Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1141/21.6T8LLE-B.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO (PERSI)
REQUISITOS
DEVER DE INFORMAÇÃO
OMISSÃO DE FORMALIDADES
NORMA IMPERATIVA
EXCEÇÃO DILATÓRIA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ERRO DE JULGAMENTO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
CONTRATO DE MÚTUO
HIPOTECA
GARANTIA REAL
ABUSO DO DIREITO
SUBSIDIARIEDADE
Data do Acordão: 02/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. O erro de julgamento (error in iudicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error iuris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.

II. O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente, porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.

III. Verificando-se os pressupostos do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), é obrigatória a integração do cliente bancário nesse regime, caso em que a acção/execução judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção desse procedimento.

IV. A omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configura, também, excepção dilatória atípica ou inominada, conducente à absolvição do executado da instância executiva.

V. O procedimento PERSI deve ser repetido sempre que ocorra futuro e sucessivo incumprimento: quer a letra da lei, quer o espírito que preside ao DL nº 272/2012, não dão sustento à interpretação que limita a um único PERSI o incumprimento pelo mutuário num contrato de mútuo em que se convencionou o reembolso do capital e juros em prestações mensais, em contratos em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos de tempo, que podem atingir as dezenas de anos, como sucede nos casos de empréstimos para a habitação. A diversidade de situações justifica o desencadear de diferentes procedimentos.

VI. Considerando que o legislador do Dec.º-Lei nº 227/12, de 25.10 teve o cuidado de plasmar todo um conjunto de garantias de defesa aos clientes em situações de mora ou incumprimento, maxime no artº 18º (Garantias do Cliente bancário), estando o mutuário/devedor em situação de lhe ser aplicado o PERSI, a entidade bancária não pode ceder o crédito a terceiro (instituição não bancária) sem ter previamente cumprido as exigências decorrentes do regime ínsito no regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25.10.

VII. De outro modo, estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012 (bastando que, em violação desse diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido),

VIII. … o que representaria uma autêntica fraude à lei, pois era uma forma de deixar entrar pela janela o que o legislador proibiu que entrasse pela porta, frustrando-se completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI.

IX. A doação, pelo devedor/mutuário, sem autorização ou conhecimento da entidade mutuante, do imóvel sobre que incidem as hipotecas a favor da mutuante, não constitui uma causa de extinção imediata do PERSI – não desonera os devedores do pagamento da dívida, nem desonera a instituição bancária das suas obrigações de integração dos executados em PERSI, e de informação/comunicação da extinção do mesmo.

X. Aliás, sendo a garantia do crédito uma hipoteca, que, porque goza de sequela (ut artº 686.º do Código Civil), acompanha a coisa em todas as suas vicissitudes, não pode dizer-se, sem mais, que esteja em perigo a garantia, pois o credor pode fazer-se pagar pelo valor da coisa onde quer que ela se encontre. A que acresce que a lei não admite a extinção automática do PERSI.

XI. A aplicação do instituto do abuso do direito tem uma natureza subsidiária, só a ele sendo lícito recorrer na falta de uma norma jurídica que resolva, de forma adequada, a questão em causa, exigindo-se a prova rigorosa dos seus elementos constitutivos e a ponderação dos valores sistemáticos em jogo, sob pena de se tratar de uma remissão genérica e subjectiva para a materialidade da situação.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


Na acção executiva para pagamento de quantia certa proposta por “Panorama Jubilante, SA” contra AA, BB e CC, o executado AA veio deduzir oposição mediante embargos de executado.

Alegou o embargante que os executados deveriam ser absolvidos da instância por falta de título executivo suficiente (a), ou caso assim não se entendesse, por falta de procedibilidade da acção (b), ou por nulidade da cessão de créditos relativa ao executado celebrada entre a “Caixa Económica Montepio Geral” e a exequente, por violação do disposto nos artigos 14º, nº1, e 18º, nº1, alínea c) e nº 2, alínea c) do Decreto-Lei nº 272/2012, de 25 de Outubro, 582º, nº1, do Código Civil e 28º, nº1, do Decreto-Lei nº 74-A/2017, de 23 de Junho (c).

A embargada contestou, dizendo, em resumo, que é falso que o executado não tenha sido integrado no PERSI pelo incumprimento destes contratos, que a Caixa Económica Montepio Geral não estava obrigada a integrar o PERSI face a novos incumprimentos contratuais e a cessão de créditos realizada é válida. Mais afirma que o executado embargante procedeu à doação do imóvel que deu em garantia dos seus créditos à executada BB, procedendo a este negócio sem o conhecimento ou consentimento da Caixa Económica Montepio Geral, em clara violação da cláusula décima do primeiro contrato executado e nona do segundo contrato executado, e a título gratuito e em claro incumprimento contratual o executado dissipou o seu património.

A sociedade exequente pede assim que os embargos de executado sejam julgados totalmente improcedentes.


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Por decisão de 06/12/2021, o Tribunal indeferiu o pedido de intervenção provocada da “Caixa Económica Montepio Geral – Caixa Económica Bancária, SA”.

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Em sede de despacho saneador, o Juízo de Execução ... julgou os embargos de executado procedentes e declarou extinta a execução.

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A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão, interpondo recurso de apelação, tendo a Relação de Évora proferido acórdão que culminou com a seguinte

Decisão:

Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se improcedentes a oposição mediante embargos e determina-se o prosseguimento da execução.

Custas a cargo do recorrido nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.”.


Por sua vez inconformado, veio o Executado/Recorrido/embargante AA interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes


CONCLUSÕES

1. Nos presentes autos, a Exequente Panorama Jubilante S.A. propôs ação de execução contra o Recorrente e BB e CC, reivindicando o pagamento integral dos créditos que detém sobre o Recorrente, € 107.274,82 (cento e sete mil, duzentos e setenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), por conta da cessão de créditos ocorrida em 12 de julho de 2019, de que foi cedente a Caixa Económica Montepio Geral.

2. Por sentença de 8 de março de 2022, o Juiz de Execução do Tribunal de ... julgou procedentes os embargos de executado intentados pelo Recorrente, absolvendo-o da instância e declarando a extinção da mesma, por falta de procedibilidade do título, porquanto a Caixa Económica Montepio Geral cedeu os créditos que detinha sobre o Recorrente, após o incumprimento do contrato e antes de o integrar no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, a que estava obrigada, por força do disposto no artigo 14.º do mesmo diploma, cedendo os créditos à Exequente, que nem sequer é uma instituição de crédito, em violação da proibição de cessão de créditos prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do referido Decreto-Lei.

3. A Exequente recorreu da decisão e o Tribunal a quo, por acórdão de 30 de junho de 2022, deu provimento ao recurso, revogando a decisão do Tribunal de primeira instância com base em dois fundamentos: 1) mesmo não sendo a Exequente uma instituição de crédito, e não tendo a Caixa Económica Montepio Geral integrado o Executado no PERSI antes da cessão de créditos, isso não constitui impedimento ao prosseguimento da execução desde que a cessionária tivesse observado um procedimento similar ao PERSI, considerando que a Exequente cumpriu essa obrigação, sob pena de a dívida se tornar incobrável; 2) os Executados BB e CC não se poderiam aproveitar da excepção de defesa por falta de procedibilidade da execução, uma vez que não tinham qualquer relação com a instituição bancária mutuante ou com a Exequente nem a sua posição seria alterada se efectivamente o PERSI tivesse sido iniciado e seguidamente declarado extinto.

4. A decisão recorrida extravasa o objeto das conclusões vertidas pela Exequente no seu recurso para o Tribunal a quo.

5. A Exequente invoca como razões para a não inclusão do Executado no PERSI a prática de actos susceptíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito, por força da doação da fração cujas hipotecas garantem os créditos, nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e também a violação de deveres de boa fé consagrados no artigo 4.º, n.º 2, do diploma, por alegada diminuição do valor da fração.

