Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
28/2001.E1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: EXCLUSÃO DE SÓCIO
CULPA
CONDENAÇÃO EM PROCESSO CRIME
VALOR EXTRAPROCESSUAL DA PROVA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR.
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - EXONERAÇÃO E EXCLUSÃO DE SÓCIOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- António Menezes Leitão, Coordenação de, “Código das Sociedades Comerciais”, Anotado, Almedina, 2.ª edição, 2014, p. 706, anotação ao artigo 242.º.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 495.
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual do Processo Civil, Coimbra Editora 1985, p. 711
- Carolina Cunha, “A Exclusão de Sócios (Em Particular, nas Sociedades por Quotas)”, in Problemas do Direito das Sociedades , Almedina, pp. 205, 209.
- Jorge Coutinho Abreu, Coordenado por, “Código das Sociedades Comerciais “em Comentário, Vol. III, Almedina, pp. 570, 575.
- Pessoa Jorge, Fernando, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pp. 53 a 57.
- Rui Pinto, “Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução”, in Estudos de Homenagem Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra Editora, 2013, pp. 1156, 1167, 1168, 1169, 1172 a 1176, 1179.
- Sinde Monteiro, Jorge, “Responsabilidade Civil”, Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2, Julho/Dezembro, 1978, p. 317.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 562.º, 566.º, 805.º, N.ºS 1, 2, ALÍNEA B), 3.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 186.º, N.ºS1, ALÍNEA A), E 2, 241.º, N.º2, 242.º, N.º 3.
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º1, AL. D), 684.º, 671.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20 DE ABRIL DE 2004 E 5 DE MAIO DE 2005, IN WWW.DGS.PT ;
-DE 15 DE FEVEREIRO DE 2005, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 14 DE JULHO DE 2009, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 3 DE NOVEMBRO DE 2009, PROCESSO N.º 3931/03.2TVPRT.S1.
Sumário :
I. – Numa acção intentada para ressarcimento de danos provocados por uma acção ilícita, a responsabilidade do autor pelos factos ilícitos e lesivos só fica estabelecida e fixada com a decisão proferida pelo tribunal, o que conduz a que o legislador tenha ficcionada para estas situações, nos termos do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, que a mora do responsável pela produção dos factos ilícitos geradores da responsabilidade se inicia com a citação para a acção. 
 
II. – O direito de exclusão de um sócio de é um direito potestativo da sociedade;


III. – A exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social. Daí que a sociedade só possa resolver o contrato em relação a determinado sócio, mediante a exclusão, quando este ponha em causa, não em função dos seus incumprimentos, mas dos seus efeitos, o interesse social.


IV. – Os factos ilícitos e culposos provados em decisão condenatória penal, transitada em julgado, que hajam sido fundamento de um pedido de indemnização, em acção cível, proposta contra o autor do acto criminoso, fazem prova plena quanto à ilicitude e á culpa, sem prejuízo de o lesado continuar onerado com a prova do dano e do nexo de causalidade.


V. – Em acção de exclusão de sócios o prazo para proposição da acção destinada a obter a exclusão só começa a correr a partir do momento em que o gerente toma conhecimento, ou sendo o sócio a excluir também gerente da sociedade, a partir do momento em que os sócios tiverem acesso aos elementos que são fundamento da exclusão.


VI. – A amortização da quota do sócio excluído deve ser operada pela sociedade, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que decrete a exclusão.


VII. – A mora decorrente da obrigação de indemnizar por factos ilícitos só se inicia com a citação do devdor/lesante – cfr. segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil   

Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.

AA, …, Lda., com sede na Herdade ..., ..., instaurou, em 9.2.2001, na Comarca de ..., contra BB, CC e DD, residentes na Rua ...., nºs ...., ..., acção declarativa, com processo ordinário, pedindo, na procedência da acção, que (sic):

a) Seja decretada a exclusão de sócios R.R. BB e DD;

b) condenar os RR., solidariamente, a pagarem à A. uma indemnização no valor de 129.089.845$00, acrescida de juros de mora já vencidos no valor de 80.000$00 e vincendos à taxa legal;

c) reconhecer o direito da A. a proceder à compensação do valor de amortização das quotas desses R.R., BB e DD, a que faz referência o art.242º nº 3 Cód. Soc. Comerciais, com o valor da indemnização e juros que vierem a ser determinados na sentença.”

Para os pedidos que formula, alinha a factualidade que a seguir queda extractada:

- A demandante é uma sociedade comercial constituída por escritura pública, no dia 29.4.1982, e tem como objecto a produção agrícola, vitícola e pecuária e a transformação e comercialização dos respectivos produtos, cuja assembleia-geral deliberou, no dia 23.6.1991, nomear gerentes, entre outros sócios, os R.R. BB e DD, vindo aquele a ser visado numa acção (nº 92/98) que uma sócia instaurou contra a A. para que fosse destituído de gerente, vindo a ser suspenso por despacho de 11.10.2000 e acabou por se demitir no dia 11.11.2000. Detectadas irregularidades na contabilidade da A., no âmbito daquele processo e de uma inspecção tributária, a assembleia-geral que se realizou no dia 29.1.2001 deliberou excluir aqueles sócios R.R. BB e DD – e instaurar a respectiva acção cumulando um pedido indemnizatório – com fundamento em se terem apropriado e utilizado em proveito próprio quantias superiores a 30.000.000$00, e nomear a sócia EE representante da A. nessa acção.

Contestaram os R.R. invocando a existência de uma causa prejudicial – processo-crime contra o R. BB, pelos mesmos factos, o que considera ser fundamento para a suspensão da instância – e as excepções da falta de deliberação da assembleia-geral para demandar a Ré CC, e a ilegitimidade desta. E impugnaram os factos. Alegaram que noutra acção (nºs 25/01 e 51/01) requereram a anulação das deliberações sociais tomadas nos dias 5 e 29 de Janeiro de 2001, cujas decisões poderão levar à inutilidade superveniente da lide na presente acção (v. fls.909 a 926).

Na réplica a A. respondeu às excepções e manteve a posição inicialmente assumida (v. fls.974 a 981).

O R. BB requereu a produção de prova pericial colegial à “contabilidade da A. e aos movimentos das contas bancárias desta” (v. fls.1357 a 1359).

A A. opôs-se com fundamento em ser ilegal e constituir um expediente dilatório (v. fls.1367 a 1370) e o Mmo. Juiz, considerando que se trata de um expediente dilatório que se traduziria na repetição de actos, por já haver no processo documentos suficientes que possibilitam conhecer das questões que iriam ser objecto da prova pericial e haver matéria de facto considerada assente sob a alínea N) onde se refere um relatório de uma perícia colegial (v. fls.503 e segs.) à contabilidade e movimentos das contas bancárias da A., indeferiu a realização dessa perícia (v. fls.1389 e 1390).

I. Deste despacho de indeferimento recorreu de agravo o R. BB, alegou e formulou as seguintes conclusões (v. fls.1403 a 1407):

a) Tendo a requerida perícia colegial à contabilidade da A. e aos movimentos das contas bancárias sido indeferida com os fundamentos:

b) De que “existe nos autos documentação suficiente para conhecer das questões”, sem se apurar a causa/efeito desses movimentos bancários com as importâncias registadas na contabilidade;

c) Que “se encontra junto aos autos um relatório de uma perícia colegial”, elaborado sem a intervenção do perito do R., pelo que lá só consta o que a A., parte interessada, lhe deu jeito e quis que constasse;

d) Deste modo, considera-se dilatória porque se trata de uma repetição de actos;

e) Por tais fundamentos para o indeferimento não se verificarem e não serem exactos, terá que o despacho de fls.1390 ser revogado;

f) Deve ser ordenada a realização de perícia colegial.

A A. contra-alegou (v. fls.1412 a 1415).

O Mmo. Juiz manteve a decisão (v. fls.1421).

Foram juntas ao processo certidões da sentença da 1ª instância proferida no processo cível nº 25/2001 e do acórdão da 1ª instância e do acórdão deste Tribunal da Relação proferidos no processo-crime nº 11/98.4TARDD (v. fls.1519 a 1526, 1567 a 1610 e fls.1612 a 1623).

Teve lugar uma audiência de discussão e julgamento, na qual o douto mandatário da A. requereu improcedentemente que fossem considerados provados certos factos com base na sentença proferida no processo-crime nº 11/98.4TARDD, o que teve a discordância dos R.R. BB e DD (v. fls.1955 a 1962, 2277 a 2282, 2304 a 2312, 2316 a 2320, 2343 a 2348 a 2356 e fls.2293 a 2299).

O Mmo. Juiz julgou a acção parcialmente procedente e decidiu a exclusão do R. BB de sócio da A., e, pelos prejuízos que lhe causou, condenou-o a pagar-lhe a quantia indemnizatória de € 643.897,43 (129.089.845$00) e juros de mora à taxa legal desde a data da citação, e condenou também o R. DD a indemnizar a A. no quantitativo de € 376.142,72 (75.409.845$00) e juros de mora à taxa legal desde a data da citação.

Da decisão prolatada em 1.ª instância impulsaram recurso de apelação, tanto a demandante como os demandantes, tendo, o tribunal recorrido, por decisão prolatado em 20 de Novembro de 2014 – cfr. fls. 2700 a 2741 – decidido manter o julgado proferido em 1.ª instância.

Do julgado prolatado impulsionaram, tanto a demandante, “AA, …, Lda.”, como os demandantes, BB e DD – cfr. respectivamente fls. 2813 e 2742 – recurso de revista para o que alinharam as sínteses conclusivas que a seguir quedam extractadas.

I.A. – Quadro Conclusivo.  

I.A.1. – Atinente ao Recurso dos demandados, BB e DD.

a) Ainda que em sede de recurso de revista o Supremo Tribunal de Justiça não conheça da matéria de facto, incluiu-se no âmbito de pronúncia a questão sobre os critérios subjacentes à sua determinação, em termos de poder ser determinada a baixa do processo para suprir a eventual violação de critérios probatórios vinculados;

b) Nesta sede há que atender a que os arts. 674.º-A e 674.º-B do Cod. Proc. Civil não determinam uma repristinação integral probatória dos factos consignados em sede de sentença criminal, tendo de ser corroborados e aferidos á luz do art. 342.º do Cod. Civil, que não pode ficar desvirtuado como elemento de repartição do ónus da prova, apenas podendo ser considerados os factos confirmados em sede de processo civil que já mereceram afirmação no âmbito criminal se prova contraria lhe não for aposta e na estrita medida em que ocorreu a condenação e absolvição efectuada em sede de sentença criminal;

c) Tendo, em sede criminal ocorrida a condenação do recorrente BB pela prática de um crime de abuso de confiança e de um crime de fraude na obtenção de subsidio, processo no qual a A. também foi arguida, apenas nos elementos de conexão poderão as sentenças em si ser consideradas para fins de confirmação probatória e nunca recuperadas em absoluto, e sempre e apenas na medida em que os elementos probatórios recolhidos no próprio processo não impliquem decisão diversa;

d) A decisão sobre a impugnação da matéria de facto efectuada pelo Acórdão recorrido atenta numa consideração restritiva do art. 712.º, n.º 1, als. a) e c) do Cod. Proc. Civil (na sua anterior redacção), não atentando a que, por via da reapreciação inserta naquele comando legal, terá de ser efectuada uma repristinação do critério racional subjacente á consideração probatória e um aquilatar efectivo dos depoimentos e meios probatórios por forma a aferir se a fundamentação traduz a realidade efectiva do que ocorreu em sede de julgamento;

e) Ao não ter realizado tal juízo, o Acórdão recorrido limitou-se a recuperar os critérios em que assentou a aferição probatória, sem sobre eles emitir um juízo de conformidade com a produção probatória realizada, não consentâneo com o mencionado art. 712.º, n.º 1, als. a) e c) do Cod. Proc. Civil;

f) A não realização da prova pericial requerida, a qual não se mostra dilatória ou impertinente, sendo um elemento essencial para a defesa dos recorrentes, viola o disposto no art. 578.º, n.º 1, do Cod. Proc. Civil na sua pretérita redacção, não sendo uma perícia realizada noutro processo (ainda que alguns pontos em comum, que não totalmente coincidente) elemento bastante para cessar o interesse da realização da perícia nos presentes autos;

g) A integração da matéria de facto em confronto com os aspectos supra assinalados determinaria uma diversa consideração quanto as respostas dadas aos arts. da base instrutória nºs 2, 3, 4, 5, 6, 7 ,9, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 36, 38, 39 e 40, revelando uma decisiva interferência em factos essenciais á boa decisão da causa;

h) Á luz do art. 242.º, n. 4, do Cod. Soc. Comerciais, preconizando-se, em sede de pedido, a exclusão de sócio, constitui pressuposto prévio da prolação da sentença a determinação do valor da contra partida decorrente de amortização da quota, em caso de condenação, tanto mais que a fixação daquele valor tem em vista o momento da propositura da acção e que tal elemento constitui pressuposto determinante para a efectivação de eventual declaração no sentido da exclusão;

i) A acta que deliberou a propositura da acção de exclusão, determinada pelo art. 242.º, n.º 2, do Cod. Soc. Comerciais constitui elemento balizador da invocação de fundamentos pela sociedade Ao, sendo que, no caso em apreço, a acta limita-se a tecer considerações genéricas e imputações por remessa á terminologia legal, sem enquadramento factual, muito aquém daquela que foi a invocação efectuada em sede de petição inicial, mesmo que se retenha uma segunda acta rectificadora, elaborada ao arrepio do consignado no art. 62.º do Cod. Soc. Comerciais;

j) Não podendo tais factos ser considerados, na medida em que a acta que delibera a propositura da acção de exclusão tem de ser clara, precisa, incondicional e bastante relativamente aos factos que se pretendem invocar para fundamentar a pretensão trazida a Juízo, o que, no caso vertente, nunca ocorreu;

k) Apenas os factos praticados enquanto sócio podem fundamentar a exclusão daquela qualidade, à luz do art. 242.º do Cod. Soc. Comerciais, sendo a sanção para actos violadores de deveres de gerência, praticados enquanto tal, a destituição de gerente;

