Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
175/05.2TBPSR.E2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANO BIOLÓGICO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA DO AUTOR E NEGADA PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / DANOS FUTUROS.
Doutrina:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 564.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 4/12/2007, P. N.º 07A3836, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. Ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.

II. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes dio grau de incapacidade fixado ao lesado

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. O Centro Hospitalar AA, S.A.. intentou, em 01.03.2005, acção declarativa sumária contra o Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 10.178,63, a título de serviços de assistência médica por si prestados a BB.

Na acção declarativa ordinária nº 455/05.7TBPSR, entretanto mandada apensar, intentada pela referida BB contra o mesmo réu, Fundo de Garantia Automóvel, que versa sobre o mesmo acidente, pediu aquela a condenação deste no pagamento da quantia de € 22.885,62 (€ 12.885,62 por danos patrimoniais e € 10.000,00 por danos não patrimoniais) e da quantia que se vier a liquidar a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, quantias essas acrescidas de juros legais, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou para o efeito e em resumo que em resultado do acidente já supra referido, que ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo não identificado, sofreu lesões corporais, para as quais necessitou de cuidados médicos e que determinaram, para além de sofrimento e tristeza, uma incapacidade física de grau indeterminado, tendo ficado impossibilitada de exercer a sua anterior actividade laboral, bem como concluir a escolaridade obrigatória e outras actividades, o que lhe provoca angústia e tristeza.

Citado, contestou o réu, defendendo-se por impugnação.

Entretanto, veio o autor Centro Hospitalar AA, S.A., requerer a ampliação do pedido para o montante de € 13.293,47, o que foi deferido.

Finda a audiência, foi proferida sentença, nos termos da qual a acção foi julgada parcialmente procedente, condenando-se o réu Fundo de Garantia Automóvel a pagar:

a) Ao autor, Centro Hospitalar AA, S.A., a quantia de € 13.293,47 (treze mil e duzentos e noventa e três euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

b) À Autora, BB, a quantia global de € 47.000,00 (quarenta e sete mil euros), sendo € 40.000,00, a título de dano patrimonial futuro e € 7.000,00, a título de dano não patrimonial, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da prolação da decisão até efectivo e integral pagamento.


2. Inconformados, apelaram  o réu Fundo de Garantia Automóvel e, bem assim, a autora BB.

Por acórdão que conheceu de tais recursos, julgando- os parcialmente procedentes, foi decidido alterar de € 7.000,00 para € 15.000,00 o valor da indemnização relativa aos danos não patrimoniais, anulando-se o decidido na sentença relativamente ao dano patrimonial futuro, determinando-se que a indemnização a pagar à autora BB, relativa a tal dano, seria liquidada em execução de sentença, com juros de mora a fixar oportunamente.

A autora BB deduziu incidente de liquidação, no qual pediu que o valor do dano patrimonial futuro fosse liquidado em € 160.000,0, com juros legais desde a data da citação até integral pagamento.

Admitido o incidente e notificado o réu Fundo de Garantia Automóvel, veio este deduzir oposição ao incidente, no qual tomou posição no sentido de, no limite ser apenas de aceitar a quantia indemnizatória, de € 40.000,00, que havia sido anteriormente fixada na 1ª instância.

A final, foi proferida sentença, nos termos da qual se fixou em € 55.000,00 o valor do dano patrimonial futuro, condenando-se o réu Fundo de Garantia Automóvel a pagar à autora BB tal quantia, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal e contabilizados desde a data da citação para a acção, até integral pagamento.


3. Inconformada, apelou a autora, BB, tendo a Relação começado por fixar o seguinte quadro factual subjacente ao litígio:

l) BB nasceu no dia 14 de Fevereiro de 1985.

2) O acidente de viação ocorreu no dia 25 de Janeiro de 2004.