6. O Tribunal a quo, após afirmar que a lei não determina que as circunstâncias invocadas pela Exequente são impeditivas da integração do Executado no PERSI, labora sobre a possibilidade de cessão de créditos para entidades que não são instituições de crédito e quais as consequências da não integração do Executado no PERSI.

7. Por outras palavras, a Exequente pretendeu contornar a decisão da primeira instância dizendo que o Executado não podia ser integrado no PERSI porque violava o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 17.º e o princípio da boa fé plasmado n.º 2 do artigo 4.º do diploma; o Tribunal a quo, considerou que deveria ter havido lugar à integração e entrou na análise da possibilidade da cessão de créditos, questão que não foi tratada nas conclusões do Recurso da Exequente.

8. O acórdão recorrido é assim parcialmente nulo, por excesso de pronúncia, na parte em que se pronuncia sobre a cessão de créditos e sobre a possibilidade de a Exequente encetar um processo similar ao PERSI, tudo nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC.


Sem prescindir,


9. O Tribunal a quo reconhece que, tratando-se de instituição de crédito, sempre que um cliente bancário se encontre em situação de incumprimento, e uma vez verificados os pressupostos, o mesmo tem de ser integrado no regime do PERSI como antecedente da instauração da acção de execução, sob pena de exceção dilatória atípica ou inominada, por falta de condição de procedibilidade.

10. O Tribunal a quo conclui que a Caixa Económica Montepio Geral estava obrigada a integrar o Executado/Recorrente no PERSI como antecedente da instauração da acção de execução, sob pena de exceção dilatória atípica ou inominada, por falta de condição de procedibilidade.

11. Não sendo a cessionária uma instituição de crédito, o Tribunal a quo entende que ela não se encontra abrangida pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e que, como tal, é possível o prosseguimento da ação de execução desde que sejam asseguradas ao devedor garantias idênticas às previstas naquele diploma, pois caso contrário a dívida do Executado/Recorrente tornar-se-ia incobrável.

12. O Tribunal a quo invoca os elementos racional, histórico e sistemático, afastando o elemento gramatical, para assim poder colmatar aquilo que entende ser uma lacuna que tem de ser preenchida, e assim criar uma norma que permita, uma vez feita a cessão de créditos, proceder à cobrança da dívida.

13. Do teor do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e dos seus artigos 14.º a 16.º e 18.º, n.os 1 e 2, resulta que a principal preocupação do legislador, senão mesmo a única, consiste na proteção dos clientes bancários contra eventuais abusos cometidos pelas instituições de crédito na concessão de crédito, sendo suas concretizações a obrigatoriedade de integração do cliente bancário em incumprimento no PERSI, a proibição de resolução do contrato de crédito em incumprimento na vigência do PERSI, a propositura de ações judiciais em vista da satisfação do crédito, a cessão total ou parcial do crédito ou a transmissão a terceiro da posição contratual na vigência do PERSI.

14. Admitir a existência de uma lacuna a ser resolvida no sentido de o intérprete criar uma norma que permita o prosseguimento da execução, tal como o faz o acórdão recorrido, é deixar entrar pela janela o que se impediu de entrar pela porta, contornando a intenção que esteve subjacente ao regime criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, configurando tal solução uma clara fraude à lei.

15. A questão já foi tratada nos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.01.2022 (processo n.º 5520/18.8T8VNF-A.G1) e do Tribunal da Relação de Coimbra de 8 de março de 2022 (processo n.º 824/20.2T8ANS.C1), que, perante situações exatamente iguais à dos autos, foram unânimes em considerar que a entidade bancária está proibida de ceder os seus créditos a terceiro que não seja uma instituição de crédito, sob pena de ser encontrada uma via expedita para contornar a lei, o que representaria uma autêntica fraude à lei, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime que visa tutelar as situações dos clientes bancários que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, solução essa que deve ser rejeitada.

16. A decisão recorrida é ainda mais chocante tomando em consideração que cedente e cessionária são entidades profissionais, a primeira uma instituição de crédito, a segunda uma entidade cujo negócio se traduz na aquisição de crédito malparado, não se tratando de entidades que estão em igualdade de armas com o Executado.

17. No momento da celebração do contrato de cessão de créditos, cedente e cessionária estavam perfeitamente ao corrente de todo o processo de incumprimento do Executado/Recorrente, tal como o comprova a junção de documentos relativos aos mútuos, nomeadamente os contratos de mútuo, as certidões do registo predial, antigas e atualizadas, a troca de correspondência entre Caixa Económica Montepio Geral e o Executado e o seu mandatário, bem como o contrato promessa de cessão da posição contratual, e a escritura de cessão da posição contratual (que serve de título à execução) e seus documentos complementares documentos.

18. Cedente e cessionária não podiam ignorar que o Executado não foi integrado no PERSI, pelo que não se compreende que o Tribunal recorrido afirme não descortinar sinais de má-fé na conclusão do negócio!

19. A lógica do Tribunal a quo reside em considerar que nunca se poderápôr em causa a cobrança de um crédito, ainda que o procedimento subjacente à cessão do mesmo tenhavioladoflagrantemente normasimperativas, uma vez que o Tribunal a quo coloca as regras da iniciativa privada, da livre transmissibilidade da propriedade, da concorrência e da estabilidade do mercado acima de quaisquer outros interesses!

20. Pelo contrário, o regime instituído nos artigos 14.º a 16.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, não permite outro entendimento que não seja o de que o legislador pretendeu impedir a cessão de créditos e a instauração de uma ação de execução antes da integração do devedor em incumprimento no PERSI e durante a sua execução.

21. O legislador não quis deixar entrar pela Janela o que proibiu que entrasse pela porta, sob pena de se frustrar completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI, pois bastaria ceder créditos a terceiro que não fosse instituição de crédito e fingir que se negoceia, para que assim fosse possível prosseguir com a ação, o que configuraria manifesta fraude à lei!

22. Não há lacuna na lei, nem interpretação extensiva que corrobore o sentido da decisão do Tribunal a quo; o legislador foi bem claro ao proibir a transmissão do crédito antes da integração no PERSI, pelo que a cessão do mesmo nessas condições gera a falta de procediblidade.

23. Termos em que deve o acórdão recorrido ser revogado por manifesto erro de interpretação do regime previsto no Decreto-Lein.º 227/2012,de 25de outubro, em especial os seus artigos 14.º a 16.º e 18.º, tudo nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.

24. Ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, não é verdade que a Exequente tenha seguido um processo de negociação em tudo idêntico ao previsto no PERSI.

25. No primeiro contacto que teve com o Executado/Recorrente, ocorrido em 13 de fevereiro de 2020, a Exequente interpelou-o para o pagamento integral da dívida, € 107.274,82, acrescido do pagamento de todas as prestações de capital vincendas, num prazo de 30 dias, findo o qual considerava o incumprimento definitivo para os efeitos no disposto nos artigos 808.º e 436.º do Código Civil (cf. facto provado n.º 17)

26. Em 7 de dezembro de 2020, a Exequente abordou o mandatário do Executado, dando-lhe a escolher uma de quatro opções: 1) pagamento total do valor em dívida; 2) promoção e venda pelos Mutuários do imóvel a terceiros, mais um pagamento adicional do remanescente, caso o valor da venda não chegue para liquidar a totalidade em dívida, com o prévio consentimento da W...; 3) entrega do imóvel, para pagamento da totalidade do valor em dívida, caso o valor da avaliação a ser promovida por nós; às nossas expensas, seja de igual ao valor da divida; 4) entrega do imóvel para pagamento do valor dívida, mais um pagamento adicional do remanescente caso o valor da referida avaliação seja inferior ao valor em divida.

