes contratantes), sinalagmática (sendo fonte para ambas as partes de obrigações ligadas entre si por um nexo de reciprocidade), patrimonial (onde está, em regra, afastado qualquer “intuitu personae”, sendo irrelevante a pessoa ou a qualidade dos contratantes), onerosa (envolvendo atribuições patrimoniais para ambas as partes) e aleatória (no sentido em que é o risco e incerteza que fornece a própria causa e objecto contratuais).

Importará distinguir, quanto ao objecto dos contratos de swap, entre duas modalidades fundamentais: os swaps de divisas e de juros.

Nos swaps de divisas, as partes acordam permutar ou trocar entre si quantias pecuniárias expressas em duas moedas diferentes, calculadas mediante a aplicação de uma taxa de câmbio predeterminada: estes contratos podem implicar meramente a troca do capital ou envolver simultaneamente a troca de juros periódicos, a qual pode ser realizada a taxa fixa para ambas as partes, a taxa fixa para uma das partes e taxa variável para outra, ou a taxas variáveis, embora indexadas a diferentes referenciais, para ambas as partes.

Nos swaps de juros, as partes contratantes acordam trocar entre si quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juro fixas e/ou variáveis: estes contratos podem também, por seu turno, revestir duas variantes fundamentais, consoante o cálculo dos juros de uma das partes se realiza a taxa fixa e o da outra a taxa variável ou mediante a aplicação a ambas de taxas variáveis definidas em base distintas.

Em resumo, “o contrato de swap de taxa de juro consiste num acordo de pagamento recíproco de juros baseados em diferentes índices, ou de taxa variável/taxa fixa, por certo período de tempo. Os fluxos de pagamento são ambos efectuados na mesma moeda, sendo o cálculo do montante dos juros realizado a partir de um dado valor de capital subjacente, que não chega a ser trocado[6]”.

Na análise jurídica destes contratos deverá atender-se à finalidade das partes na definição do objecto, na medida em que tal finalidade determinará as normas aplicáveis. Assim, na forma simples das permutas de divisas e de taxas de juro é, em regra, finalidade do cliente a cobertura do risco cambial e/ou do risco de flutuação das taxas de juro, enquanto será finalidade do banco (intermediário ou não na permuta) a finalidade especulativa.

Em concreto, no caso sub judice, estamos perante o denominado swap de taxas de juro, em que se estabelece um limite máximo para a taxa de mercado que os juros variáveis possam atingir (cap) e em que se estabelece um limite mínimo para essa mesma taxa (floor) (vide pontos 9º e 18º da matéria de facto).

5.

SE OCORREU UMA ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE AS PARTES FUNDARAM A DECISÃO DE CONTRATAR.

Como proposto pelo Banco, o contrato em causa permitia ao cliente, que se obrigava a pagar os fluxos de taxa fixa, imunizar-se contra variações adversas (subida) das taxas de juro varáveis que constituíam encargo financeiro de determinados passivos (locação financeira).

O problema de que passamos a ocupar-nos consiste em saber se, uma vez celebrado o aludido contrato de swap, e tendo ocorrido alteração anormal das circunstâncias, existentes à data dessa celebração, que torne o contrato mais gravoso para uma das partes, deve esta, mesmo assim, cumpri-lo tal como foi ajustado ou pode dá-lo sem efeito ou, pelo menos, satisfazê-lo em termos menos onerosos.

A pertinência desta questão prende-se com o facto da 1ª Instância e Tribunal da Relação terem decidido haver ocorrido uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, que torna o contrato muito mais gravoso para a autora, permitindo-lhe o direito à resolução do contrato, estando a ré em discordância com tal decisão, pois, segundo ela, “a principal consequência da classificação do contrato de swap na categoria dos contratos aleatórios é a não aplicação do regime do artigo 437º do Código Civil com base na alteração das circunstâncias”.

Vejamos:

Dispõe o artigo 437º, n.º 1 do Código Civil:

“1 – Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa - fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2 – Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior”.