3) A autora, em virtude da colisão e como sua consequência directa e necessária, sofreu as lesões descritas nos relatórios clínicos que constam dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, nomeadamente, fractura da diáfise do fémur esquerdo, fractura da diáfise dos ossos da perna esquerda e lesão do nervo ciático popliteu externo, tendo sido transportada para o Centro de Saúde de …, onde foi operada, ainda no dia 25 de Janeiro de 2004, à perna esquerda, tendo ficado internada até ao dia 7 de Fevereiro. A partir dessa data começou a ser assistida em regime ambulatório e a efectuar tratamentos de fisioterapia, três vezes por semana.

4) No dia 2 de Dezembro de 2004, a autora voltou a ser operada à perna esquerda.

5) Como consequência directa e necessária das lesões sofridas, esteve a autora afectada de Incapacidade Temporária Geral Total, desde 25 de Janeiro de 2004 a 8 de Fevereiro de 2004; de 2 de Dezembro de 2004 a 7 de Dezembro de 2004; e de 6 de Outubro de 2008 a 14 de Outubro de 2008, num total de trinta e dois dias, conforme conclusões do Relatório de Perícia de Avaliação ao Dano Corporal, que aqui se dá por integralmente reproduzido.       

6) Como consequência directa e necessária das lesões sofridas, esteve a autora afectada de Incapacidade Temporária Geral Parcial, por 2065 dias, conforme conclusões do Relatório de Perícia de Avaliação ao Dano Corporal, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

7)- Como consequência directa e necessária das lesões sofridas, esteve a autora afectada de Incapacidade Temporária Profissional Total, por 32 dias, conforme conclusões do Relatório de Perícia de Avaliação ao Dano Corporal, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

8) Como consequência directa e necessária das lesões sofridas, esteve a autora afectada de Incapacidade Temporária Profissional Parcial, por 2065 dias, conforme conclusões do Relatório de Perícia de Avaliação ao Dano Corporal, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

9) A Incapacidade Permanente Geral Parcial que lhe sobreveio em consequência do acidente foi avaliada em 31,20 pontos de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (aprovada pelo DL n° 352/2007, de 23 de Outubro), com possibilidade de agravamento.

10) A autora é trabalhadora indiferenciada, encontrando-se desempregada à data do acidente.

11) Até ao dia 31 de Dezembro de 2003, data em que terminou o seu contrato, a autora trabalhou na Câmara Municipal de …, como auxiliar de serviços gerais, auferindo o rendimento mensal líquido de € 390,00.

12) A autora encontrava-se a frequentar o 9° ano de escolaridade, em regime pós- laboral, à altura do acidente, tendo que, em virtude deste, interromper os seus estudos.

13) Em consequência do acidente e desde a data da sua ocorrência, a autora encontra-se impedida de exercer a sua actividade profissional habitual.

14) A autora não pode mais carregar com pesos ou executar determinadas tarefas como fazer as limpezas aos gabinetes, casas de banho e cozinha.

15) Subsistem e restam sequelas em consequência do acidente.

16) Em consequência do acidente, sobreveio para a autora o encurtamento da perna esquerda - em 3 cm -, para além do que só consegue assentar a ponta do pé esquerdo no chão, o que provoca uma marcha claudicante franca.                

17) No sector agrícola, onde a autora teria facilidade em arranjar trabalho ao longo de todo o ano, poderia ganhar, em média, € 40,00 (quarenta euros) por dia (valor bruto).

18) Poderia ainda fazer limpezas a casas particulares, empresas ou serviços públicos, mediante valor diário não concretamente apurado.

19) A autora pode exercer qualquer tipo de profissão que não lhe exija esforços com a perna esquerda, nomeadamente, em que permaneça sentada, como funções de telefonista, balconista, ...

20) A sua limitação física não a impede de estudar e vir a ter profissões como contabilista, professora, advogada...