27. As propostas feitas pela Exequente não são similares ao regime de regularização de crédito plasmado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 227/2013, de 25 de outubro, e nos artigos 14.º a 16.º e 19.º do diploma.

28. O preâmbulo diz que o PERSI serve para, após avaliação da natureza pontual ou duradora do incumprimento, avaliar a capacidade financeira do consumidor e apresentar propostas de regularização da dívida, e as alíneas a) a e) do n.º 4 do artigo 15.º que a regularização da dívida pressupõe a renegociação das condições do contrato ou a sua consolidação com outros contratos, e não a interpelação para pagamento integral da dívida!

29. É evidente que no alegado período de negociação, em que a Exequente outra coisa não fez que não fosse exigir o pagamento imediato e integral da dívida, esta se aproveitou da fragilidade do Executado, contrariamente ao que afirma o Tribunal a quo.

30. Carece de fundamento a alegação do Tribunal a quo segundo a qual não admitir o prosseguimento da execução significaria que a dívida se tornaria incobrável, pois a Exequente tem duas alternativas ao seu dispor: 1) a recompra do crédito pela Caixa Económica Montepio Geral; 2) a renegociação da dívida com o Executado, que já se disponibilizou junto da Exequente para liquidar todas as prestações em atraso e seguir com os planos de pagamentos dos créditos nos termos acordados com a Caixa Económica Montepio Geral (cf. factos provados números 18, 19 e 20).

31. A questão debatida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 2017, tirado no processo n.º 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, convocado pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão, em nada se assemelha ao caso concreto, quer porque a Exequente aí é uma instituição de crédito, quer porque os factos que aí se discutiam remontam a 2011, muito anteriores a 1 de janeiro de 2013, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e, naquela data, já as partes haviam chegado a um acordo de dação do imóvel em pagamento, que posteriormente não foi cumprido pelo devedor, dando origem à propositura da ação em 2013.

32. Como bem refere o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 9 de fevereiro de 2017, tendo sido obtido um acordo ainda antes da entrada em vigor do diploma, encerrando o processo negocial, invocar a omissão de integração no PERSI por parte do devedor que não cumpriu o acordo, configura abuso do direito.

33. A situação relatada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não é claramente igual à dos presentes autos, e bem andaria o Tribunal a quo se, ao invés, tivesse tido como referência jurisprudencial os acórdãos dos Tribunais da Relação de Coimbra e de Guimarães supra citados!

34. A procedibilidade da presente execução depende do cumprimento do PERSI, e não de um processo negocial paralelo supostamente idêntico, sob pena de se desvirtuar por completo o processo e incorrer em manifesta fraude à lei.

35. Termos que o acórdão recorrido deve ser revogado por manifesto erro de interpretação do regime previsto no Decreto-Lein.º 227/2012,de 25de outubro, em especial os seus artigos 14.º a 16.º e 18.º, tudo nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.

36. Para o Tribunal recorrido, os executados BB e CC não se podem fazer valer da excepção de improcedibilidade porque apenas os contraentes intervenientes no contrato podem invocar a excepção, atendendo a que aqueles não tinham qualquer relação com o Banco Originador ou com a Exequente, limitando-se a ser demandados por questões de litisconsórcio voluntário.

37. BB e CC são proprietários da fração sobre a qual incidem duas hipotecas a favor, primeiro, da Caixa Económica Montepio Geral, e, depois, da Recorrente, pelo que se verifica a ligação exigida pela alínea b) do n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.

38. Havendo litisconsórcio voluntário, a defesa apresentada por um aproveita aos outros, nos termos da alínea a) do artigo 568.º do CPC, razão pela qual, e muito bem, o Tribunal de primeira instância, ao declarar a falta de procedibilidade da execução por falta de integração do Recorrido no PERSI, declarou a improcedência da mesma e, consequentemente, a extinção da instância.

39. A falta de procedibilidade traduz-se numa excepção dilatória atípica, enquadrável no rol de excepções previstas no artigo 577.º do CPC, que tanto pode ser invocada pela parte/partes a quem aproveite, como deve ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal, por força do disposto no artigo 578.º do CPC.

40. Se o Executado foi absolvido da instância por falta de procedibilidade do título, não faria sentido prosseguir a ação contra terceiros que através da hipoteca garantem a dívida, uma vez que a falta de procedibilidade tem como consequência a extinção da instância contra o devedor.

41. A admitir-se a tese do acórdão recorrido, tal significaria o desvirtuamento do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.

42. Em consequência, deve o acórdão recorrido ser revogado, por violação do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e 568.º, alínea a), 577.º e 578.º do CPC, tudo nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.


Termos que deve o presente recurso proceder, revogando-se o acórdão recorrido, e, em consequência, confirmando-se a sentença do Tribunal de primeira instância, assim fazendo V. Exas. a costumada Justiça!


Contra-alegou a recorrida “PANORAMA JUBILANTE, SA., pugnando pela improcedência do recurso.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são as seguintes:

§ Nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia (“na parte em que se pronuncia sobre a cessão de créditos e sobre a possibilidade de a Exequente encetar um processo similar ao PERSI”).

§ Se, não sendo a cessionária (Panorama Jubilante, SA) uma instituição de crédito, não está abrangida pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e, daí que nada impedia a cessão dos créditos (antes da integração do executado no PERSI), podendo prosseguir a execução desde que fossem asseguradas ao devedor garantias idênticas às previstas naquele diploma.

§ Se a Exequente/cessionária seguiu um processo de negociação com o executado idêntico ao previsto no PERSI.

§ Se a execução sempre deveria prosseguir contra os demais executados.


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO


Analisemos, então, as questões suscitadas na revista.


· DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR EXCESSO DE PRONÚNCIA (“na parte em que se pronuncia sobre a cessão de créditos e sobre a possibilidade de a Exequente encetar um processo similar ao PERSI”).


Não há qualquer excesso de pronúncia.

Decorre da conjugação dos art.° 666° e 615°, ambos do Código de Processo Civil que o acórdão é nulo quando, designadamente, a fundamentação esteja em oposição com a decisão, ou a Relação conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Resulta do art.° 608° do Código de Processo Civil (aplicável ex vi arts. 663°, n° 2 e 679º, do mesmo Código) que no acórdão devem ser resolvidas todas as questões que o apelante tenha submetido à apreciação da Relação, não podendo ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.

Ou seja, sem embargo de o cumprimento do ónus de alegação a que respeitam os arts. 639° e 640° do Código de Processo Civil representar a delimitação das questões submetidas à apreciação da Relação, no que respeita às que estão abrangidas pelo princípio do dispositivo, sempre que impere o princípio da oficiosidade relativamente a qualquer questão não alegada, tem a Relação, ou o Supremo, o dever de conhecer da mesma em sede do recurso. O que significa que o vício que pode ser assacado à decisão assim proferida não corresponde à nulidade da mesma, por excesso de pronúncia, mas a um eventual erro de julgamento quanto ao decidido.

Isso mesmo decorre do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/9/2010 (disponível em www.dgsi.pt), referindo que não "há que confundir erro de julgamento na matéria de facto com o excesso de pronúncia a que se refere o artigo 668° n° 1 alínea d) do Código de Processo Civil!

O erro de julgamento (error in iudicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error iuris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.

O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.

Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma, o excesso de pronúncia consiste numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador”.


Como é sabido, o juiz deve pronunciar-se apenas sobre o que é pedido, tomando por base todos os factos oferecidos pelas partes em apoio das suas pretensões e decidindo só com base nesses elementos.


