Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
391/06.0TBBNV.E1.S1  
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
DENÚNCIA
INDEMNIZAÇÃO
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
CONTRATO DE AGÊNCIA
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / FONTES DE DIREITO / VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS / OBRIGAÇÃO DE JULGAR E DEVER DE OBEDIÊNCIA À LEI.
Doutrina:
- António Menezes Cordeiro, Do abuso de direito: estado e perspectivas, ROA, Ano 65, Vol. II, Set. 2005, disponível on line ; Da boa fé, p. 771 ss. ; Tratado de Direito Civil, 1/4, p. 299 ss.;
- António Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 2017, Almedina, 8.ª Edição, p. 68, 69 e 72;
- Fernando Ferreira Pinto, Os Contratos de Distribuição, Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo (tese de doutoramento), 2013, Universidade Católica Portuguesa, p. 61 e 62 ; Contratos de Distribuição e A Indemnização de Clientela dos Distribuidores Integrados: uma longa e dolorosa aprendizagem, in
- José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 2017, Almedina, 5.ª Reimpressão, p. 448;
- L.M. Menezes Leitão, A Indemnização de Clientela, Almedina, 2006, p. 34;
- Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, 1990, Almedina, p. 100;
- Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 1995, Almedina, p. 766, 770 a 771;
- Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, 2011, Almedina, p. 189 e 190 ; Teoria Geral do Direito Civil, 2015, Almedina, 8.ª Edição, p. 675 e 676 ; Teoria Geral do Direito Civil, 2005, Coimbra Editora, 4.ª Edição, p. 422 e 423;
www.fd.lisboa.ucp.pt.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 8.º, N.º 3.
CONTRATO DE AGENCIA, APROVADO PELO DL N.º 178/86, DE 03-07: - ARTIGOS 28.º, 29.º, 33.º E 34.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-10-2009, PROCESSO N.º 1183/04.6TBALB.C1.S1;
- DE 06-10-2011, PROCESSO N.º 454/09.0TVLSB.L1.S1;
- DE 22-05-2013, PROCESSO N.º 5523/06.5TVLSB.L1.S1;
- DE 20-06-2013, PROCESSO N.º 178/07.2TVPRT.P1.S1;
- DE 18-02-2014, PROCESSO N.º 1373/03.9TCGMR.G1.S1;
- DE 20-03-2014, PROCESSO N.º 28/08.2TBVNG.P2.S1;
- DE 25-03-2014, PROCESSO N.º 519/08.5TVLSB.L1.S1;
- DE 01-04-2014, PROCESSO N.º 387/09.0TVPRT.P1.S1;
- DE 26-02-2015, PROCESSO N.º 5949/11.2TBMAI.P1.S1;
- DE 05-03-2015, PROCESSO N.º 4541/01.4TVLSB.L1.S1;
- DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 2199/11.1TVLSB.L1.S1;
- DE 29-09-2015, PROCESSO N.º 1552/07.0TBPTM.E2.S1;
- DE 17-11-2015, PROCESSO N.º 4671/06.TBMTS.P1.S1;
- DE 28-04-2016, PROCESSO N.º 1723/06.6TVPRT.P3.S1;
- DE 12-05-2016, PROCESSO N.º 2470/08.0TVLSB.L1.S1;
- DE 18-10-2016, PROCESSO N.º 4220/06.6TCLRS.L1.S1, IN WWW.STJ.PT;
- DE 07-03-2017, PROCESSO N.º 2060/12.2TBMTS-A.P1.S1;
- DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 586/14.2T8PNF-E.P2.S1, IN WWW.STJ.PT;
- DE 21-09-2017, PROCESSO N.º 875/03.1TBLMG.C1.S2, IN WWW.STJ.PT;
- DE 28-11-2017, PROCESSO N.º 2/08.9TBVCD.P1.S1, IN WWW.STJ.PT;
- DE 24-05-2018, PROCESSO N.º 1212/12.0TBSTS.P1.S1.
Sumário :

I - O acordo pelo qual a autora comprava à ré produtos farmacêuticos, para posterior revenda a farmácias e armazenistas, de modo exclusivo, em Portugal, configura contrato de concessão comercial.
II - A comunicação, posterior, pela ré à autora, de que passaria a vender os produtos farmacêuticos diretamente às farmácias e aos armazenistas, consubstancia denúncia do contrato.
III - O distribuição exclusiva durante 5 anos e meio pela autora e a denúncia unilateral e sem aviso prévio do contrato, justificam a aplicação, por analogia, do arts. 28.º e 29.º do D.L .n.º 178/86, de 03-07, e a condenação da ré a indemnizar à autora pela denúncia sem pré-aviso.
IV - A integração da autora na rede de distribuição da ré e o benefício desta pelo número crescente e constante de clientes e do volume de vendas, justificam a aplicação, por analogia, dos arts. 33.º e 34.º do DL n.º 176/86, de 03-07, e a condenação da ré a indemnizar à autora por clientela.
V - O facto de a conduta da ré ter gerado no mercado das farmácias e armazenistas dos produtos farmacêuticos suspeitas de incompetência e incorreção da autora não é demonstrativo da existência de danos na imagem, justificativos de atribuição de indemnização.
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - AA, S.A. (com a atual denominação de BB, S.A.) intentou ação declarativa ordinária contra CC, Lda., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 714.377,20, acrescida de juros de mora vencidos desde a data de citação até ao seu integral pagamento.

Alegou para tanto e em resumo que tendo acordado com a Ré o exclusivo de distribuição dos produtos desta da linha “Tena” e “Libero”, para as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos em Portugal continental, organizou uma estrutura logística para armazenamento e venda, fez subir o volume de vendas daqueles produtos às farmácias e armazenistas e que, numa reunião, a Ré lhe comunicou que ia passar a fornecer diretamente os ditos produtos às farmácias e armazenistas - o que lhe acarretou prejuízos cuja reparação peticiona e discrimina da seguinte forma:                                                                                                          - € 209.099,00, a título de indemnização por falta de pré-aviso, nos termos do art. 29.º do DL n.º 178/86, de 03-07, correspondente à remuneração média mensal da autora no ano anterior multiplicada pelo tempo de pré-aviso não respeitado de 6 meses;

- € 405.278,20, a título de indemnização de clientela, nos termos dos arts. 33.º e 34.º do DL n.º 178/86, de 03-07;

- € 100.000, a título de indemnização por danos de imagem.

A Ré contestou, defendendo-se por impugnação, invocando a litigância de má-fé da Autora, e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da utora/Reconvinda a pagar-lhe a quantia de € 175.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação da reconvenção até integral pagamento e como litigante de má-fé num valor não inferior a € 200.000,00.                                                                          

Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, nos termos da qual a ação foi julgada parcialmente procedente:                                                                                                        - Condenando-se a R. a pagar à A. a quantia que se apurar em liquidação de sentença a título de indemnização pela denúncia sem um pré-aviso aviso de seis meses, tendo por referência o valor do lucro líquido médio mensal obtido pela A. no ano de 2004, multiplicada por seis (artigo 29º, n.º2, DL n.º178/86, de 3 de Julho), com o limite máximo de € 209.099,00;

- Condenando-se a R. a pagar à A. a quantia de € 200.000,00 a título de indemnização de clientela, acrescida de juros, à taxa comercial, desde a presente data até integral pagamento;

E absolvendo-se a R. do mais peticionado;

Por sua vez, a reconvenção foi julgada totalmente improcedente, sendo a A. absolvida do pedido reconvencional.                                                                                 E considerou-se não se verificar a litigância de má-fé da A. invocada pela R.

           Inconformadas, recorreram de apelação a Ré (recurso principal) e bem assim a Autora (recurso subordinado).

 Conhecendo de tais recursos, a Relação de Évora:                                                                                                                                                                                             - Julgando parcialmente procedente a apelação da R., revogou a sentença na parte em que a R. foi condenada a pagar à A. a quantia de € 200.000,00 a título de indemnização de clientela, acrescida de juros, à taxa comercial, desde a presente data até integral pagamento;

- E julgou totalmente improcedente o recurso da A.

           Inconformadas, recorreram de revista ambas as partes.

           

           A R. SCA formulou na sua revista as seguintes conclusões:

  DA EXCLUSIVIDADE DO CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO:        

A) Entendeu o Douto Acórdão ora recorrido de que o contrato firmado entre Recorrente e Recorrida era de distribuição comercial e com carácter de exclusividade uma vez que ficou provado no ponto 5 de que “As encomendas de fraldas “Tena” e “Libero” das farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos feitas à R. eram reencaminhados por esta para a AA, S.A.”.    

B) Porém não só este ponto não prova a existência de qualquer venda exclusiva da Recorrente à Recorrida, como o há que concatenar com os pontos que lhe são prévios, mormente os pontos nºs 3 e 4 os quais dispõem que:

- De 1999 até 2005, a AA S.A. (Autora) comprou todas as fraldas “Tena” e “Libero” apenas à R. para posterior venda às farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos;

- Os preços de venda das fraldas “Tena” e Libero” da AA, S.A.” às farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos eram fixados pela R., através de tabelas que esta remetia àquela;

e com o ponto nº 10, ulterior, no qual é referido que:

- Pelo menos a partir de 2002, a R. remunerava a AA, S.A., com um desconto adicional de 2,5% do valor de compras efectuado por esta, por apenas se dedicar, quanto a fraldas de incontinência, à venda junto das farmácias e armazenistas de produtos financeiros das linhas “Tena” e “Libero”.  

C) Basta este ponto nº 10 ter sido dado como provado que impossibilita a possibilidade da tese do contrato de distribuição exclusiva poder vingar. 

D) Do conjunto da matéria dada como provada e supra referida só se pode concluir estarmos, “in casu”, perante uma situação de marca exclusiva e não de distribuição exclusiva. 

 E) Um contrato de distribuição exclusiva imporia, em primeiro lugar, que fosse a Recorrente a vender apenas à Recorrida e não a Recorrida a comprar apenas à Recorrente para obter assim benefícios comerciais e económicos.  

F) O ponto nº 5 da matéria provada acaba por confirmar de que a Recorrida apenas comprava à Recorrente pois esta reencaminhava-lhe as encomendas de forma a incentiva-la a vender mais e assim a receber os benefícios pecuniários decorrentes de só a ela comprar este tipo de produtos e através das tabelas que lhe enviava.    

G) Se estivéssemos perante um contrato de distribuição exclusiva, entre duas empresas autónomas e totalmente independentes, a Recorrente teria de se ter vinculado a vender os seus produtos unicamente à Recorrida, a Recorrida revendia os produtos aos preços e condições que entendesse por convenientes, a Recorrente nunca atribuiria um prémio consubstanciado no desconto adicional de 2,5% pelo facto da Recorrida só vender os seus produtos, pois esta estaria “ab initio” vinculada e obrigada a vender, unicamente, os seus produtos.      

H) Caso existisse, realmente, um contrato de distribuição exclusiva não havia razão alguma para que existissem descontos adicionais pelo facto do distribuidor apenas vender produtos da concedente junto das farmácias. 

I) Caso existisse um contrato de distribuição exclusiva, nunca existiriam tabelas de preços dirigidas a todos os revendedores, conforme resulta dos docs. nº s 4 a 7 junto à PI bem como do ponto nº 4 da matéria provada, sendo certo que com valores mais favoráveis para a Recorrida pelo que, caso algum fornecedor pretendesse adquirir algum produto à Recorrente pelo preço da tabela, esta vender-lho-ia necessariamente.                                                                           

J)Acresce ainda que, conforme decorre do teor dos documentos nºs 26 a 94 junto ao articulado de contestação/reconvenção, a Recorrente nunca deixou de vender estes seus produtos a outras entidades que não, exclusivamente, a Recorrida.  

K) Esta evidência foi ainda confirmada pelo relatório pericial notificado às partes em 22.10.2012, nomeadamente na resposta à 1ª, 2ª e 4ª questões no qual é referido, de forma expressa que “Pela análise documental do quesito verificámos que a Ré continuou a fornecer armazenistas de produtos farmacêuticos.”                                DA DENÚNCIA TÁCITA:                                                                                              L) É entendido no Douto Acórdão ora recorrido de que a alteração das condições do contrato por parte da Recorrente equivale à sua denúncia tácita, o que esta não pode aceitar.                                                                                           M) Com efeito, entende a Recorrente que, aplicando-se “in casu” o artigo 28º nº 1 do D.L. nº 178/86 de 03 de Julho, conforme decorre aliás de forma expressa do Douto Aresto ora colocado em crise, o qual impõe e exige que a denúncia contratual seja sempre efectuada por escrito, não pode ser admissível a denúncia tácita.   