4. Passando a apreciar as questões suscitadas, considerou a Relação:

Conforme se alcança da sentença, para chegar ao referido valor de € 55.000,00, o tribunal “a quo”, acolhendo o entendimento seguido no acórdão do STJ de 15.03.2012 (procº nº 4730/08.0TVLG.L1P1, in www.dgsi.pt) teve em consideração os seguintes critérios:

a) A idade da autora à data do acidente (18 anos);

b) O tempo de esperança de vida (75 anos);

c) A circunstância de a mesma poder exercer actividade profissional compatível com as suas competências e com a sua condição física;

d) A remuneração mensal líquida que pode em concreto auferir, considerando as suas competências e aquela que pode almejar no futuro e que nunca será superior ao salário mínimo nacional (sendo que no momento, a autora poderia, no máximo, auferir um rendimento mensal bruto a rondar os € 700,00 mensais);

e) A expectativa quanto ao aumento do salário referência - salário mínimo nacional - que não se prevê que venha a ser significativa, ponderada a evolução que o mesmo vem conhecendo;

f) O grau de incapacidade permanente geral parcial, as concretas limitações que importam o acréscimo de esforço para o exercício da sua profissão, a tendência de agravamento da incapacidade e o consequente agravamento de esforço para o exercício de profissão;

g) A circunstância da indemnização ser paga de uma só vez, proporcionando um rendimento global imediato;

i) E fazendo apelo às regras da equidade.

Para defender a sua posição, a apelante começa por questionar a remuneração mensal em que o tribunal se baseou.

Diz que a avaliação da redução da capacidade de ganho deve tem em consideração, não o valor do salário mínimo nacional mas sim uma quantia não inferior a € 1.000,00/mês.               

E para chegar a tal valor, diz que está provado que, no sector agrícola, teria facilidade de arranjar trabalho ao longo de todo o ano, profissão onde auferiria, em média, 40,00€ por dia e que, decorrendo das regras da experiência que tal trabalho é prestado durante 6 dias por semana – nessa actividade a autora teria um rendimento mensal nunca inferior a 1.000,00€.

E diz ainda que como empregada doméstica sempre poderia auferir pelo menos € 800,00 (5,00€ à hora x 8 horas x 22 dias) – podendo ainda acumular serviços no sector agrícola e como empregada doméstica.

Todavia, a nosso ver sem razão.

Com efeito o que, de concreto, se apurou foi que a apelante, à data do acidente, se encontrava desempregada e que até poucos dias antes estivera a trabalhar (como auxiliar de serviços gerais) auferindo um rendimento mensal líquido de € 390,00.

É certo que também se provou que no sector agrícola teria facilidade em arranjar trabalho ao longo de todo o ano, podendo ganhar, em média, € 40,00 por dia (valor bruto – que não valor líquido) e poderia ainda fazer limpezas a casas particulares, empresas ou serviços públicos, mediante valor diário não concretamente apurado.

Todavia o facto de ter facilidade em arranjar trabalho no sector agrícola “ao longo de todo o ano”, e até pelas especificidades dessa actividade (designadamente sazonalidade da generalidade das diversas culturas agrícolas), não significa que poderia conseguir trabalho “durante todos os dias”, com excepção dos fins-de-semana. Com efeito uma coisa é poder ter trabalho ao longo do ano e outra coisa é ter trabalho todos os dias do ano.

E o mesmo se diga em relação ao trabalho de limpezas. A trabalhar a tempo inteiro numa qualquer empresa, dificilmente auferiria remuneração superior ao salário mínimo nacional e, a trabalhar em casas particulares (mesmo admitindo que pudesse receber a € 5,00/hora) dificilmente conseguiria trabalho de forma seguida e durante 8 horas por dia.

De resto, se assim fosse, por que razão é que a autora, podendo assim ganhar bem mais, estava desempregada e até pouco antes apenas se sujeitara a receber um rendimento de apenas € 390,00?

Diz ainda a apelante que o tribunal “a quo” não teve em consideração o facto de em consequência do acidente lhe ter sido fixada uma IPG de 31,20 pontos.

É certo que, conforme supra referido, o tribunal na enunciação dos critérios a que atendeu, não faz referência específica a essa IPG que foi atribuída à apelante.

Todavia se não o fez de forma específica o certo é que o fez de forma indirecta, quando, sob a al. f) faz referência ao “grau de incapacidade permanente geral parcial”.

Isto para além de fazer referência à “concretas limitações que importam o acréscimo de esforço para o exercício da sua profissão, a tendência de agravamento da incapacidade e o consequente agravamento de esforço para o exercício de profissão”.