I) Ora, todos os factos imputados ao recorrente BB para fundamentar a sua exclusão de sócio foram-no enquanto gerente, apenas sendo susceptíveis de ser praticados (que não foram) enquanto gerente, sendo, pois, inábeis para motivador a decisão de exoneração de sócio constante da sentença recorrida;

m) O direito á exclusão mostra-se prescrito, atento o estabelecido nos arts. 186.º, n.º 2, e 254.º, n.º 5, do Cod. Soc. Comerciais, questão essa que, suscitada perante a primeira instancia e por ela decidida, não constitui facto novo para os termos do recurso interposto para a Relação, que, ao abster-se de a conhecer, cometeu uma nulidade por omissão de pronúncia, em face, desde logo, ao art. 496.º do Cod. Proc. Civil, na sua anterior redacção, não obstando o art. 303.º do Cod. Civil ao seu conhecimento, decorrendo a prescrição do facto de os sócios terem tomado tal deliberação quando tinham conhecimento cabal das contas há mais de 90 dias, prescrição essa que se alastra e abrange o pedido indemnizatório formulado;

n) Os pedidos de indemnização carecem de fundamento por não se mostrarem reunidos os elementos inerentes á responsabilidade civil - art. 483.º, n.º 1, do Cod. Civil, sendo que, em especial quanto ao recorrente DD, o assinar um cheque não constitui meio de accionamento de tal responsabilidade;

o) O Acórdão recorrida, salvo melhor opinião, violou os comandos legais invocados nas presentes conclusões de recurso.”

I.A.2. – Atinente ao recurso da demandante, “AA, QQQ, Lda.”.

“1- O Acórdão recorrido não condenou os réus no valor dos juros de mora vencidos à data da instauração da presente acção por entender que o crédito indemnizatório da recorrente não era líquido e por não existirem elementos que permitem determinar a «época» em que se apurou o quantum da prestação;

2- A obrigação diz-se líquida quando o seu quantitativo está determinado ou quando a determinação depende de simples operação aritmética;

3- Nos factos provados 24, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 37, 40, 43, 44, 45 e 47 encontra-se determinado o valor dos bens da sociedade recorrente de que o réu BB se apropriou, bem como o momento em que tal apropriação ocorreu;

4- Estando determinado o valor dos bens e o momento da apropriação dos mesmos pelo réu BB, o crédito indemnizatório no valor de 129.089.845$00 - que corresponde à soma dos valores dos bens de que o referido réu se apropriou (sentença de primeira instância, ponto n.º 4) - é um crédito líquido, pelo que, estando em causa a prática de acto ilícito, são devidos juros de mora desde que o acto teve lugar, nos termos do art. 805.º, n.º2, b) do CC. Deste modo, o Acórdão recorrido violou este preceito.

5- Mesmo que, por mera hipótese e sem conceder se considerasse o crédito ilíquido, ainda assim tendo em consideração que o mesmo resulta de actividade criminosa, praticada à revelia da sociedade recorrente e restantes sócios, sempre teria de se considerar que a falta de liquidez da obrigação se deveu exclusivamente aos réus, pelo que são devidos juros de mora desde que teve lugar a prática dos actos ilícitos nos termos do art. 805.º, n.º3 do CC; pelo que o Acórdão recorrido violou também este preceito;

6- O Acórdão recorrido não excluiu de sócio o reu DD porque considerou que, diferentemente do que sucedeu com o réu BB, não se provou que da parte daquele réu houve intenção de se apropriar dos bens da sociedade. No entender do Acórdão aquele réu teria actuado com negligência. Porém, não foi esta a questão submetida ao Tribunal recorrido, nem foi este o fundamento invocado para a exclusão do réu DD, como resulta das conclusões 3, 4 e 5 do recurso de apelação;

7 - Violou conscientemente o dever de lealdade para com a sociedade autora réu DD porque assinou e subscreveu dezenas de cheques, durante período de três anos, que entregou ao seu pai, o réu BB, sem cuidar dos destinos dados aos mesmos, sendo que, posteriormente, se veio a apurar que o valor titulado pelos cheques foi usado em benefício do pai e de uma exploração agrícola pertencente ao avô, FF, que ele, DD, também administrava;

8- Violou conscientemente o dever de lealdade para com a sociedade autora o réu DD quando aceitou que seu pai lhe «vendesse» todo o activo pecuário, à revelia da sociedade e dos restantes sócios, pelo preço de 18.900.000$00, que ele DD não pagou, recebendo de seu pai uma factura da sociedade que apresentou no IFADAP para comprovar a propriedade dos animais e receber subsídios. Sabia também o réu DD que a sociedade autora se vinculava pela assinatura de dois gerentes e que seu pai, por si só, não tinha poderes para efectuar aquela «venda». Na sequência desta conduta o réu DD apropriou-se de todo o activo pecuário da sociedade sem nada ter pago.

9- Foram as condutas referidas em 7 e 8 das presentes conclusões que no entender da sociedade recorrente justificavam a exclusão de sócio, no âmbito do recurso de Apelação e não a prática do crime de abuso de confiança, que foi da autoria de seu pai como ficou definido na sentença criminal, como erradamente se referiu no Acórdão recorrido;

10- Face ao que se referiu nas conclusões 5, 6 e 7 do recurso de Apelação e que se referiu nos números 7 e 8 das presentes conclusões, deveria ter sido excluído de sócio o réu DD, por ter violado o dever de lealdade nos termos dos arts. 242.º e 257.º do CSC. O Acórdão recorrido violou estes preceitos.

11- O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão que lhe foi colocada nos números 6 e 7 das conclusões do recurso de Apelação: condenação do réu DD no pagamento à sociedade autora do activo pecuário no valor de 18.900.000$00, actualmente, 94.272,80 euros. Tal omissão de pronúncia violou o disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, pelo que, nesta parte, o Acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 615.º, n.º1, d) do CPC;

12- Se, por mera hipótese e sem conceder, assim não se entender, tendo em consideração que o Acórdão recorrido expressamente reconheceu que o réu DD actuou com negligência e tendo, também, em consideração os factos provados 5, 8, 23, 24, 46 e 49 e a resposta negativa ao facto 19, deveria aquele réu ter sido condenado a indemnizar a sociedade recorrente pelo valor do activo pecuário - 18.900.000$00, actualmente, 94.272, 80 euros - nos termos do art. 483.º do CC. O Acórdão recorrido violou este preceito.

Nestes termos e nos demais de direito deverá ser concedido provimento ao presente recurso de Revista e, consequentemente, ser revogado o Acórdão recorrido e ser proferido Acórdão que:

a) Condene os réus no pagamento dos juros de mora vencidos até à data da instauração da acção, no valor de 80.000.000$00, actualmente, 399.038,31 euros, conforme pedido na p.i.;

b) Determine a exclusão de sócio do reu DD, por conduta desleal para com a sociedade recorrente, conduta essa susceptível de lhe causar graves prejuízos, como efectivamente se veio, posteriormente, a apurar;

c) Decretar a nulidade do acórdão recorrido na parte em que não se pronunciou sobre a questão que lhe foi submetida nos n.ºs 6 e 7 (segunda parte) do recurso de Apelação;

d) Se porventura se entender que o Acórdão recorrido não padece da nulidade referida em c), condenar o réu DD no pagamento da quantia de 18.900.000$00, actualmente 94.272,80 euros, correspondente ao valor do activo pecuário de que se aproveitou em 12 de Maio de 1996, acrescido dos juros de mora vencidos a partir desta data e nos vincendos.”

Nas contra-alegações que apresentaram, respectivamente a fls. 2868 a 2895 – ocorre um erro de paginação, de 2869 passa para 2890 – da recorrente “AA, QQQ, Lda.” e 2898 a 2913, dos recorrentes, BB e DD.    

I.B. – Questões a merecer apreciação.

I.B.1. – Do Recurso da Demandante/Recorrente, “AA, …, Lda.”.

- Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (quanto ao pedido de condenação do R. DD no pagamento de 18.900.000$00, actualmente, € 94.272,80 – artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d) do Código Processo Civil ou 483.º do Código Civil)

- Condenação dos demandados nos juros vencidos até à instrução da presente acção (artigo 805.º, n.º 2, b) e n.º 3 do Código Civil);

- Impugnação pela não exclusão do sócio DD (artigos 242.º a 257.º do Código Sociedades Comerciais);

I.B.2. – Do recurso dos Demandados, BB e DD.

- Violação dos artigos 674.º-A, 674.º-B e 712.º-B do Código Processo Civil;

- Omissão quanto à determinação do valor da contrapartida decorrente da amortização da quota dos sócios (Violação do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais);

- Impugnação dos fundamentos da exclusão de sócio do réu BB. Actos de Gerência (artigo 241.º do Código das Sociedades Comerciais);

- Prescrição do direito de exclusão;

- Pressupostos da responsabilidade aquiliana, em especial quanto ao réu DD.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – De Facto.

As instâncias deram como adquirida a factualidade que a seguir queda extractada.

“1. A A. foi constituída por escritura pública outorgada no Cartório Notarial do ... em 29.4.1982, tendo como objecto social a produção agrícola, vitícola e pecuária e a transformação e comercialização dos respectivos produtos; 2.

2. São sócios da A. o R. BB, titular de uma quota de 4.200.000$00, EE, titular de uma quota no valor de l.450.000$00, GG, titular de uma quota no valor de 1.450.000$00, HH, titular de uma quota no valor de 1.450.000$00 e o R. DD, titular de uma quota no valor de 1.450.000$00;

3. O capital social da A. é de 10.000.000$00;

4. Até 23.6.1991, a gerência A. coube a EE, a GG e ao R. BB;

5. No dia 23.6.1991, em assembleia-geral de sócios, foi deliberada, por unanimidade, a alteração da composição da gerência da A., que passou a ser exercida pelos R.R. BB e DD e por GG;

6. A acta na qual foi tomada a deliberação referida na alínea 5) nunca chegou a ser registada na Conservatória Reg. Comercial;

7. A gerência de facto da A. estava a cargo do R. BB, sendo este quem dirigia os trabalhos na exploração agrícola sita na Herdade ..., contratava os trabalhadores, contactava os fornecedores e tratava de todos os assuntos junto das entidades bancárias;

8. A A. obriga-se com a assinatura de 2 gerentes;

9. No dia 23.9.1998, a sócia EE instaurou contra a A., no Tribunal da Comarca de ..., uma acção com vista à destituição do R. BB do cargo de gerente, com pedido de suspensão de funções, à qual foi atribuído o nº 92/98;

10. No dia 11.10.2000, no processo nº 92/98, foi decretada a suspensão do gerente R. BB;

11. No dia 11.11.2000, o R. BB demitiu-se das funções de gerente da A., o que ficou registado na acta nº 22 do livro de actas da assembleia-geral, tendo sido nomeados gerentes os sócios GG e HH;

12. No dia 19.10.2000, na sequência de exame à escrita da A., com referência aos exercícios de 1995, 1996 e 1997, a Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Évora emitiu o relatório (doc. fls.65 a 93);

13. O R. BB teve conhecimento desse relatório em 20.10.2000;

14. Os sócios EE, GG e HH tiveram conhecimento do referido relatório em 10.11.2000;

15. Os R.R. BB e DD não deduziram qualquer oposição ao relatório da Divisão de Inspecção Tributária;

16. No dia 20.12.2000, no âmbito do processo nº 92/98, os peritos II e JJ apresentaram o seu relatório relativo – elaborado sem a presença do perito da Ré – ao exame à contabilidade da A. e movimento das suas contas bancárias (docs. fls.75 a 156);