N) Aliás, é relevante o facto da Anotação do Sr. Prof. Batista Machado invocada no Douto Acórdão ora recorrido ser anterior à entrada em vigor do supra mencionado preceito legal e daí ser de difícil aplicação ao presente caso. 

O) Existindo a partir de 01.07.1986 uma lei especial, a qual exige que a denúncia seja escrita, não se pode admitir, no entendimento da Recorrente, a aplicabilidade do artigo 217º do Código Civil aplicando-se o princípio “lex specialis derrogat legi generali” conforme decorre do nº 2 do artigo 7º mesmo Código. 

P) Mesmo que tal se não entenda e se admita “in casu” e em abstracto, a possibilidade de existência da denúncia tácita, da matéria provada nunca se poderia concluir por tal denúncia.                                                                                                  

Q) A denúncia tem sempre como desiderato último, terminar com uma relação contratual.     

R) Em momento algum a Recorrente teve a intenção de terminar com o contrato que detinha e ainda detém actualmente com a Recorrida, conforme decorre de pontos da matéria provada como o nº 35, a saber;

- A AA, S.A. nos meses de Julho, Agosto, Setembro Outubro, Novembro e Dezembro de 2005, teve um volume de vendas das fraldas “Tena” e “Libero” de, respectivamente; €: 63.305,94, €: 38.541,91, €: 41.455,53, €: 29.528,74; €: 18.824,27 e €: 11.536, 22, perfazendo o valor total de €: 203.192,61;                                

S) E da matéria não provada com os nºs 5 e 8, a saber:

- Após Julho de 2005, a AA deixou “praticamente” de receber qualquer retribuição pelas vendas realizadas a farmácias e distribuidores de produtos farmacêuticos;

- A AA, S.A. desinteressou-se do “negócio” com a R., não realizou compras e quis pôr termo àquele, o que provocou “danos à imagem”;   

T) Interpretando estes factos ao abrigo do disposto no artigo 236º do Código Civil, parece evidente, face à matéria dada como provada e não provada na presente lide de que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, concluiria que tanto a Recorrente como a Recorrida pretenderam manter até hoje o contrato apesar das alterações nele introduzidas.  

U) O que é bem comprovado pelo facto da Recorrente continuar a vender à Recorrida e esta continuar a comprar os produtos em causa, sem qualquer hiato temporal, desde Junho de 2005 até à presente data, com os mesmos três vendedores, o empregado de armazém e o administrativo, conforme decorre do ponto 41 da matéria provada e mantendo interesse na sua manutenção, conforme resulta inelutavelmente do ponto 8 da matéria não provada “a contrario”.

V) Assim, é bem evidente que inexistiu qualquer denúncia tácita do contrato de distribuição pois tal denúncia não pode ser extraída de uma forma objectiva, inequívoca e/ou com elevado grau de probabilidade, do comportamento da Recorrente.   

W) Assim, inexistindo qualquer denúncia tácita por parte da Recorrente por não estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 217º nº 2 do Código Civil, inexiste igualmente a obrigatoriedade de pagamento de qualquer indemnização ao abrigo do disposto nos artigos 28º nº 1 e 29º do D.L. nº 178/86.   

X) O Douto Acórdão ora recorrido violou os artigos 7º nº 2, 217º nº 2 e 236º do Código Civil bem como os artigos 28º nº 1 e 29º do D.L.nº 178/86.  Ao revogarem o Douto Despacho ora recorrido e substituindo-o por outro que dê integral provimento à presente revista apresentada pela Recorrente, estarão V. Exas., Venerandos Conselheiros, a produzir a tão costumada e habitual justiça!

   A A. apresentou contra-alegações nas quais, para além de pugnar pela improcedência da revista da R., suscitou a questão da inadmissibilidade da mesma, sendo que, convidada a pronunciar-se, a R. tomou posição no sentido da admissibilidade do recurso (nos termos a que adiante aludiremos).

Por sua vez, a A. OCP formulou na sua revista as seguintes conclusões:

1ª - Prevendo-se nos artigos 33.0 e 34.0 do RJCA a indemnização de clientela para os contratos de agência é entendimento unânime que a função desempenhada pelo concessionário, no contrato de concessão, reclama, em abstrato, tutela semelhante, pois, prosseguindo o concessionário objetivos relacionados com a distribuição ou venda dos produtos ou com a prestação de serviços, a sua atividade é suscetível de se projetar também positivamente na esfera do concedente.

2ª - Da matéria de facto provada resulta que o acordo celebrado entre a Autora e a Ré se trata de um contrato de concessão comercial e, em particular, que a forma como o mesmo foi modelado pelas partes previa uma vigorosa integração da Autora na rede da Ré justificando a aplicação analógica do disposto no artigo 33.º do RJCA.

3ª - Ficou provado que, durante mais de 6 anos, a Autora foi distribuidora exclusiva, em Portugal continental, das fraldas "Tena" e "Libero" junto das farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos, efeito para o qual se dotou de uma estrutura logística e de recursos humanos adequados (cf. factos provados 3, 5, 11 e 12)

4ª - A integração da Autora na rede de distribuição da Ré resulta patente, entre outros índices, do facto de a Ré fixar os termos do contrato de distribuição, particularmente o preço dos produtos e fixando objectivos de venda, bem como da definição conjunta de políticas de marketing (cf. factos provados 4, 6, 7, 8, 9 e 10)

5ª - A justificação avançada pelo Tribunal da Relação para se afastar do entendimento exemplarmente fundamentado do Tribunal de Comarca, para além de ser pobre e parcamente alicerçado, sobrepõe-se claramente à realidade dos factos, porquanto não tem consideração nem se debruça, de modo elucidativo, sobre os contornos da relação comercial estabelecida em concreto entre a Ré e a Autora.

6ª - A decisão avançada pelo Tribunal da Relação é, aliás, contrária aos mais elementares princípios de lógica e raciocínio, não só jurídicos, mas mesmo lógicos, porquanto afirma que "é certo que da matéria de facto provada resulta que entre o ano de 1999 e o ano de 2004, a AA, S.A. angariou novos clientes para as fraldas "Tena" e "Libero" e aumentou o seu volume de vendas, o qual subiu do valor de €682.671,00 para €2.052.092,37", mas logo de seguida conclui, com base nesse facto, não se ter patenteado que "tenha havido por parte da Autora, ao contrário de muitos concessionários, um empenho vigoroso na angariação da clientela para os produtos da Ré".

7ª - De matéria de facto provada resulta que a Autora vendeu em 1999, €682.671,00 em fraldas Tena e Libero, valor esse que aumentou para um total de €2.052.095 em 2004, sendo tal quadruplicação de valores elucidativa do empenho vigoroso da Autora na angariação de novos clientes para os produtos da Ré, e nega-lo é contrário às regras da lógica e experiência (cf. factos provados 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 35,36,37,38,39,40 e 41).

8ª - Mais nenhuma justificação é avançada pelo Tribunal da Relação de Évora para sustentar a não aplicação analógica da indemnização de clientela ao contrato de concessão comercial em escrutínio.

9ª - Pelo que se deve entender, sob pena de se incorrer numa aplicação do Direito errada e desfasada dos factos provados, que o contrato de concessão comercial celebrado entre a Autora e a Ré, dado os seus contornos específicos, eram aptos a, verificados que estejam os pressupostos previstos no art. 33.0 do RJCA, justificar a aplicação analógica da indemnização de clientela.

10ª - Relativamente aos requisitos de que depende a aplicação, em concreto, da indemnização de clientela, é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência não aplicação aos contratos de concessão comercial do disposto na aI. c) do artigo 33.0 do RJCA, por ser específico do contrato de agência, o que foi corroborado nestes autos pela l.ª e pela 2.ª Instância.

11ª - Quanto ao requisito previsto na al. a) do art. 33.º do RJCA, fico provado que fruto da iniciativa da Autora e sua equipa de vendas, os produtos Tena e Libero rapidamente se impuseram no mercado das farmácias e armazenistas distribuidores de produtos farmacêuticos, tendo a Autora angariado inúmeros novos clientes para os produtos da Ré e aumentado substancialmente, e de forma crescente e consistente, o volume de venda daqueles produtos, o qual subiu de €682.671,00 em 1999 para €2.052.092,37 em 2004 (cf. factos provados 15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28).

12ª - Relativamente à al. b), a cessação do contrato de concessão comercial com a Autora levou a que a Ré se aproveitasse, desavergonhadamente, do seu esforço e capacidade comercial na promoção e venda dos produtos Tena e Libero no canal de farmácias, através da venda direta a clientes angariados e trabalhados para aqueles produtos pela Autora, feita, inclusive, com recurso ao agente externo da Autora, DD.

13ª - Prova disso mesmo é que, no primeiro semestre de 2005 as vendas acumuladas ascendiam a €948,444,OO, tendo diminuído abruptamente, no segundo semestre de 2005, após a cessação do contrato pela Ré, para €203.192,61, o que se traduziu numa quebra das vendas nesse ano no valor total de €900,458,02, e na redução para menos de 2/3, no segundo semestre, da venda das fraldas Tena e Libero pela Autora, o que se deveu à venda directa de tais fraldas pela Ré às farmácias e armazenistas distribuidores de produtos farmacêuticos (cf. factos provados 35, 36, 37, 38, 39 e 40).

14ª - Por comparação, ficou provado que no ano anterior de 2004, a Autora havia vendido, no segundo semestre, a quantia total de €965.017,73 (cf. facto 37).

15ª - Ficou provado que a queda das vendas no segundo semestre de 2005 resultou numa diminuição, em relação a igual período do ano anterior, de 78,40% dos lucros da Autora, o que constitui uma quebra de vendas no valor total de €900,458,02, dos quais €761.825,12 se verificaram no segundo semestre, coincidente com a cessação do contrato pela Ré (cf. factos provados 35,36,37,38,39 e 40).

16ª - É notório que a Ré viu canalizada para si a procura de fraldas para bebé e incontinência, tendo continuado a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, do aumento da mesma gerado pela atuação comercial da Autora junto das farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos, a quem a Ré passou a distribuir diretamente, com o auxílio de DD, as fraldas Tena e Libero, ou, pelo menos, que lhe terá ficado aberta tal potencialidade em virtude do trabalho desenvolvido pela Autora, conforme decorre do critério constante da parte final do n.º 4 do artigo 607.º do CPC.

17ª - O facto de que durante a vigência do contrato de concessão comercial a Ré ter sido esporadicamente contactada por farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos que lhe encomendavam fraldas "Tena" e "Libero" (e que a Ré reencaminhava depois para a Autora) não afasta ou diminui o aproveitamento feito pela Ré do trabalho desenvolvido pela Autora, nem leva à conclusão de que esta era já uma força motriz na angariação de clientela.

18ª - Tais contactos eram meramente residuais e antes da intervenção da Autora, já a Ré não explorava há mais de cinco anos o canal farmácias e, quando explorava, o seu mercado era meramente incipiente, só se tendo tornado relevante a presença das marcas "Tena" e "Libero" no canal farmácias após e por força da intervenção da Autora.

19ª - O contacto do concedente por potenciais clientes é, aliás, inerente aos próprios contratos de agência e concessão comercial, na medida por vezes que estes contactam, fruto do desenvolvimento e trabalho de implementação da marca levado a cabo pelos concessionários, os titulares da marca em si mesmos.

20ª - Nem a lei nem a jurisprudência consideram necessário que a aquisição ou incremento da clientela tenha de ser exclusivamente imputada à atividade do concessionário, pois a eventual atividade do concedente, que no caso dos autos não existiu, não retira o mérito e o resultado da efetiva e relevante atividade empresarial desenvolvida pela Autora, evidenciada pelo aumento do valor das vendas no decurso dos anos por que vigorou a sua relação comercial.

21ª - A lei não exige o efetivo aproveitamento que a Ré fez do trabalho da Autora ou a prova desse aproveitamento, mas sim num juízo de prognose que permita aferir se à Ré foi proporcionada a possibilidade de obter ganhos com a clientela angariada pela Autora.