Analisando este preceito, considera o Prof. Galvão Telles[7] que circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar “são as circunstâncias que determinaram as partes a contratar, de tal modo que, se fossem outras, não teriam contratado ou tê-lo-iam feito ou pretendido fazer, em termos diferentes. Trata-se de realidades concretas de que as partes não tiveram consciência, pois nem sequer pensaram nelas, dando-as como pressupostas; ou de realidades concretas de que tiveram consciência, mas convencendo-se de que não sofreriam alteração significativa, frustradora do seu intento negocial. Ou não passou sequer pela cabeça dos interessados que o status quo se modificaria: ou admitiram que tal ocorresse, mas em medida irrelevante. Aquela pressuposição ou esta convicção inexacta tem de ser comum às duas partes, porque, se não se deu em relação a uma e ela se calou, deixa de merecer protecção”.

“Que a alteração deve ser significativa, que deve assumir apreciável vulto ou proporções extraordinárias, põe-no em relevo a lei ao falar de alteração anormal (artigo 437º, n.º 1)”.

“As aludidas circunstâncias constituem a base do negócio. Mas a base do negócio apresenta-se aqui, quanto à configuração e ao regime, como algo de diverso da base do negócio em matéria de erro. A base do negócio no domínio do erro tem carácter subjectivo, porque se traduz na falsa representação psicológica da realidade. A base do negócio no domínio da alteração das circunstâncias tem carácter objectivo, visto não se reconduzir a uma imaginária falsa representação psicológica da manutenção de tais circunstâncias”.

“A base do negócio no erro é unilateral: respeita exclusivamente ao errante. A base do negócio na alteração das circunstâncias é bilateral: respeita simultaneamente aos dois contraentes. A lei (artigo 437º, n.º 1) fala, acentuadamente, das circunstâncias em que as partes (plural) fundaram a decisão de contratar; não refere as circunstâncias em que o lesado com a superveniente modificação teria fundado a sua decisão de contratar, proposição destituída de todo o sentido”.

“Aliás, no momento da outorga do contrato não pode ainda falar-se de lesado, porque lesado só existirá, futura e eventualmente, se as circunstâncias em que os estipulantes fundaram a decisão de contratar vierem a sofrer modificação que torne o contrato prejudicial para um deles: lesado será esse”.

A resolução ou modificação do contrato é admitida em termos propositadamente genéricos, para que, em cada caso, o tribunal, atendendo à boa - fé e à base do negócio, possa conceder ou não a resolução ou modificação.

Este normativo citado reconhece, pois, à parte lesada, pela ocorrência de alterações anormais das circunstâncias em que fundou a sua vontade de contratar, o direito à resolução ou à modificação do contrato.

De acordo com Almeida e Costa[8], para que o lesado possa valer-se de algum dos direitos previstos no citado artigo, é necessário:

a) – Que a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar.

b) – É necessário que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal.

c) – Torna-se indispensável, além disso, que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes.

d) – Mostra-se ainda forçoso que tal manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa - fé.

e) – Também é necessário que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato.

f) – Exige-se, por último, a inexistência de mora do lesado.

Face aos requisitos enunciados, por um lado, e aos riscos próprios do contrato, por outro, sem esquecer a eventual afectação dos princípios da boa – fé com a manutenção do contrato ou dos seus termos, perguntar-se-á se o contrato de swap que as partes celebraram se inclui no n.º 1 do artigo 437º do Código Civil.

Como refere Almeida e Costa[9], apresenta-se melindroso o problema “quanto aos contratos aleatórios, em cuja essência intervém a álea, pois os seus efeitos dependem de um facto futuro e incerto, pelo menos temporariamente”.

E, depois de salientar que o Código Civil italiano é expresso em afastar esses contratos da resolução ou modificação por excessiva onerosidade (artigo 1469º), acrescenta que a mesma orientação talvez encontre, entre nós, algum apoio na letra do n.º 1 do artigo 437º, que ressalva a não verificação da pressuposição «coberta pelos riscos próprios do contrato».” “Todavia, não parece contrariar a lei a aceitação de uma fórmula que admita poderem os contratos aleatórios «ser resolvidos ou modificados quando a alteração das circunstâncias exceder apreciavelmente todas as flutuações previsíveis na data do contrato», com a possível ressalva de as partes não se haverem sujeitado a efeitos análogos resultantes de outras causas”.

