Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
36839/20.7YIPRT.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE REVISTA
SUCUMBÊNCIA
VALOR DA AÇÃO
RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
PRESSUPOSTOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
Apenso:
Data do Acordão: 05/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Tendo a Ré aceitado a sua condenação parcial na 1ª instância e interpondo recurso de revista da decisão da Relação que (na procedência da apelação interposta pela autora) a condenou em montante superior ao da sentença, a medida da sucumbência da Ré/apelada, para efeitos do recurso de revista por si interposto, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença da 1ª instância e no acórdão da Relação (cfr. AUJ nº 10/2015, de 14.5.2015). E sendo tal diferença de valores inferior a metade da alçada da Relação, não é admissível o recurso de revista normal ou comum.

II. Assim, também não é admissível a revista excepcional, já que o acesso à revista - quer normal, quer excepcional - não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, nomeadamente os relacionados com a natureza e conteúdo da decisão, valor do processo ou da sucumbência (artº. 629°, n° l).

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, SEGUNDA SECÇÃO


I – RELATÓRIO


Advancebuild, Engenharia e Construção, Lda.” intentou requerimento de injunção contra “Cari, Construções, SA”, pedindo que a requerida fosse notificada no sentido de lhe ser paga a quantia de € 15.758,00, proveniente do vencimento de duas faturas não pagas e relativas a um contrato de subempreitada que visou a realização de trabalhos na Escola ....


A requerida ofereceu oposição, aceitando a existência do contrato de subempreitada, mas alegando nada dever e ter devolvido à requerente as faturas em causa.

A convite do tribunal, a autora apresentou petição inicial reformulada onde esclarece que os valores faturados dizem respeito a trabalhos extra solicitados pela ré, nas fachadas do ginásio, e a abertura de furos na estrutura de suporte.

A ré contestou nos mesmos termos em que já tinha oferecido a oposição.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia global de € 2.075,52, acrescida dos juros moratórios comerciais contados desde as datas de vencimento das faturas até integral pagamento das quantias em dívida, juros esses que, naquela data, ascendiam ao montante global de € 41,22, mais devendo a ré pagar à autora a quantia de € 40,00, a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, absolvendo-se a ré do demais peticionado.


A autora interpôs recurso de apelação, vindo a Relação ..., em acórdão, a proferir a seguinte

“DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, que se substitui pela condenação da ré a pagar à autora a quantia global de € 15.398,99, acrescida de juros de mora comerciais, desde a data de vencimento das faturas, até integral pagamento das mesmas, acrescida da quantia de € 40,00 a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida.”.


Por sua vez inconformada, veio agora a Ré Cari, Construções, SA., apresentar recurso de “Revista Excepcional, subindo nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, atentas as disposições conjugadas dos art.º 627.º, 628.º, 629.º, n.º 2, al.ª d, 675.º e 676.º, todos do Código de Processo Civil”, apresentando alegações que remata com as seguintes


CONCLUSÕES:

A. No âmbito das declarações de parte com carácter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos, assume-se que as mesmas têm uma função meramente subsidiária, quando outros meios probatórios não existam, ou supletivo, quando aqueles não se mostrem suficientes.

B. É assim evidente a fragilidade do meio de prova previsto no artigo 466.º do CPC, pois são declarações testemunhais de uma parte interessada no ganho da causa.

C. LEBRE DE FREITAS é apoiante desta tese, quando refere que “A apreciação que o Juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime, se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.” -Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 26 de Abril de 2017… Op. Cit, § 125.

D. Apoiante desta teoria é, também, PAULO PIMENTA quando afirma que “face ao sistema probatório instituído, o mais provável é que a prova por declarações de parte tenha uma natureza essencialmente supletiva…!” - Paulo Pimenta in “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2014, pág. 357.

E. A prova por declarações de parte surge, assim, como elemento de clarificação sobre os resultados obtidos através de outros meios probatórios e quando não haja lugar a estes, devido à sua escassez, será utilizada como meio subsidiário.

F. Na esteira desta linha de pensamento, o momento temporal para apresentação a prova por declarações de parte, estabelecido pelo legislador, é uma manifestação do sentido supletivo que este quis atribuir a este meio probatório.

G. Ou seja, quando apresentadas visam colmatar uma falha ao nível da produção de prova, designadamente da prova testemunhal.