22ª - Pelo que se deve entender que o disposto na al. b) do DL n.º 178/86 se encontra inegavelmente verificado, uma vez que, de acordo com um juízo de prognose, é incontestável que a atuação da Autora tenha sido idónea ao aproveitamento da clientela por esta angariada pela Ré após a cessação do contrato, a qual beneficiou de uma carteira de clientes até então inexistente e da implementação de uma marca no mercado que, até 1999, nenhuma expressão tinha.

23ª - Bem decidiu a 1.ª Instância ao dar verificado o pressuposto plasmado na al. b) do artigo 33.° do RCJA, pelo que não pode ser admitida a revogação da sentença, na parte em que condena a Ré a pagar uma indemnização de clientela à Autora, nos termos propugnados pelo Tribunal da Relação.

24ª - A Ré deve ser condenada no pagamento de uma indemnização de clientela no montante de €405.278,20, quantia esta que corresponde à média anual das remunerações recebidas pela Autora entre os anos de 2000 e 2004.

25ª - A quantificação da indemnização de clientela levada a cabo pelo tribunal de 1.ª Instância não sopesou devidamente a globalidade das circunstâncias quantitativas e qualitativas que rodearam o contrato de concessão comercial sub judice, pelo que a decisão por si proferida quanto a esta matéria não foi équa.

26ª - Segundo a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, entre os fatores a que o tribunal deve atribuir relevo no seu juízo de equidade conducente à fixação do montante devido, deve dar-se destaque positivo, nomeadamente à longa duração do contrato; ao esforço de implantação da marca, feito pela concessionária, nomeadamente através de campanhas de marketing; ao número de clientes angariado e ao volume de negócios; ao volume de compras efetuado pela concessionária ao concedente; aos investimentos feitos pela concessionária para obter os objetivos visados pelo contrato e a outros aspetos que, no caso concreto, venham a assumir relevância.

27ª - No caso dos autos, o contrato durou seis anos, teve carácter de exclusividade, a Autora fez inúmeras campanhas de marketing e formação, dedicou a título principal uma equipa de 5 pessoas e dotou-se de meios logísticos para garantir a implementação das marcas da Ré no canal de farmácias (cf. factos provados 3, 14,8, 11 e 12)

28ª - Fruto da iniciativa e esforço da Autora e sua equipa de vendas, os produtos Tena e Libero impuseram-se no mercado das farmácias e armazenistas distribuidores de produtos farmacêuticos, tendo a Autora angariado inúmeros novos clientes para os produtos da Ré e aumentado substancialmente, e de forma crescente e consistente, o volume de venda daqueles produtos, o qual subiu de €682.671,OO em 1999 para €2.052.092,37 em 2004 (cf. factos provados n.º 15 e 20);

29ª - O incremento do lucro da Autora e a implementação no mercado das marcas Tena e Libero tiveram como correspetivo direto o incremento das vendas e aumento de lucros por parte da Ré, que, em 2004, triplicou as vendas daquelas fraldas em relação a 1999.

30ª - Verificando o crescimento constante das vendas e lucros realizados ela Autora e certa da implementação das marcas Tena e Libero no mercado, a Ré, em 2005, quis trazer para si o negócio das fraldas e suprimir a Autora da cadeia de distribuição, passando a própria Ré a fornecer diretamente a farmácias e armazenistas distribuidores de produtos farmacêuticos.

31ª - Após a cessação do contrato pela Ré, a queda das vendas no segundo semestre de 2005 resultou numa diminuição, em relação a igual período do ano anterior, de 78,40% dos lucros da Autora, o que constitui uma quebra de vendas no valor total de €900.458,02.

32ª - É notório que a Ré viu canalizada para si aquela procura de fraldas para bebé e incontinência, tendo continuado a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, do aumento da mesma gerado pela atuação comercial da Autora junto das farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos, a quem a Ré passou a distribuir diretamente, com o auxílio de DD, as fraldas Tena e Libero, ou, pelo menos, que lhe terá ficado aberta tal potencialidade em virtude do trabalho desenvolvido pela Autora.

33ª - Segundo estudos de mercado, a confiança que o produto passa, o poder de absorção da fralda, o cuidado com a pele e a respirabilidade das mesmas são características a que o consumidor atende impreterivelmente na escolha da fralda, o que salienta a importância da marca na escolha das fraldas e a fidelização que esta gera neste segmento de mercado, pelo que a fidelização de clientes pela Autora se repercutiu na Ré.

Ponderados os diversos elementos da matéria de facto provada e as circunstâncias concomitantes de que se rodeou a execução do contrato de concessão comercial em escrutínio, resulta que à Autora deve ser concedida, por ser a única solução équa para o caso concreto, uma indemnização de clientela no valor peticionado de €405.278,20, a ser atualizada com o vencimento dos juros peticionados.

34ª - Nestes autos foi produzida prova testemunhal e por declarações de parte que, devidamente conjugada com o critério constante da parte final do n.º 4 do artigo 607.° do CPC, isto é, com as regras da experiência, impunha que o pedido de indemnização por danos de imagem tivesse sido julgado procedente;

36ª - A cessação ilícita do contrato por parte da Ré conduziu a que os clientes da Autora desconfiassem da sua capacidade comercial, pondo em causa não só a capacidade desta última de distribuir produtos da Ré, mas também a qualidade geral dos serviços prestados por esta última, o que se repercutiu inegavelmente, de forma negativa, na esfera patrimonial da Autora.

37ª - A conduta da Ré conduziu ainda a que os restantes produtores com quem a Autora trabalhava duvidassem também da sua capacidade para distribuir os seus produtos, criando suspeições sobre a sua seriedade, idoneidade e eficácia comercial, o que afetou negativamente a situação patrimonial da Autora.

38ª - Os danos em questão assumem gravidade bastante para merecerem a tutela do direito e dúvidas não restam de que se encontram encontrarem preenchidos, in casu, os demais pressupostos da obrigação de indemnizar: a ilicitude, a culpa, o prejuízo e o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo.

39ª - É jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que é possível acolher a causação dos danos ora em apreço também em relação às sociedades comerciais, pois se é certo que as mesmas não podem sofrer dores físicas ou morais, podem, no entanto, sofrer a perda de prestígio ou de reputação, dado que não estando excluídos da capacidade de gozo das pessoas coletivas alguns direitos de personalidade, como o direito ao bom ­nome e à honra na vertente da sua consideração social - art. 26º, nº 1 da CRP;

40ª - A indemnização por danos de imagem não fica postergada em virtude do disposto no artigo 29.°, n.º 2, do Regime Jurídico do Contrato de Agência, uma vez que, conforme decidido lapidarmente pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão datado de 10.10.2006, a propósito de um contrato de concessão comercial denunciado sem observância do aviso prévio, a compensação por danos não patrimoniais não é precludida pela indemnização concedida ao abrigo do referido preceito legal;

 41ª - O acórdão recorrido deve ser alterado quanto a este segmento decisório, sendo a Ré condenada a pagar à Autora uma indemnização a título de ofensas ao bom nome e imagem comercial, nunca inferior aos peticionados €100.000,00 (cem mil euros).

42ª - O Acórdão em crise fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 33.º do RJCA e, por isso, realizou uma deficiente interpretação e aplicação do direito - que violou-, designadamente do normativo supra citado, na medida em que a indemnização de clientela prevista no referido artigo 33.º do RJCA é aplicável ao caso dos autos, quer porque a forma como se desenhou a relação comercial entre a Autora e Ré justifica a sua aplicação analógica, quer porque se encontram verificados todos os requisitos nele previstos, pelo que deverá o acórdão ser revogado na parte em que absolve a Ré do pagamento à Autora de uma indemnização de clientela e danos não patrimoniais, e substituído por outro que condene a Ré nos exatos termos requeridos pela Autora na Petição Inicial, quer a respeito da indemnização de clientela, quer a propósito dos danos de imagem.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, como o que V. Exas. farão sã e costumeira justiça.

           A R. também apresentou contra-alegações nas quais, para além de pugnar pela improcedência da revista da A., também suscitou a questão da inadmissibilidade da mesma, (nos termos a que adiante aludiremos).

            Colhidos os vistos cumpre decidir:

           I) Questão prévia relativa à admissibilidade das revistas:

Conforme já supra referimos, ambas as partes tomaram posição nas respetivas contra-alegações no sentido da admissibilidade da revista da parte contrária, com base na existência de dupla conforme.

Sucede, porém, que o presente processo deu entrada em juízo no dia 15 de Março de 2006, ou seja, antes da publicação do DL n.º 303/2007, de 24-08, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008.   

Assim, não obstante o acórdão recorrido ter sido proferido em 9 de Novembro de 2017, ou seja, já na vigência do Novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, e lhe ser por isso aplicável o regime de recursos atualmente em vigor, a verdade é que o art. 7.º, n.º 1, da referida Lei, exceciona, quanto às ações instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, o disposto no n.º 3 do art. 671.º do CPC.   Ou seja, a regra segundo a qual a dupla conforme constitui impedimento da revista normal, não se aplica a ações que foram instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008 uma vez que até aí, salvo se os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso (v.g. valor da causa ou sucumbência, tempestividade e legitimidade) o impedissem, era livremente acessível o acesso ao 3.º grau de jurisdição.

Nesse sentido, têm decidido de forma constante as secções cíveis do STJ, nomeadamente, nos Acórdãos do STJ de 13-07-2017 (Tomé Gomes), proc. n.º 586/14.2T8PNF-E.P2.S1, de 21-09-2017 (António Joaquim Piçarra), proc. n.º 875/03.1TBLMG.C1.S2, de 28-11-2017 (Helder Roque), proc. n.º 2/08.9TBVCD.P1.S1 e de 18-10-2016 (Helder Roque), proc. n.º 4220/06.6TCLRS.L1.S1, todos disponíveis em www.stj.pt.    

   Destacam-se, exemplificativamente, os pontos iniciais do sumário deste último aresto:  «I - Considerando que a aplicabilidade, ao caso concreto, do regime de recursos decorrente do DL n.º 303/2007, de 24-08, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, não abrange a situação contemplada pelo art. 671.º, n.º 3, do NCPC, que se reporta à situação da «dupla conformidade», tal significa que é admissível o recurso de revista, em processo que deu entrada em juízo, antes de 1 de janeiro de 2008, desde que verificados os respetivos pressupostos genéricos, pra além das hipóteses em que o mesmo é sempre admissível, independentemente de a fundamentação do acórdão e da sentença da 1.ª instância ser ou não, essencialmente, diferente.    

  II - As regras da admissibilidade do recurso devem ser definidas pela lei vigente à data da instauração da ação, pois que a nova lei que negue o recurso onde, preteritamente, o havia, não se aplica às decisões anteriores, mesmo na hipótese de o recurso ainda não estar interposto, preferindo-se a inaplicabilidade da nova lei.(…)» 

Pelo exposto, tendo a ação a que se refere o presente recurso de revista sido instaurada em 15 de Março de 2006, não se aplica a referida limitação decorrente da verificação parcial da dupla conforme, sendo, por isso, as revistas integralmente admissíveis.

II - Questões a decidir:

Atento o teor das conclusões das recorrentes, enquanto delimitadoras do objeto do recurso, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:
- qualificação do contrato (exclusividade);                               - denúncia do contrato;                                                  - indemnização por falta de pré-aviso;   - indemnização de clientela e sua quantificação;     - indemnização por danos de imagem.