O que se verifica é que na sentença, apenas se faz referência aos diversos critérios, que supra reproduzimos, sem se explicitar de que forma é que se chegou ao valor atribuído ao dano patrimonial futuro (€ 55.000,00).

E desde já se diga que, a nosso ver, este valor se mostra desajustado à realidade factual que foi dada como provada.

Conforme tem vindo a ser entendido na jurisprudência, na indemnização relativa ao dano patrimonial futuro deve-se atender ao capital resultante do rendimento que o lesado deixou de receber durante a sua expectável vida, devendo esse capital ser calculado, ainda que com recurso a tabelas matemáticas, com base na equidade (vide acórdãos do STJ de 03.12.2007, em que é relator Mário Cruz e de 10.10.2012, em que é relator Lopes do Rego, ambos in www.dgsi.pt).

Com efeito, conforme se salienta no acórdão do STJ de 15.03.2012 supra referido (em que o tribunal “a quo” se baseou) “os critérios matemáticos de cálculo do capital correspondente à indemnização por danos patrimoniais futuros são apenas um instrumento ao serviço do juízo de equidade, devendo os resultados alcançados funcionar como valores de referência que devem ser ponderados com outros elementos objectivos cuja relevância emerge e se impõe naturalmente ao julgador (como são o percebimento de uma só vez e em antecipação da indemnização correspondente a danos que se prolongam no futuro por vários anos, a evolução provável da sua carreira profissional, da taxa de juro, etc). Tratando-se de danos patrimoniais futuros e dada a impossibilidade de averiguar exactamente este tipo de danos futuros, nomeadamente, por incapacidade de prever o tempo exacto de duração da capacidade profissional do lesado, por impossibilidade de prever a evolução do montante salarial, ou da sua eventual e hipotética mobilidade laboral, além da impossibilidade de quantificar exactamente o acréscimo de esforço que a incapacidade gera para o lesado desempenhar a sua função profissional, há que fazer intervir a equidade, nos termos do art. 566.º, n.ºs 2 e 3, do CC.”

Tendo-se em consideração que a apelante tinha apenas 18 anos à data do acidente e que actualmente a expectativa média de vida se situa nos 75 anos (conforme se considerou na sentença e tem vindo a ser entendido na jurisprudência – vide acórdãos supra citados), verificamos que a expectativa de vida da apelante condicionada pelas sequelas do acidente se cifra em 57 anos (75-18).

Tendo por base o referido rendimento (bruto) mensal de € 700,00, que foi considerado na sentença, (e que como vimos não deve ser posto em causa) verificamos que, durante esses 57 anos era previsível que a apelante recebesse mais cerca de € 550.000,00.

Ficando provado que “a autora ficou com uma Incapacidade Permanente Geral de 31,20 pontos (de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo DL n° 352/2007, de 23 de Outubro), com possibilidade de agravamento e que ficou impedida de exercer a sua actividade profissional habitual (ou seja de trabalhadora indiferenciada, que havia trabalhado como auxiliar de serviços gerais)”, verifica-se que, a priori, essa percentagem percentual de incapacidade, sobre aquele valor, corresponderia a cerca de € 170.000,00.

Isto, sem se deixar de atender à necessária redução resultante da aplicação da taxa de juro, face ao recebimento imediato da indemnização, taxa essa que, conforme tem vindo a ser aceite na jurisprudência, se situa na ordem dos 3% (vide designadamente o acórdão do STJ em que a sentença se baseia).

Todavia, não poderá olvidar-se que o referido grau de incapacidade se reflecte apenas, em termos de redução da capacidade de ganho (estando aqui fora de causa o seu reflexo no âmbito dos danos não patrimoniais e do dano biológico – danos estes que não estão ora em causa), nas actividades em que se lhe exija algum esforço, sendo certo que resultou ainda provado que “pode exercer qualquer tipo de profissão que não lhe exija esforços com a perna esquerda, nomeadamente, em que permaneça sentada, como funções de telefonista, balconista”, e que a “a sua limitação física não a impede de estudar e vir a ter profissões como contabilista, professora, advogada”.