17. Os sócios da A. deliberaram em assembleia-geral, nos dias 5 e 29 de Janeiro de 2001, a exclusão dos sócios BB e DD, o que ficou registado nas respectivas actas nºs 23 e 24);

18. O fundamento da exclusão consistiu na apropriação, pelos sócios excluídos, de diversas quantias pertencentes à sociedade, e na utilização das mesmas em proveito próprio ou de terceiros seus familiares, nos exercícios de 1995 a 1997, sem o conhecimento e autorização dos restantes sócios, cujo valor total, segundo foi possível apurar à presente data, é superior, pelo menos, a 30.000.000$00;

19. Ficou ainda expresso na acta nº 24 que a deliberação teve por fundamento os factos constantes do relatório da Inspecção de Finanças de 19.10.2000, que chegou ao seu conhecimento (dos sócios que votaram favoravelmente a deliberação) em 10.11.2000, e o relatório de peritos no processo nº 92/98 do Tribunal de ..., com data de 22.12.2000;

20. Foi ainda deliberada pelos sócios a propositura de acção judicial para exclusão dos sócios BB e DD, com pedido de indemnização pelos prejuízos causados, e nomear EE como representante da sociedade para os fins do disposto no art. 242º Cód. Soc. Comerciais, ficando esta incumbida de representar a sociedade na acção judicial. Foram também conferidos a EE os poderes para, em representação da sociedade, confessar, desistir ou transigir no pedido e poderes para constituir mandatário judicial com poderes forenses;

21. Os R.R. BB e DD propuseram, contra a A., uma acção ordinária, que correu termos neste Tribunal sob o nº 25/2001, na qual era pedida a anulação das deliberações, tomadas pela assembleia-geral da segunda realizada em 5.1.2001, de exclusão dos primeiros como sócios e de nomeação da sócia EE para, em representação da sociedade, propor acção de exclusão dos referidos sócios; Esta acção foi julgada improcedente, tendo a sentença transitado em julgado (doc. fls.1518 a 1526);

22. FF era dono de uma exploração avícola destinada ao comércio de aves e ovos, exploração essa que de facto pertencia ao R. BB e era administrada por este e pelo seu filho, o R. DD;

23. No dia 31.12.1995, a A. possuía 90 vacas e 2 touros;

24. No dia 12.5.1996, o R. BB vendeu ao R. DD a totalidade das cabeças de gado da A., pelo preço de 18.900.000$00;

25. Nos exercícios de 1995 e 1996, foram emitidos diversos cheques das contas da A. no Banco KK e na Caixa LL para pagamento de bens e serviços que não foram fornecidos nem prestados à A.;

26. Existiram movimentos de pagamentos de despesas e documentos que não constam, nem da contabilidade, nem da “folha de caixa”, e nem sequer são custos da empresa; nesta situação estão, nomeadamente, os cheques passados à ordem de MM;

27. Os aludidos cheques, das contas do Banco KK e da Caixa LL, destinaram-se ao pagamento de bens e serviços fornecidos ao R. BB e ao pai deste, FF; os documentos comprovativos dos fornecimentos e serviços prestados – factura e recibo – foram inclusivamente integrados, como custos, nas contabilidades do R. BB e de seu pai, FF;

28. Outros casos houve em que os cheques foram emitidos para pagamento de despesas pessoais do R. BB, sendo alguns nominativos e outros ao portador, não tendo, no entanto, sido levados à escrita do R. BB ou do seu pai, FF;

29. Assim, no ano de 1995, os R.R. BB e DD emitiram diversos cheques sobre a conta da A. no Banco KK, nos quais figuram como beneficiários: OO, Lda., MM, PP, Lda., C…. QQ e RR, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, OO, Lda., e outros cuja identidade não foi possível determinar, cujo valor atingiu o montante total de 15.815.013$00;

30. No ano de 1996, os R.R. BB e DD sacaram diversos cheques sobre a conta da A. no Banco KK, nos quais figuram como beneficiários BBB, UU, CCC, Lda., XX, CTT, Direcção Geral do Tesouro, Dr. DDD, EEE, TT, PP, Lda., ZZ, FFF, GGG, HHH, Lda., MM Portuguesa e outros cuja identidade não foi possível determinar, cujo valor atingiu o montante total de 23.228.808$00;

31. Nos anos de 1995 e 1996, os R.R. BB e DD sacaram diversos cheques sobre a conta da A. na Caixa LL, nos quais figuram como beneficiários MM, III, TT, JJJ, FFF, Conservatória e outros cuja identidade não foi possível determinar, cujo valor atingiu o montante total de 21.897.861$00;

32. Os R.R. BB e DD emitiram a favor do primeiro os seguintes cheques sacados sobre a conta da A. no Banco KK:

33. Nº …, de 7.9.1995 – 600.000$00; Nº …, de 21.9.1995 – 400.000$00; N.º …, de 6.9.1996 – 500.000$00; N.º …  de 13.9.1996 – 500.000$00; N.º …, de 20.9.1996 – 400.000$00; Nº …, de 11.10.1996 – 700.000$00; Nº …, de 10.10.1996 – 300.000$00; Nº …, de 18.10.1996 – 700.000$00; Nº …, de 6.12.1996 – 300.000$00; Nº …, de 27.12.19 – 600.000$00.

33. Os R.R. BB e DD emitiram os seguintes cheques a favor do primeiro, sacados sobre a conta da A. na Caixa LL:
Nº …, de 13.1.1995 – 300.000$00; Nº …, de 27.1.1995 – 400.000$00;
Nº …, de 3.2.1995 – 300.000$00; Nº …, de 8.3.1996 – 1.000.000$00;
Nº …, de 31.1.1996 – 600.000$00; Nº …, de 18.4.1997 – 400.000$00;
Nº …, de 26.2.1997 – 800.000$00; Nº …, de 28.2.1997 – 300.000$00;
Nº …, de 17.3.1997 – 300.000$00; Nº …, de 27.3.1997 – 500.000$00;
Nº …, de 4.4.1997 - 500.000$00.
34. No ano de 1997, os R.R. BB e DD sacaram os seguintes cheques das contas da A. para pagamento de despesas pessoais ou da exploração registada em nome de FF:
Nº …, da C.LL., 17.1.1997 – 313.592$00; Nº …, da C.LL., 17.2.1997 – 632.986$00; Nº …, da Caixa de KKK, 10.2.1997 – 607.008$00.
35. Todos os cheques a que atrás se fez referência foram subscritos e assinados pelos R.R. BB e DD;
36. No dia 28.3.1996, o R. BB sacou da conta da A. na Caixa LL a importância de 6.700.000$00;
37. No caso da Caixa LL, figura a aquisição, em 3.2.1995, de Esc. 6.000.000$00 em bilhetes do Tesouro com fundos da A., mas que nunca foram registados na sua escrita, nem em seu nome na entidade bancária, tendo inclusivamente o R. BB informado um dos sócios, por carta, em 23.8.2000, de que nunca haviam sido adquiridos bilhetes do Tesouro pela A.;
38. O R. BB emitiu diversos cheques, assinados também pelo R. DD, a seu próprio favor, sacados sobre as contas da Caixa LL e do Banco KK, nos anos de 1995 e 1996;
39. Os cheques referidos na alínea 30) foram emitidos a favor da sociedade MM e destinaram-se ao pagamento de rações para galinhas na exploração registada em nome de FF e administrada pelos R.R. BB e DD;
40. O R. BB, em 31.12.1996, sacou, sobre a conta da A. no Banco KK o cheque o nº …, no valor de 1.044.577$00 (assinado também pelo R. DD), para pagamento de um fornecimento efectuado pela sociedade CCC, Lda. à exploração de FF, tendo os respectivos documentos sido incluídos na escrita deste último referente ao ano de 1997;
41. No dia 27.11.1997, o R. BB emitiu o cheque nº …da conta da A., no valor de 1.470.000$00 (assinado também pelo R. DD), a favor de FF, e que foi por si, R. BB, descontado;
42. As 90 vacas tiveram 72 crias em 1995;
43. O R. BB vendeu 69 crias em 1995, apenas 3 tendo permanecido na sociedade A.;
44. O preço médio de cada uma das crias, segundo os valores usuais em 1995, era de 130.000$00;
45. O R. BB não deu entrada nos cofres sociais da quantia correspondente à venda das crias e apropriou-se dela;
46. Parte das vacas compradas pelo R. DD foram utilizadas no seu projecto de “jovem agricultor” junto do IFADAP, tendo, inclusivamente, recebido subsídios desta entidade;
47. O R. BB ficou também com a totalidade do produto da venda das crias nos anos de 1996 (75 crias) e 1997 (72 crias), em que o valor médio de venda de cada cria foi de 130.000$00;
48. Todos os cheques atrás referidos, para pagamento de despesas próprias ou de FF, foram emitidos sem conhecimento e autorização dos sócios EE, GG e HH;
49. A venda da totalidade do gado da A. ao R. DD foi também feita sem autorização e conhecimento dos restantes sócios;
50. O R. BB sempre se recusou a prestar contas aos restantes sócios da A. relativamente ao produto da venda das crias;
51. O R. BB tinha perfeito conhecimento de que as quantias de que se apropriou, em proveito próprio ou de terceiros, pertenciam à A.;
52. O R. BB sabia que não tinha o direito de fazer suas as quantias referidas no número anterior e que, com a sua conduta, estava a lesar gravemente a A. e os restantes sócios;
53. Alguns documentos da contabilidade da A. sempre estiveram à disposição dos demais sócios; Alguns movimentos financeiros da A. constam da conta de caixa;
54. Os salários do pessoal da vindima são pagos em numerário, pois os trabalhadores recusam o pagamento em cheque e, na maior parte dos casos, não aceitam passar recibo daquilo que recebem;
55. O grosso das receitas da A. resulta da venda das uvas, que é obrigatoriamente feita à Cooperativa de ..., a qual só paga o valor da uva que lhe é entregue 1 ano ou 2 anos depois de a ter recebido;
56. A A. e os R.R. BB e DD foram arguidos no processo comum colectivo que correu termos neste Tribunal sob o nº 11/98.4TARDD; Nesse processo, o R. BB foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança p.p. pelo art.205º nºs 1 e 4 alínea b) Cód. Penal, e de um crime de fraude na obtenção de subsídio p.p. pelos arts. 2º, 36º, nºs 1 alínea a), 2, 5 alínea a) e 8 Dec. Lei nº 28/84, 20 Jan., na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, a que acresce a condenação automática na total restituição das quantias obtidas e juros respectivos, à taxa legal, até integral pagamento, nos termos do art. 39º do mesmo Dec. Lei; A A. e o R. DD foram absolvidos; O acórdão transitou em julgado (doc. fls.1654 a 1698).
II.B. – De Direito.

II.B.1. – Do Recurso da Demandante.

II.B.2.a. – Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (quanto ao pedido de condenação do R. DD no pagamento de 18.900.000$00, actualmente, € 94.272,80 – artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d) do Código Processo Civil ou 483.º do Código Civil).

O primeiro aleijão com que a recorrente acoima o acórdão recorrido prende-se com a sua nulidade, por (sic): “O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão que lhe foi colocada nos números 6 e 7 das conclusões do recurso de Apelação: condenação do réu DD no pagamento à sociedade autora do activo pecuário no valor de 18.900.000$00, actualmente, 94.272,80 euros. Tal omissão de pronúncia violou o disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, pelo que, nesta parte, o Acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 615.º, n.º1, d) do CPC.

Se, por mera hipótese e sem conceder, assim não se entender, tendo em consideração que o Acórdão recorrido expressamente reconheceu que o réu DD actuou com negligência e tendo, também, em consideração os factos provados 5, 8, 23, 24, 46 e 49 e a resposta negativa ao facto 19, deveria aquele réu ter sido condenado a indemnizar a sociedade recorrente pelo valor do activo pecuário - 18.900.000$00, actualmente, 94.272,80 euros - nos termos do art. 483.º do CC. O Acórdão recorrido violou este preceito.

A recorrente enunciou no requerimento de interposição do recurso de apelação quatro (4), a saber: “a) Impugnação da sentença na parte respeitante aos juros vencidos à data da instauração da presente acção; b) Impugnação da sentença na parte em que se decidiu pela não exclusão de sócio do réu DD; c) Impugnação da sentença na parte em que absolveu o réu BB do pedido de condenação no que excedeu a quantia de 376.142,72 €; d) Impugnação da sentença na parte em que absolveu a ré CCdo pedido.” – cfr. fls. 2560 – tendo no ponto 6 das conclusões (em partes ilegíveis por carência das palavras) com que dessumiu a fundamentação da apelação, asseverado que (sic): “Ao actuar da forma descrita no número precedente o réu DD actuou com o objectivo de se apossar (palavra ilegível nas alegações) pecuário da sociedade, que fez sua propriedade, sem pagar o respectivo contravalor dos animais, sabendo que, por força desta sua (palavra ilegível nas alegações) lesava, voluntariamente a sociedade autora no valor dos animais, ou seja, em 18.900.000$00, actualmente 94.272,80 euros.” – cfr. fls. 2581.