Ora, o que o Recorrente apelida de excesso de pronúncia mais não é, afinal, do que a suscitação de erro de julgamento (error in iudicando) – na vertente da aplicação do direito (error iuris).

Com efeito, o que, no essencial, está em causa nesta revista é saber se a cessão de créditos operada pela entidade mutuante à exequente/recorrida era possível antes da integração do executado no PERSI.

E foi sobre isso mesmo que incidiu, no essencial, a apreciação da Relação.

Ou seja, o que a Relação fez foi, afinal, encontrar razões, argumentos jurídicos, para justificar a não inclusão do Executado no PERSI e considerar possível a ocorrida cessão de créditos.

Se andou bem ou mal nesse entendimento, é algo que extravasa do pretenso excesso de pronúncia, pois somente tem a ver com a visão que a Relação considera a mais correcta na subsunção jurídica que faz dos factos. Ou seja, em causa estará um eventual error iuris (erro de aplicação do direito). Nada mais.

Com efeito, dos pedidos e dos factos trazidos aos autos pelas partes, distinguem-se as razões ou argumentos. E quanto a estes o juiz não está limitado, nem condicionado, aos por elas carreados para o processo, o que deve ser entendido sob duas vertentes: o juiz não tem que apreciar todas as razões ou argumentos apresentados pelas partes para fazer valer as questões que suscitam; o juiz pode desenvolver razões ou argumentos que as partes não invocaram desde que não extravasem as questões (factos, pedidos) cuja apreciação as partes solicitam ao tribunal.

Ou seja, as partes dispõem dos factos da causa – princípio do dispositivo – , mas não detêm o monopólio das ilações lógico-dedutivas que deles seja possível extrair; donde, o juiz dispor de ampla margem de movimentação no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (embora, é claro, vinculado pelos pedidos  deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, pelas causas de pedir por eles invocadas, pelas excepções deduzidas, ressalvadas as de conhecimento oficioso).


Assim, como é fácil de ver, o que a Relação fez foi somente desenvolver razões ou argumentos que reputou relevantes para a apreciação e decisão das questões que no recurso de apelação lhe foram solicitadas pela recorrente.


Assim improcede esta questão.


§ Não sendo a cessionária (Panorama Jubilante, SA) uma instituição de crédito, não estava abrangida pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro? E daí que nada obstasse à cessão de créditos (pela mutuante Caixa Económica Montepio Geral) antes da integração do executado no PERSI, podendo, como tal, prosseguir a execução desde que fossem asseguradas ao devedor garantias idênticas às previstas naquele diploma?


Estamos perante uns embargos de executado deduzidos pelo executado (ora recorrente) AA, à execução (da quantia de € 107.274,82 (cento e sete mil, duzentos e setenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), correspondente ao não pagamento de prestações vencidas, bem como o pagamento de prestações de capital vincendas) movida por Panorama Jubilante S.A. contra o mesmo, na qualidade de devedor, e contra BB e CC, enquanto titulares do direito de propriedade sobre a fração onerada pelas hipotecas que garantem os créditos adquiridos pela Exequente à Caixa Económica Montepio Geral.

A execução foi instaurada sem que a Caixa Económica Montepio Geral tenha procedido à integração do devedor (AA) no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), regulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, antes de realizada a cessão de tais créditos pela Caixa Económica Montepio Geral à exequente Panorama Jubilante S.A.


Na sentença entendeu-se que a Caixa Económica Montepio Geral, ao não integrar o devedor/executado no PERSI antes de ceder à Exequente os créditos que detinha sobre o Executado, estando obrigada a fazê-lo por força do disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, violou o artigo 18.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma, razão pela qual considerou que a Exequente estava impedida de intentar ação executiva por força da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 18.º, decidindo-se, assim, pela procedência dos embargos, com a absolvição do Executado da instância e consequente extinção da execução.


Já a Relação entendeu que a sentença padecia de três vícios: 1) a doação da fração objecto dos autos efetuada pelo Executado à sua Mãe, por escritura pública outorgada em 3 de fevereiro de 2015, violaria os termos dos contratos de mútuo celebrados com a Caixa Económica Montepio Geral (já que o Executado não solicitou previamente autorização àquela para proceder à referida doação, razão pela qual o Executado nunca poderia ser integrado no PERSI, por violação do princípio da boa fé previsto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro); 2) as intervenções ocorridas na fração provocaram uma diminuição do seu valore, consequentemente, diminuíram a garantia do credor, impedindo a integração do Executado no PERSI (também por violação do princípio da boa fé previsto no artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro); 3) Os terceiros adquirentes não podem aproveitar excepções de defesa que apenas os contraentes intervenientes no contrato podem invocar, atendendo a que estes não tinham qualquer relação com o Banco Originador ou com a Exequente, limitando-se a ser demandados por questões de litisconsórcio voluntário.

Assim, a Relação revogou a sentença, argumentando que:

1. Mesmo que a Exequente não seja (como não é) uma instituição de crédito, e a entidade cedente, enquanto instituição de crédito, não tenha integrado o devedor no PERSI antes da cessão do crédito, ainda assim a execução promovida pela cessionária podia prosseguir desde que ela cumprisse – como entendeu que cumpriu – um processo de negociação análogo ao previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (isto é, idêntico ao PERSI);

2. Os Executados BB e CC não se poderiam aproveitar da excepção de defesa por falta de procedibilidade da execução, uma vez que não tinham qualquer relação com a instituição bancária mutuante ou com a Exequente nem a sua posição seria alterada se efectivamente o PERSI tivesse sido iniciado e seguidamente declarado extinto.


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Adiantando solução, cremos que a razão está do lado do Recorrente.


Como bem dá conta a decisão recorrida, o Decreto-Lei nº227/2012, de 25 de Outubro (em vigor desde 1 de Janeiro de 2013 – ut artigo 40º), veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras[1].

Este procedimento surge no contexto da crise económica e financeira que afectou a maioria dos países europeus a partir de 2008, sendo aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.

Tal procedimento constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo, entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação (art.ºs 14º, 15º e 16º do DL227/2012, de 25.10)[2].

Como se observou no Acórdão do STJ de 09.02.2017[3], foi propósito do legislador com o DL nº 227/2012, “obviar a que as instituições de crédito, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de “consumidor”, na acepção que lhe é dada pela Lei do Consumidor (Lei nº 24/96 de 31.07, alterada pelo DL nº 67/2003 de 08.04), salvaguardando, através dos mecanismos nele criados, a posição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente, numa época de acentuada crise económica e financeira”.

Ou seja, instituiu-se um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».

Desta forma, o legislador veio implementar medidas tendentes à “prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”, em que quis envolver o credor/instituição de crédito, impondo-lhe deveres de suporte da contraparte fragilizada[4].


O artigo 1º do diploma em causa estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no nº 1 do artigo seguinte».

Na alínea b) do nº1 do artigo 2º integram-se os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel na esfera de previsão do PERSI.

No artigo 18º do mesmo diploma, dispõe-se sobre as garantias do cliente bancário[5]-[6].


Verificando-se os pressupostos do PERSI, é obrigatória a integração do cliente bancário nesse regime, caso em que a acção judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (ut artigo 18º, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012), sendo que a omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configura, também, excepção dilatória atípica ou inominada, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção. É que tem de considerar-se a integração automática do cliente-devedor em mora no PERSI, procedimento que só se extingue em situações tipificadas na lei (ut artigo 17.º, n.º 1 e 2, do DL 272/2012), sendo que a extinção só produz efeitos, de molde a permitir ao Banco propor acção executiva, se for comunicada ao cliente nos termos legalmente exigidos (artigo 17.º, n.º 3, do citado diploma).