Foi referido que os derivados são instrumentos financeiros tipicamente estocásticos e aleatórios, sendo os contratos de swap um tipo de instrumento financeiro derivado nominado. “Tal significa dizer, desde logo, que os negócios em que se consubstanciam envolvem prestações negociais cujo «an» e «quantum» não é possível determinar no momento da respectiva celebração para uma ou ambas as partes, dependendo de um evento futuro de natureza estocástica, apenas determinável em definitivo no momento da respectiva execução. Mas significa mais: trata-se de negócios em que o “risco” fornece o próprio objecto contratual, no sentido em que as partes contratantes, mais do que simplesmente celebrá-los num estado de défice informativo, visam justamente negociar sobre tal incerteza, fazendo desta a verdadeira causa e objecto negociais[10].

“Sublinhe-se, porém, (continua), que pode ser diferenciada a distribuição do risco contratual: ao passo que uma boa parte dos derivados possuem uma estrutura simétrica de risco – já que, implicando deveres recíprocos de liquidação física ou pecuniária para ambas as partes, envolvem uma concomitante distribuição mútua de ganhos e perdas (verbi gratia, futuros, swaps), outros existem que se caracterizam por um perfil de risco assimétrico, em que uma das partes sabe de antemão qual o seu risco ou perda máximos (é o caso das opções, cujo comprador ou beneficiário sabe à partida que incorre numa perda máxima correspondente ao respectivo prémio)[11].

Reportando-nos ao caso dos autos, comprovam os factos que a autora, em 2008, celebrou com o réu um contrato de locação financeira imobiliária que teve por objecto um pavilhão industrial, para aquela aí desenvolver a sua actividade.

Em Julho de 2008, o responsável da dependência de Braga do réu apareceu na sede da autora, incentivando-a a celebrar um outro contrato (o contrato de swap). Para tanto, referiu-lhe que um tal contrato tinha a ver com o facto de a taxa de juro dos empréstimos bancários se encontrar nessa altura muito alta (4,40%) e daí a conveniência em celebrar um contrato que fixasse essa taxa de juro dentro de determinados limites/barreira, isto porque a prestação referente ao contrato de locação se encontrava indexada à taxa Euribor e como essa taxa estava alta e se temia que continuasse a subir, a prestação da locação financeira tinha também tendência para subir.

Ou seja, o responsável do banco pretendeu esclarecer a autora que, em vez de correr o risco das suas prestações do contrato de locação subirem sem limite, por efeito desse contrato de swap, fixar-se-ia um limite/barreira dentro do qual a autora pagaria sempre a mesma taxa de juro até um certo limite, sendo que, caso a taxa de juro subisse para além desse limite/barreira, a prestação da autora referente ao contrato de locação manter-se-ia exactamente no mesmo valor.

Numa altura, em que a tendência era a subida das taxas de juro, este contrato que se propunha à autora, visava exactamente dar-lhe segurança no equilíbrio das prestações do contrato de locação financeira, uma vez que as expectativas eram as de que os juros continuassem a subir, embora moderadamente.

Porém, ao contrário do que as expectativas anunciavam, retira-se ainda dos factos provados que, a partir do mês de Janeiro do ano de 2009, a taxa de juro começou a descer e a descer a um ritmo acelerado, ultrapassando mesmo o limite/barreira dos 3,95% contratado.

Ora, se não era tolerável para o réu suportar uma taxa de juro que ultrapassasse a barreira dos 5, 15%, também não era tolerável obrigar a autora a suportar uma taxa de juro abaixo dos 3,95%, ultrapassando o limite/barreira contratado, suportando ambas as partes o mesmo risco.

Esta repentina e acentuada descida da taxa de juros foi uma consequência da crise económica e financeira, que se instalou a partir de Setembro de 2008, que não era de modo algum previsível, reflectindo-se directa e intrinsecamente no contrato de swap de taxa de juro, que tinha precisamente na sua essência e base a taxa de juro.

Como realça a sentença, o referido contrato sofreu, por esse efeito, um grande e repentino desequilíbrio, verificando-se que a autora, no curto espaço de três meses, passou a ter um encargo e um prejuízo consideravelmente grave decorrente desse contrato.

Coloca-se, então, a questão de saber se a actual crise financeira representa uma grande alteração das circunstâncias e, em caso afirmativo, se a mencionada repentina e acentuada descida da taxa de juro cabe dentro do risco próprio do contrato celebrado.