H. Face ao exposto, uma eventual defesa desta tese, leva a concluir que a prova por declarações de parte demonstra em litígio uma manifesta fragilidade na demonstração dos factos.

I. A tese do Princípio de Prova transmite, desde logo, a ideia que estamos perante um mero indício probatório, já que, segundo esta teoria, as declarações de parte não são suficientes por si só, para estabeleceram, autonomamente, um juízo de aceitabilidade final, podendo apenas auxiliar a prova de um facto quando conectadas com outros elementos probatórios.

J. As declarações de parte como princípio de prova encontram, também, a sua base na influência que subjaz ao próprio depoente, neste sentido CAROLINA HENRIQUES MARTINS refere que será um discurso puramente objectivo sobre a sua versão dos factos e, como tal, tratará de ser utilizado em última ratio, para combater uma fraca ou inexistente prestação probatória - Carolina Henriques Martins in “Declarações de Parte”, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015.

K. Pois para a autora, este meio probatório apenas irá auxiliar a persuasão da convicção do Juiz, quando corroborado com outros elementos probatórios.

L. Como princípio de prova as declarações têm um menor grau na valoração probatória, não sendo suficientes para o Juiz formar a sua convicção.

M. Esta tese tem sido a defendida maioritariamente na jurisprudência dos tribunais portugueses.

N. A terceira tese mencionada e defendida pelo Acórdão é referente à autosuficiência das declarações de parte.

O. De acordo com a auto-suficiência da prova por declarações de parte, estas bastarão por si só, não necessitando de ser corroboradas com outros meios probatórios.

P. No entanto, e como demonstrado, este tese é minoritária na doutrina a na jurisprudência,

Q. Já que e óbvio que estamos perante declarações interessadas no ganho da causa pelo que, assim, a prova por declarações de parte deverá ser especialmente desvalorada pelo julgador.

R. Como o Tribunal recorrido referiu, bem andou a 1.ª Instância ao valorizar especialmente a prova documental.

S. Ora, da prova documental apenas resulta a ordem de execução, da Recorrente à Recorrida, de seis metros lineares, o que resultou na condenação proferida em 1.ª instância,

T. Sendo que inexistem quaisquer outros meios probatórios, para além das famigeradas declarações dos legais representantes da Recorrido, que sustentem a adjudicação de maior quantidade de trabalhos.

U. Por conseguinte, andou mal o tribunal recorrido ao julgar como provada a execução de trabalhos em maior quantidade do que aqueles seis metros lineares.

V. Entende assim a R./Recorrente que, em face do exposto e porque legalmente inadmissível, não devem ser valoradas, como foram, as declarações de parte dos legais representantes da Recorrida, pelo não deve, igualmente, ser alterada a matéria de facto dada como provada e, em consequência, alterar-se a decisão de 1.ª instância nos termos operados pela Relação ....

W.Em suma, andou mal o Venerando Tribunal da Relação ... ao decidir como decidiu, pelo que deve tal decisão ser revogada no sentido da não alteração da decisão de 1.ª Instância.

X. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos art.º 466.º e 607.º, ambos do CPC.


Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder, revogando-se a decisão recorrida,   não se admitindo a alteração da matéria de facto dada como provada, pois só assim se fará

JUSTIÇA!


*


Não foram apresentadas contra-alegações.

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II – FUNDAMENTAÇÃO


III. 1. É a seguinte a matéria de facto provada (fixada na Relação após impugnação em recurso):

1. A A. dedica-se à atividade de reabilitação e construção civil.

2. No âmbito das respetivas atividades, A. e R. celebraram, por escrito, um acordo denominado “contrato de subempreitada”, cujo teor, constante de fls. 19 a 21, verso, aqui se dá por reproduzido.

3. Por força de tal acordo, a A. obrigou-se a executar trabalhos de fornecimento e de montagem de estrutura metálica na Escola ..., sendo que a R. se obrigou a pagar à A. o preço devido por tais trabalhos,

4. tendo as partes acordado no sentido do fornecimento e montagem, pela A., de estrutura metálica num total de 5.978,85 quilogramas, ao preço unitário de € 2,38 por cada quilograma, no valor total de € 14.229,66.