Ou seja, tendo lugar a falta de pagamento das prestações devidas pelo devedor, a integração do devedor em mora no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) é obrigatória (art. 12° e 14°, n° 1) e a execução apenas pode ser instaurada após a extinção daquele procedimento (art. 18o, n° 1, al. b), como tem sido assinalado pela jurisprudência, de modo que se nos afigura pacífico.

E sendo obrigatória a integração do devedor no PERSI, a sua omissão implica a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva, como igualmente vem sendo decidido, de modo pacífico, pela jurisprudência[7].


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Regressemos aos autos.

Dúvidas não há de que à data da cessão de créditos feita pela mutuante Caixa Económica Montepio Geral à Exequente Panorama Jubilante S.A. (12.07.2019), o executado/devedor estava em mora no pagamento das prestações devidas pelos contratos de financiamento que havia celebrado com a mutuária (nº 221.21.100762-2 – Contrato de Crédito Montepio Habitação; nº 221.27.100333-9-Contrato de Crédito Lara Mais) – cfr. factos 10 a 13.

E sendo assim, parece claro que a execução promovida pela cessionária (Panorama Jubilante S.A.) não podia prosseguir sem que a entidade cedente (Caixa Económica Montepio Geral), enquanto instituição de crédito, não integrasse o devedor (ora recorrente) no PERSI (ou seja, não o integrasse antes da cessão dos créditos).


Assim, a pergunta a fazer é esta: uma entidade que não seja uma instituição de crédito e que adquiriu um crédito de uma instituição de crédito, sem que esta tivesse integrado o cliente bancário incumpridor no PERSI, estando obrigada a fazê-lo, pode, ainda assim, prosseguir com uma execução?

Dúvidas não de que – e é reconhecido a decisão recorrida – a mutuante Caixa Económica Montepio Geral, enquanto instituição de crédito, estava obrigada a integrar o (seu) cliente mutuário no PERSI e que assim não procedeu.

Era obrigada a integrá-lo de novo no PERSI.

Com efeito, a instituição de crédito Caixa Económica Montepio Geral já havia anteriormente incluído (em 06.05.2014) o executado no PERSI, tendo “em virtude de expiração” sido extinto tal enquadramento do executado nesse Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (cfr. factos provados nºs 20 e 21).

Porém, o executado encontrava-se de novo em situação de incumprimento, por via da mora, relativamente aos contratos de mútuo com hipoteca celebrados com a “Caixa Económica Montepio Geral”, desde 20/12/2018 e 02/02/2019. Por isso, o devedor foi interpelado por esta instituição bancária em 25/03/2019 e 21/05/2019 para, em 10 dias, regularizar a situação (cfr. factos provados nºs 10 e 11).

A necessidade de integração de novo, do executado, no PERSI até é, como dito, reconhecida pela decisão recorrida, ao referir ser “indiscutível que a “Caixa Económica Montepio Geral” estava de novo obrigada a integrar o mutuário (cliente bancário), ora Embargante/executado no PERSI e não o fez. Na verdade, existe a necessidade de repetir o procedimento PERSI, sempre que ocorra futuro e sucessivo incumprimento – destaque nosso.


Efectivamente, quer a letra da lei, quer o espírito que preside ao DL nº 272/2012, não dão sustento à interpretação que limita a um único PERSI o incumprimento pelo mutuário num contrato de mútuo em que se convencionou o reembolso do capital e juros em prestações mensais, em contratos em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos de tempo, que podem atingir as dezenas de anos, como sucede nos casos de empréstimos para a habitação.

É que, as circunstâncias subjacentes a cada umas daquelas faltas de pagamento podem ser diferentes, como diferentes podem ser as medidas que no âmbito do PERSI possam contribuir para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos embargantes. A diversidade de situações justifica o desencadear de diferentes procedimentos.

Como se refere no Ac. do STJ de 09.12.2021 (processo nº 4734/18.5T8MAI-A.P1.S1), “A tutela dos interesses dos consumidores pode ocorrer em diversas situações. A limitar-se a intervenção do PERSI a uma única situação de mora, podem ficar sem tutela situações que ocorram alguns anos após a extinção daquele PERSI e que em princípio justificariam a implementação de um PERSI.

Nesta senda, a falta de pagamento das prestações devidas em 27.03.2016 e 27.08.2017 devia ter levado o credor Montepio a implementar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). E assim não tendo ocorrido, estamos, como dito supra, perante uma excepção dilatória inominada, conducente à absolvição dos Executados da instância executiva.


E não deixa de ser assim por o exequente não ser o CEMG, mas sim o cessionário do crédito. É que se a cessão de créditos é livre, “independentemente do consentimento do devedor” (art. 577º do CCivil), o art. 585º consagra o direito do devedor de “opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.”.


Ora, como bem refere a Relação, a pp 39 do acórdão recorrido, “Em suma, a “Caixa Económica Montepio Geral” não cumpriu as obrigações de integração no PERSI.” – no novo PERSI. E não apenas não cumpriu tais obrigações, como ainda – acrescenta a Relação –  “.., para mais, em 12/07/2019, cedeu esses créditos a instituição não bancária, como é o caso da “Panorama Jubilante, SA”.

Diz a Relação que “Se o cessionário fosse uma instituição de crédito e o cliente não tivesse sido incluído no PERSI era claro e transparente que procedia a defesa por excepção.”. Mas como a cessionária não era uma instituição de crédito, a Relação já questiona acerca do “que se passa se o adquirente dos créditos não for uma instituição de crédito”, entendendo que, nesta situação, a cessão de crédito é perfeitamente possível – válida e eficaz – , não havendo consequências da não inclusão prévia do devedor no PERSI, podendo o cessionário promover a acção/execução, desde que no relacionamento com o devedor lhe tenham sido asseguradas garantias idênticas às que o PERSI prevê.

Mais entendeu a Relação que tais garantias foram asseguradas, pois, no seu ver, a mutuária levou a cabo um processo de todo idêntico ao previsto no PERSI (ou seja, observou os procedimentos exigidos pelo Dec.º-Lei nº 227/12, de 25.10).

Será assim?

Não nos parece, de todo.


*


Não há dúvida que o legislador do Dec.º-Lei nº 227/12, de 25.10 teve o cuidado de plasmar todo um conjunto de garantias de defesa aos clientes em situações de mora ou incumprimento, maxime no já citado artº 18º (Garantias do Cliente bancário), no fito da proteger a parte mais débil na relação contratual bancária, pondo-o a coberto de eventuais abusos das instituições de crédito na concessão de crédito, e, outrossim, evitando eventual cessão de créditos para outras entidades (a um “terceiro”, diz a al. c) do cit. art 18º, nº1) que não sejam instituições de crédito, sem que antes se inicie e extinga o PERSI.

A Relação, porém, procura, aqui, trazer aos autos uma interpretação “extensiva” da previsão do diploma, alargando a possibilidade de cessão do crédito pela mutuante a entidades que não sejam instituições de crédito, vendo aqui uma “lacuna” no diploma, a preencher por via da referida interpretação extensiva.

Ora, salvo melhor opinião, não há lacuna alguma: a lei é absolutamente clara, ao dizer (cit. artº 18º) que «1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:

(…)

b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;

c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito”.


Ou seja, o legislador foi, não apenas exigente, mas igualmente claro e peremptório: não é possível instauração de acção para cobrança do crédito (b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito) sem que o cliente bancário tenha sido inserido no PERSI, e bem assim “Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito” – como ocorreu in casu, em que a instituição de crédito mutuante cedeu ao terceiro (isto é, a quem não é uma instituição de crédito - a exequente) a totalidade do crédito que detinha sobre o devedor/executado.