A sentença de primeira instância abordou a questão – cfr. fls. 2465 (in fine) e 2466 – asseverando que o réu os enunciados fácticos que reportavam esta temática – 24 e 26 – não permitiam concluir que tenha havido colaboração culposa do réu DD na apropriação, pelo réu BB, da quantia a título de preço. 

Como se alcança do acórdão recorrido – fls. 39 do acórdão – o tribunal equacionou e resolveu três questões atinentes à apelação da recorrente: a) momento a partir do qual seriam devidos os juros de mora; b) exclusão do réu DD, por violação do dever de lealdade; c) responsabilidade solidária do cônjuge do réu BB (o acórdão anota as conclusões referindo-as a letras, sendo que nas alegações de recurso as conclusões estão indicadas por números – cfr. fls. ).    

É patente a falta (omissão) de pronúncia do acórdão recorrido quanto a uma questão que foi expressamente colocada nas conclusões e que havia sido objecto de debate – cfr. enunciados fácticos 24 a 26 da base instrutória.

Constatando-se a existência de uma nulidade, no caso a prescrita na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça “supre a nulidade, declara em que sentido a decisão considerar-se modificada e conhece dos outros fundamentos do recurso” – cfr. artigo 684.º do Código Processo Civil.

A questão da ausência de prestação de contas pela venda de gado foi objecto de perquirição nos enunciados fácticos sob os números 24 a 26 da base instrutória. Aí se perguntava se os dois demandados, DD e BB, se tinham recusado a prestar contas relativamente ao produto da venda das crias; se tinham consciência de que as quantias de que se apropriavam, para eles ou para terceiros, pertenciam à demandante; e se sabiam que não tinham direito de as fazer suas e que com a sua conduta lesavam a demandante e os restantes sócios.

A estas interrogações respondeu o tribunal – cfr. fls. 2373, com fundamentação a fls. 2378 e 2379 – que só o réu BB se recusou a prestar contas relativamente ao produto da venda das crias (resposta ao enunciado fáctico sob o n.º 24); que o mesmo réu tinha perfeito conhecimento de as quantias de que se apropriou, em proveito próprio, pertenciam à demandante (resposta ao enunciado fáctico sob o n.º 25); e que o réu BB sabia que não tinha o direito de fazer suas as quantias referidas na resposta ao quesito 25 e que com a sua conduta estava a lesar a autora e os restantes sócios (resposta ao enunciado fáctico sob o n.º 26).         

Como se alcança das respostas fornecidas pelo tribunal à matéria que foi objecto de omissão no acórdão recorrido, o demandado, DD, surge apartado da apropriação do produto da venda das crias pertencentes à demandante – que terá sido promovida e efectuada pelo demandado, BB – e que toda a responsabilidade pela apropriação das quantias propinadas pela venda desse gado terão sido conduzidas para o demandado BB, que sabia que não tinha o direito de fazer suas essas quantias, que as mesmas lhe não pertenciam, antes pertenciam à demandante, que tinha o dever de as entregar á demandante, por lhe serem devidas e derivarem de animais que lhe pertenciam, e que com a sua conduta estava a lesar a demandante e os demais sócios.    

A responsabilidade adveniente da venda de gado que sabia não lhe pertencer é totalmente endossada e imputada ao réu BB apartando o demandado, DD, de qualquer responsabilidade no acto ilícito e culposo que havia sido assacado pela demandante aos dois demandados.

Na ausência de elementos factuais que permitam a imputação ao demandado DD de qualquer acto ou conduta ilícita na situação que lhe havia sido imputada, antes a endossando, por todo, ao demandado BB, a condenação do primeiro dos demandados como corresponsável do acto ilícito resultaria contrária ao afirmado pelo tribunal na indagação a que procedeu para asseguramento da responsabilidade ilícita e culposa que a demandante tinha assacado a ambos.

Resulta, pela sanação da nulidade e conhecimento da questão, cuja omissão foi objecto de arguição, que ao demandado DD não pode ser, por total ausência de referentes factuais idóneos e próprios, responsabilidade civil pela venda e apropriação ilícita e indevida de gado que foi pertença da demandante sociedade.       

II.B.2.b. – Condenação dos demandados nos juros vencidos até à instrução da presente acção (artigo 805.º, n.º 2, b) e n.º 3 do Código Civil).

Mantém a demandante a sua discrepância relativamente ao que havia sido objecto de decisão nas instâncias quanto ao momento em que os juros são devidos. Para a demandante, ao contrário do que foi entendido pelas instâncias – que não condenaram nos juros desde o momento da instauração da acção, por a obrigação não ser liquida – a “a obrigação diz-se líquida quando o seu quantitativo está determinado ou quando a determinação depende de simples operação aritmética” e que “estando determinado o valor dos bens e o momento da apropriação dos mesmos pelo réu BB, o crédito indemnizatório no valor de 129.089.845$00 - que corresponde à soma dos valores dos bens de que o referido réu se apropriou (sentença de primeira instância, ponto n.º 4) - é um crédito líquido, pelo que, estando em causa a prática de acto ilícito, são devidos juros de mora desde que o acto teve lugar, nos termos do art. 805.º, n.º2, b) do CC.” De qualquer modo resultando o crédito de actividade criminosa e praticada á revelia da sociedade, “sempre teria de se considerar que a falta de liquidez da obrigação se deveu exclusivamente aos réus, pelo que são devidos juros de mora desde que teve lugar a prática dos actos ilícitos nos termos do art. 805.º, n.º 3 do CC.”

A questão debate-se na confrontação ou antinomia constatada entre a posição da demandante que estima serem devidos juros desde que os demandados se apropriaram das quantias peticionadas pela demandante, ou pelo menos desde a prática dos factos qualificados como ilícitos e culposos, e a posição assumida pelas instâncias – cfr. fls. 2466, da sentença, e fls. 39 e 40, do acórdão recorrido – de que os juros só serão devidos a partir do momento da citação dos demandados para a presente acção.

Os juros de mora são uma compensação ou reparação monetária que se estabelece ou convenciona como forma de superar eventuais perdas ou ausência de possibilidade de disponibilidade ou de ganho, relativamente a uma quantia que tinha direito a dispor, que outrem lhe devia entregar, em virtude de um acordo ou contrato, num momento estipulado, e o não fez atempadamente, por causa que lhe deve ser imputável. Os juros de mora destinam-se, assim, a reparar uma situação de atraso no pagamento, ou entrega atempada de um crédito de que alguém é detentor, ou passou a deter sobre outrem por ter criado uma situação em que o património de alguém ficou depreciado e deveria, por isso, ser compensado, como efectiva reparação de um dano causado na esfera patrimonial do lesado. [1]]  

A não estipulação de prazo para solvência de um crédito, por ausência de acordo ou convenção negocial, importa para o credor a necessidade de fazer chegar ao devedor a intimação de exigência no pagamento da quantia devida. Na falta de estipulação, prescreve a lei – cfr. artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil – que só a interpelação do devedor para pagamento, ou solvência, do que tem a obrigação de prestar, é que começa a contar o tempo correspondente a essa reparação, ou seja, o devedor se constitui em mora.

A mora inicia-se, no entanto, independentemente da interpelação, para além de outras situações, se a obrigação provier de faco ilícito – cfr. artigo 805.º, n.º 2, alínea b) do Código Civil.

A incoação da mora, porém, só ocorre, em qualquer situação, a partir do momento em que o devedor tem conhecimento exacto da quantia que lhe corresponde prestar. A liquidez da obrigação constitui-se, assim, o elemento essencial donde decorre o dever de entrega da prestação certa a cargo daquele que sabe que deve uma determinada quantia a outrem e não procede á sua entrega.      

A não liquidez da obrigação, por indeterminação dos factores relativos à situação geradora do dever de prestar ou do facto de onde ela deriva, importa para o credor o dever de a tornar liquida e de determinar, por via de acordo ou recurso à via jurisdicional, o quantitativo certo que o devedor deve entregar para se liberar da obrigação que criou para com ele, salvo se a iliquidez não lhe deva ser imputável – cfr. n.º 3, primeira parte, do artigo 805.º do Código Civil.

Tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, “o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja mora, nos termos da primeira parte deste número” – cfr. nº 3 do artigo 805.º do Código Civil. 

A demandante faz derivar a obrigação de indemnizar, a cargo dos demandados, da ocorrência de situações factuais que têm na sua génese a apropriação, por parte de dois sócios da sociedade que haviam constituído, de quantitativos em numerário – emissão de cheques a seu favor sobre contas de que a sociedade era detentora, pagamentos de bens e serviços de um dos sócios (cfr. artigos 26.º a 38.º d apetição inicial) – e de venda de bens e animais que pertenciam à sociedade mas cujo preço não reverteu a favor desta, antes teria sido apropriado a favor dos sócios, BB e DD, e do pai destes, FF.

A factualidade donde a demandante faz derivar a obrigação de indemnizar, decorrente da ilicitude e de condutas culposas por parte dos sócios involucrados, não se tornou segura até ao momento em que o tribunal deu como adquirido que os factos imputados aos demandados – e donde emergia o seu dever de indemnizar a sociedade lesada, itera-se – haviam sido praticados e o tinham a autoria dos demandados. Só a partir do momento em que o tribunal, por força da negação da factualidade que a demandante imputava aos demandados, deu como seguro e certo que a prática desses factos deveria lhe deveria ser feita é que surgiu a obrigação de indemnizar, a cargo destes. Até esse momento – momento da fixação da responsabilidade pela prática de factos ilícitos e culposos originários ou geradores de uma obrigação de indemnização – é que surge, ou emerge, a situação jurídica detonadora da responsabilidade civil ou aquiliana. Vale dizer que só com a irrupção da situação factual fixadora dos pressupostos definidores da responsabilidade civil é que o credor pode exigir ao responsável o correspondente monetário que esses factos geraram na sua esfera patrimonial. Só a partir do momento em que o tribunal deixou fixados esses pressupostos é que, juridicamente, o lesado tem o direito de exigir, pela constituição positiva do facto determinante da obrigação, que o lesante proceda à reparação dos danos que causou com os factos praticados. Até ao momento da fixação dos factos que consubstanciam ou constituem os pressupostos materiais da responsabilidade civil a cargo do lesante, a situação geradora ainda não se tinha tornado certa e adquirido a potencialidade de, juridicamente, poder gerar a obrigação e de o credor/lesado poder exigir do outro o ressarcimento pelos danos que lhe haveria causado e que lhe havia imputado. O momento em que surge a obrigação de indemnizar, por responsabilidade civil, só se fixa e se torna certa e segura, para o lesado, a partir do momento em que o tribunal dá como adquirido que determinado sujeito foi autor dos factos danosos que este lhe imputara e fixa o quantitativo correspondente ao valor pecuniário que essa lesão causou no património depreciado com a acção ilícita e culposa do autor da situação lesiva.     

No caso dos autos, e independentemente das datas indicadas na petição inicial como sendo aquelas em que se verificaram as apropriações indevidas e ilícitas, por banda dos demandados, porque estes haviam impugnado a sua prática e/ou a natureza ilícita e culposa das mesmas, a obrigação de indemnizar só surge a partir do momento em que o tribunal fixa os factos, a sua autoria, a ilicitude da acção, o carácter culposo da conduta e cria o nexo de imputação dos factos aos lesantes e determina os danos que essas condutas originaram na esfera patrimonial da demandante.

Sendo assim, como nos parece irrefragável que seja, a obrigação de indemnizar a cargo dos lesantes só ficará segura a partir do momento em que se fixe, com carácter inderrogável, a factualidade danosa que determina a obrigação de indemnizar, pela verificação dos pressupostos da responsabilidade aquiliana.

Neste caso, prescreve o preceito supra citado – exactamente o n.º 3, segunda parte, do artigo 805.º do Código Civil – que decorrendo a obrigação de factos ilícitos o momento que deve ser atendido para a constituição da mora do devedor é a citação, que a lei faz corresponder à interpelação do credor ao devedor pela obrigação de prestar uma determinada quantia a que fez corresponder os factos, ilícitos e culposos que lhe imputa e que exige lhe seja pago um correspectivo equivalente ao efeito danoso que esses factos criaram ou determinaram no seu património. A citação surge aqui como o momento ficcionado pelo legislador como acto pessoal de vontade interpelativo, ou expressão de uma vontade exterior do credor manifestada perante um órgão com competência para determinar e fixar a existência dos factos geradores da obrigação criada pela verificação jurídico-material de uma determinada factualidade ilícita e culposa, que a lei elege e prescreve como fonte de obrigações. É este acto de exigência de prestação decorrente de uma obrigação gerada por factos ilícitos, que levado ao conhecimento do autor dos factos lesivos, que alguém imputa a outrem, se constitui como vector interpelativo da prestação a que o lesado se sente com direito a receber e que, uma vez reconhecido pelo tribunal, deve ser eleito como momento a partir do qual o lesado tem conhecimento de que será obrigado a uma prestação de uma quantia que, apurada a factualidade que lhe é imputada, o tribunal vier a fixar, a favor de outrem. 