Conforme adverte Carneiro da Frada[12], a propósito de saber se a actual crise financeira representa uma grande alteração das circunstâncias, “a forma inopinada e profunda, como a actual crise eclodiu, com a surpresa de muitos ou de quase todos, mesmo especialistas, parece apontar nesse sentido. Entre os factores a ponderar, há que considerar a dimensão da sua ocorrência, a sua não antecipabilidade generalizada e o facto de radicar em causas interdependentes múltiplas que ultrapassam o poder de actuação e influência dos actores económicos singulares (por mais ponderosos que sejam) e se protejam mesmo, como crise global, para além dos limites dos países e das várias zonas económicas do planeta)” (vide páginas 682 do trabalho citado).

Demonstrada a alteração das circunstâncias, resta analisar se a repentina e acentuada descida da taxa de juros cabe dentro do risco próprio do contrato celebrado, para efeitos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 437º do Código Civil.

Ficou explicitado que o contrato de swap tem subjacente o risco de variação da taxa de juro.

Mas que risco será esse, interrogou-se a sentença.

Tal como se infere dos ensinamentos da doutrina, que a sentença ponderadamente seguiu, não poderá deixar de se considerar que o risco previsto é o risco tolerável, isto é, o risco razoável e de algum modo previsível na conjuntura económica e financeira vigente à data da celebração do contrato, altura em que a autora e também o réu podiam valorar, como conhecimento de causa, se a proposta do banco satisfazia ou não os seus interesses.

No apontado contexto, tem razão a sentença, ao considerar que o réu, ao celebrar tal contrato, não representou certamente a possibilidade de beneficiar de forma tão desproporcionada quando em comparação com as vantagens que poderiam advir para a autora, em resultado de uma crise que também não estava nas suas previsões. Deste modo, atendendo à boa – fé que terá norteado o banco nos preliminares do contrato, não será razoável, perante as actuais circunstâncias, que se queira fazer valer de cláusulas que não foram equacionadas para um quadro de crise como o actual, em que as consequências do cumprimento do contrato, no que à autora respeita, ultrapassam o grau de risco nele previsto e com que as partes poderiam razoavelmente contar.

Bem decidiram, pois, as instâncias, ao considerarem que, nas circunstâncias actuais, a exigência das obrigações que do contrato decorrem para a autora não estão cobertas pelo risco próprio do contrato.

Aliás, perante este quadro de crise económica e financeira, como os factos provados demonstram, seria contrário aos ditames da boa – fé pretender que apenas a autora fosse onerada pelos seus efeitos nefastos.

6.

Discorda ainda o recorrente do acórdão, porque, mesmo admitindo esse desequilíbrio superveniente ocorrido e que a exigência do cumprimento do contrato se revelaria manifestamente abusiva, tornar-se-ia indispensável, para que as instâncias se pudessem servir do instituto da alteração das circunstâncias, que tivesse verificado um dano grave, considerável, descomunal, o que se não verifica.

Vejamos:

Como atrás se referiu, para que ocorra a alteração anormal das circunstâncias, torna-se necessário, como ensina Galvão Telles[13], que a alteração deva ser significativa, assumindo apreciável vulto ou proporções extraordinárias.

Isto significa que, “se a existência de um prejuízo é condição necessária da aplicação dos artigos 437º a 439º do Código Civil, não é suficiente, porquanto não é qualquer prejuízo que o lesado pode invocar, tornando-se necessário que ele atinja certa dimensão.

O prejuízo só justifica a resolução ou modificação do contrato quando se verifique um profundo desequilíbrio do contrato, sendo intolerável com a boa - fé que o lesado o suporte”[14].

Ora, ao contrário do alegado, as instâncias demonstraram de forma categórica, como atrás se salientou, que, perante o desequilíbrio supervenientemente ocorrido, a exigência do cumprimento contrato revelar-se-ia manifestamente abusiva, pela desconsideração da alteração anormal entretanto ocorrida, afectando o princípio da igualdade, imposto pela exigência da boa – fé, na execução contratual

Que na génese do presente contrato se verifica, desde logo, um desequilíbrio entre as prestações da recorrida e da recorrente, em caso de flutuação da taxa de juros, não havendo um princípio de equilíbrio relativamente àquilo que se troca, parece patente.

Mas esse desequilíbrio foi extremamente agravado pela crise financeira, situação essa que não decorreu de um normal desenrolar da situação económica, tratando-se, pelo contrário, de uma situação excepcional, completamente anormal no sistema financeiro, verificando-se que, por esse efeito, o referido contrato sofreu um grande e profundo desequilíbrio, passando a autora a suportar, por via disso, um assinalável encargo e um enorme prejuízo, como o desequilíbrio das prestações comprova, de tal modo que, neste contexto, a manutenção do contrato feriria os princípios da boa – fé que devem nortear a celebração dos contratos e na qual as partes alicerçaram a decisão de contratar.