Isto, sendo certo que a autora apelante, à data do acidente, até estava desempregada, tinha apenas 18 anos e estava a frequentar o 9° ano de escolaridade – havendo assim expectativa de poder vir a conseguir trabalho compatível com as suas limitações ou a expectativa de conseguir habilitações necessárias a tal.

Assim, ponderados todos os referidos elementos, afigura-se-nos que, com recurso à equidade, o valor do dano patrimonial futuro se deve situar em metade daquele último valor: € 85.000,00

Procedem assim, parcialmente e nesta conformidade, as conclusões do recurso.

Em síntese

Na indemnização relativa ao dano patrimonial futuro deve-se atender ao capital resultante do rendimento que o lesado deixou de receber durante a sua expectável vida, devendo esse capital ser calculado, ainda que com recurso a tabelas matemáticas, com base na equidade.

Termos em que, julgando-se parcialmente procedente a apelação, se acorda:

a) Em revogar parcialmente a sentença recorrida na parte em que nela se fixou (e condenou o réu, ora apelado a pagar à autora apelante), em € 55.000,00) o valor dos danos patrimoniais futuros;

b) E em alterar esse valor para € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), condenando-se o réu apelado a pagar à autora apelante tal quantia;

c) No mais se confirmando a sentença, na parte respeitante aos juros de mora.


5. Inconformadas com tal decisão, interpuseram ambas as partes recurso de revista, recorrendo subordinadamente a A. , propugnando o FGA pela limitação da indemnização a €55.000, tal como fora decidido na sentença apelada; e a lesada pelo seu aumento para €160.000, com base na seguinte linha argumentativa, expressa nas conclusões apresentadas:

A)  À data do acidente, a Autora contava apenas com 18 anos de idade e era estudante, em regime pós-laboral, frequentando o 9º ano.

B)   Decorre das regras da experiência comum que qualquer jovem com 18 anos de idade, com a escolaridade da Autora, que concilie os estudos com o trabalho, não pode desempenhar trabalhos agrícolas, que, para além de serem trabalhos pesados, são trabalhos que se iniciam normalmente pelas 6H00, muitas das vezes longe do local de residência dos trabalhadores e que obrigam os mesmos a levantarem-se pelas 4H00/5H00, o que é incompatível com a frequência da escola, em regime pós-laboral, cujo horário se situa entre as 21H00 e as 24H00.

C)  Não pode, por conseguinte, olhar-se para a situação profissional da Autora, quando a mesma ainda tinha apenas 18 anos de idade e era estudante, e partir do pressuposto que o futuro profissional da mesma se limitaria aos trabalhos que realizava com essa idade e nessas circunstâncias.

D)  Acresce que está dado como provado que a Autora, no sector agrícola, teria facilidade de arranjar trabalho ao longo de todo o ano, profissão onde auferiria, em média, 40,00€ por dia (Facto Provado 17).

E)  Sendo certo que, ao contrário do sufragado no acórdão recorrido, o que decorre das regras da experiência comum, para quem vive no Alentejo, é que no sector agrícola há trabalho durante todo o ano e aos fins-de semana, inclusive: pinhas, azeitona, cogumelos, cortiça, podas, lenha, eucaliptos, pimentão, tomate, apanha de fruta, etc. etc.

F)  O que, em média, originaria um rendimento mensal nunca inferior a 1.000,00€ (mil euros).

G)  Por sua vez, uma empregada doméstica recebe, em média, valor nunca inferior a 5,00€ à hora, o que confere um valor mensal de, pelo menos, 880,00€ (5,00€ x 8h x 22 dias).

H) Sendo certo que, cada vez mais, com o aumento da escolaridade das mulheres e de as mesmas exercerem profissões fora de casa, a procura de empregadas domésticas é cada vez maior.

I)    Além disso, a Autora sempre poderia cumular os serviços no sector agrícola (Facto Provado 17) com os serviços de empregada doméstica (Facto Provado 18).