5. A R. pagou à A. o valor aludido em 4.

6. Em 2019, as partes acordaram no sentido da execução pela autora, de novos trabalhos no ginásio da Escola ..., não incluídos no acordo aludido em 2., tendo convencionado o fornecimento e montagem pela autora, de 72 metros lineares de cantoneira periférica ao ginásio, para suporte de painéis pré-fabricados de fachada, com o peso total de 5.634,45 quilogramas de ferro, o que perfaz o montante de € 13.808,99 (redacção dada pela Relação).

7. Em outubro de 2019, as partes acordaram ainda no sentido da execução, pela A., de novos trabalhos não incluídos no acordo aludido em 2., a liquidar pela R., respeitantes à abertura de 106 furos numa estrutura de suporte, ao preço de € 15,00 por cada furo, no montante global de € 1.590,00.

6-A – Tendo a autora, na execução desse acordo, fornecido e montado as referidas cantoneiras (aditado pela Relação).

8. A A. emitiu em nome da R., entre outras, as seguintes faturas:

- fatura nº ...75, no valor de € 13.808,99, datada de 21 de fevereiro de 2020, com indicação de pagamento a 30 dias, respeitante, em parte, aos trabalhos aludidos em 6.;

- fatura n.º ...84, no valor de € 1.590,00, datada de 18 de abril de 2020, com indicação de pagamento a 30 dias, referente aos trabalhos aludidos em 7.

9. Tais faturas foram entregues pela A. à R.,

10. tendo a R. recusado e devolvido essas faturas à A.


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Factos não provados (após a impugnação de facto na relação):

No âmbito do acordo aludido em 6., as partes convencionaram no sentido do fornecimento e montagem, pela A., de cantoneiras periféricas ao ginásio, para suporte de painéis pré-fabricados de fachada, com o peso total de 5.634,45 quilogramas de ferro, o que perfaz o montante de € 13.808,99,


***

III. DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA


A situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC), foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e encontra-se devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

Porém, entende-se que a revista não deve ser admitida.


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Antes de mais, note-se que, embora a recorrente (ré) diga que pretende interpor recurso de “revista excepcional”, o certo é que não indica, como fundamento de tal revista, o pertinente normativo da lei adjectiva civil (ut artº 672º), muito menos se reporta a qualquer das alíneas do seu nº1, maxime (no que à eventual contradição de arestos importaria) a al. c) desse número.


Limita-se, com efeito, a recorrente tão somente a mencionar a al.ª d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC (que transcreve) como fundamento normativo para a revista interposta, indicando um acórdão da Relação que terá decidido em sentido diferente a mesma questão fundamental de direito que no recurso se discute.

O mesmo é dizer que, afinal, embora apelide de revista excepcional, o que a Recorrente parece vir interpor é a revista normal ou comum (com base naquela al. d) do nº2 do artº 629º do CPC – ou seja, invocando situação em que (a seu ver) haveria sempre lugar a revista).


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Cremos que a Recorrente lavra nalguma confusão.

Com efeito, o recurso de revista comum com sustento naquela al.ª d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC (revista normal, portanto) está previsto para “acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual” (cfr. artº 671º, nº 2, al. a) CPC). O que não é o caso.

Já o recurso de revista excepcional, com fundamento na contradição de acórdãos abriga-se na al. c) do nº 1 do artº 672º do CPC. Preceito este que, como referido, não vem invocado!


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Como quer que seja, a revista – seja comum, seja excepcional – nunca seria admissível.

Vejamos.


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DA REVISTA COMUM


Mesmo que estivéssemos perante uma decisão interlocutória da Relação e se pretendesse sustentar a pretensão recursória (normal) ao abrigo daquela al. d) do nº 2 do artº 629º do CPC – isto é, mesmo que se tratasse de recurso de uma decisão que se não enquadrasse na norma do nº 1 do artº 671º CPC (o que não é o caso, pois se está, ao invés, perante uma decisão da Relação que incidiu sobre o mérito da causa) – , tal revista nunca seria admissível.