Em desinência do exposto, e malgrado os factos donde a demandante faz emergir a obrigação de indemnizar, terem ocorrido, em momento anterior, os pressupostos da responsabilidade civil que gerou essa obrigação, a cargo dos demandados, só ficou estabelecida com a instauração da acção destinada a exigir a indemnização pelos factos ilícitos e culposos que a demandante imputava aos demandados, e só com a citação é que estes tomaram conhecimento de que aquela tinha a intenção de lhes exigir um valor correspondente aos danos que a sua conduta tinha criado na sua esfera patrimonial.

O momento que a lei estabelece para a constituição da mora, para estas situações – obrigação de indemnização decorrente de factos ilícitos – é a citação, de acordo com o estatuído na segunda parte do n.º 3 do artigo 805,º do Código Civil, devendo, em definitivo, ser este o momento a partir do qual os devedores ficam constituídos em mora.    

II.B.2.c. – Impugnação pela não exclusão do sócio DD (artigos 242.º a 257.º do Código Sociedades Comerciais).

Para a recorrente, “o Acórdão recorrido não excluiu de sócio o reu DD porque considerou que, diferentemente do que sucedeu com o réu BB, não se provou que da parte daquele réu houve intenção de se apropriar dos bens da sociedade”, sendo que em seu juízo, este sócio violou o dever de lealdade para com a sociedade por: a) ter subscrito dezenas de cheques que viriam a ser usados em benefício do seu pai, BB; b) aceitou que o seu pai lhe vendesse todo o activo pecuário, que ele não teria pago, tendo-se apropriado desse activo, em detrimento da sociedade. 

Para o acórdão recorrido a factualidade dada como provada no concernente ao réu DD, não induz uma situação dolosa – como teria ficado confirmado e sedimentado relativamente ao réu BB – mas tão só uma acção negligente que não teria alçada justificadora para a sanção de expulsão do réu DD. Refere, concretamente, o acórdão recorrido que (sic): “encerrando estes quesitos a matéria de dolo, não tendo sido julgados provados na parte em que se referiam ao R. DD, não foi provado o dolo deste.

Para efeito de considerar dolosa a conduta do R. DD, e violadora do dever de lealdade, não pode bastar a alegação de que “subscreveu e assinou dezenas de cheques da sociedade, e os entregou ao outro sócio-gerente, o R. BB, sem cuidado de averiguar o destino dos mesmos…” (v. conclusão sob a alínea d), nem a alegação de que esse R. “… aceitou que o R. BB lhe vendesse todo o activo pecuário…” (v. conclusão sob a alínea e), pois esta matéria de facto, dizendo respeito à intenção desse R. DD, mais não revela do que negligência na acção, o que é insuficiente para decidir pela sua exclusão de sócio.
Preceitua o n.º 2 do artigo 241.º do Código das Sociedades Comerciais que “Quando houver lugar à exclusão por força do contrato, são aplicáveis os preceitos relativos à amortização de quotas.”
O direito de exclusão de um sócio de uma sociedade por quotas “apresenta-se como um direito potestativo extintivo, do qual é titular a sociedade.” [[2]/[3]]
A exclusão de um sócio, enquanto acto extintivo de uma qualidade participativa num organismo social dirigido à consecução de determinados objectivos - normalmente definidos no contrato de sociedade – só pode ocorrer por verificação, ou existência, de uma “violação grave e juridicamente imputável das obrigações do sócio para com a sociedade” – cfr. artigo 186.º, n.º 1, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais – “pois só um inadimplemento que revista estes traços pode, à luz do intuitos personae que cimenta as sociedades em nome colectivo, conduzir à formulação de um juízo de desvalor (objectivo e subjectivo) sobre a conduta do sócio suficiente respectiva justificar que, à sociedade, se torne inexigível suportar a sua presença.” [[4]/[5]

O instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na protecção do fim do contrato de sociedade, traduzido no interesse social, "enquanto elemento comum aos interesses dos sócios contratantes e meio contratual de satisfação dos seus interesses distintos.

Assim, a exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social.

Daí que a sociedade só possa resolver o contrato em relação a determinado sócio, mediante a exclusão, quando este ponha em causa, não em função dos seus incumprimentos, mas dos seus efeitos, o interesse social (vd. LUÍS MENEZES LEITÃO, "Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais", A.A.F.D.L., 1988, p. 41 e ss).

O sócio está, pois, obrigado a não violar deveres de conduta que possam causar prejuízos à sociedade.
Entre estes deveres acessórios apontam-se os de esclarecimento, de colaboração e de lealdade, deveres que fazem parte do conteúdo das obrigações, como exigências gerais do sistema jurídico (cfr. MENEZES CORDEIRO, "Direito das Obrigações", I, 1994, 149). [[6]]
Para que possa ocorrer a exclusão de um sócio com base na violação dos deveres de lealdade e de cooperação para com os fins prosseguidos pela sociedade torna-se imprescindível que ocorram situações comprometedoras da confiança e de convivência saudável, séria e segura entre aqueles que se encontram vinculados pela prossecução de um objectivo comum, qual seja o de fazer prosperar a sociedade e obter proveitos sociais e pessoais com o desenvolvimento da actividade que constitui o seu objecto.
 “Não basta, para haver exclusão, a prática de actos danosos, a «ilicitude objectiva da violação», exigindo-se ainda a previsibilidade de verificação de "prejuízos relevantes" ou a ocorrência de «prejuízos concretos na actividade social.” [[7]/[8]]
A factualidade adquirida evidencia, relativamente aos dois sócios visados pela acção destinada a obter a sua exclusão, que enquanto o primeiro – BB – se apropriou de dinheiro, terá vendido activo pecuário, cujo produto não fez reverter e entrar nas contas da sociedade, privando-a, desta forma, do correspectivo monetário a que equivaleria a venda dos animais vendidos, o segundo – DD – embora, sendo filho do demandado BB, não terá assumido uma atitude e conduta dolosa e violadora dos interesses sociais prosseguidos.
Na verdade, da matéria de facto provada não resulta uma atitude (objectiva ou subjectiva) que inculque a ideia de ter agido o demandado DD de forma intencional e tendo como fim a lesão de interesses. A sua conduta, ao menos do que é possível extrair do acervo factual adquirido, terá sido negligente ou irresponsável, mas não se depreende que tenha assumido uma relevância tal que se torna justificadora de uma medida extrema como se reveste a exclusão da sociedade, com as consequências que daí decorrem para o sócio excluído.
Da análise da facticidade exposta supra, e outra não é possível atender – ainda que seja possível conjecturar, pelas ligações familiares patenteadas, alguma permissividade e cumplicidade nas condutas lesivas que o sócio BB desenvolveu contra os interesses da sociedade – não se configura uma situação que induza a uma relevância objectiva e fundante que justifique a peticionada exclusão do DD.
Improcede este fundamento da revista e, com ele, o recurso da demandante.

II.B.2. – Do recurso dos Demandados.

II.B.1.a. – Violação dos artigos 674.º-A, 674.º B e 712.º-B do Código Processo Civil.

Para os recorrentes, “nesta sede há que atender a que os arts. 674.º-A e 674.º-B do Cod. Proc. Civil não determinam uma repristinação integral probatória dos factos consignados em sede de sentença criminal, tendo de ser corroborados e aferidos á luz do art. 342.º do Cod. Civil, que não pode ficar desvirtuado como elemento de repartição do ónus da prova, apenas podendo ser considerados os factos confirmados em sede de processo civil que já mereceram afirmação no âmbito criminal se prova contraria lhe não for aposta e na estrita medida em que ocorreu a condenação e absolvição efectuada em sede de sentença criminal;

Tendo, em sede criminal ocorrida a condenação do recorrente BB pela prática de um crime de abuso de confiança e de um crime de fraude na obtenção de subsidio, processo no qual a A. também foi arguida, apenas nos elementos de conexão poderão as sentenças em si ser consideradas para fins de confirmação probatória e nunca recuperadas em absoluto, e sempre e apenas na medida em que os elementos probatórios recolhidos no próprio processo não impliquem decisão diversa;

A decisão sobre a impugnação da matéria de facto efectuada pelo Acórdão recorrido atenta numa consideração restritiva do art. 712.º, n.º 1, als. a) e c) do Cod. Proc. Civil (na sua anterior redacção), não atentando a que, por via da reapreciação inserta naquele comando legal, terá de ser efectuada uma repristinação do critério racional subjacente á consideração probatória e um aquilatar efectivo dos depoimentos e meios probatórios por forma a aferir se a fundamentação traduz a realidade efectiva do que ocorreu em sede de julgamento;

Ao não ter realizado tal juízo, o Acórdão recorrido limitou-se a recuperar os critérios em que assentou a aferição probatória, sem sobre eles emitir um juízo de conformidade com a produção probatória realizada, não consentâneo com o mencionado art. 712.º, n.º 1, als. a) e c) do Cod. Proc. Civil.”

A decisão de facto da primeira instância, que o acórdão recorrido recuperou e coonestou, incoou, vestibularmente à fundamentação da matéria de facto dada como adquirida, por justificar a utilização que iria fazer da prova extraprocessual de que se iria apropriar para a solução da decisão de facto que ditaria. Referiu-se, nesse exórdio justificador – cfr. fls. 2374 a 2377 –, que (sic): “os réus BB e DD foram julgados no processo criminal n.º 11/98.4TARDD, que correu termos neste tribunal e cuja apensação aos presentes autos, para efeitos probatórios, foi ordenada no decurso da audiência de discussão e julgamento. O objecto desse processo criminal coincidia parcialmente com o destes autos e nele foi proferida decisão final, já transitada em julgado, que absolveu o réu DD e condenou o réu BB, pela prática de um crime de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205.°, n.ºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, e de um crime de fraude na obtenção de subsídio p. e p. pelos artigos 2.°, 36.°, n.ºs 1, al. a), 2, 5, al. a) e 8, do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20.01, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução. A ora autora foi também arguida nesse processo, tendo sido absolvida da prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio p. e p. pelos artigos 2.º, 36.º, n.ºs 1, al. a), 2, 5, al. a) e 8, do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20.01, com referência aos artigos 3.º e 7.º do mesmo diploma. A ré CC não interveio no mesmo processo.

O circunstancialismo descrito determina a aplicação, em sede de decisão da matéria de facto, do disposto nos artigos 674.º-A e 674.º-B do Código de Processo Civil.

O artigo 674.º-A estabelece que a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.

O artigo 674.º-B, por seu turno, dispõe, no seu n.º 1, que a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. O n.º 2 determina que a presunção referida no n.º 1 prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.

Está em causa, em qualquer destas normas, a "eficácia da decisão penal transitada em julgado, respectivamente condenatória e absolutória, em acção de natureza civil posterior, conferindo-lhe valor probatório legal extraprocessual" (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, volume 2, Coimbra Editora, 2001, p. 691). "Não se trata, directamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes" (idem).

A eficácia probatória da sentença penal condenatória transitada em julgado no processo civil em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção, nos termos do artigo 674.º-A, traduz-se no seguinte: em relação a terceiros, aquela sentença constitui presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime. Decorre implicitamente desta norma, sob pena de não fazer sentido a ressalva dela constante quando se trate de terceiros, que, em relação aos próprios arguidos, os factos referidos na mesma norma devem ser considerados provados no processo civil. Esta ideia aflora na seguinte passagem do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12: "No que se refere à disciplina dos efeitos da sentença, assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado penal, quer condenatório quer absolutório, por acções civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do Código de Processo Penal de 1929, não figura no actualmente em vigor; adequa-se, todavia, o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção, ilidível por terceiros, da existência do facto e respectiva autoria."

Tratando-se de sentença penal absolutória e desde que o fundamento da absolvição tenha sido o arguido não ter praticado os factos que lhe são imputados, a mesma sentença constitui, na acção civil, simples presunção legal da inexistência de tais factos; esta presunção é ilidível, mas - é este o aspecto verdadeiramente relevante do regime do artigo 674.o-B - prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.

Como referi em despacho que proferi, na audiência de julgamento, quando a questão foi suscitada pela autora, se os réus desta acção fossem apenas BB e DD, ter-se-ia, logo de início, dado aplicação ao disposto no artigo 674.º-A. Porém, a isso obstava a circunstância de também ser ré nesta acção CC e de esta última ter contestado. Como CC não foi arguida naquele processo-crime, é terceira para o efeito previsto nesse artigo. Logo, o acórdão proferido no processo criminal apenas gera a presunção ilidível ali estabelecida. A base instrutória devia manter-se tal como estava e, logicamente, tinha de haver produção de toda a prova, pois a ré CC tinha a possibilidade de ilidir a referida presunção.