Em defesa da posição ora sustentada, a Recorrente chama à colação, com toda a pertinência, acórdãos das Relações (de Coimbra, de 8.3.2022 - proc. 824/20.2T8ANS.C1- e de 30 .01.2020, disponível em www.dgsi.pt, e de Guimarães de 30.01.2022 - processo n.º 5520/18.8T8VNF-A.G1).

Como bem refere o primeiro dos dois arestos (num caso de todo similar ao destes autos) – acompanhando Andreia Sofia Lúcio Engenheiro, in O crédito bancário: a prevenção do risco e gestão de situações de incumprimento”, Dissertação com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito na área de Ciências Jurídicas Empresariais - Universidade Nova de Lisboa[8] - citada no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.01.2020, disponível em www.dgsi.pt:

… a entidade bancária não podia ter cedido o crédito dos autos à exequente sem ter previamente cumprido as exigências legais, não podendo a ora exequente escudar-se na circunstância de não ser uma entidade de crédito para, desde modo, evitar que sejam cumpridas as exigências legais.

“Com efeito, de outro modo estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, bastando para o efeito que, em violação do estatuído no citado diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido, sendo-lhe, por isso, lícito, sem quaisquer restrições, resolver de imediato o contrato de crédito com fundamento em incumprimento (art. 18.º, n.º 1, al. a)), intentar ações judiciais contra o mutuário, tendo em vista a satisfação dos respetivos créditos (al. b)), ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito em causa (al. c)) ou transmitir a terceiro a sua posição contratual (al. d)).

Tal representaria, fácil é de ver, uma autêntica fraude à lei, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime que visa tutelar as situações dos clientes bancários que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, solução essa que deve ser rejeitada.”.

Acrescentando o segundo dos arestos que “«A razão de ser desta última exceção permitir a cedência ou a transmissão do crédito de cliente bancário integrado em PERSI –, justifica-se desde que seja possível dar continuidade à aplicação do referido procedimento o que poderá ser vantajoso em situações em que o cliente bancário consiga melhores condições com outra instituição de crédito –, pois caso contrário a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime, na medida em que se o cessionário não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação do Regime Geral não estaria obrigado a dar cumprimento ao PERSI.(…).”.


Concorda-se inteiramente.

Donde se concluir que o legislador do Dec.-Lei nº 227/2012, de 25.10 visou impedir/proibir que houvesse lugar à cessão de créditos, também a terceiros que não sejam instituições de crédito, e, outrossim, à instauração da acção ou execução antes de o devedor em incumprimento ter sido integrado no PERSI e durante a execução deste procedimento, isto é, antes de o mesmo ter sido declarado extinto.

E disse-o sem rodeios ou brechas (“lacunas”), de forma que não vemos como pode a Relação concluir que há lacuna na lei a colmatar por via de uma interpretação “extensiva”.

Se assim não fosse, é evidente que bastaria que a mutuante simulasse uma cedência dos créditos a um terceiro que não fosse uma instituição de crédito para tornear a proibição legal de prosseguimento de acção ou execução contra o devedor em incumprimento sem que este tenha sedo integrado no PERSI e durante a sua execução. Não duvidamos que seria uma clara fraude à lei. Como bem diz o recorrente, era uma claríssima forma de deixar entrar pela janela o que proibiu que entrasse pela porta, sob pena de se frustrar completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI.

Como tal, não pode aceitar-se como admissível a cedência do crédito, à exequente/Embargada, por banda da mutuante Caixa Económica Montepio Geral, sem que desse cumprimento ao PERSI (e antes de o mesmo ser declarado extinto), daí a ausência de procedibilidade por banda da Exequente.


§ A Exequente/cessionária seguiu um processo de negociação com o executado idêntico ao previsto no PERSI?

Esta questão acaba por ficar prejudicada pela resposta à anterior:  a não admissibilidade da cessão do crédito à exequente (um terceiro – que não é uma instituição e crédito) antes de o devedor em incumprimento ter sido integrado no PERSI e durante a execução deste procedimento, isto é, ou seja, antes de o mesmo ter sido declarado extinto.

Ou seja, sem que o executado devedor/recorrente tenha sido integrado no PERSI e durante a execução deste procedimento, pouco importa saber do eventual procedimento que a cessionária tenha tido para com o devedor relativamente à cobrança da dívida, maxime o âmbito das negociações entre eles eventualmente havidas.


*


Sem embargo, porém, é pertinente “registar” que (ao contrário do que se pretende fazer crer na decisão recorrida – quando refere que “antes da entrada da execução, a exequente encetou um procedimento extrajudicial de resolução, em tudo decalcado àquele que está contemplado na legislação PERSI (artigos 14.º a 17.º do diploma)”), de forma alguma a exequente utilizou para com o Recorrente/devedor um processo similar ao PERSI.

Com efeito, o que se constata, com toda a clarividência, é que a exequente, após a aquisição do crédito, mais não fez do que interpelar o executado para que este procedesse ao pagamento integral da dívida (€ 107.274,82, acrescido do pagamento de todas as prestações de capital vincendas), num prazo que fixou em 30 dias, consignando na interpelação que não sendo o pagamento efectuado “consideremos a ocorrência de incumprimento definitivo para todos os efeitos legais, designadamente para efeitos do disposto nos artigos 808º e 436º do Código Civil, e para o direito de preenchimento da livrança caso esta exista, pelo valor acima indicado.” (cfr. facto 17).


Diz o acórdão recorrido:

“Sem prejuízo de estar impossibilitada de integrar o devedor no PERSI, antes da entrada da execução, a exequente encetou um procedimento extrajudicial de resolução, em tudo decalcado àquele que está contemplado na legislação PERSI (artigos 14º a 17º do diploma).

A saber, está comprovado que, numa fase inicial reuniu com o devedor, solicitou todas as informações necessárias para avaliação da sua capacidade financeira (declaração de IRS, recibos de vendimento, etc…), bem como do registo predial do imóvel.

Está também certificado nos factos provados que, de seguida ao nível da fase de avaliação e proposta, a exequente recebeu e analisou a primeira proposta do executado, recusou a mesma, solicitou documentação adicional e promoveu a avaliação do imóvel dado em garantia.

E, por fim, também consta do acervo factual provado que apresentou ao devedor três alternativas de resolução extrajudicial que o devedor não aceitou.”.

Nesta senda – e considerando a Relação que “sempre que a cessionária siga um procedimento negocial idêntico àquele que está plasmado no Decreto-Lei nº227/2012, de 25/10, não se pode dizer que a falta de integração formal no PERSI retira direitos ou reduz expectativas legítimas do devedor, quando a acção executiva só foi instaurada depois de gorada a concretização da solução negociada que se apresentava razoável, face às circunstâncias do caso concreto” – , conclui o acórdão recorrido que foram cumpridas as exigências ínsitas no PERSI, nada impedindo o prosseguimento da execução.


Mas, percute-se: não ressalta, de todo, dos factos provados que a exequente tenha “antes da entrada da execução”, encetado um “um procedimento extrajudicial de resolução, em tudo decalcado àquele que está contemplado na legislação PERSI”.

Bem pelo contrário, como os factos provados bem ostentam.

Efectivamente, o que a cessionária/exequente – representada pela W..., S.A. – fez, após a aquisição do crédito à mutuante, foi, simplesmente, remeter ao Mandatário do Embargante/Executado, “com conhecimento a este”, por correio electrónico, a mensagem constante do facto 25, onde constava, designadamente:

“Informo que temos as seguintes formas de negociação: - pagamento total do valor em divida. Promoção e venda pelos Mutuários do imóvel a terceiros, mais um pagamento adicional do remanescente, caso o valor da venda não chegue para liquidar a totalidade em divida, com o prévio consentimento da W.... Entrega do imóvel, para pagamento da totalidade do valor em divida, caso o valor da avaliação a ser promovida por nós; às nossas expensas, seja de igual ao valor da divida. Entrega do imóvel para pagamento do valor divida, mais um pagamento adicional do remanescente caso o valor da referida avaliação seja inferior ao valor em divida. Informo que, para a análise de qualquer uma proposta em concordância com os cenários supra referidos é necessário que nos faça chegar a seguinte documentação….”.