Por tudo quanto fica exposto, justifica-se a resolução do contrato de swap celebrado.

7.

DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 434º, N.º 2 DO CÓDIGO CIVIL À RESOLUÇÃO DO CONTRATO DOS AUTOS.

Argumenta finalmente o recorrente que o contrato de swap dos autos é um contrato de execução periódica pelo que, sendo o n.º 2 do artigo 434º do Código Civil aplicável à sua resolução por alteração das circunstâncias, as prestações realizadas antes desse momento não deverão considerar-se abrangidas pela eficácia resolutiva.

Vejamos:

A resolução do contrato vem prevista nos artigos 432º e seguintes e consiste na extinção da relação contratual por declaração unilateral de um dos contratantes, baseada num fundamento ocorrido posteriormente à celebração do contrato.

Ao contrário da revogação, a resolução processa-se sempre através de um negócio jurídico unilateral. Consequentemente, nesta situação a extinção do contrato ocorre por decisão unilateral de uma das partes, não sujeita ao acordo da outra.

A resolução caracteriza-se ainda por ser normalmente de exercício vinculado, no sentido de que só pode ocorrer se se verificar um fundamento legal ou convencional que autorize o seu exercício (artigo 432º, n.º 1). Assim, se ocorrer esse fundamento, o contrato pode ser resolvido. Se não ocorrer, a sua resolução não é permitida (cfr. artigo 406º, n.º 1).

Deste modo, o direito de resolução dum contrato, enquanto meio de extinção do vínculo contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado (artigo 432º). Fica, pois, a parte que invoca o direito à resolução obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual (resolução fundamentada).

O artigo 433º determina que a resolução é equiparada, na falta de disposição especial, à nulidade ou anulabilidade do contrato. Aplica-se, portanto, o artigo 289º que, ao estabelecer uma ineficácia superveniente do contrato, com eficácia retroactiva, visa colocar as partes na situação em que estariam se o contrato não tivesse sido celebrado. Para esse efeito, institui-se uma relação de liquidação através da qual se restituem as prestações já efectuadas, que devem ser realizadas simultaneamente.

“A equiparação com o regime da invalidade do negócio é, no entanto, quebrada em dois aspectos: (i) possibilidade da resolução não ter eficácia retroactiva e (ii) tutela de terceiros[15]”.

“Quanto ao primeiro aspecto, a regra é que a resolução do contrato é de eficácia retroactiva, o que implica que esta determine, não apenas a extinção para o futuro das obrigações das partes, mas também o surgimento de obrigações de restituição, destinadas a colocar as partes no mesmo estado em que se encontravam antes da celebração do contrato. Admite-se, porém, que essa retroactividade possa não ocorrer se ela contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução (artigo 434º, n.º 1). (…). Quanto à finalidade da resolução, ela parece dever referir genericamente á situação prevista no n.º 2. Efectivamente, nos contratos de execução continuada ou periódica seria contrário ao fim da resolução admitir a restituição de prestações já pagas, uma vez que estas tinham como contrapartida uma troca com outras prestações, já definitivamente realizada. Por isso, apenas no caso de essa troca ainda se não ter verificado é que se justifica determinar a restituição das prestações já efectuadas[16]”.

Será o contrato de swap um contrato de execução periódica?

As prestações debitórias podem ser consideradas quanto á maneira da sua realização temporal em instantâneas e duradouras.

Segundo Almeida e Costa, “diz-se instantânea ou transeunte a prestação a executar num só momento, extinguindo-se a correspondente obrigação com esse único acto isolado de satisfação do interesse do credor”. “Em todos os restantes casos, quando não se circunscreva a uma actividade ou inactividade momentânea do devedor, antes se trate de um comportamento positivo ou negativo, que se distenda no tempo, a prestação qualifica-se de duradoura”. Neste conceito cabem duas variantes fundamentais: as prestações divididas e as continuativas”.

“Se o cumprimento se efectua por partes, em momentos temporais diferentes, a prestação diz-se dividida, fraccionada ou repartida. Podem, aliás, mediar ou não intervalos certos entre os sucessivos actos de cumprimento”.