Neste momento processual, a questão da prova coloca-se nos seguintes termos: Os factos por que o réu BB foi condenado no processo criminal terão de ser julgados provados, salvo se, considerando a prova produzida, for de concluir que a ré CC conseguiu ilidir a presunção da sua existência. Por outro lado, os factos que determinaram a absolvição do arguido DD no processo criminal terão de ser mantidos, salvo se a autora tiver conseguido ilidir a presunção da sua veracidade, elisão essa que não poderá ser feita através de presunções de culpa estabelecidas na lei civil.

Portanto, foi nesta base que decidi a matéria de facto controvertida, o que deverá ser tido em conta na leitura da fundamentação que se segue.”

Incoando por caracterizar o tipo de acção em que nos situamos, resulta da causa e do pedido que estamos perante uma acção em o lesado, com fundamento em acção ilícita e culposa, reclama dos respectivos, ou seja a quem imputa a autoria da acção, que o indemnize pelos danos e prejuízos causados, por essa acção ilícita, na sua esfera patrimonial.

Neste tipo de acção compete ao lesado a prova dos factos que substanciam a causa de pedir, pelo que toda a prova tem de ser produzido a cargo daquele que reclama a indemnização, de modo a consolidar os pressupostos donde decorre a obrigação de indemnizar, facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e o nexo causal entre o facto e o dano.

A acção para ressarcimento dos eventuais danos sofridos por virtude de uma acção ilícita pode ser instaurada n processo-crime que seja instaurado contra o autor da acção ilícita, de acordo com o princípio da adesão em processo penal, ocasião para a discussão conjunta da acção penal e do pedido conexo, cabendo neste caso ao demandante a demonstração dos factos em que baseia o pedido. 

Em princípio não existirá qualquer presunção de culpa a favor do lesado, pelo que lhe incumbirá, como supra se asseverou, a prova da verdade dos factos donde faz derivar o pedido de indemnização.         

No caso sobre que versa a revista, a acção reclamando a indemnização por danos ocasionados por uma acção ilícita e culposa dos demandados, foi deduzida em acção cível separada, tendo a acção penal sido julgada separadamente e um dos demandados, também arguido na acção penal – concretamente o demandado BB – sido condenado por factos que vieram a sustentar a causa de pedir na acção cível que veio a ser proposta – cfr. fls. 1655 a 1697. [[9]]

Da circunstância adrega de, tendo o processo-crime terminado, ter sido junta a decisão condenatória e o tribunal de primeira instância ter “pedido emprestada” prova que foi dada como consolidada no mencionado processo-crime para dar como provados factos nesta acção cível.

Coloca-se assim, a questão trazida a tela de recurso, pelos recorrentes, com o valor ou eficácia extraprocessual das provas, ou com o que também é designado por “prova emprestada”. [[10]]

A regra instituída pelo regime probatório em processo cível é o do não aproveitamento das provas produzidas em outras acções, por aplicação dos limites objectivos do caso julgado que exclui “a importância sem mais e de modo vinculado de uma decisão probatória.” [[11]] Vale por dizer que “a decisão de dar certo facto como assente (cf. art. 551.º CPC) ou a decisão sobre a matéria de facto (cf. art. 653.º, n.º 2) não tem eficácia jurídica senão no concreto processo para que forma produzidas.” [[12]]

Tratando-se de prova produzida em outro processo, e no juízo/decisão probatória a proferir, refere o autor que vimos citando que, como doutrina Lebre de Freitas, a prova “fica sujeita à livre apreciação da prova (…) no novo processo, a resposta deve ser valorada em conjunto com os meios de prova com que ele é directamente confrontado”, “isto porque não podendo o juiz apreciar o conteúdo do depoimento, à livre formação da sua convicção substituir-se-ia o exercício dum poder vinculado (se se entendesse que teria de concluir como no processo anterior) ou discricionário (se entendesse que apenas podia fazê-lo), que, em qualquer dos casos, a lei não lhe atribui e que teria como base a formação da convicção de outrem, se lhe fosse consentido assentar uma decisão de facto na mera resposta de outro tribunal a um quesito” e “isto mesmo pressupondo a total identidade da configuração do facto em causa e não a produção sobre ele de outras provas no segundo processo.” [[13]

Ocorrem segundo este autor duas excepções a este regime-regra, a saber o estatuído no artigo 289.º, n.º 4 do CPC, relativo ao alcance e efeitos da absolvição da instância, e os artigos 674.º-A e 674.º-B do Código Processo Civil.

Cingindo-nos, por ser o tema do recurso, à excepção referida em último refere o Prof. Rui Pinto, no estudo que vimos citando que o âmbito objectivo de aplicação se deve situar: “Quanto ao âmbito dos arts. 674.o-A e 674.o-B importa ainda fazer algumas precisões.

Em primeiro lugar, no caso da sentença penal condenatória os factos presumidos - na letra da lei os "factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal bem como dos que respeitam às formas do crime" (52) - são os factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, como escrevem LEBRE DE FREITAS et alia.

Esses factos quando transplantados para uma acção/pedido cível não vão cobrir a totalidade dos pressupostos da responsabilidade civil, mas sim cobrir a ilicitude e a culpa e, mais duvidosamente, o nexo causal.

Esse é o entendimento, em parte, de LEBRE DE FREITAS: "provada, no processo penal, a prática dum acto criminoso que constitua ilícito civil, o titular do interesse ofendido não tem o ónus de provar na acção civil subsequente o acto ilícito praticado nem a culpa de quem o praticou, sem prejuízo de continuar onerado com a prova do dano sofrido e do nexo de causalidade".

Em segundo lugar, pode fazer-se uma restrição: deve ser exclu­ído do âmbito de funcionamento do art. 674.º-A a sentença penal que considera verificada a ocorrência do ilícito criminal, mas que não aplica qualquer pena, por considerar ter caducado o respectivo direito de queixa, pois o arguido não pode levar a respectiva discussão até ao fim.

Já se o arguido foi efectivamente condenado mas beneficiou, depois, de uma amnistia não deixa de funcionar o regime do art. 674.º-A.

Em terceiro lugar, no caso da sentença penal absolutória importa distinguir se a absolvição foi fundada em prova positiva ou em prova nega­tiva; o preceito apenas se aplica à absolvição fundada na prova positiva.

Se a absolvição penal tiver por fundamento a falta de prova dos factos imputados ao arguido - a chamada absolvição pela prova negativa (com base no princípio in dubio pro reo) - o arguido não foi "absolvido (...) com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados", como exige o art. 674.0- Pelo contrário, "nesta situação a absolvição se baseia na falta de prova dos factos imputados ao arguido, não dispensando, por isso, aquele que invoca os factos em que se alicerçou a acusação no processo-crime do ónus de os demonstrar na acção civil se deles quiser tirar proveito".

Como escreve LEBRE DE FREITAS, "não provado o facto em processo penal, não se constitui a presunção do art. 674.º-A e o autor da acção civil continua onerado [nos termos gerais] com a prova dos factos cons­titutivos do seu direito" (57).

Diversamente, se a absolvição teve lugar com fundamento em prova de que o arguido não praticou os factos de que estava acusado - a chamada absolvição pela prova positiva - tem-se por adquirido (rectius, presumido) que ele actuou correctamente, de modo diligente", nos ter­mos do art. 674.º-B.

É o que sucede quando é feita

a) "prova de que ( ... ) factos [imputados ao arguido] não foram pra­ticados pelo arguido (58) ou de que nem sequer ocorreram (v. g., a ofensa corporal)

B) prova de um facto impeditivo (59) ou facto excludente da culpa ou de que o facto danoso (morte, ofensa) nem sequer ocorreu.

Finalmente, o que é a lei quer dizer ao estatuir no art. 674..º-B que "a previsão referida (...) prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabeleci das na lei civil"?

Quer dizer que o respectivo sentido probatório prevalece sobre sentido probatório contrário fundado em outra presunção.

Suponha-se que se alinha pela tese da natureza, por regra, contratual da relação paciente/médico. Já sabemos que o paciente tem provar a desconformidade com a legis artis para beneficiar da presunção de que o médico actuou com culpa, nos termos do art. 799.º, n.º 1, CC.

Todavia há que distinguir:

a) Se o médico fora já condenado criminalmente, há uma dupla presunção de culpa: a decorrente do art. 674..º-A e a decorrente do art. 799.º, n.º 1, CC;

 Se o médico fora absolvido criminalmente por prova positiva de que actuou com a diligência devida, tal constitui presunção de não culpa nos termos do art. 674.º-B que se sobrepõe à presun­ção de culpa do art. 799.º, n.º 1; fica o paciente onerado "com a prova de que assim não foi e a actuação foi culposa" [[14]]

Assim, e em sínese, refere, por fim este autor, que: “Em síntese, o mecanismo dos arts. 674.º-A e 674.º-B CPC está excluído:

a) se já houve sentença penal definitiva:

i) Condenatória, quanto aos factos integrantes do dano (e talvez o nexo causal);

ii) Absolutória.

1. por prova negativa, quanto a todos os factos da respon­sabilidade;

2. por prova positiva, quanto aos factos não provados favo­ravelmente ao arguido e quanto a todos os factos se a acção for dirigida contra terceiro.

se não houve ainda sentença definitiva (seja porque correu por adesão ao processo crime, seja porque correu mais rapidamente em acção cível separada) quanto a todo e qualquer facto.” [[15]]

Operado este longo excurso doutrinário, e na análise do caso que vem posto em tela de juízo, importará repristinar as concretas condições em que ocorreu o “transporte” da prova dada como adquirida no processo penal em que os demandados BB e DD foram julgados.

Em primeiro ligar só o réu BB foi condenado – pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança e um crime de fraude na obtenção de subsídio – tendo o réu DD sido absolvido, bem como a demandante. A demandada CC não interveio no processo-crime.

Assim, a prova produzida na sentença penal condenatória, relativamente ao demandado BB, vale em favor do lesado, e mesmo perante terceiros, no atinente aos factos da ilicitude e da culpa (e talvez do nexo causal). Já relativamente ao demandado DD a sentença penal absolutória valerá: “1. por prova negativa, quanto a todos os factos da respon­sabilidade; 2. por prova positiva, quanto aos factos não provados favo­ravelmente ao arguido e quanto a todos os factos se a acção for dirigida contra terceiro.

Relativamente á demandada CC, porque não interveio no processo-crime, a decisão penal vale como mera presunção.    

A análise da factualidade provada – cfr. com mais detalhe e concreção o explanado na decisão recorrida a fls. 30 a 33 – demonstra que o tribunal de primeira instância não se forrou, ou abonou, simplesmente na decisão condenatória proferida no processo-crime, antes tendo acolitado o seu juízo conviccional nos depoimentos das testemunhas e na documentação constante do relatório de inspecção de que a demandante foi objecto por parte dos serviços competentes.

É certo que como é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, na reapreciação da prova, o tribunal de apelação deve formar a sua própria convicção relativamente à matéria de facto objecto de impugnação (especificada) no recurso de apelação. [[16]] No entanto, se atentarmos nas conclusões dos recorrentes, BB e DD, constatamos que se limitam a divergir do processo formal-material como o tribunal de primeira instância deu como provados os factos em discussão na acção cível – segundo o seu entendimento “apenas nos elementos de conexão poderão as sentenças em si ser consideradas para fins de confirmação probatória e nunca recuperadas em absoluto” e que “atenta a matriz de aferição probatória agora pugnada, aliada aos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas indicadas em sede de alegações e pelos motivos ali expostos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, devem merecer consideração probatória diversa as respostas dadas aos arts. da base instrutória n.ºs 2,3,4,5,6,7,9,10,11,12,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30, 31, 32,33,34,36,38,39 e 40, nos moldes supra reproduzidos.” – sem outras especificações.

O tribunal de apelação estimou que a decisão de facto não merecia censura, por ter tomado em consideração, para além dos factos constitutivos relativos à culpa e à ilicitude do arguido BB, se havia forrado em outros elementos de prova aportados pela discussão da causa, o que fazia com que nada houvesse a alterar ou modificar.

Em nosso juízo, ainda que de forma parcimoniosa, o tribunal de apelação operou com os elementos de prova que estavam disponíveis no processo, a nível da prova documental e testemunhal, para confirmar o juízo valorativo que havia sido constituído e formado pelo tribunal de primeira instância, pelo que não deve merecer censura. [[17]]

II.B.1.b. – Omissão quanto à determinação do valor da contrapartida decorrente da amortização da quota dos sócios (Violação do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais).