J) Forçoso será, pois, concluir que o valor de 700,00€ constante da sentença não é adequado a avaliar o valor patrimonial da redução da capacidade de ganho da autora, pelo que, na base do cálculo, terá de se ter sempre em consideração quantia não inferior a 1.000,00€/mês.

K)   Por outro lado, no cálculo da indemnização o Venerando Tribunal recorrido não valorou convenientemente o facto de, em consequência do acidente a Autora ter ficado com uma IPG de 31,20 pontos (dano cível), que como esclareceu no seu depoimento o Exmo. Senhor Dr. CC, ex-Presidente do IML de …, não pode ser confundida com a percentagem atribuída em sede de acidente de trabalho, uma vez que não são coincidentes porque avaliam situações diferentes com base em tabelas diferentes.

L)  Tanto assim que, segundo o Exmo. Senhor Dr. CC, se estivéssemos perante um acidente simultaneamente de viação e de trabalho, em sede de acidente de trabalho, teria sido atribuída à Autora uma IPP de 68%, quando, em sede de dano cível, foi atribuída uma IPG de 31,20 pontos.

M)      Sendo certo que uma IPP de 68%, em sede laboral, significa incapacidade absoluta para o trabalho, como é hoje jurisprudência pacífica.

N) Acresce que a Autora (I) deixou de estudar aos 18 anos por causa do acidente, quando frequentava o 9º ano, em regime pós-laboral; (II) deixou de poder exercer a sua profissão habitual e (III) deixou de poder exercer qualquer profissão que exija esforços com a perna esquerda, designadamente carregar com pesos e executar tarefas de limpeza.

O) Tendo em conta as limitações físicas da Autora, a IPG de que padece, e as qualificações/habilitações que a mesma detinha à data do acidente, constata-se que é absolutamente residual o leque de profissões que a Autora pode, em teoria, desempenhar (telefonista e balconista).

P)   Acontece que, como toda a gente sabe, empregos de balconista e telefonista é precisamente o que escasseia no concelho de … e em todo o distrito de Portalegre, onde, como o que é do conhecimento público, até mesmo nas grandes superfícies (Continente, Pingo Doce e Intermarché) ninguém é contratado para estar, exclusivamente, a atender telefones ou a atender ao balcão, comodamente sentado.

Q) Por outro lado, no Alto Alentejo, fora das grandes superfícies, não há oferta de emprego nas áreas de balconista e telefonista e, muito menos, para trabalhar sentado todo o dia, tendo em conta a pequena dimensão dos negócios, onde predominam as pequenas empresas familiares, pelo que os poucos trabalhadores contratados têm de ser empregados para todo o serviço.

R)   Além disso, deixemo-nos de rodeios: quem é que contrata uma deficiente com o 6º ano de escolaridade que não consegue assentar o pé esquerdo no chão o que a impede de fazer qualquer esforço com a perna esquerda (Factos provados 14,16 e 19)?

S)   E não se diga que, em teoria, a mesma poderia ter continuado a estudar e vir a ser advogada, contabilista ou, quiçá, até mesmo juíza, porque é óbvio que, para se qualificar para tais profissões, a mesma necessitaria de dinheiro (para pagar o curso, deslocações, etc), que é coisa que a autora, em consequência do acidente, não tem, tanto assim que é carente de apoio judiciário que hoje só é concedido, como é do conhecimento público, quando o agregado familiar é muito pobre.

T)   Conclui-se, por conseguinte, que a IPG da Autora, de 31,20 pontos, se, por um lado, constitui, em termos profissionais, uma incapacidade absoluta da Autora para o seu trabalho habitual, por outro lado, constitui, na prática, um incapacidade absoluta para o exercício das profissões para as quais a Autora tem habilitações e qualificações.