            III - É a seguinte a factualidade dada como provada pelas instâncias:

           

            1. A A. era uma sociedade comercial anónima que se dedicava à comercialização de medicamentos, soros, vacinas, drogas, produtos químicos e outros substâncias medicinais, como armazenista, exportador e importador;

2. A R. era uma sociedade comercial por quotas cujo objeto social consistia no comércio e importação de produtos hospitalares para a saúde e higiene em geral;

3. De 1999 até meados de 2005, a AA, S.A. (Autora) comprou todas as fraldas "Tena" e "Libero" apenas à R., para posterior venda as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos;

4. Os preços de venda das fraldas "Tena" e "Libero" da AA, S.A. às farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos eram fixados pela R., através de tabelas que esta remetia àquela;

5. As encomendas de fraldas "Tena" e "Libero" das farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos feitos à R. eram reencaminhados por esta para a AA, S.A.;

6. As devoluções e trocas das fraldas "Tena" e "Libero" para as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos eram tratadas pela AA, S.A.;

7. Foram anualmente acertados entre AA, S.A. e a R. os objetivos para a venda de produtos e planos de marketing para a sua promoção;

8. As campanhas de promoção junto das farmácias eram realizadas pela AA, S.A., suportando a R. pelo menos parte dos seus custos;

9. A R. concedia à AA, S.A. descontos financeiros e prémios de vendas, pelo atingir por esta do volume de compras definido pela R.;

10. Pelo menos a partir de 2002, a R. remunerava a AA, S.A., com um desconto adicional de 2,5% do valor de compras efetuado por esta, por apenas se dedicar, quanto a fraldas de incontinência, à venda junto das farmácias e armazenistas de produtos financeiros das linhas "Tena" e "Libero";

11. A AA, S.A. reservou espaço de armazém para a acomodação e expedição das fraldas "Tena" e "Libero";

12. E afetou, a título principal (não exclusivo), uma equipa de pelo menos cinco pessoas à promoção da venda e expedição das fraldas "Tena" e "Libero";

13. A AA, S.A. pagava à empresa de DD a comissão de 2,5% sobre o valor das vendas realizadas por aquela aos armazenistas de produtos farmacêuticos;

14.      No primeiro trimestre de 1999, a AA, S.A. e R. acertaram, de modo verbal, que A. teria o exclusivo em Portugal Continental na distribuição das fraldas "Tena" e "Libero" junto das farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos;

15. Na execução deste acordo, a AA, S.A. vendeu a farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos fraldas "Tena" e "Libero", no ano de 1999, no valor total de € 682.671,00;

16. (     ) No ano de 2000, no valor total de pelo menos € 1.202.764,00;

17. (     ) No ano de 2001, no valor total de pelo menos € 1.545.390,00;

18. (     ) No ano de 2002, no valor total de pelo menos € 1.584.202,00;

19. (     ) No ano de 2003, no valor total não superior a € 1.969.827,39;

20. (     ) No ano de 2004, no valor total não superior a € 2.052.092,37;

21. A margem média de lucro bruto auferido pela AA, S.A. com a venda das fraldas "Tena" e "Libero" era de pelo menos 24%;

22. A AA, S.A . auferiu o lucro bruto, em 1999, de € 221.799,58;

23. (     ) Em 2000, de pelo menos € 304.968,00;

24. (     ) Em 2001, de pelo menos € 388.979,00;

25. (     ) Em 2002, de € 476.256,00;

26. (     ) Em 2003, de € 437.990,13;

27. (     ) Em 2004, não superior a € 418.197,54;

28. (     ) Em 2005, de pelo menos € 202.982,00;

29. No mês de Julho de 2005, a R. enviou a todos os demais armazenistas de produtos farmacêuticos, além da AA, S.A., tabelas de preços das fraldas "Tena" e "Libero" para a sua aquisição àquela (R.)

30. A mesma tabela, com iguais condições, foi enviada à AA, S.A. para aquisição à R.;

31. Em princípios de Julho de 2005, a R. vendeu fraldas "Tena" e "Libero" pelo menos às farmácias, clientes da AA, S.A., ..., ..., ... e ...;

32. A R. acordou com a empresa de DD na promoção por esta das vendas das fraldas "Tena" e "Libero" junto dos armazenistas de produtos farmacêuticos, mediante o pagamento de uma comissão pela primeira, o que até aí a empresa de DD fazia para a AA, S.A.;

33. Em Junho de 2005, a R. comunicou à AA, S.A. que passaria a fornecer as fraldas "Tena" e "Libero" diretamente a todas as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos e a realizar a sua promoção, com o inerente cessar do preço inferior em 50% pela aquisição em maior quantidade (38 paletes) e dos descontos financeiros (marca exc1usiva-2,5%, não devolução-0,5% e EE- de 3% a 5% em função de objetivos anuais) definidos até aí pela R. à AA, S.A.;

34. A AA, S.A. recusou esta alteração do acordo que tinham estabelecido;

35. A AA, S.A. nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2005, teve um volume de vendas das fraldas "Tena" e "Libero" de, respetivamente, € 63.305,94, € 38.541,91, € 41.455,53, € 29.528,74, € 18.824,27 e € 11.536,22, perfazendo o total de € 203.192,61;

36. Até Junho de 2005, as vendas acumuladas dessas fraldas desde o início do ano tinham ascendido a pelo menos € 948.444,00;

37. A AA S.A. nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2004 teve um volume de vendas dessas fraldas de, respetivamente, € 182.691,78, € 172.818,42, € 102.906,45, € 172.853,57, € 148.478,15, € 185.269,36, perfazendo um total de € 965.017,73;

38. Até Junho de 2004, as vendas acumuladas dessas fraldas desde o início do ano tinham ascendido a € 1.087.077,91;

39. Como consequência da conduta da R., a AA, S.A. teve, em 2005, uma quebra de vendas no valor total de € 900.458,02;

40. (...) Obtendo uma margem bruta de € 37.489,00, que representa uma quebra de 78,40% em relação a igual período do ano de 2004;

41. A AA, S.A. manteve os três vendedores, o empregado de armazém e o administrativo que tinham estado afetos, a título principal, à comercialização das fraldas "Tena" e "Libero", suportando os custos inerentes;

42. Como consequência da conduta da A., o mercado das farmácias e dos armazenistas de produtos farmacêuticos ficou com suspeitas de incompetência e incorreção da AA, S.A.;

43. Entre o ano de 1999 e o ano de 2004, a AA, S.A. angariou novos clientes para as fraldas "Tena" e "Libero" e aumentou o seu volume de vendas, o qual subiu do valor de € 682.671,00 para € 2.052.092,37;

44. A AA, S.A. diminuiu o volume de compras à R.;

IV – Quanto à qualificação do contrato:  

      A Ré, ora Recorrente, alega que, atenta a matéria de facto provada, incorreu o acórdão recorrido em erro ao considerar estar em causa um contrato de distribuição exclusiva quando só se poderia concluir estarmos perante uma situação de marca exclusiva.                                                                                                                      Entende, fundando-se nos factos provados n.ºs 3,4, 5 e 10 da matéria de facto, que não ficou provada a existência de qualquer venda exclusiva da Ré à Autora, mas tão só que a Autora apenas comprava os seus produtos à Ré, não fazendo sentido que fossem concedidos descontos adicionais pelo facto da Autora apenas vender produtos da concedente se assim fosse, resultando ainda dos documentos e do relatório pericial juntos aos autos elementos que comprovam que continuou a fornecer os seus produtos a outros armazenistas.

Ora, a respeito da qualificação do contrato, resulta unanimemente das decisões proferidas pelas instâncias (pág. 12 da sentença e pág. 31 do acórdão), estar em causa um contrato de distribuição, do qual a concessão comercial é uma modalidade.                                                                                                             O contrato em causa nos autos tinha como “ratio” e escopo a distribuição de fraldas de incontinência “Tena” e “Libero” pelas farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos”, que a Autora apenas comprava à Ré para posterior revenda a farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos, de modo exclusivo, em Portugal continental.                                                                                      Consideraram-se, pois, como verificados os dois elementos comuns na construção do contrato de concessão comercial, de entre as várias noções e definições produzidas pela doutrina e jurisprudência ou legislação, quais sejam: a compra para revenda e a actuação do concessionário em nome próprio e por conta própria (cfr. pag. 31 do acórdão).

Acresce, quanto à sua caracterização, ter o contrato de concessão comercial sido qualificado como um contrato inominado, consensual, legalmente atípico (apesar da sua tipicidade social), sendo entendido como um contrato-quadro, que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força da qual o concedente se obriga a vender ao concessionário, e este a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações – em particular quanto à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes – sujeitando-se, ainda, a um certo controlo e fiscalização. Funda uma relação de colaboração estável, duradoura de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário, para revenda, em nome próprio, nos termos pré-estabelecidos, os bens que este se obrigou a distribuir (págs. 12 e 13 da sentença).

Tais definições correspondem às que têm sido seguidas, de modo geral, pela doutrina e pela jurisprudência, podendo remeter-se a este respeito, designadamente, para a fundamentação do recente Acórdão do STJ de 24-05-2018 (Álvaro Rodrigues), proc. n.º 1212/12.0TBSTS.P1.S1 que, de forma exaustiva, faz diversas referências doutrinais a este respeito (cfr. texto integral do acórdão que se anexa).                             Nesse sentido, e a título ilustrativo e sem preocupações de exaustão, podem destacar-se:                                                                                                                          Na doutrina:                                                                                                             - José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 2017, Almedina, 5.ª Reimpressão: «O contrato de concessão comercial (…) define-se como o contrato pelo qual um empresário – o concedente – se obriga a vender a outro – o concessionário –, ficando este último, em contrapartida, obrigado a comprar ao primeiro, certos produtos, para revenda em nome e por conta próprios numa determinada zona geográfica, bem assim como a observar determinados deveres emergentes da sua integração na rede de distribuição do concedente» (pág. 446) e «São quatro as características essenciais ou elementos distintivos desta figura contratual: obrigações recíprocas de compra e venda, actuação em nome e por conta próprios, autonomia e estabilidade» (pág. 448).   - António Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 2017, Almedina, 8.ª Edição: «É a concessão um contrato-quadro (…), que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações (mormente no que diz respeito à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes) e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente. Como contrato-quadro, o contrato de concessão comercial funda uma relação de colaboração estável, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vence ao concessionário, para revenda, nos termos previamente fixados, os bens que este se obrigou a distribuir.» (pág. 69) e «A agência distingue-se, ainda, do contrato de concessão, fundamentalmente porque, apesar de manterem algumas afinidades (…), o concessionário, ao contrário do agente, actua em seu nome e por conta própria, adquire a propriedade da mercadoria, comprando ao fabricante ou ao fornecedor mercadorias para revender a terceiros (estando muitas vezes obrigado a adquirir determinada quota mínima de bens) e assume os riscos da comercialização.» (pág. 68 e 69).                                                                                                                            - Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, 2011, Almedina: «A concessão comercial caracteriza-se pela intermediação de um comerciante – o concessionário – que intervém na cadeia de distribuição de um modo típico: compra mercadorias, geralmente por grosso, e revende-as no mercado a retalho» (pág. 189) e «Há algumas características que pertencem ao tipo social da concessão comercial e que estão normalmente presentes nos contratos concretamente celebrados, embora não necessariamente: o carácter duradouro, o exercício profissional, a ligação à marca, territorialidade e o exclusivo” (pág. 190).- Fernando Ferreira Pinto, Os Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo (tese de doutoramento), 2013, Universidade Católica Portuguesa: «(…) a concessão é, entre nós, encarada como um contrato-quadro que dá origem a uma relação jurídica duradoura e complexa, nos termos da qual um empresário independente – o concedente – se obriga a vender a outro – o concessionário –, certos produtos ou categorias de produtos, vinculando-se este, por sua vez, a adquiri e a revender esses produtos, em seu nome  e por sua conta, de acordo com as directrizes formuladas pelo primeiro e sob a sua supervisão» (pág. 61) e «O contrato de concessão comercial corresponde, desta forma, a um negócio atípico e complexo, em que convergem elementos de diversos modelos contratuais previstos na lei, mas que não se identifica totalmente com qualquer deles. Antes o que nele se verifica é uma mistura de tipos, concorrendo notas da compra e venda e do fornecimento, juntamente com a prestação de serviços e a gestão de interesses alheios, o que conduz a classifica-lo como um contrato atípico em sentido estrito» (pág. 62).  Na jurisprudência:                                                                                                    - Acórdão do STJ de 20-06-2013 (Serra Baptista), proc. n.º 178/07.2TVPRT.P1.S1: «(…) III - O contrato de concessão comercial, contrato consensual (art. 219.º do CC) e assim assente na autonomia privada, oneroso, atípico e inominado, modalidade dos contratos de cooperação comercial, mormente na vertente de contratos de distribuição, pode ser entendido como um contrato-quadro, que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações – mormente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes – sujeitando-se, ainda, a um certo controlo e fiscalização do concedente. Sendo, pois, os seguintes os traços caracterizadores de tal contrato: (i) estabilidade do vínculo; (ii) dever de venda dos produtos a cargo do concedente; (iii) dever de aquisição impendente sobre o concessionário; (iv) dever de revenda; (v) actuação do concessionário, em nome e por conta própria; (vi) autonomia; (vii) exclusividade; (viii) zona de actuação. IV - Tem vindo a entender-se que o contrato de concessão comercial, como atípico que é, sem beneficiar de um regime jurídico próprio, pese embora a tipicidade social de que goza, deve ser regulado pelas cláusulas que nele sejam acordadas pelos contraentes, e, por analogia, pelas normas do regime de agência, que é o mais vocacionado, à partida, para se lhe aplicar. (…).»                                               

- Acórdão do STJ de 22-05-2013 (Fonseca Ramos), proc. n.º 5523/06.5TVLSB.L1.S1: «I - O contrato de concessão comercial é um contrato típico e inominado, modalidade dos contratos de cooperação comercial, sobretudo na vertente de contratos de distribuição.  II - Sendo um contrato de cooperação comercial, pressupondo uma integração de esforços organizativos com vista à implementação de bens no mercado, assumem especial relevo a estabilidade e permanência – o seu cariz continuado, duradouro – sem as quais a vertente de rentabilização económica dificilmente será alcançável. III - A vertente duradoura do contrato de concessão comercial é deveras relevante, não só para protecção económica dos contratantes forçados a fazer investimentos em bens e numa estrutura que normalmente tem como fito apenas o particular objecto da concessão, como também a de incutir no público consumidor (sobretudo em caso de exclusividade) maior confiança precisamente porque entre cedente e concessionário existe uma organização que dará resposta ao aspecto primordial da aquisição dos bens e fornecimento do mercado. IV - O concessionário actua autonomamente e corre os riscos do negócio, pese embora, por vezes e por razões de marketing, deva obedecer recomendações do concedente.»  