Refutam os recorrentes a decisão sob sindicância com o fundamento em que (sic): “à luz do art. 242.º, n. 4, do Cod. Soc. Comerciais, preconizando-se, em sede de pedido, a exclusão de sócio, constitui pressuposto prévio da prolação da sentença a determinação do valor da contrapartida decorrente de amortização da quota, em caso de condenação, tanto mais que a fixação daquele valor tem em vista o momento da propositura da acção e que tal elemento constitui pressuposto determinante para a efectivação de eventual declaração no sentido da exclusão.”
Estatui o artigo 242.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comercias que “dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da sentença de exclusão deve a sociedade amortizar a quota do sócio, adquiri-la ou fazê-la adquirir, sob pena de a exclusão ficar sem efeito” e o n.º 4 do mesmo preceito, que “Na falta de cláusula do contrato de sociedade em sentido diverso, o sócio excluído por sentença te direito ao valor da sua quota, calculada com referência à data da proposição da acção e pago nos termos prescritos para a amortização de quotas.  
Da hermenêutica concatenada e conjugada dos dois segmentos de normativos transcritos, extrai-se com meridiano entendimento e lhaneza de cognoscência que a amortização da quota do sócio excluído por decisão judicial só é verificável e exequível quando se torna segura e firme a decisão de exclusão do sócio. Nem faria sentido que assim não fosse. Como poderia a sociedade amortizar um activo social que não tinha por certo e seguro que viesse a suceder. A tese avançada pelos recorrentes – de constituir a amortização pressuposto da sentença excludente da condição de sócio – afigura-se-nos, com o devido respeito, totalmente inviável e impraticável. Para o efeito advogado o tribunal teria de antecipar o sentido decisório como forma de possibilitar a amortização. Ou então fá-lo-ia como medida cautelar e previdente da pronúncia a ditar. Em qualquer das apontadas situações prefiguradas, a adoptar-se a tese advogada pelos recorrentes, impor-se-ia ao tribunal uma acção positiva – notificação anterior à prolação da sentença para que a sociedade diligenciasse pela amortização da quota – que tornaria a decisão dependente do acto amortizador. E se não houvesse acordo quanto à amortização? Isto é, se o sócio cuja exclusão é pedida não se conformasse com o quantitativo proposto – resultante das regras e critérios estabelecidos na lei – e o impugnasse judicialmente, por exemplo. Neste caso a sentença dependente ou suspensa do acto da sociedade (amortização) ficaria a jacente até que houvesse uma decisão quanto ao valor da amortização a ser decidida pelo tribunal.
A hermenêutica dos segmentos normativos extractados conduz, precípuamente, a uma síntese normativa que, pensamos, ser orientada no sequente sentido. O sócio excluído, por decisão judicial, tem o direito a ver a quota amortizada; a amortização deve ser operada no prazo de trinta (30) dias a partir do trânsito em julgado da sentença; o cálculo para a amortização é efectuado com referência à data da proposição daa acção e pago nos ermos prescritos para a amortização de quotas.     
Improcede, pelas expostas razões, este fundamento do recurso.    

II.B.1.c. – Impugnação dos fundamentos da exclusão de sócio do réu BB. Actos de Gerência (artigo 241.º do Código das Sociedades Comerciais).

Na esteira da refutação do decidido na decisão de primeira instância, os recorrentes estimam que os factos que serviram para ditar a exclusão do sócio BB, não foram suficientemente balizados nas actas deliberativas para propositura da acção destinada a obter a exclusão do sócio, dado que a mesma se limita a (sic): “tecer considerações genéricas e imputações por remessa á terminologia legal, sem enquadramento factual, muito aquém daquela que foi a invocação efectuada em sede de petição inicial, mesmo que se retenha uma segunda acta rectificadora, elaborada ao arrepio do consignado no art. 62.º do Cod. Soc. Comerciais;

Não podendo tais factos ser considerados, na medida em que a acta que delibera a propositura da acção de exclusão tem de ser clara, precisa, incondicional e bastante relativamente aos factos que se pretendem invocar para fundamentar a pretensão trazida a Juízo, o que, no caso vertente, nunca ocorreu”, adrega que “apenas os factos praticados enquanto sócio podem fundamentar a exclusão daquela qualidade, à luz do art. 242.º do Cod. Soc. Comerciais, sendo a sanção para actos violadores de deveres de gerência, praticados enquanto tal, a destituição de gerente;

Ora, todos os factos imputados ao recorrente BB para fundamentar a sua exclusão de sócio foram-no enquanto gerente, apenas sendo susceptíveis de ser praticados (que não foram) enquanto gerente, sendo, pois, inábeis para motivador a decisão de exoneração de sócio constante da sentença recorrida.”

Os recorrentes imputam ao acórdão recorrido – do mesmo passo que à sentença objecto de reapreciação – dois fundamentos para impugnar a exclusão do sócio BB. Um primeiro que se prende com a não especificação, nas deliberações tomadas pela sociedade para decidir a propositura de acção para exclusão dos sócios, dos factos que serviriam como fundamentos por não serem suficientemente precisos, concretos e objectivos; um segundo porque, em seu aviso, os factos que serviram e foram dados como adquiridos pela decisão para ditar a exclusão ocorreram quando o sócio BB estava na posição de gerente e foram praticados nesta qualidade.

Incoando pelo segundo dos fundamentos apontados, dir-se-á que a tese do recorrente não colhe. A propósito, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Fevereiro de 2005, já citado que “A circunstância de o sócio ter sido gerente e de os factos que fundamentam a acção que visa a sua exclusão de sócio terem também ocorrido durante o período em que exerceu a gerência não exclui nem impede a aplicação da medida de exclusão, pois que a gerência e a qualidade de sócio têm as sua obrigações próprias e específicas e o cumprimento ou incumprimento das obrigações de gerente não dispensa o sócio, enquanto tal, da execução das obrigações próprias de sócio.”

A doutrina asseverada no troço do aresto citado torna-se, para nós, axiomática. Na verdade, não se descortina como se poderá sustentar que o facto de um sócio assumir, temporariamente, a posição de gerente de uma sociedade não poderem os actos que praticou durante esse período ser-lhe assacados também na qualidade de sócio. A assumpção, por parte de um sócio, da qualidade de gerente, não lhe retira a qualidade substantiva e material-institucional relativamente à sociedade e o exonere das obrigações que, enquanto sócio, assumiu, por contrato de sociedade, perante o pacto social formado e perante os objectivos sociais que a sociedade e os seus associados devem prosseguir.    

A qualidade de gerente não suspende a qualidade de sócio, antes, em nosso juízo, lhe acrescenta responsabilidades institucionais perante a sociedade que o incumbiu e encarregou de, na qualidade de sócio e também na de gerente, dever prosseguir os objectivos e preservar e fazer cumprir e zelar, escrupulosamente, os princípios que devem orientar, irrepreensivelmente, pelos objectivos assumidos e plasmados no pacto social.

Não encontra razão este fundamento da impugnação.  

No concernente ao primeiro dos fundamentos apontados – deficiência expositivas e descritivas dos fundamentos expressos nas deliberações sociais que consolidaram a decisão de promover a exclusão, com recurso à via judicial, da exclusão do sócio – também não deve ser acolhida a tese advogada.

Para o efeito, pedimos vénia para pedirmos de empréstimo o que ficou dito na decisão sob sindicância.
Referiu-se no acórdão recorrido, que (sic) “como consta das actas (v. fls.157 a 164) e foi julgado provado na 1ª instância (v. alíneas 17) a 20), a deliberação de exclusão dos sócios BB e DD, R.R. ora recorrentes, consistiu na “apropriação, pelos sócios excluídos, de diversas quantias pertencentes à sociedade” e na “utilização das mesmas em proveito próprio ou de terceiros seus familiares” (nos exercícios de 1995 a 1997), “sem o conhecimento e autorização dos restantes sócios”. Estas deliberações foram impugnadas por estes ora R.R. e recorrentes numa acção (nº 25/01) que instauraram contra a ora A., mas que veio a ser julgada improcedente por sentença já transitada em julgado, como também foi julgado provado na 1ª instância (v. alínea 21).”
(…)
Porém, nos termos do art. 63º nº 2 alínea f) Cód. Soc. Comerciais estabelecia-se que nas actas o que devia constar era “o teor das deliberações tomadas”, donde resulta que ao legislador, por não fazer referência aos fundamentos (que qualquer deliberação deve ter), não esteve no pensamento exigir que as deliberações sejam minuciosamente fundamentadas, razão porque não deve deixar de se considerar suficiente a menção que se fez na acta da reunião de 5.1.2001 (v. fls.157 a 160) e na acta da reunião de 29.1.2001 v. fls. 161 a 163) que rectificou aquela anterior – por não ter indicado os “fundamentos da exclusão dos sócios” referidos – constando dessa 1ª acta que foi aprovada por maioria a deliberação de exclusão do sócio BB”, de que “é aprovada por maioria a exclusão do sócio DD”, e de que foi “aprovada deliberação no sentido de ser proposta acção judicial para exclusão dos sócios... com pedido de indemnização pelos prejuízos causados”. Na 2ª acta já consta que os fundamentos da exclusão foram “a apropriação… de diversas quantias pertencentes à sociedade e utilização das mesmas em proveito próprio ou de terceiros seus familiares, nos exercícios de 1995 a 1998, sem o conhecimento e autorização dos restantes sócios, cujo valor total, segundo foi possível apurar à presente data, pelo menos é superior a 30.0000.000$00”, o que foi votado favoravelmente, e o fundamento dos “factos constantes do relatório de Finanças… e o relatório dos peritos no proc. nº 92/98…”.
Com esta rectificação as actas – a que diz respeito a matéria de facto constante das alíneas 18) a 20) julgada provada na 1ª instância – são suficientemente claras e precisas, seja quanto à deliberação, seja quanto aos seus fundamentos, contrariamente ao alegado pelos R.R., ora recorrentes (v. conclusão sob a alínea g).

As actas em que se deliberou a exclusão dos sócios, BB e DD, é suficientemente explícita e concretizadora relativamente aos fundamentos em que a sociedade tinha intenção de invocar na acção que deliberou propor para ditar a exclusão dos sócios. A invocação pontual das condutas que reputaram violadoras do dever de lealdade dos sócios para com a sociedade revelam-se suficientemente propositivas para que qualquer pessoa colocada na situação dos demandados obtivesse a percepção dos factos-situações que lhes eram imputados e que serviriam de base a uma substanciação mais focalizada numa causa de pedir junto de um órgão jurisdicional.

Não se pede – nem e lei exige – que na deliberação social de uma sociedade destinada a cevar um pedido de exclusão de sócio especifique, concretize e narre, descritivamente, os factos materiais que venham a constituir uma petição inicial de uma acção judicial. O que se pede, e é legalmente exigível, é que a deliberação contenha as situações-base e concentradas, ou até conceptualizadas, de condutas e atitudes desvirtuadoras e desvalorativas em que os sócios visados incorreram e que, na apreciação compreensiva de uma realidade societária, se mostram e patenteiam contrárias aos objectivos e fins da sociedade e se revelam susceptíveis de preencher os fundamentos que habilitam a tomada de decisão, por parte da sociedade em nome colectivo.

Tal como se deixou supra referido as actas em que foi deliberado proceder à exclusão dos sócios, contêm elementos propositivos e factualmente compreensivos que permitem aos sócios visados pela respectiva imputação percepcionarem e compreenderem qual a realidade desvalorativa e violadora dos respectivos deveres que poderão enfrentar numa acção que tenham que enfrentar em juízo. As actas não podem converter-se, substituir-se e suplantar, por antecipação, a acção judicial, e mais concretamente a petição inicial de uma acção em que a sociedade viabiliza e veicula, através de uma causa de pedir especificada, o pedido de exclusão.       

Decorre do que fica dito que não procede este fundamento da revista.            

II.B.1.d. – Prescrição do direito de exclusão do sócio BB.

Para os recorrentes “o direito á exclusão mostra-se prescrito, atento o estabelecido nos arts. 186.º, n.º 2, e 254.º, n.º 5, do Cod. Soc. Comerciais, questão essa que, suscitada perante a primeira instância e por ela decidida, não constitui facto novo para os termos do recurso interposto para a Relação, que, ao abster-se de a conhecer, cometeu uma nulidade por omissão de pronúncia, em face, desde logo, ao art. 496.º do Cod. Proc. Civil, na sua anterior redacção, não obstando o art. 303.º do Cod. Civil ao seu conhecimento, decorrendo a prescrição do facto de os sócios terem tomado tal deliberação quando tinham conhecimento cabal das contas há mais de 90 dias, prescrição essa que se alastra e abrange o pedido indemnizatório formulado.

O tribunal de primeira instância elegeu cinco questões para apreciação, sendo que três delas, segundo assevera, foram aportadas pelos demandados nas alegações de direito que produziram sobre o aspecto jurídico da causa. Entre elas figura a questão da prescrição – cfr. fls. 2459 e 2460.