U) Na atribuição da indemnização, deve ainda ter-se em consideração os seguintes factos: (a) a incapacidade resultante do acidente para a Autora - 31,70 pontos de IPG é susceptível de agravamento e afecta na totalidade a capacidade para o trabalho habitual da mesma; (b) a relevância da lesão tem de ser avaliada, quer com referência à vida activa provável da lesada, bem como do período posterior à normal cessação de actividade laboral; (c) a longevidade nas mulheres cifra-se nos 80 anos, com tendência para subir; (d) a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma (presentemente cifa-se nos 66 anos); (e) a tendência, a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento da produtividade; (f) o facto de se utilizar nos cálculos da indemnização um valor estanque, como se inexistisse qualquer progressão na carreira do acidentado; (g) a tendência geral vai no sentido de aumentar o rendimento a retirar do trabalho; (h) o facto de a Autora em nada ter contribuído para a produção do acidente; (i) a taxa de inflacção.

V)   Face ao exposto, forçoso será, pois, concluir que o montante arbitrado pelo tribunal não repara o dano, nem é equitativo, pelo que, em face de todos estes elementos, a indemnização a fixar por danos patrimoniais futuros nunca poderá ser inferior a 160.000,00€, mantendo-se no mais a douta Sentença recorrida, nomeadamente no que concerne aos juros de mora.

W)  Decidindo, como decidiu, violou o Ex.mo Juiz, designadamente, o disposto nos artigos 562.º, 564.º, n.º2, 566.º do CC.


6. Na concreta situação litigiosa, está apenas em causa – uma vez que nos movemos no âmbito de incidente de liquidação de anterior condenação genérica – a quantificação do dano patrimonial futuro, conexionado com as relevantes limitações decorrentes das sequelas das lesões sofridas, estando, pois, situados claramente fora do perímetro deste específico procedimento a avaliação dos danos não patrimoniais.

Poderá, todavia, considerar-se que está identicamente fora do âmbito deste incidente de liquidação a avaliação do dano biológico sofrido pela lesada (como expressamente se considerou no acórdão recorrido)?

Saliente-se que a sentença proferida em 1ª instância fez apelo a esta categoria específica de danos (cfr. fls. 496 /497), representando ainda claro apelo a tal figura a argumentação esgrimida pelo lesada no pedido de liquidação deduzido, ao pôr o acento tónico precisamente na perda de chance profissional emergente do tipo de limitação física de que passou a padecer irremediavelmente, impossibilitadora da realização de tarefas que possam implicar esforços físicos (e que seriam precisamente as mais prováveis e adequadas às habilitações da lesada)…

Não parece efectivamente que a vertente patrimonial da figura do dano biológico – consistente essencialmente em determinar em que medida é que, para além da perda efectiva de rendimentos ocorre também a perda de chance profissional como consequência das sequelas das lesões sofridas – se possa cindir ou autonomizar totalmente da quantificação do dano patrimonial futuro – sendo este precisamente o resultado da adição ou soma dos prováveis rendimentos profissionais futuros perdidos, face ao grau de incapacidade que afecta permanentemente o lesado, e da perda inelutável de oportunidades profissionais futuras, inviabilizadas irremediavelmente pelas limitações físicas de que passou a padecer de modo definitivo.

E, assim sendo, considera-se que, ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.

No caso dos autos, as partes divergem substancialmente quanto à quantia atribuível a título de ressarcimento dos danos patrimoniais futuros, conformando-se o FGA com a quantia arbitrada na sentença - €55.000 - e pedindo a A./recorrente a ampliação para €160.000 do valor arbitrado na Relação (€85.000).

Saliente-se que é inquestionável a gravidade das sequelas das lesões corporais da A., expressas:

- na fixação de uma IPG de 31,20% a lesada então com 18 anos de idade;

- com possibilidade de agravamento futuro;

- envolvendo impossibilidade absoluta para o exercício da actividade profissional habitual e de todas as que envolvam componente significativa de esforço físico ( e que eram as imediata e efectivamente acessíveis às capacidades naturais e habilitações da lesada antes do acidente);

- restando-lhe, deste modo, como condição de acesso ao mercado de trabalho, a realização de uma substancial readaptação profissional, que lhe permita, através da formação adequada, adquirir as capacidades técnicas indispensáveis ao exercício das funções compatíveis com as relevantes limitações físicas de que passou a padecer.


Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do art. 564º do CC, está fundamentalmente em causa o método de cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização, cumprindo reconhecer que tal matéria suscita problemas particularmente delicados nos casos, como o dos autos, em que o lesado se encontrava ainda numa fase absolutamente inicial da sua vida profissional, seriamente afectada pelas irremediáveis sequelas das lesões físicas sofridas – envolvendo a necessidade de realizar previsões que abrangem muitíssimo longos períodos temporais, lidando com dados que – nos planos social e macro económico - são, em bom rigor, absolutamente imprevisíveis no médio e longo prazo (por ex., evolução das taxas de inflação ou da taxa de juro, alterações nas relações laborais e níveis remuneratórios, possíveis ganhos de produtividade ao longo de décadas, etc.)

Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos): adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.


Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a tabela descrita no Ac. de 4/12/07 (p.07A3836), assente numa taxa de juro de3%. 

Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização ( e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros).

Finalmente – e no nosso entendimento – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.

Valorando adequadamente os dados de facto, considera-se que não merece censura o decidido pela Relação, no que respeita à estrita e prudencial aplicação das tabelas financeiras correntes, baseadas na remuneração à data do acidente e no grau de incapacidade funcional fixado à lesada, temperada com o apelo aos indispensáveis juízos de equidade.

Note-se ainda que, no caso dos autos, a IPG parcial, pericialmente verificada, implicou uma impossibilidade de a A. exercer a sua actividade profissional habitual, bem como todas as análogas actividade indiferenciadas, na agricultura, em serviços domésticos ou de limpeza que impliquem esforços físicos, estando assim totalmente inviabilizado o exercício de qualquer trabalho braçal, apenas lhe restando actividades em que permaneça sentada ou profissões que impliquem um trabalho essencialmente técnico ou intelectual (pontos 9/20 da matéria de facto).

Ora, perante este quadro, não se vê razão para pôr em causa o critério seguido pela Relação, ao fixar equitativamente as prováveis perdas salariais, durante a integral vida profissional da lesada, partindo de valores próximos do salário mínimo, nos referidos €85.000 (não havendo elementos que tornem plausível a fixação do rendimento mensal provável em €1.000, como pretende a recorrente, nem para repristinar o decidido sobre esta matéria em 1ª instância, como pretendia o FGA); saliente-se ainda que, na concreta situação dos autos, o eventual acesso da A. ao mercado de trabalho passa inelutavelmente por uma exigente reconversão profissional, cujos custos e demora provável (durante a qual a lesada não poderia exercer, na prática, qualquer actividade indiferenciada que envolvesse componente de esforço físico) teriam também de ser incluídos no montante indemnizatório a arbitrar…

Saliente-se, porém, que a aplicação, mesmo corrigida, das referidas tabelas financeiras não inclui, como é evidente, integral ponderação do dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão no leque de oportunidades profissionais de quem o sofre - e, portanto, enquanto reflectido na previsível carreira profissional da lesada, ressarcível ainda no perímetro dos danos patrimoniais futuros.


No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pela lesada - consubstanciado em limitações funcionais particularmente relevantes - deverá compensá-la – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida e contabilizada no nível de rendimento auferido ou auferível pelo lesado.

A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar: na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais; e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em lesada com 18 anos de idade, ficando as perspectivas de evolução no campo profissional plausivelmente afectadas pelas irremediáveis sequelas, físicas das gravosas lesões corporais sofridas.

E, nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer a recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional – considerando-se, em termos de equidade, que representará compensação adequada desse dano biológico o valor de € 15.000, que acrescerá assim ao montante de €85.000 arbitrado pelo acórdão recorrido.


7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, nega-se provimento à revista interposta pelo FGA e concede-se parcial provimento à revista interposta pela A. , fixando consequentemente em € 100.000.00 (cem mil euro) a indemnização àquela arbitrada  como ressarcimento dos danos patrimoniais futuros, confirmando em tudo o mais o acórdão recorrido.

Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário


Lisboa, 10 de Novembro de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Távora Victor

António da Silva Gonçalves