                                                                                       - Acórdão do STJ de 17-11-2015 (Nuno Cameira), proc. n.º 4671/06.TBMTS.P1.S1: «I - São elementos estruturantes do contrato de concessão comercial (i) a assumpção da obrigação de compra para revenda e a imediata definição entre as partes dos termos em que esses futuros negócios serão feitos; (ii) o facto de o concessionário agir em seu nome e por conta própria, assumindo os riscos da comercialização; e, (iii) as partes vincularem-se a outro tipo de obrigações – além da obrigação de compra para revenda –, sendo através delas que verdadeiramente se efectua a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente (…).»

- Acórdão do STJ de 28-04-2016 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 1723/06.6TVPRT.P3.S1: «(…) III - São elementos estruturais do contrato de concessão comercial: (i) a assunção da obrigação de compra para revenda e a imediata definição entre as partes dos termos em que esses futuros negócios serão feitos; (ii) o facto de o concessionário agir em seu nome e por conta própria, assumindo os riscos da comercialização; e (iii) as partes vincularem-se a outro tipo de obrigações – além da obrigação de compra para revenda -, sendo através delas que verdadeiramente se efectua a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente. IV - O STJ tem entendido, de modo uniforme, que ao contrato de concessão comercial são aplicáveis, por analogia, as normas que, relativamente ao contrato de agência, respeitam à indemnização de clientela em casos de cessação do contrato.»

Essencial, em qualquer caso, é salientar, como faz a 1.ª instância que existe “uma variabilidade do grau ou de intensidade de alguns elementos caracterizadores de tal contrato, podendo mesmo, numa dada situação concreta, faltar algum desses, sem que, pondo a tónica na sua imagem global, o mesmo deixe de ter de se reconduzir ao tipo contratual da concessão comercial”.

Ora, precisamente, a questão da exclusividade suscitada pela Ré, ora Recorrente, para questionar a qualificação dada ao contrato existente entre as partes não constitui um elemento essencial para a caracterização do contrato de distribuição, nomeadamente, na modalidade de concessão comercial.        

Com efeito, conforme citado no mencionado Acórdão do STJ de 24-05-2018, o Prof. Romano Martinez afirma que é discutível que a exclusividade do concessionário seja elemento do tipo de contrato em causa, apontando apenas como elementos essenciais os já acima assinalados, sendo que a exclusividade não constitui elemento comum ou essencial de qualquer das definições acima elencadas.

Em todo o caso, tal questão encontra-se, no caso presente e face à matéria de facto concretamente provada, prejudicada ou, pelo menos, não assume qualquer relevância, na medida em que, muito embora a Recorrente a tal não faça referência nas suas alegações, ficou igualmente provado nos autos que:                                           

14. No primeiro trimestre de 1999, a AA, S.A. e R. acertaram, de modo verbal, que A. teria o exclusivo em Portugal Continental na distribuição das fraldas "Tena" e "Libero" junto das farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos.”         

Ou seja, resulta da matéria de facto, designadamente do ponto em causa, impugnado e mantido pela Relação, que, efectivamente a Autora era o distribuidor exclusivo dos produtos em caus em Portugal Continental, não se vislumbrando outro sentido a dar ao facto em causa, que não seja o que foi dado pelo Acórdão recorrido que considerou existir uma relação de exclusividade.

Por conseguinte, não se vislumbram quaisquer fundamentos para qualificar o contrato em causa nos autos de forma diversa daquela que fizeram as instâncias, sendo certo que, sem prejuízo do elemento da exclusividade não ser requisito do contrato de concessão comercial, o mesmo, face à matéria de facto concretamente provada, foi considerado verificado no que respeita ao território de Portugal Continental.

Finalmente, importa acrescentar que as referências feita pela Ré, ora Recorrente, a elementos de prova que constam do processo e que, alegadamente, implicariam conclusão diversa, não podem, em sede de revista, ser considerados, por corresponderem a meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal (cfr. quanto aos documentos particulares o art. 376.º do CC e quanto à prova pericial o art. 389.º do CC), não cabendo, por conseguinte, nos poderes do Supremo proceder à sua sindicância.

Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça aprecia essencialmente matéria de direito (cfr. art. 46.º da LOSJ), não podendo ser objecto do recurso de revista o erro na apreciação das provas e a fixação dos factos materiais da causa, salvo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova (cfr. art. 674.º, n.º 3, do CC), o que manifestamente não sucede em relação aos meios de prova invocados pela Ré.

Como tal, inexistem fundamentos para qualificar o contrato em causa nos autos de modo diverso do que fizeram as instâncias[1], inclusive, no que se refere ao regime de exclusividade.

V- Quanto à denúncia do contrato:

A R., ora Recorrente, nas suas conclusões de revista, discorda do acórdão recorrido na parte em que entendeu ter ocorrido uma alteração das condições do contrato equivalente à sua denúncia tácita.

Sustenta, para tanto, que nunca foi sua intenção terminar com a relação contratual mas antes mantê-la com as alterações por si introduzidas, defendendo não ser relevante a anotação do Prof. Baptista Machado invocada no acórdão recorrido por à data não ser aplicável o DL n.º 178/86, de 03-07, sendo certo que o art. 28.º do referido diploma exige que a denúncia seja efetuada por escrito, não podendo ser admissível a denúncia tácita.

Ora, a este respeito e com relevo para a questão em análise, resulta, designadamente, da matéria de facto provada que após o contrato ter sido executado durante cerca de 6 anos:                                                                     «33. Em Junho de 2005, a R. comunicou à AA, S.A. [ora Autora] que passaria a fornecer as fraldas "Tena" e "Libero" directamente a todas as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos e a realizar a sua promoção, com o inerente cessar do preço inferior em 50% pela aquisição em maior quantidade (38 paletes) e dos descontos financeiros (marca exc1usiva-2,5%, não devolução-0,5% e EE- de 3% a 5% em função de objectivos anuais) definidos até aí pela R. à AA, S.A.;    34. A AA, S.A. [ora Autora] recusou esta alteração do acordo que tinham estabelecido;                                                                                           

35. A AA, S.A. [ora Autora] nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2005, teve um volume de vendas das fraldas "Tena" e "Libero" de, respectivamente, € 63.305,94, € 38.541,91, € 41.455,53, € 29.528,74, € 18.824,27 e € 11.536,22, perfazendo o total de € 203.192,61

Em face da referida factualidade, considerou o Acórdão recorrido, após ter transcrito parcialmente a anotação do Prof. Baptista Machado ao Acórdão do STJ de 17/04/1686 – e por isso, efectivamente, a respeito de uma situação em que era ainda aplicável o DL n.º 178/86, de 03-07[2] – na qual se aborda a figura denominada de “denúncia-modificação”, que:        «E se assim é e porque estamos em presença de uma relação contratual duradoura (de duração indeterminada), com carácter de exclusividade, da qual emergem obrigações para ambas as partes com vista à realização do fim que ela visa atingir, a comunicação que foi feita pela Ré à Autora traduzida decisão/imposição (que veio a concretizar) de que passaria a fornecer as fraldas "Tena" e "Libero" directamente a todas as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos e a realizar a sua promoção, não se traduz numa mera violação de uma obrigação a que aquela estava adstrita : a de exclusividade ( para além da consequente violação do dever de cooperação).  A modificação que unilateralmente impôs ao contrato que a ligava à Autora por atingir o seu núcleo essencial é de equiparar a uma denúncia do mesmo.   E foi isto que a Autora entendeu apressando-se a propor a presente acção logo no ano imediato.                                                                                       Não é a circunstância de a apelante afirmar que a relação contratual se manteve que infirma esta conclusão.                   O que é certo é que não lhe concedeu sequer qualquer alternativa negociatória: ficou claro que o contrato com o teor do que até ali vigorava não subsistiria em qualquer caso.       Ao retirar a exclusividade da venda dos seus equipamentos à Autora, a Ré esvaziou a relação contratual, retirou-lhe a razão de ser.            O contrato de concessão comercial com o conteúdo que até então tinha deixou de vigorar a partir de Junho de 2005.»

Tais considerações, são, em nosso entender, de subscrever inteiramente, sendo a figura da “modificação-denúncia” susceptível de ser aplicada a qualquer contrato com prestações duradouras, e em concreto, ao contrato em causa nos autos em que a Ré, de forma unilateral, e sem a aceitação da Autora, impôs a modificação das condições contratuais.                                                                                                   Com efeito, e como é sabido, a denúncia pode ser definida como o poder, exercido por normal declaração unilateral receptícia, livre ou vinculado, de extinguir ex nunc ou dentro de certo prazo, um contrato duradouro ou, dito de outro modo, é a declaração em que um dos contraentes comunica ao outro que deseja pôr termo ao contrato (cfr. Acórdão do STJ de 07-03-2017 (Fernando Bento), proc. n.º 2060/12.2TBMTS-A.P1.S1).       Ou, conforme refere Pedro Pais de Vasconcelos, caracteriza-se como uma “declaração unilateral que uma das partes faz à outra e pela qual põe termo a uma relação contratual duradoura para a qual não fora estipulado um termo” (Teoria Geral do Direito Civil, 2015, Almedina, 8.ª Edição, págs. 675 e 676).

  Esta, como em regra qualquer declaração, pode ser expressa ou tácita (cfr. art. 217.º do CC), sendo que “a declaração é expressa quando, feita por palavras, escrito ou quaisquer outros meios directos, frontais, imediatos de expressão da vontade e é tacita quando do seu conteúdo directo se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas implica e torna cognoscível, a latere, um auto-regulamento sobre outro ponto – em via oblíqua, imediata, lateral”, devendo entender-se que “a concludência de um comportamento, no sentido de permitir concluir a latere um certo sentido negocial, não exige a consciência subjectiva por parte do seu autor desse significado implícito, bastando que, objectivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele possa ser deduzido do comportamento do declarante.” (cfr. Teoria Geral do Direito Civil, 2005, Coimbra Editora, 4.ª Edição, págs. 422 e 423).

De resto, como escreve Carlos Alberto Mota Pinto e é acompanhado por Baptista Machado na mencionada anotação, “é óbvio (será até muito frequente) que a declaração tácita pode ter como facto concludente uma declaração expressa, exteriorizando directamente um outro conteúdo negocial” (ob. cit., pág. 423).