“Considera-se continuativa, contínua ou de execução continuada a prestação que consiste numa actividade ou abstenção que se prolongue ininterruptamente – como conduta única – durante um período mais ou menos longo”.

“Quando todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestações fraccionadas), existam – posto que decorrentes de uma só relação obrigacional – diversas prestações (isto é, prestações repetidas) a satisfazer regularmente ou sem regularidade exacta, teremos as chamadas prestações reiteradas, repetidas, com trato sucessivo ou periódico”.

Expostos estes princípios, afigura-se-nos que o contrato de swap é, claramente, um contrato duradouro de execução sucessiva ou periódica, pois o seu cumprimento não se esgota numa só prestação, antes exige a realização de várias, durante todo o tempo de vigência do contrato[17].

De facto, como salienta Maria Clara Calheiros, “o decurso do tempo exerce influência sobre o swap, nomeadamente sobre o conteúdo e montante das prestações que este envolve. Basta recordar que as partes se obrigam, por seu intermédio, a realizar uma série de pagamentos[18], cujo montante exacto dependerá do cálculo a ser feito em cada momento, segundo regras contratualmente determinadas[19]”.

“Por conseguinte, aplicar-se-ão ao swap, inevitavelmente, as regras específicas das obrigações duradouras no que respeita a aspectos tão essenciais à execução do contrato como sejam as consequências do incumprimento e os efeitos da resolução e da nulidade e anulabilidade[20]”.

Deste modo, nos contratos de swap a resolução não terá efeitos retroactivos, à semelhança das obrigações de execução continuada ou periódica.

Tem, por isso, razão o recorrente, quando refere que, sendo o n.º 2 do artigo 434º do Código Civil aplicável à resolução do contrato de swap, em razão da alteração das circunstâncias, não deverão considerar-se abrangidas pela eficácia resolutiva as prestações realizadas antes desse momento.

Ora, como os factos comprovam, a crise económica e financeira instalou-se a partir de 15/09/2008, tendo-se repercutido no contrato de swap, pelo que, a partir do mês de Janeiro do ano de 2009, a taxa de juro começou a descer a um ritmo acelerado, ultrapassando mesmo o limite/barreira dos 3,95% contratado.

Entendemos, assim, que se deverão considerar abrangidas pela eficácia resolutiva as prestações realizadas depois desse momento (Janeiro de 2009), sendo aliás essas as prestações que a autora peticiona.

Deste modo, embora, ao contrário do acórdão, se considere o contrato de execução periódica, essa circunstância não assume relevância nas prestações peticionadas.

Sumariando:

I - Contrato de swap, ou de permuta financeira, é o contrato através do qual uma parte transfere o risco económico inerente a um activo para outra parte, em troca de uma remuneração; concretamente as partes obrigam-se (i) ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, (ii) na mesma moeda ou em moedas diferentes, (iii) numa ou várias datas predeterminadas, (iv) calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente, a uma determinada taxa de juro.

II - São seus caracteres o serem contratos a prazo; consensuais, (não estando sujeitos a forma legal obrigatória, excepto nos casos em que se insiram em serviços de intermediação financeira com o público investidor), não reais (cuja formação requer a mera declaração das partes contratantes), sinalagmáticos (sendo fonte para ambas as partes de obrigações ligadas entre si por um nexo de reciprocidade), patrimoniais (onde está, em regra, afastado qualquer “intuitu personae”, sendo irrelevante a pessoa ou a qualidade dos contratantes), onerosos (envolvendo atribuições patrimoniais para ambas as partes) e aleatórios (no sentido em que é o risco e incerteza que fornece a própria causa e objecto contratuais).

III - Quanto ao seu objecto, dividem-se em duas modalidades fundamentais: os swaps de dívidas (as partes acordam permutar ou trocar entre si quantias pecuniárias expressas em duas moedas diferentes, calculadas mediante a aplicação de uma taxa de câmbio predeterminada) e os de juros (as partes contratantes acordam trocar entre si quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juro fixas e/ou variáveis).

IV - A resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias depende da verificação dos seguintes requisitos: (i) que haja alteração relevante das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, ou seja, que essas circunstâncias se hajam modificado de forma anormal, e que (ii) a exigência da obrigação à parte lesada afecte gravemente os princípios da boa fé contratual, não estando coberta pelos riscos do negócio.