Ora, é manifesto que tal missiva não consubstancia ou contém qualquer proposta de negociação, antes se limita a dar conhecimento das hipóteses de pagamento aceites pela exequente: pagamento total do valor em divida”, ou “venda pelos Mutuários do imóvel a terceiros, …”. O que nada, mesmo nada, tem a ver com a promoção de diligências necessárias à regularização do crédito ínsitas no diploma do PERSI (cfr. requisitos contidos nos arts. 14º a 19º do Dec.Lei nº 227/2012, de 25.10).


Como bem refere o Recorrente, “o PERSI serve para, após avaliação da natureza pontual ou duradora do incumprimento, avaliar a capacidade financeira do consumidor e apresentar propostas de regularização da dívida.

Ora, a regularização da dívida pressupõe a renegociação das condições do contrato ou a sua consolidação com outros contratos de crédito, tal como decorre das alíneas a) e c) do n.º 4 do artigo 15.º, e não a mera interpelação para pagamento integral da dívida, mediante uma de quatro opções: 1) pagamento total do valor em divida; 2) promoção e venda pelos Mutuários do imóvel a terceiros, mais um pagamento adicional do remanescente, caso o valor da venda não chegue para liquidar a totalidade em divida; 3) entrega do imóvel, para pagamento da totalidade do valor em dívida, caso o valor da avaliação a ser promovida pela credora Exequente seja de igual ao valor da divida; 4) entrega do imóvel para pagamento do valor divida, mais um pagamento adicional do remanescente caso o valor da dívida.”.


Portanto, não pode, de todo, aceitar-se a conclusão firmada pela decisão recorrida de que dos factos provados resulta que foram respeitados pela exequente/cessionária os procedimentos que seriam observados por instituição de crédito ao abrigo do PERSI.


A Relação, em abono da sua posição, chama à colação o Ac. do STJ de 9.2.2017[9].

Olvida, porém, que a situação factual ali assente é muito diferente da destes autos, desde logo – o que faz toda a diferença – , porque ali a relação contratual firmada foi-o com uma instituição de crédito, e não (como aqui) com um terceiro que não é uma instituição de crédito após a cessão da posição contratual. Para não falar do facto de naqueles autos – ao contrário destes – a decisão se reportar a factos ocorridos bem antes da entrada em vigor do Dec.-Lei nº 227/2012, de 25.10 – o que também faz toda a diferença.

Diz-se, com efeito, e nomeadamente, naquele aresto, em transcrição de excerto do ac. da Relação de Guimarães, de 2.5.2016, que “a partir de Maio de 2011 e até Março de 2013, as partes nestes contratos de crédito, tentaram activamente obter um acordo de regularização das situações de incumprimento, sendo certo, até, que tinham obtido o acordo para a dação em cumprimento em Outubro de 2012, ou seja, antes da entrada em vigor do DL 227/2012 (acordo esse que apenas se veio a gorar nos termos supra referidos).”. Donde – continua o aresto – “Não teria qualquer sentido integrar esta situação de incumprimento no PERSI, quando tudo o que este preconiza tinha sido levado a cabo pelas partes durante mais de ano e meio, tendo logrado obter o acordo para a regularização da situação de incumprimento, antes da entrada em vigor daquele diploma (…)..

A negociação com vista ao acordo, terminou emMarçode2013comaalteração das circunstâncias que o haviam ditado, (…).

Vir agora invocar este diploma para concluir que o Banco estava impedido de intentar acção judicial para satisfação do seu crédito no período compreendido entre a integração no PERSI e a extinção deste, configura um claro abuso de direito por parte dos recorrentes, actuação que o direito não tutela e considera ilegítima artigo 334.º do Código Civil”.

Ou seja, a decisão seguida pelo Supremo naquele processo não nos merece qualquer discordância. Só que, como visto, foi estribada em factos que extravasam, de todo, dos que se provaram nestes autos, estando-se perante situações completamente diferentes, quer (repete-se) porque não se estava ali perante um “terceiro” (que não uma instituição de crédito) cessionário do crédito, quer porque as negociações havidas com o ali devedor tinham terminado emMarçode2013, portanto (ainda antes da entrada em vigor do Dec.-Lei nº 227/2012).


§ Se a execução sempre deveria prosseguir contra os demais executados

A resposta é negativa.

Diz o ac. recorrido que não tendo os executados BB e CC qualquer relação com o Banco Originador ou com a Exequente, limitando-se a ser demandados por questões de litisconsórcio voluntário, não vale contra eles a excepção de improcedibilidade.

Sem razão, porém.

Com efeito, sendo absolvido da instância o executado (devedor/Recorrente), por falta de procedibilidade contra ele (trata-se de excepção dilatória atípica), nos sobreditos termos, extinguindo-se a execução, parece evidente que a execução não deverá prosseguir contra os demais executados (terceiros que através da hipoteca garantem a dívida) – isto, sem olvidar que, como reza o artº 568º, al. a) CPC, os efeitos da revelia previstos no artº 657º CPC não se aplicam quando “havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar”.


A doação do imóvel pelo executado/devedor em nada altera a situação.

Poder-se-ia questionar se tendo o embargante doado – embora sem autorização ou conhecimento da Caixa – o imóvel sobre que incidem as hipotecas a favor da mutuante Caixa Económica Montepio Geral, tal constitui uma causa de extinção imediata do PERSI, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, al. e), do DL n.º 227/2012, por colocar em perigo a garantia e daí se considerar que não havia impedimento à instauração da ação executiva.

Mas não é assim.

Com efeito, sendo a garantia do crédito uma hipoteca, que, porque goza de sequela (ut artº 686.º do Código Civil), acompanha a coisa em todas as suas vicissitudes, não pode dizer-se, sem mais, que esteja em perigo a garantia, pois o credor pode fazer-se pagar pelo valor da coisa onde quer que ela se encontre. A que acresce que a lei não admite a extinção automática do PERSI, antes sempre se exigindo sejam cumpridos os deveres de informação e de comunicação - que, no caso presente, não se mostra terem sido cumpridos (obviamente, porque nem, sequer, houve integração – nova integração – do executado/devedor no PERSI, como se impunha). Com efeito, mesmo que, por hipótese de raciocínio, tivesse havido integração do devedor no PERSI e houvesse lugar à extinção deste procedimento, como ressalta do n.º 3 do artigo 17.º, a instituição de crédito tinha sempre de informar o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, dessa mesma extinção, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais entendia ser inviável a manutenção deste procedimento – o que, repete-se, não foi feito, antes se partindo, sem mais, para a instauração da ação executiva.

Em suma: considerando-se que não teve lugar a (nova) integração do executado/devedor no PERSI e que, a ter tido lugar essa integração, sempre se impunha, antes da sua extinção, quer a comunicação daquela integração, quer a da sua extinção – cumprimento destes procedimentos que constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva) – , não tendo sido dado cumprimento a tais procedimento, nos sobreditos termos, a sua falta constitui uma excepção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576, nº 2, do CPC)[10].


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Acresce que – porque o abuso do direito é de conhecimento oficioso – não se pode entender que, tendo o executado procedido à doação do imóvel, ao vir invocar o PERSI para paralisar a execução esteja a agir em abuso do direito.