Efectivamente, não obstante a redação ínsita naquela alínea d), a gerar alguma confusão  (de facto não é nada clara quanto à exigência de que o valor do processo exceda o da alçada do tribunal  a quo ou de que o valor da sucumbência supere metade dessa alçada), o certo é que – como bem referem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[1] - , “apesar disso, a partir da consideração da parte final da al. d), formou-se um largo consenso no sentido de que a admissibilidade do recurso à luz deste preceito excecional não dispensa em caso algum (diferentemente das alíneas a) e c)), as exigências previstas no nº1 quanto ao valor da causa e quanto à medida da sucumbência”[2].


Ora, considerando que o valor da sucumbência (da Ré/recorrente) é, in casu, inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação[3] – com efeito: a Autora pediu €15.758,00 e juros de mora, tendo a Ré sido condenada a pagar-lhe €2.075,52 acrescido de €41,22 de juros vencidos mais €40,00 de custos com a cobrança da dívida; a Relação subiu a condenação da Ré para €15.398,99 e juros, mais os já referidos €40,00 –, a revista (comum) não é admissível.

Ou seja, a Ré/Recorrente, ao não ter interposto recurso da decisão da 1ª instância, aceitou, tacitamente, a sua condenação (parcial) ali havida, pelo que o valor da sucumbência da ora recorrente corresponde à diferença entre o montante em que foi condenada na 1ª instância e o montante em que veio a ser condenada na Relação, valor esse que está aquém daquele patamar mínimo que possibilita o recurso para o STJ.


Com efeito, ambas as partes podiam interpor recurso de apelação da sentença, não se conformando com a sentença na parte que lhes fora desfavorável. Porém, a Ré optou por não apelar da sentença, dessa forma aceitando o valor em que fora condenada na 1ª instância[4]. Pelo que na revista da decisão da Relação não poderia obter uma condenação em valor inferior àquela da 1ª instância e que havia aceitado ao não recorrer da sentença (nessa parte tendo transitado). E, percute-se, a diferença entre esse valor condenatório aceite pela Ré a a condenação operada pela Relação não permite recurso de revista.


Que assim deve ser entendido, já o firmou a doutrina fixada no Acórdão de uniformização de Jurisprudência nº 10/2015, de 14.5.2015, proc. 687/10.6TVLSB.L1.S1-A, in DR, I Série, nº 123, de 26.6.2015, pp 4483-4403 (Consº Fernando Bento), ao concluir que: «conformando-se a parte com o valor da condenação em primeira instância e procedendo parcial ou totalmente apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença da 1ª instância e o acórdão da Relação».

Neste entendimento, veja-se LEBRE DE FREITAS[5].


Como é sabido, o acesso à revista - quer normal, quer excepcional - não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente os relacionados com a natureza e conteúdo da decisão (art.º. 671°), valor do processo ou da sucumbência (artº. 629°, n° 1), legitimidade (art.º. 631°) e tempestividade (art.º. 638°).

Assim, por mor do critério do valor da sucumbência (artº 629º, nº 1) - ter sido a decisão pretendida impugnar desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal -, mesmo que o valor da causa seja superior à alçada do tribunal de que se recorre (1ª ou 2ª instâncias), o recurso não será admissível se o valor da sucumbência do (ou para o) recorrente não exceder metade da alçada desse tribunal.


Percute-se que situações há em que a revista é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência. Situações estas que vêm previstas no citado artº 629º, nº 2. E uma dessas situações é, precisamente, a contradição de acórdãos da Relação (ou do STJ, entendemos nós, desde que transitado), ut artº 629º, nº 2, a. d) CPC. Situação essa, como vimos, invocada pela Recorrente.

Mas, como dito, a presente revista não admissível ao abrigo daquele artº 629º, nº 2, al. d) CPC[6].

É que, como já observámos, embora o proémio deste nº 2 seja de molde a criar a ideia do contrário, o certo é que a jurisprudência do Supremo tem reiteradamente afirmado a necessidade da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade atinentes ao valor da causa e da sucumbência. Ou seja, se não houver alçada, ou sucumbência bastante (nos sobreditos termos) não é admissível a revista.

O que significa, portanto, que, não sendo a medida da sucumbência superior a metade da alçada da Relação, não se pode concluir pela verificação dos requisitos previstos no artº 629°, n° 2, al. d), do CPC. O que bastaria para que a revista (normal) não fosse admissível[7].