Seguindo agora a tese de mestrado de Paulo Mota Pinto (Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 1995, Almedina), “parece existir (…) uma ideia interessante que pode ser aproveitada como um guia: precisamente a incompatibilidade ou contradição com um certo significado. Supomos que a concludência pode basear-se no facto de uma conduta excluir – designadamente, perante uma simples alternativa aceitação/rejeição – um dado significado.” (cfr. pág. 766).      Trata-se, pois, “de, num contexto prático de interacção, determinar o significado de um comportamento, de acordo com os seus critérios gerais. A ideia de incompatibilidade, de exclusão de um significado contrário e de coerência, deve pois, ser apreciada segundo um critério sobretudo prático, relevante para a “vida dos negócios”. (cfr. págs. 770 a 771).

Ora, é precisamente isso que sucede e deve ser interpretado no caso dos autos, não podendo a alteração unilateral do contrato determinada pela Ré deixar de ser entendida como um comportamento concludente no sentido de não vigorar mais o contrato que se encontrava em curso para passar a valer um outro contrato, com um conteúdo diferente, sendo, pois, de equiparar o seu comportamento a uma verdadeira denúncia.     Esta, como decorre da doutrina acima referenciada, ainda que sob a veste de uma declaração expressa de alteração unilateral das condições do contrato – em aspectos essenciais, como seja o da exclusividade, os preços de venda e os descontos que vigoravam – constituiu um verdadeiro comportamento concludente no sentido de exprimir uma denúncia tácita do contrato.

Para tal, não importa tanto a interpretação que a Ré dá à mencionada declaração, mas sim a incompatibilidade prática, aferida pelo critério comum do mundo dos negócios, que a mesma traduz em relação à subsistência do contrato que vigorava, concluindo-se pela incompatibilidade ou contradição entre o significado modificativo expresso pela declaração e a efectiva subsistência do contrato.

Não subsistem, assim, dúvidas de que ocorreu uma denúncia pela Ré do contrato de concessão comercial que vigorava entre as partes.

No mais, não releva o argumento aduzido pela Recorrente de que o art. 28.º do DL só permite a denúncia expressa uma vez que, desde logo, e conforme infra melhor se analisará, o regime do contrato de agência só por analogia, e em relação a cada caso e situação, se aplica ao contrato de concessão comercial, não se mostrando adequado ou relevante que num contrato consensual, como foi o caso presente, se exigisse agora a forma escrita para a sua denúncia, pelo que sempre soçobraria a necessidade da sua aplicação analógica.

Ainda que assim não fosse, sempre se teria de considerar a interpretação feita pela Recorrente como improcedente, porquanto o que o mencionado preceito em causa exige é que a denúncia para ter efeitos tenha de ser por escrito, não afastando o regime geral das declarações negociais poderem ser expressas ou tácitas ou a possibilidade da mesma ser feita sem forma escrita, sendo certo que a inobservância da forma legal exigida para a validade da denúncia, nunca a poderia beneficiar, sob pena, de incorrermos numa situação de abuso de direito (cfr. art. 334.º do CC), por inalegabilidade formal[3], na medida em que foi a própria parte que invoca a nulidade que a teria causado.

VI - Quanto à indemnização pela falta de pré-aviso:

Conexionada com a questão da denúncia do contrato, invoca a Ré Recorrente que, inexistindo denúncia tácita do contrato, inexiste igualmente a obrigatoriedade de pagamento de qualquer indemnização, ao abrigo do disposto nos arts. 28.º e 29.º do DL n.º 178/86, de 03-07.

As instâncias consideraram, unanimemente, ter ocorrido uma denúncia (válida) do contrato de concessão comercial em causa nos autos, sem que, contudo, tenha a mesma sido precedida de qualquer pré-aviso, justificando-se a aplicação, analógica, do regime respeitante à falta de pré-aviso previsto nos referidos preceitos.  Consequentemente, considerando o constante crescimento de vendas e o seu valor no ano antecedente à denúncia, entendeu o acórdão recorrido como razoável o prazo de pré-aviso de 6 meses (sem que tal tenha sido posto em causa na apelação e, novamente, agora na revista), tendo confirmado a condenação da Ré no pagamento da quantia que se apurar em liquidação de sentença a título de indemnização,tendo por referência o valor do lucro líquido médio mensal obtido pela Autora no ano de 2004, multiplicado por seis, com o limite máximo de € 209.099,00.

Tendo-se acima concluído pela ocorrência de uma verdadeira denúncia do contrato, importa agora analisar, ainda que brevemente uma vez que neste ponto não parece a Ré Recorrente questionar a aplicabilidade, por analogia, do regime do contrato de agência, se deve haver lugar a esta condenação.

A respeito da susceptibilidade de aplicação, em geral, ao contrato de concessão comercial do regime da agência[4], é incontornável a referência habitual ao próprio preâmbulo do DL n.º 178/86, de 03-07, no qual, a respeito do contrato de concessão, se pode ler:                                                                                            “Relativamente a este último, detecta-se no direito comparado uma certa tendência para o manter como contrato atípico, ao mesmo tempo que se vem pondo em relevo a necessidade de se lhe aplicar, por analogia – quando e na medida em que ela se verifique –, o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato”.

  Na doutrina, destaque para António Pinto Monteiro, in Contrato de Agência, 2017, Almedina, 8.ª Edição: “Não dispondo o contrato de concessão comercial, pois, de regime jurídico próprio (…), sendo ele, nessa medida, um contrato legalmente atípico, surge o problema de saber como determinar a sua disciplina. Parece-nos que será pelo regime da agência (também este, de certo modo, um contrato de distribuição, ainda que com feições próprias) que muitas lacunas poderão ser integradas (…). É necessário apurar, todavia, relativamente a cada questão e em cada caso concreto, se pode afirmar-se a analogia de situações que justifique a aplicação a um contrato de normas estabelecidas para outro.” (pág. 72).

Também a jurisprudência do Supremo, nomeadamente, nos Acórdãos do STJ de 26-02-2015 (Granja da Fonseca), proc. n.º 5949/11.2TBMAI.P1.S1, de 29-09-2015 (Gregório Silva Jesus), proc. n.º 1552/07.0TBPTM.E2.S1 e de 05-03-2015 (Silva Gonçalves), proc. n.º 4541/01.4TVLSB.L1.S1, se tem pronunciado favoravelmente à mencionada aplicação analógica, podendo ler-se no sumário deste último aresto:                                                                                                                              “IV - Como é comummente aceite, integrando-se o contrato de concessão comercial no âmbito geral dos contratos de distribuição comercial, o regime jurídico do contrato de agência, inserindo-se na mesma realidade económica, aplica-se analogicamente, quando e na medida em que a analogia se verifica, como no caso sub judice, ao contrato de concessão comercial, designadamente em matéria de cessação do contrato e de indemnização de clientela.”        E, efectivamente, tal indemnização por falta (ou insuficiência) de pré-aviso foi atribuída estando em causa um contrato de concessão comercial, por aplicação analógica do regime da agência, designadamente, no Acórdão do STJ de 20/03/2014 (Serra Baptista), proc. n.º 28/08.2TBVNG.P2.S1.

Ora no caso, e agora apenas a respeito da indemnização por falta de pré-aviso, entende-se que, face às circunstâncias dos autos, nomeadamente ao facto da Autora ter tido a distribuição exclusiva dos produtos da Ré em causa nos autos durante cerca de 5 anos e meio, e ter procedido, unilateralmente e sem qualquer aviso prévio, à denúncia desse contrato, se justifica aplicar, por analogia, o regime dos arts. 28.º e 29.º do DL n.º 178/86, de 03-07, e, consequentemente, confirmar a condenação da Ré no pagamento da quantia que se apurar a título de indemnização pela denúncia sem pré-aviso, nos termos e com os limites fixados pelas instâncias.

VII – Quanto à indemnização de clientela e da sua fixação:

No que se refere à indemnização de clientela divergiram as instâncias, tendo a sentença concluído haver lugar à condenação da Ré no pagamento de uma indemnização no valor de € 200.000,00, por aplicação analógica, do disposto nos arts. 33.º e 34.º do DL n.º 178/86, de 03-07, enquanto no acórdão recorrido se absolveu a Ré deste pedido.

Considerou-se, em síntese, na decisão da Relação que “o modo como a relação jurídica estabelecida com a Ré se desenrolou – muito apartada do modelo do contrato de agência – não justificava a aplicação por analogia do disposto no art. 33.º da LCA” e que, de todo o modo e ainda que assim não se entendesse “a Autora não reunia sequer integralmente os requisitos estabelecidos nessa norma para ter direito a tal indemnização (nem ao valor que lhe foi concedido na sentença recorrida nem, por consequência, a um superior, como a Ré [rectius, Autora] peticiona no respectivo recurso subordinado) à luz do nº 1 do art.º 33º da L.C.A, maxime o vertido na alínea b).”

A Autora, agora igualmente Recorrente de revista, discordando deste entendimento, pugna nas suas conclusões de revista pela condenação da Ré, a este título, não apenas no valor calculado pela 1.ª instância mas sim no valor peticionado de € 405.278,20    

Entende, designadamente, que: «5.       A justificação avançada pelo Tribunal da Relação para se afastar do entendimento exemplarmente fundamentado do Tribunal de Comarca, para além de ser pobre e parcamente alicerçado, sobrepõe-se claramente à realidade dos factos, porquanto não tem consideração nem se debruça, de modo elucidativo, sobre os contornos da relação comercial estabelecida em concreto entre a Ré e a Autora.   6. A decisão avançada pelo Tribunal da Relação é, aliás, contrária aos mais elementares princípios de lógica e raciocínio, não só jurídicos, mas mesmo lógicos, porquanto afirma que “é certo que da matéria de facto provada resulta que entre o ano de 1999 e o ano de 2004, a AA, S.A. angariou novos clientes para as fraldas “Tena” e “Libero” e aumentou o seu volume de vendas, o qual subiu do valor de €682.671,00 para €2.052.092,37”, mas logo de seguida conclui, com base nesse facto, não se ter patenteado que “tenha havido por parte da Autora, ao contrário de muitos concessionários, um empenho vigoroso na angariação da clientela para os produtos da Ré”.»

A respeito da indemnização de clientela, são de subscrever as considerações e a doutrina citadas pelo acórdão recorrido, segundo as quais a indemnização de clientela constitui uma compensação pela mais-valia que o agente ou concessionário proporcionam ao principal ou concessionado, respectivamente, graças à actividade por eles desenvolvida – de promoção dos bens destes – na medida em que continuem a dela usufruir após a cessação dos contratos, sem que a sua aplicação analógica ao contrato de concessão comercial seja automática.                                                                                                                                            Nesse sentido, e conforme se refere no sumário do Acórdão do STJ de 06-10-2011 (Álvaro Rodrigues), proc. n.º 454/09.0TVLSB.L1.S1:  

«I - o instituto da indemnização de clientela não constitui summo rigore uma verdadeira indemnização, na medida em que não tem como pressuposto a existência de danos, cuja reparação é o escopo precípuo do instituto indemnizatório em geral. Trata-se, antes, de um instituto de natureza compensatória e não propriamente ressarcitória.                                                                                                             II - Nas palavras de Menezes Leitão, «a indemnização de clientela funda-se na ideia de não ser justo o principal conservar, após o fim do contrato, os benefícios da actividade desenvolvida pelo agente, tendo este deixado de auferir a correspondente remuneração, o que justifica a atribuição de uma prestação suplementar» (L.M. Menezes Leitão, A Indemnização de Clientela, Almedina, 2006, pág. 34).»  

Contudo, conforme se refere no sumário do Acórdão do STJ de 28-04-2016 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 1723/06.6TVPRT.P3.S1: «(…)IV - O STJ tem entendido, de modo uniforme, que ao contrato de concessão comercial são aplicáveis, por analogia, as normas que, relativamente ao contrato de agência, respeitam à indemnização de clientela em casos de cessação do contrato».