Como refere o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 12-01-2021 (proc. n.º 2689/19.8T8GMR-B.G1.S1), «I - O abuso de direito não significa uma desaplicação de normas com base numa remissão genérica para sentimentos de justiça. Os tribunais exigem a prova rigorosa dos seus elementos constitutivos e a ponderação dos valores sistemáticos em jogo, de acordo com modelos experimentados ao longo da história pelo labor da jurisprudência».

Porque nos situamos em perfeita concordância, deixa-se o que – a propósito de situação paralela ao dos autos – se escreveu no ac. deste Supremo Tribunal de 16.11.2021 (proc. 1827/17.9T8SNT-A,L1.S1).

Como ali se escreveu, “Para que seja aplicado o instituto do abuso do direito, é, pois, necessário que os factos provados sejam inequívocos no sentido de demonstrarem a má fé dos executados e que o exercício do seu direito ou posição jurídica exceda o fim social e económico que constitui a sua razão de ser.”.

Ora, tal como ali, também aqui se considera que a doação do imóvel sobre o qual incide a garantia prestada “não desonera os devedores do pagamento da dívida, nem desonera a instituição bancária das suas obrigações de integração dos executados em PERSI, e de informação/comunicação da extinção do mesmo”.

Assim, entendemos que a doação, desprendida de factualidade que não se encontra alegada nem provada relativa ao objectivo do negócio ou outras circunstâncias contemporâneas do mesmo indiciadoras de má fé, não paralisa o direito de o executado solicitar a integração em PERSI e tentar negociar as melhores condições para o pagamento da dívida.

Acresce que, como refere o citado aresto “não se pode esquecer, como se salienta no Preâmbulo do diploma legal que prevê o PERSI, que estamos perante uma relação jurídica caraterizada por uma acentuada assimetria informativa, em que a parte mais fraca é o cliente bancário, que recorreu ao crédito”.

O instituto do abuso do direito tem que estar secundado em factos indiciários de má fé ou de contrariedade aos bons costumes ou ao fim económico e social do direito.

Ora, a má fé dos executados, no caso dos autos, não está provada, nem resulta da matéria de facto.

«O recurso ao PERSI corresponde ao exercício de um direito que a lei concedeu aos devedores precisamente por entender que os clientes bancários, em dificuldades financeiras para assumirem as suas obrigações, precisam de proteção.

Para além de não estarem verificados os requisitos específicos do instituto do abuso do direito, nas suas várias modalidades, tal como vêm sendo sedimentados pela jurisprudência e pela doutrina, são aqui pertinentes as afirmações de Vaz Serra (“Abuso de direito”, BMJ, n.º 85, pp. 243 e ss) e de Manuel de Andrade (Teoria Geral das Obrigações, Almedina, Coimbra, 1966, p. 63), que formulavam o abuso do direito através de cláusulas gerais – “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” ou “de modo particularmente escandaloso para a consciência jurídica dominante”. Com efeito – reitera-se – a assimetria informativa entre as partes de um contrato de mútuo bancário, em que uma delas, o cliente-devedor, ocupa a posição de consumidor, juntamente com a escassez dos factos provados, impedem que estejamos perante qualquer injustiça para o Banco que choque a consciência social dominante. De resto, o Banco não fica prejudicado com a alienação, uma vez que continua a ser titular de um direito de hipoteca sobre o bem alienado»[11].

Remata o ac. do STJ de 16.11.2021, que vimos de citar (proc. 1827/17.9T8SNT-A,L1.S1), que, como se entendeu no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 02-12-2013 (processo n.º 306/10.0TCGMR.G1.S1), «A aplicação do instituto do abuso do direito tem uma natureza subsidiária, só a ele sendo lícito recorrer na falta de uma norma jurídica que resolva, de forma adequada, a questão em causa, exigindo-se a prova rigorosa dos seus elementos constitutivos e a ponderação dos valores sistemáticos em jogo, sob pena de se tratar de uma remissão genérica e subjectiva para a materialidade da situação».


*


Um último reparo: considera o acórdão recorrido que se não detectam quaisquer sinais de exploração de fragilidades do Executado por parte da Exequente. Acrescentando que as partes estão em igualdade de circunstâncias e que a alegada negociação encetada pela Exequente, cujas regras foram por ela determinadas, foram realizadas com todas as garantias para o Executado.

O já explanado mostra, à saciedade, que não é assim, dispensando-nos, a propósito, de adicionais considerações.


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Atento todo o explanado, impõe-se a revogação do acórdão recorrido e a manutenção do sentenciado.


IV. DECISÃO 

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, consequentemente, conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e mantendo-se o decidido na sentença.

Custas a cargo da Recorrida.


Lisboa, 02 de fevereiro de 2023


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 2º Adjunto)

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[1] Como reza o preâmbulo desse diploma, «a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei nº67/2003, de 8 de Abril».

[2] Assim, dispõem os arts. 13º a 15º:

Art. 13.º

No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado.

Art. 14.º

Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado em PERSI entre o 31º e 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa.

Art. 15.º

(…).

4. No prazo máximo de 30 dias após integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:

a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, de renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou

b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objectivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capita ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.

(…).

[3] Proc. 194/13.5TBMN-A.G1.S1., disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cit. Preâmbulo.
[5]Artigo 18ª (Garantias do Cliente bancário):

«1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:

a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;

c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou

d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.

2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:

a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito;

b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou

c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.

3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.

4 – Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do nº 2 todas do artigo anterior” – os destaques são nossos.

[6] Visto que no acórdão recorrido se alega que a adquirente do crédito levou a cabo um processo similar àquele que é exigido pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, a fim de se dissiparem dúvidas, esclarecem-se as diversas fazes em que se desenvolve o procedimento do PERSI (nos casos, portanto, de mora e/ou incumprimento):

i) uma fase inicial – na qual as instituições de crédito mutuantes informam o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento. Sendo que, caso esse incumprimento se mantenha, o cliente será obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e 60º dia posterior à entrada em mora.

ii) uma fase de avaliação e proposta – na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objectivos e necessidades (consoante concluam que a renegociação das condições do contrato, ou a consolidação do crédito com outros, são soluções exequíveis).

iii) uma fase de negociação – no âmbito da qual o cliente poderá recusar ou propor alterações à proposta apresentada e, por sua vez, a instituição de crédito mutuante poderá rejeitar as alterações sugeridas ou, quando considere que não existem alternativas viáveis e adequadas ao cliente, abster-se de apresentar uma contraproposta ou uma nova proposta.

[7] Cfr., inter alios, os acórdãos das Relações do Porto de 23.02.2021, P. 8821/19, de Coimbra de 15.12.2020, CJ, 2020, 5º, pag. 283, e da Relação de Lisboa de 21.10.2021, P. 12205/18.
[8] Julho de 2015, p. 57, https://run.unl.pt/bitstream/10362/16176/1/Engenheiro_2015.pdf
[9] Processo n.º 194/13.5TBCMN-A.G1.S1 – in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. sumário do acórdão do STJ de 19-05-2020 (Processo n.º 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, acessível através do portal de pesquisa ECLI): «(…) 2. Enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art.18º daquele diploma). 3. O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância.».
No mesmo sentido vai o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-04-2021 (proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1) onde se plasmou, em sumário, que «A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC)».
E como realçou o acórdão deste tribunal de 16-12-2020, o PERSI, enquanto instrumento para a prevenção de incumprimento no crédito bancário, não se basta com o cumprimento formal, pela instituição de crédito, do dever de integração do cliente bancário no procedimento, antes lhe sendo exigida a observância de deveres específicos e a realização de diligências concretas, ut artigo 15.º, do DL 227/2012, de 25-10 – Processo n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[11] Acrescenta – pertinentemente – este aresto do STJ.