DA REVISTA EXCEPCIONAL


Mesmo que se entendesse que a revista excepcional foi correctamente interposta pela Recorrente – o que, como visto, não consideramos, pois não só afasta qualquer menção ao artº 672º do CPC, como muito menos enquadra a sua pretensão recursória em qualquer das alíneas de tal normativo – , ainda assim não era admissível a revista excepcional.


Desde logo, porque não estamos perante situação de dupla conforme. E só pode haver lugar a revista excepcional no caso de, apesar de se verificarem os requisitos gerais da revista normal, esta só não ser admissível precisamente por verificação daquela dupla conformidade decisória (ut artº 671º, nº 3 do CPC). Não havendo dupla conforme, arredada fica a possibilidade da revista excepcional, que tem aquela como pressuposto.


Por outro lado, mesmo que estivéssemos perante uma situação de dupla conforme, ainda assim não era, in casu, admissível a revista excepcional

É que, o acesso à revista, seja normal, seja excepcional, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente o que se reporta ao valor do processo e à sucumbência – esta que, como vimos, está aquém do limite mínimo para o recurso ao Supremo.

Não estando preenchidos os pressupostos ou requisitos gerais da revista comum ou normal, obviamente que não é possível a revista excepcional. É que a revista excepcional pressupõe que a revista normal (ou comum) não é admitida por força da designada dupla conforme (ut artº 671º, n º 3 CPC). 


Efetivamente, tem sido entendimento unânime da Formação a que alude o normativo inserto no artigo 672º, nº 3 do CPCivil, que a admissibilidade da Revista excepcional pressupõe que a Revista autónoma-regra só não seja admissível por se verificar a situação de dupla conformidade (pois se esta não existir não se poderá lançar mão da Revista excepcional), bem como que a respectiva competência se limita aos pressupostos específicos deste preciso recurso, sendo atribuição do Relator/Colectivo a quem o processo for distribuído a aferição dos pressupostos gerais[8].

Como é sabido, a revista excepcional não configura uma nova ou autónoma espécie de recurso, continuando a inserir-se no recurso ordinário de revista, apenas com a admissibilidade condicionada à verificação de certos pressupostos específicos, a avaliar pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 do artigo 672º.

Ou seja, se o recurso de revista nos termos gerais não for admissível, tendo em consideração os critérios gerais de recorribilidade, a espécie da decisão impugnada e o elenco das hipóteses enunciadas no art. 671º, a revista excepcional, porque pressupõe que seja a dupla conforme o único obstáculo à admissão do recurso nos termos gerais, também o não poderá ser.


Assim sendo, não se admitindo a revista normal por razões que extravasam da dupla conforme (a rejeição teve a ver com a medida da sucumbência – artº 629º, nº 1 CPC), arredada fica a possibilidade de revista excepcional – revista excepcional esta que, repete-se, nunca seria admissível, precisamente por se não verificar o pressuposto da dupla conforme.


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Atento todo o explanado, claudicam as conclusões da alegação de recurso.

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IV. DECISÃO

Face ao exposto, não se admite a revista interposta.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 05-005-2022


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro (Juiz Conselheiro - 1º adjunto)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira (Juíza Conselheira - 2º Adjunto)

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[1] In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª ed., pp780-781.
[2] Veja-se a justificação ali mencionada, com ilustração de doutrina e vasta jurisprudência.
[3] O valor da alçada da Relação está fixado em EUR 30.000,00 (cf. DL 303/2007, de 24 de Agosto e art.º. 44°, da Lei n° 61/13, de 26 de agosto). O que quer dizer que os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça estão limitados, em regra, às decisões proferidas em processos cujo valor seja igual ou superior a EUR 30.000,01 e em que o recorrente tenha ficado vencido em valor igual ou superior a EUR 15.000,01.
[4] Aceitação de tal condenação, diga-se também, que é, expressamente, plasmada nas alegações de revista, como pode ver-se do ponto 52º das mesmas e na conclusão W):
“W. Em suma, andou mal o Venerando Tribunal da Relação … ao decidir como decidiu, pelo que deve tal decisão ser revogada no sentido da não alteração da decisão de 1.ª Instância” - destaque nosso.
[5] Código de Processo Civil Anotado, 3º vol., p 26 (em anotação ao artº 629º CPC).
[6] Que reza:
"2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso (...):
(…)
d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.".
[7] A título meramente exemplificativo, deixa-se um excerto do que, sobre este aspecto, se escreveu, de forma expressiva, no acórdão do STJ de 23/06/2016, proc n.° 2023/13.0TJLSB.L1.S1:
"Esta questão coloca-se, face ã ressalva que, no proémio do n.° 2 do artigo 629. °, se faz à indiferença do valor da causa e da sucumbência, parecendo cobrir todas as alíneas ali integradas.