Disso mesmo dá conta a fundamentação do Acórdão do STJ de 12-05-2016 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 2470/08.0TVLSB.L1.S1 , em que atenta a circunstância do conteúdo concreto do contrato revelar a integração da aí autora na rede de distribuição da ré, não se questionou a circunstância das instâncias terem dado como:                                                                                                                      «(…) justificada deu- a aplicação analógica do regime legal do contrato de agência, constante do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, admitida pelo próprio preâmbulo deste diploma, pela doutrina em geral e pela jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal (acórdãos de 23/11/2006 (proc. nº 06B2085), de 04/11/2010 (proc. nº 2916/05.9TBVCDD.P1.S1), de 11/10/2011 (proc. 4749/03.8TVPRT.P1.S1), de 27/10/2011 (proc. nº 8559.06.2TBBRG.G1.S1), de 31/01/2012 (proc. nº 2394/06.5TBVCT.P1.S1), de 18/12/2013 (proc. nº 2394/06.5TBVCT.P2.S1), de 18/06/2014 (proc. nº 2709/08.1TVLSB.L1.S1), de 12/03/2015 (proc. nº 2199/11.1TVLSB.L1.S1), de 29/09/2015 (proc. nº 1552/07.0TBPTM.E2.S1) e de 17/11/2015 (proc. nº 4671/06.6TBMTS.P1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt, e de 28/04/2016, proc. nº 1723/06.6TVPRT.P3.S1, ainda não publicado).   Pelo que, não se ignorando embora a existência de posição doutrinal contrária a esta orientação dominante de aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato de concessão (cfr. Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, 2014, págs. 724 e segs.), designadamente para efeito de atribuição de indemnização de clientela – admitindo antes a possibilidade de, verificadas certas condições, ter o concessionário direito a uma indemnização por investimentos (cit., págs. 737 e segs.)»

Importa, pois, aferir se, no caso concreto, existem razões para proceder à aplicação analógica do regime do contrato de agência, em particular no que se refere à atribuição da indemnização de clientela, sendo certo que parece ser a orientação de alguma doutrina, nomeadamente, a citada no acórdão recorrido (Rui Pinto Duarte, Mariana Soares David), estabelecer pressupostos mais exigentes para a sua aplicação ao contrato de concessão comercial ou, inclusive, defender a sua exclusão (maxime Fernando Ferreira Pinto, in Contratos de Distribuição e A Indemnização de Clientela dos Distribuidores Integrados: uma longa e dolorosa aprendizagem[5]), quando a orientação dominante da jurisprudência é a do seu reconhecimento, contando que se verifiquem os pressupostos básicos que justificam um tratamento análogo da figura.

Assim, mais do que aprofundar as razões doutrinárias que podem justificar (ou não) a aplicação analógica do regime da agência, no que concerne à atribuição da indemnização de clientela, iremos analisar, de forma sucinta e em termos comparativos, a situação em causa nos autos com outras com as quais se viu confrontado o Supremo, tendo em vista uma interpretação e aplicação mais uniforme do Direito (cfr. art. 8.º, n.º 3, do CC).                                                                                                                                                                                                        Importa, pois, destacar a matéria de facto dada como provada nos autos relevante para efeitos de atribuição da indemnização de clientela[6]:                                                                                                     De 1999 até meados de 2005, a AA, S.A. (Autora) comprou todas as fraldas "Tena" e "Libero" apenas à R., para posterior venda as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos;         

  - Os preços de venda das fraldas "Tena" e "Libero" da AA, S.A. às farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos eram fixados pela R., através de tabelas que esta remetia àquela;    - As encomendas de fraldas "Tena" e "Libero" das farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos feitos à R. eram reencaminhados por esta para a AA, S.A.;                      - As devoluções e trocas das fraldas "Tena" e "Libero" para as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos eram tratadas pela AA, S.A.;                           - Foram anualmente acertados entre AA, S.A. e a R. os objectivos para a venda de produtos e planos de marketing para a sua promoção;    - As campanhas de promoção junto das farmácias eram realizadas pela AA, S.A., suportando a R. pelo menos parte dos seus custos;            - A R. concedia à AA, S.A. descontos financeiros e prémios de vendas, pelo atingir por esta do volume de compras definido pela R.;                                                                    - Pelo menos a partir de 2002, a R. remunerava a AA, S.A., com um desconto adicional de 2,5% do valor de compras efectuado por esta, por apenas se dedicar, quanto a fraldas de incontinência, à venda junto das farmácias e armazenistas de produtos financeiros das linhas "Tena" e "Libero"; - A AA, S.A. reservou espaço de armazém para a acomodação e expedição das fraldas "Tena" e "Libero";        - E afectou, a título principal (não exclusivo), uma equipa de pelo menos cinco pessoas à promoção da venda e expedição das fraldas "Tena" e "Libero";   - A AA, S.A. pagava à empresa de DD a comissão de 2,5 % sobre o valor das vendas realizadas por aquela aos armazenistas de produtos farmacêuticos;   - No primeiro trimestre de 1999, a AA, S.A. e R. acertaram, de modo verbal, que A. teria o exclusivo em Portugal Continental na distribuição das fraldas "Tena" e "Libero" junto das farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos;     - Na execução deste acordo, a AA, S.A. vendeu a farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos fraldas "Tena" e "Libero", no ano de 1999, no valor total de € 682.671,00; no ano de 2000, no valor total de pelo menos € 1.202.764,00; no ano de 2001, no valor total de pelo menos € 1.545.390,00; no ano de 2002, no valor total de pelo menos € 1.584.202,00; - no ano de 2003, no valor total não superior a € 1.969.827,39; e no ano de 2004, no valor total não superior a € 2.052.092,37;                                                               - A margem média de lucro bruto auferido pela AA, S.A. com a venda das fraldas "Tena" e "Libero" era de pelo menos 24%;                                                                  - Entre o ano de 1999 e o ano de 2004, a AA, S.A. angariou novos clientes para as fraldas "Tena" e "Libero" e aumentou o seu volume de vendas, o qual subiu do valor de € 682.671,00 para € 2.052.092,37;                                                                                             - Em Junho de 2005, a R. comunicou à AA, S.A. que passaria a fornecer as fraldas "Tena" e "Libero" directamente a todas as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos e a realizar a sua promoção, com o inerente cessar do preço inferior em 50% pela aquisição em maior quantidade (38 paletes) e dos descontos financeiros (marca exc1usiva-2,5%, não devolução-0,5% e EE- de 3% a 5% em função de objectivos anuais) definidos até aí pela R. à AA, S.A.;     A AA, S.A. recusou esta alteração do acordo que tinham estabelecido;   - A AA, S.A. nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2005, teve um volume de vendas das fraldas "Tena" e "Libero" de, respectivamente, € 63.305,94, € 38.541,91, € 41.455,53, € 29.528,74, € 18.824,27 e € 11.536,22, perfazendo o total de € 203.192,61;                                                               - Até Junho de 2005, as vendas acumuladas dessas fraldas desde o início do ano tinham ascendido a pelo menos € 948.444,00;           - A AA S.A. nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2004 teve um volume de vendas dessas fraldas de, respectivamente, € 182.691,78, € 172.818,42, € 102.906,45, € 172.853,57, € 148.478,15, € 185.269,36, perfazendo um total de € 965.017,73;                                                                                              - Até Junho de 2004, as vendas acumuladas dessas fraldas desde o início do ano tinham ascendido a € 1.087.077,91;                                - Como consequência da conduta da R., a AA, S.A. teve, em 2005, uma quebra de vendas no valor total de € 900.458,02.          - Em princípios de Julho de 2005, a R. vendeu fraldas "Tena" e "Libero" pelo menos às farmácias, clientes da AA, S.A., ..., ..., ... e ...;    - A R. acordou com a empresa de DD na promoção por esta das vendas das fraldas "Tena" e "Libero" junto dos armazenistas de produtos farmacêuticos, mediante o pagamento de uma comissão pela primeira, o que até aí a empresa de DD fazia para a AA, S.A..

Do exposto, resulta, em nosso entender, demonstrada a integração mínima necessária a considerar que se justifica a aplicação analógica, no caso presente, do regime da agência e conceder a mencionada indemnização de clientela.

Com efeito, a circunstância da Autora: ter o exclusivo das vendas de fraldas comercializadas pela Ré no território do Continente; ter comprado todos esses produtos apenas à Ré; serem os preços fixados por tabelas remetidas pela Ré; serem as encomendas encaminhadas pela Ré para a Autora; serem as devoluções e trocas tratadas exclusivamente pela Autora; serem os objectivos das vendas e os planos de venda anualmente acertados pelas partes; os custos das companhas de promoção serem partilhados entre as partes; os descontos e prémios serem atribuídos em função das vendas; ter a Autora afectado recursos físicos e humanos para cumprir o contrato; ter-se o contrato prolongado durante cerca de 5 anos e meio com um aumento do número de clientes e quadruplicando o volume de vendas; e tendo em consideração que, logo após a Ré ter denunciado o contrato, as vendas da Autora desceram abruptamente, tendo a Ré passado a comercializar directamente os produtos ou a recorrer a um sub-concessionário utilizado pela Autora para o efeito, demonstram a existência de uma situação de integração da Autora na rede de distribuição da Ré que justifica a aplicação analógica do regime da agência.

Tanto assim, que tendo presente que a indemnização de clientela não se traduz numa medida ressarcitória ou mesmo compensatória dos prejuízos ou danos sofridos, mas antes numa compensação ou contrapartida de uma vantagem obtida pelo principal e de uma perda sofrida pelo agente, que tem como fundamento o incremento da clientela, que reverte em favor do principal, em desfavor do agente que perde a retribuição que poderia auferir daquela clientela se o contrato não terminasse (cfr. Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, 1990, Almedina, pág. 100), é patente ter a Ré beneficiado do incremento no número de clientes e no volume de vendas verificado, de forma crescente e constante, ao longo dos anos em que vigorou o contrato.

Nessa medida, decorre das regras da experiência – atento o tipo de produtos e a especificidade do mercado em causa nos autos – que a Ré, necessariamente, beneficiou com a actividade da Autora, tudo indicando que, a determinada altura e quando o contrato se encontrava em plena vigência, decidiu a Ré substituir ou eliminar a Autora do seu modelo ou circuito de distribuição, pelo que, à luz do entendimento que vem sendo seguido pela nossa jurisprudência, entendemos que se justifica a mencionada aplicação analógica do regime da agência.

Com efeito, verificando-se uma radical alteração da situação pré-existente – em favor da Ré que passou a distribuir directamente os seus produtos à clientela que, pelo menos em parte, eram da Autora (mais-valia), em prejuízo da Ré que, pela diminuição drástica dos valores de venda em causa, ficou numa posição desfavorável (menos-valia) – não se acompanha o acórdão recorrido quando entende que a forma como a relação jurídica foi estabelecida entre as partes não justifica a mencionada aplicação analógica, antes se nos afigurando que a situação concreta causada pela denúncia e cessação do contrato justifica e tem, em termos de integração de lacunas, força suficiente para fazer equivaler a uma situação de atribuição de indemnização de clientela, em termos semelhantes ao que sucede no contrato de agência.

De referir que o mencionado critério de integração, avaliado em função da fragilidade do vínculo contratual estabelecido, foi o critério que esteve subjacente à atribuição de indemnização de clientela, designadamente, no recente e já mencionado no ponto 3.1. Acórdão do STJ de 24-05-2018 (inédito), já acima aludido, em que precisamente numa situação configurada como de denúncia-modificação em que o contrato não foi reduzido a escrito, mesmo discutindo-se se existiria integração do concessionário na rede do concedente por não estarem previstas actos concludentes ou obrigações próprias de controlo económico, se considerou demonstrada uma suficiente integração ditada pela política de preços especiais e alguma troca da informação que, atenta a significativa fragilidade e insegurança do quadro contratual em que actuavam as partes, mais elevado era também o risco de funcionamento da relação negocial.

Também no igualmente já mencionado Acórdão do STJ de 12/05/2016[7], partindo do pressuposto fáctico de estar demonstrada a integração do concessionário na rede de distribuição do concedente, foi reconhecido o direito a uma indemnização de clientela, sendo certo que e mencionada integração não pode senão ser entendida como uma integração fáctica e económica no sistema de distribuição e venda dos produtos o que, manifestamente, sucede no caso dos autos, na medida em que, sendo a Autora o distribuidor exclusivo dos produtos em causa no território do Continente, não pode senão concluir-se que havia esta necessária integração e dependência entre as partes.

Comparando a situação em apreço com a subjacente ao Acórdão do STJ 20-03-2014 (Serra Baptista), proc. n.º 28/08.2TBVNG.P2.S1 (inédito), verifica-se ter sido igualmente atribuída uma indemnização de clientela numa situação de mera distribuição exclusiva de um produto vínico estrangeiro, em que o concessionário se dedicou a dar visibilidade a esse produto e a incrementar as respectivas vendas, sendo certo que os objectivos das vendas eram estabelecidos por acordo e que competia ao concessionário a sua promoção, tendo a relação contratual cessado abruptamente por iniciativa do concedente em termos que foram considerados justificativos da concessão da referida indemnização.