V - Nos contratos, como os referidos em I em que as partes visam justamente negociar sobre a incerteza, o risco fornece o próprio objecto contratual pelo que a alteração das circunstâncias tem de ser de apreciável vulto ou proporções extraordinárias: o prejuízo só justifica a resolução ou modificação do contrato quando se verifique um profundo desequilíbrio do contrato, sendo intolerável com a boa - fé que o lesado o suporte.

VI - Tal profundo desequilíbrio pode resultar da significa descida das taxas de juro (que chegou abaixo dos 3,95%), provocada por grave crise financeira, com grande divergência da taxa, superior, que as partes representaram como possível e a que o contrato pretendia assegurar (in casu, 5,15%).

VII - Os swaps, que conferem às partes posições jurídicas permutáveis relativas a determinadas quantias pecuniárias em data ou datas futuras previamente fixadas, são contratos de execução sucessiva ou periódica –a sua realização exige várias prestações, durante o tempo de vigência do contrato –pelo que se lhes aplica o n.º 2 do artigo 434.º do CC.

DECISÃO:

Pelo exposto, na improcedência da revista, confirma-se, embora com distintos fundamentos, o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 10 de Outubro de 2013

Granja da Fonseca

Silva Gonçalves

Pires da Rosa.

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[1] Vide José Engrácia Antunes, “Os derivados”, in Cadernos do Mercado de Valores Imobiliários n.º 30, página 118 a 119.
[2] Sobre os instrumentos financeiros em geral, vide José Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, Almedina, Coimbra 2009.
Sobre os derivados, vide Oliveira Ascensão, in AAVV, “Direito dos Valores Mobiliários”, volume iv, páginas 41 a 68, Coimbra Editora, 2003; M. Alves Monteiro, o Mercado Português dos Derivados, in “O Economista” (1999), páginas 119 a 127.
[3] Enquanto os “futuros” conferem a ambas as partes posições recíprocas de compra e venda sobre o activo subjacente em data e por preço previamente fixados, as “opções” conferem a uma das partes direitos potestativos de compra ou de venda do activo subjacente em ou até data futura, por preço previamente fixado, conferindo os “swaps” às partes posições jurídicas permutáveis relativas a determinadas quantias pecuniárias em data ou datas futuras previamente fixadas.
[4] Os Instrumentos Financeiros, página 167 e seguintes. Vide também sobre a figura Maria Clara Calheiros, o Contrato de Swap, Coimbra Editora, 2000.

[6] Maria Clara Calheiros, o Contrato de Swap, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Juridica, n.º 51, Coimbra Editora.
[7] Prof. Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, página 343 e seguintes.
[8] Direito das Obrigações, 5ª edição, páginas 265 a 271.

[9] Direito das Obrigações, 5ª edição, páginas 271 a 273.
No mesmo sentido, Vaz Serra, Anotação ao Acórdão do STJ de 17/02/1980, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 113º, página 311.
[10] Engrácia Antunes, obra citada, página 101.
[11] “Por isso também, na teoria económica, os derivados são por vezes descritos como «operações de soma zero», já que os ganhos (ou perdas) de uma das partes correspondem exactamente às perdas (ou ganhos) da contraparte: ou seja, são instrumentos que não criam ou produzem valor, mas simplesmente operam transferências de valor entre os agentes económicos.
[12] Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito versus Contratos de Gestão de Carteiras, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 69, páginas 633 e seguintes.
[13] Manual dos Contratos em Geral, refundido e actualizado, página 344.
[14] Vide Ac. TRL de 10/04/2008, citado pelo recorrente.
[15] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 6ª edição, página103.
[16] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 6ª edição, página 104.

[17] Maria Clara Calheiros, obra citada, página 81 e doutrina por ela citada.
[18] Pagamentos estes a serem realizados periodicamente, nas datas definidas contratualmente.
[19] Sobre a essencialidade no contrato de swap da periocidade das prestações a efectuar, diz COSTA RAN, LLUIS, El contratode Permuta Financiera, in Revista Juridica de Catalunya, n.º 1, 1990, página 71: “O contrato de swap estabelece uma cláusula específica, o detalhe do calendário correspondente ao vencimento dos pagamentos a cumprir por ambas as partes. Tanto a vontade das partes como o interesse determinante do fim negocial do swap induzem-nos a afirmar que o tempo de cumprimento das obrigações assumidas no contrato de swap é essencial”.
[20] Vide Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4º edição, página 627 a 629.