Não obstante essa aparência formal, não se afigura que a mesma seja decisiva para interpretar o alcance da admissibilidade recurso em termos de compreender a generalidade dos casos ali contemplados sem a condicionante da alçada ou da sucumbência, pelos seguintes motivos:

i - Em primeiro lugar, atendendo ao fator histórico, genético-evolutivo, do instituto em causa, como um dos mecanismos tendentes à uniformização jurisprudencial, no tipo de casos em referência, que sempre se tem confinado às situações em que se verificassem os requisitos gerais de cabimento de revista, como sucedia, outrora, no âmbito do artigo 764.°, introduzido pelo Dec. Lei n.° 44.129, de 28-09-1961, e do n.° 3 do artigo 728o-julgamento com intervenção de todos os juízes da secção ou em reunião conjunta de secções, com vista à prolação dos chamados quase-assentos - introduzido Dec. Lei n. ° 47.690, de 11-05-1967; e, mais recentemente, no âmbito do n.° 4 do artigo 678.°, na redação precedente ao Dec. Lei n.°303/2007, e da alínea c) do n.° 1 do artigo 721.°-A, na redação deste diploma;

ii) - Em segundo lugar, uma razão de ordem teleológica que se prende com a finalidade do referido mecanismo, no sentido de visar uma uniformização não prioritariamente colimada à justiça de cada caso concreto, mas destinada a evitar a propagação, em escala, do erro de direito judiciário pela ordem jurídica, como garantia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei na sua conjugação com o princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, na linha da diretriz do n.° 3 do art. ° 8.° do CC;

iii) -Ainda nesta linha, o facto de se ter vindo a progredir no sentido de limitar o âmbito de intervenção do tribunal de revista aos casos de maior relevo;

iv) - Por fim, uma razão de ordem sistemática, segundo a qual se mostra incoerente admitir o recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, para todos os casos em que o recurso não seja admissível por motivo estranho àquele, quando o não seria, com o mesmo fundamento, nos casos sujeitos à regra geral da admissibilidade em função do valor da alçada ou da sucumbência, prescrita no n.° 1 do art. ° 629. ° do CPC.

Perante estas razões ponderosas e substanciais, o valor interpretativo a dar à ressalva inicial do proémio do n.°2 do art. ° 629.° sai esbatido, tanto mais que tal ressalva assim configurada parece radicar numa técnica legislativa pouco apurada, como acima ficou dito, e que, por isso, não deverá prevalecer de modo a descaracterizar o essencial da condicionante estabelecida no indicado normativo quando se refere a motivo estranho à alçada do tribunal de que se recorre, pelo menos com o alcance com que tem vindo a ser perfilhado. (...)».

[8] Cfr inter alia os Ac da Formação deste STJ de 17 de Fevereiro de 2011 (Relator Sebastião Póvoas), 18 de Fevereiro de 2012 (Relator Bettencourt de Faria), 22 de janeiro de 2014 (Relator Sebastião Póvoas), 29 de Abril de 2014 (Relator Sebastião Póvoas), 31 de Janeiro de 2014 (Relator Silva Salazar), 6 de Fevereiro de 2014 (Relator Silva Salazar), 27 de Março de 2014 (Relator Moreira Alves), 8 de Abril de 2014 (Relator Moreira Alves), 27 de Janeiro de 2016 (Relator Alves Velho), 7 de Abril de 2016 (Relator Bettencourt de Faria), 15 de Setembro de 2016 (Relator João Bernardo), 22 de Fevereiro de 2017 (Relator Bettencourt de Faria), 25 de Maio de 2017 (Relator Paulo Sá), 22 de Junho de 2017 (Relator Paulo Sá), 21 de Setembro de 2017 (Relator Garcia Calejo), 19 de Outubro de 2017 (Relator João Bernardo), 9 de Novembro de 2017 (Relator João Bernardo), in SASTJ, site do STJ.