Finalmente, também no Acórdão do STJ de 13-04-2010[8], numa situação de concessão comercial de venda de veículos em exclusivo numa determinada região do país, em que a concessionária comprava para revenda veículos e peças automóveis, actuando em nome e por conta própria, e tendo feito investimentos humanos e materiais para desenvolver a sua actividade, face à cessação da relação comercial foi considerado justificado atribuir uma indemnização de clientela. Considerou-se, nomeadamente, que, embora não se tendo provado, em termos concretos, a expressão do incremento de clientela resultante da actuação da Autora durante o tempo por que perdurou o contrato, e apenas se provado que a clientela angariada pela concessionária passou para a concedente, uma vez que a Ré iria aproveitar a clientela conseguida pela Autora, e esta, tendo investido na sua organização e estrutura empresarial com vista ao cumprimento do contrato de duração indeterminada, viu subitamente frustrado o retorno desse investimento, seria de atribuir uma indemnização de clientela.

Assim, ainda que em termos doutrinais exista uma tendência para restringir os casos em que tal aplicação analógica se justifica, não havendo intenção de criar rupturas na jurisprudência que foi sendo consolidada ao longo dos tempos e procurando dar uma solução equitativa, afigura-se-nos que, no caso concreto, a matéria de facto concretamente provada justifica a atribuição de uma indemnização de clientela, por aplicação analógica dos arts. 33.º e 34.º do DL n.º 178/86, de 03-04.

Finalmente, quanto ao preenchimento dos requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 33.º do DL n.º 178/86, de 03-04, e dando como assente que a melhor jurisprudência é a que defende a inaplicabilidade ao contrato de concessão comercial da al. c) (conforme assumido pelo acórdão recorrido)[9], afigura-se-nos não ser igualmente de acompanhar o acórdão recorrido quando considerou que a matéria de facto não é suficiente para demonstrar que a Ré beneficiou consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pela Autora.

Na verdade, para além de ter ficado provado o volume de vendas e o acréscimo de clientes proporcionado na vigência do contrato, também a circunstância da Autora ter provado que a Ré passou a fornecer directamente aos seus antigos clientes, nomeadamente, às farmácias identificadas na matéria de facto e que contratou um antigo sub-concessionário da Autora, se afigura suficiente para ter como preenchido este requisito.

Recorde-se a este respeito, e certamente devido aos curtos prazos de caducidade do direito à indemnização previstos no art. 33.º, n.º 4, do DL n.º 178/86, de 03-07, que a presente acção entrou em juízo menos de um ano antes da data da denúncia do contrato, pelo que a demonstração dessa vantagem tem de ser aferida tendo em consideração os elementos disponíveis e alegados à data, bem como à luz da jurisprudência do STJ que já entendeu no Acórdão de 17-05-2012 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 99/05.3TVLSB.L1.S1 que:                                           

«(…) II - O direito de indemnização depende da prova que (i) o concessionário angariou novos clientes para a concedente ou aumentou substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente e (ii) que, após a cessação do contrato, o concedente beneficiará consideravelmente da actividade desenvolvida pelo concessionário.                                                                                                     III - Atentas as dificuldades que enfrenta o concessionário de, após a cessação do contrato, demonstrar factos que se projectam no futuro, como ocorre com os ligados à ocorrência de “consideráveis benefícios” para o concedente, basta para o efeito que, num juízo de prognose, se possa afirmar ter sido proporcionada à concedente a possibilidade de obter tais benefícios, designadamente pelo facto de o efectivo acesso à clientela angariada pelo concessionário lhe serem proporcionadas condições objectivas para a continuidade da clientela. “  Ora, fazendo este juízo de prognose e tendo, designadamente, em conta os mencionados factos provados e a especificidade do produto e mercado em causa, em relação ao qual se mostra facilitada a delimitação da clientela (farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos) e uma previsível fidelização dos clientes ao produto em questão (fraldas das marcas identificadas), ponderando que durante os anos em causa aumentou o número de clientes e quadruplicou o volume de vendas, entende-se demonstrados os requisitos exigidos pelo art. 33.º, n.º 1, als. a) e b), do DL n.º 178/86, de 03-07, para a atribuição da indemnização por clientela.

No que se refere ao valor a fixar a título de indemnização, tendo presente as dificuldades e críticas existentes a propósito da sua determinação, mas considerando que a mesma, nos termos da lei aplicável, é, em última análise fixada de acordo com a equidade, correspondendo o valor calculado nos termos do art. 34.º do mencionado regime apenas ao seu limite máximo, entende-se ser de acompanhar a valoração feita na sentença da 1.ª instância. Nos termos aí consignados, ponderou-se a duração de 6 anos do contrato, o constante aumento das vendas, o investimento feito para esse aumento, a importância da marca na escolha e a fidelização que gera, o valor de vendas no ano de 2004 que não foi superior a € 2.052.092,37, a margem média bruta de lucro entre 1999 e 2004 de 24%, a que corresponde uma média de lucro bruto de € 449.638,05 e o tempo entretanto volvido, bem como os encargos a suportar e o envolvimento da Ré na formação e marketing, fixando-se o valor da indemnização, já atualizado à data da sentença, de € 200.000,00.

O critério legal contido no art. 34.º não é facilmente transponível para uma situação como a presente em que está em causa um contrato de concessão comercial e em que, por natureza, não envolve um agente nem a forma como o mesmo é remunerado, desde logo, por na concessão comercial haver uma compra para revenda.                                                                                                                    Ainda, assim, a jurisprudência tem-se socorrido desde critério, chamando a atenção para o facto de que no cálculo da indemnização de clientela, a média anual das remunerações recebidas seja aferida pelo lucro líquido do concessionário (cfr. o mencionado Acórdão do STJ de 12-05-2016).

Ora, sem prejuízo do cálculo feito pela 1.ª instância para apuramento da média de lucro bruto entre os anos de 1999 e 2004 (cfr. pág. 17 da sentença) não corresponda exactamente ao critério legal, uma vez que falando a lei nos últimos cinco anos, apenas importaria considerar os factos provados n.ºs 23 a 27, que respeitam ao lucro bruto auferido nos anos de 2000 a 2004, o que perfaz uma média de lucro bruto de € 4.052,277, ponderando que o lucro líquido da Autora não se afastará muito de metade da margem bruta, entendemos como adequada a fixação, como base na equidade, da indemnização em € 200.000,00.                                                                                                  VIII – Quanto à indemnização pelo dano de imagem:

Finalmente, a respeito da indemnização pelos danos de imagem, coincidiram as instâncias no juízo de improcedência, sendo certo que a Autora, ora Recorrente, com tal não se conforma argumentando que tal resulta da prova produzida e das regras de experiência, tratando-se de danos merecedores de tutela jurídica e que não se confundem com as restantes parcelas indemnizatórias peticionadas. Ora, a este respeito, e ultrapassado o obstáculo da dupla conforme por excepcionado pelo regime de recursos aplicável, afigura-se-nos que, não obstante o reconhecimento pela jurisprudência da tutela dos danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas colectivas (cfr., exemplificativamente, Acórdãos do STJ de 18-02-2014 (Ana Paula Boularot), proc. n.º 1373/03.9TCGMR.G1.S1, e de 25-03-2014 (Fernandes do Vale), proc. n.º 519/08.5TVLSB.L1.S1), no caso presente, não foram demonstrados factos suficientes que justifiquem a atribuição de qualquer indemnização adicional a este título.    Com efeito, cotejando a matéria de facto provada (e não provada), apenas ficou demonstrado que “como consequência da conduta da A. o mercado das farmácias e dos armazenistas de produtos farmacêuticos ficou com suspeitas de incompetência e incorrecção da AA, S.A.” (facto provado n.º 42).  Sendo tais juízos assentes em meras “suspeitas” e não se provando quaisquer outros factos que permitam concluir pela ofensa do bom nome da Autora, não se tem como demonstrada a existência de danos que justifiquem a tutela em causa.                        Acompanha-se, pois, a sentença e o acórdão recorrido que concluíram não ter o pedido de indemnização por danos não patrimoniais suporte factual nem jurídico e como tal não pode proceder.                                                                                                                                                      x                                                                     Termos em que, negando-se a revista da Ré e julgando-se parcialmente procedente a revista da Autora, se acorda em revogar o acórdão recorrido, na parte em que nele se revogou parcialmente o decidido na sentença da 1ª instância, sentença essa que, assim, se repristina.

            Custas pelas apelantes na proporção de vencido.

                                   Lisboa, 12 de julho de 2018



Acácio das Neves

Garcia Calejo                             


Roque Nogueira

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[1] Não se procedeu, intencionalmente, à análise da questão da validade da cláusula de exclusividade tratada no acórdão recorrido nas págs. 30 a 35, a propósito da exclusividade do contrato de concessão. Com efeito, no acórdão recorrido foi entendido não existir “qualquer obstáculo legal para que se considere ser válida” tal exclusividade mesmo sendo o contrato consensual, muito embora o regime do contrato de agência, no art. 4.º do DL n.º 178/86, de 03-07, na redacção introduzida pelo DL 118/93, de 13-04, exija o respectivo acordo escrito, por não se estender tal norma analogicamente ao contrato de concessão comercial em causa nos autos, uma vez que, lidas as alegações de recurso, se entendeu que tal não constituiu questão objecto da revista. Em todo o caso, alerta-se para o facto de, aparentemente, tal questão ter sido tratada de forma contraditória na jurisprudência do STJ, perfilhando os Acórdãos de 01-04-2014 e 12-03-2015 (ambos relatados pelo Conselheiro Paulo Sá), respectivamente, nos procs. n.º 387/09.0TVPRT.P1.S1 e n.º 2199/11.1TVLSB.L1.S1, o entendimento de que tal preceito é aplicável por analogia e que a exclusividade tem de ser formalizada por escrito, enquanto o Acórdão de 06-10-2009 (Silva Salazar), proc. n.º 1183/04.6TBALB.C1.S1, se entendeu, no respectivo sumário, que “ao contrato de concessão comercial não é aplicável o dispositivo do aludido art. 4.º, o que significa que a cláusula de exclusividade pode existir mesmo que não tenha sido reduzida a escrito”.
[2] Consta da própria anotação a referência a que, cerca de dois meses e meio depois do Acórdão ter sido proferido, foi publicado o regime jurídico do contrato de agência, sem que tal, contudo, afecte a valia e utilidade da doutrina aí expressa.
[3] “Na linguagem própria do abuso do direito, diz-se inalegabilidade formal ou, simplesmente, inalegabilidade, a situação da pessoa que, por exigências do sistema, não se possa prevalecer da nulidade de um negócio jurídico causada por vício de forma” – António Menezes Cordeiro, “Do abuso de direito: estado e perspectivas”, ROA, Ano 65, Vol. II, Set. 2005, disponível on line, com remissão para “Da boa fé”, págs, 771 ss. e Tratado de Direito Civil”, 1/4, págs. 299 ss.
[4] cfr. infra quanto à sua aplicação, em especial, à indemnização de clientela.
[5]http://www.fd.lisboa.ucp.pt/resources/documents/Centro/Talk%20Indemniza%C3%A7%C3%A3o%20de%20clientela.pdf – contendo uma visão muito crítica da jurisprudência nacional, em particular, quanto ao modo sistemático e quase automático com que têm sido acolhidas as pretensões de qualquer tipo de distribuidor integrado a receber uma indemnização de clientela e quanto à forma da sua quantificação.
[6] A ordem dos factos seleccionados não segue a da factualidade provada no acórdão, tendo-se procurado adoptar um critério lógico-cronológico, sublinhando-se os elementos mais relevantes.
[7]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/099c6c4389769f9f80257fb1004f1ec6?OpenDocument
[8]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e8ea895e2ff18dcb80257704004b3cac?OpenDocument
[9] No qual se remete para o Acórdão do STJ de 12-03-2015 (Paulo Sá), proc. n.º 2199/11.1TVLSB.L1.S1 que o defende expressamente, ainda que exista jurisprudência do STJ que aluda ao preenchimento deste requisito mesmo quando não está em causa um contrato de agência.