Tendo as questões sido aportadas nas alegações de direito, não estava o tribunal compelido a apreciá-las, sendo que ao fazê-lo incorreu em excesso de pronúncia. Toda a defesa deve ser arrumada e concentrada na contestação e/ou na réplica, se for deduzido pedido reconvencional, não havendo articulados supervenientes que induzam a necessidade de uma defesa dos factos que hajam sido acrescentados à factualidade inicial.

 Prescrição é um elemento impeditivo do direito alegado pelo autor pelo que, não se tratando de matéria a ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, o momento para a aportação é a contestação. A partir deste momento fica precludido o direito do beneficiário da matéria excipiente de a alegar.

O tribunal de primeira instância ao conhecer de matéria que foi extemporaneamente alegada incorreu, como se referiu supra, em excesso de pronúncia, o que invalidaria a decisão.

É um facto que na decisão de primeira instância, o tribunal se referiu a esta questão. Fê-lo, no entanto, de forma perfunctória, desprezando a oportunidade do momento da alegação dizendo tão só que era manifesta a falta de razão dos réus devido à inexistência de fundamento legal “pois, do art. 53 dos factos provados não resulta que os restantes sócios conhecessem os factos praticados pelos réus BB e DD, nem, logicamente, em que data terão adquirido tal conhecimento.” (sic)          

A decisão recorrida, apesar do pronunciado pela primeira instância, entendeu que (sic): “com base na pretendida alteração à matéria de facto os R.R., ora recorrentes, vieram suscitar a prescrição com fundamento em se tratar de uma excepção de conhecimento oficioso e em os sócios que deliberaram a exclusão já terem conhecimento cabal das contas da sociedade A. há mais de 90 dias (v. conclusão sob a alínea j).
Porém, essa excepção não é de conhecimento oficioso, como se estabelece no art. 303º Cód. Proc. Civil, e, não tendo sido arguida oportunamente na contestação – onde toda a defesa deve ser deduzida, nos termos do art. 489º, nº1 Cód. Proc. Civil – não pode conhecer-se agora por ser uma questão nova, isto é, não decidida anteriormente e, por conseguinte, não pode ser apreciada (v. cit. art.676º nº1 Cód. Proc. Civil).”

Tendo a decisão de primeira emitido pronúncia – ainda que indevida e em excesso, manifesto, de pronúncia – o tribunal de apelação não poderia – porque não declarou a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia – ter deixado de se pronunciar sobre a matéria.

O procedimento adequado e correcto teria sido o tribunal de apelação ter declarado nula a decisão de primeira instância nula, nesta parte, e ao fazê-lo eximir-se de emitir pronúncia sobre uma matéria que enfermava de nulidade ou se apresentava como írrita.

Ao não ter procedido, como se advoga, o tribunal cometeu ele uma nulidade que haverá de ser suprida, nos termos do artigo 684.º do Código Processo Civil.

E fazendo-o, dir-se-á que o direito da demandante não se encontra prescrito.

A lei exige o prazo de 90 dias para o caso de os factos-situação que possam engolfar realidades factuais que possam conduzir à exclusão de algum dos sócios serem do conhecimento dos gerentes – cfr. n.º 2 do artigo 186.º do Código das Sociedades Comerciais.    

No caso em apreço adrega que os sócios eram precisamente os sócios cuja exclusão era requestada, pelo que resultaria bizarro que se colocasse o ónus de denúncia aos próprios gerentes que exerciam as funções de gerentes.

Para além do que fica dito, acresce que, como se diz na sentença da primeira instância, “alguns documentos da contabilidade da A. sempre estiveram à disposição dos demais sócios; Alguns movimentos financeiros da A. constam da conta de caixa.”      

O adquirido com matéria de facto provada, inculca a ideia de que, nem toda a realidade contabilística e todos os elementos de conta-corrente estiveram na disponibilidade dos demais sócios, quiçá porque sendo os sócios, BB e DD os gerentes não os disponibilizavam(ram) aos demais sócios.

Daí que não se torna possível sinalizar, temporalmente, em que momento os sócios tomaram conhecimento da real situação em que os sócios iam dessorando a sociedade, por ausência de elementos de contabilidade e das contas a que não tinham acesso.

Improcede este fundamento de recurso.   

II.B.1.e. – Pressupostos da responsabilidade aquiliana, em especial quanto ao réu DD.

Terminam os recorrentes a sua arenga recursiva, com a alegação de ausência dos pressupostos relativos à responsabilidade aquiliana “(…) especial quanto ao recorrente DD, o assinar um cheque não constitui meio de accionamento de tal responsabilidade.

A propósito do instituto da responsabilidade aquiliana tivemos, em outra ocasião, o ensejo de referir que a vivência em sociedade, coloca as pessoas numa relação de interacção donde é possível emergirem conflitos, confrontos e situações, activas ou omissivas, susceptíveis de ocasionar a ofensa de direitos e/ou disposições legais protectoras de interesses dos sujeitos jurídicos involucrados. Sendo geradoras de tensão social podem ocasionar vulneração dos direitos subjectivos de alguém, pelo que, quando tal acontece, exige-se uma reparação do resultado lesivo, eventualmente ocasionado na esfera patrimonial ou moral daquele que estima ter sido ofendido/lesado na sua esfera patrimonial. Esta obrigação de reparar, com origem no brocardo de Ulpianus “suum cuique tribuere e alterum non laedere”, é imposta pela ordem jurídica como forma de tentar repôr o estado anterior ao que se encontrava antes de um determinado bem jurídico, património físico-material, honra, dignidade, imagem, etc., ter sofrido a lesão decorrente da acção ou omissão de um agente.

A ideia de responsabilidade civil arranca do princípio de que aquele que causar dano a outra pessoa, de feição ou natureza moral (não patrimonial) ou material (patrimonial), deverá restabelecer o bem jurídico violado no estado em que se encontrava antes da consumação do evento danoso, e, caso o restabelecimento não seja possível in natura, deverá a reparação ser realizada economicamente, na medida da diferença entre o estado anterior aquele em que o bem jurídico violado ou lesado se encontrava se não tivesse ocorrido a produção do resultado danoso – teoria da diferença (artigo 562.º e 566.º do Código Civil).

A vulneração de um direito ou de uma disposição legal protectora de interesses alheios, exige um conjunto de pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar - cfr. Artigo 483.º do Código Civil.

A doutrina, como dá nota o Professor Pessoa Jorge [[18]], não se mostra unânime quanto á elencagem dos pressupostos de que a lei faz depender a ocorrência ou a verificação da responsabilidade civil por factos ou actos ilícitos. Pensamos, no entanto, colher melhor sufrágio a solução adoptada por Antunes Varela [[19]], de que para que se mostrem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil se torna necessário: a) a ocorrência de um facto; b) que esse facto deve ser considerado ilícito; c) que o facto ilícito possa ser imputado a um determinado sujeito; d) que por virtude desse facto ilícito praticado por uma pessoa ocorra um dano, patrimonial ou não patrimonial, na esfera jurídica de outrem; e) e que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Supõe e importa, portanto, a responsabilidade civil, a imposição de medidas reparadoras destinadas a compensar um dano, moral ou patrimonial, ocasionados pela prática por parte de alguém de um uma conduta, ilícita e culposa, susceptível de violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger interesses de terceiros. A perfeição da instituto da responsabilidade pressupõe a prática de um facto humano e material – comissão por via de acção ou omissão -; que esse facto se revele e planteie como contrário à ordem jurídica; que se exponha como reprovável e censurável, no plano imputação subjectiva a um determinado sujeito; que esse facto seja imputável ao um sujeito determinado; que o resultado produzido por esse facto produza uma modificação, material-objectiva ou moral-subjectiva, na esfera jurídica do sujeito que sofre os efeitos da acção ou da omissão, e que seja possível imputar o facto ao resultado danoso ocasionado. Para que se configure o dever de indemnizar, com base na responsabilidade civil, deverá, portanto, ser possível conexionar a conduta do agente ao dano provocado por essa conduta, ou seja, deve existir um nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do agente.

Em regra a responsabilidade civil e a obrigação de reparar o dano surge da conduta ilícita do agente que o causou. [[20]]

O primeiro dos pressupostos de que a lei faz derivar a obrigação de indemnizar, com base na responsabilidade civil, é a realização de um facto - acção ou conduta humana, que se traduz na modificação de um estado de coisas existente antes da acção – por alguém que está adstrito, por imposição legal ou convencional, a observar determinadas regras de comportamento, e a fazê-lo utilizando cuidados e regras técnicas e de perícia correspondentes á tarefa a realizar. Trata-se, assim, de um acto humano, comissivo ou omissivo – a comissão vem a ser a prática de um acto que se deveria efectivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se – de natureza voluntária e que deve, ou pode ser, objectivamente imputável, a uma determinada pessoa. Esse facto, pela sua feição ilícita, ou lícita [[21]], deve ter actuado e agido por forma a causar na esfera do lesado um prejuizo. Esta lesão de um direito de outrem ou de um interesse particular protegido por disposição legal, quando resultante da acção de um agente lesante, desencadeia a obrigação de indemnizar, a cargo do autor da lesão. 

O facto do agente, consubstanciado num comportamento ou numa conduta humana, deve assumir um carácter voluntário e poder ser dominável e controlável pela vontade. Revestindo o facto do agente uma atitude positiva denomina-se acção, sendo que revestindo uma atitude negativa se constitui numa omissão. Neste caso, a não prática do facto ou acto que o agente, por imposição de um dever jurídico, estava compelido a praticar, desencadeia a obrigação e indemnizar com base na responsabilidade civil.

Para além da ocorrência do facto (humano) dominável e controlável, nos casos em que o pedido de reparação deriva da responsabilidade civil por factos ilícitos, torna-se imprescindível que o agente tenha agido com culpa, isto é, que o comportamento ou conduta assumida ou omitida, possa ser censurável à luz do feixe de valorações ético-jurídica prevalentes. Vale por dizer que age com culpa aquele que colocado perante uma situação concreta e específica actua de modo a vulnerar o direito de outrem ou interesses que a lei quis proteger.   

A culpa pode revestir as modalidades de dolo ou mera culpa ou negligência, que são, nas situações de responsabilidade civil, as mais frequentes. A par da negligência, consubstanciada na omissão de um dever de cuidado que uma atenta consideração da situação poderia e deveria ter prevenido, ocorrem a imprudência ou imperícia, sendo que a primeira ocorrerá quando o agente age por precipitação, por falta de previdência, de atenção no cumprimento de determinado acto, e a imperícia quando o agente acredita estar apto e possuir conhecimentos suficientes pratica acto para o qual não está preparado por falta de conhecimento aptidão capacidade e competência.

Para além da culpa, torna-se necessário que o facto possa ser imputável ao agente e que possa ser estabelecido um nexo causal ou a relação de causalidade entre o facto e o dano ocorrido. A relação de causalidade constitui-se, assim, como o elo de ligação entre o acto lesivo do agente e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. O conceito de nexo causal, ou relação de causalidade decorre de leis naturais. Apura-se pela conexão objectiva e subjectiva que é possível estabelecer entre a conduta do agente e o dano.

Não basta que a vítima sofra dano, é preciso que esta lesão passe a existir a partir do acto do agressor para que haja o dever de reparação. É imprescindível o estabelecimento de um nexo causal entre o acto omissivo ou comissivo do agente e o dano de tal forma que o acto do agente seja considerado como causa do dano.

À luz dos conceitos que expusemos parece resultar incontornável, face à matéria de facto que foi adquirida, tanto no processo-crime, relativamente ao demandado BB, como na acção cível, relativamente ao demandado DD, que a sua actuação e conduta enquanto sócios, e na qualidade de gerentes, da sociedade-demandante, se revelaram lesivos do património da sociedade- demandante que lhes competia zelar e prover.

A factualidade adquirida é avonde em evidenciar que os demandados, o BB, dolosamente, o DD, de forma negligente, se apropriaram de quantias e activo pecuário que pertenciam à demandante, sabendo que com esses actos estavam a apropriar-se de activos que lhe não pertenciam e que com a sua acção depreciavam o activo financeiro e produtivo da sociedade de que eram sócios.

Mostram-se reunidos e preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente, os factos voluntariamente praticados, a ilicitude, a culpa – do demandado BB a título de dolo, e do demandado DD a título de negligência, os danos que causaram à sociedade de que eram sócios e o nexo de causalidade entre o dano a acção desvalorativa.  
Improcede este fundamento da revista.
Antes de rematarmos a exposição fundamentadora, dir-se-á que num troço das conclusões os recorrentes afloram a situação da não realização de uma perícia que haviam requerido no tribunal de primeira instância e que por ter sido indeferida foi impugnada, por via de recurso de agravo.
Ainda que o acórdão recorrido tenha negado provimento ao agravo, os recorrentes não deixaram, perdoe-se-nos o plebeísmo, de “deitar o barro à parede” no sentido de vir este tribunal a tomar conhecimento dessa matéria.
Trata-se de matéria processual que foi objecto de recurso de agravo e como tal não deve ser novamente assumida por este Supremo Tribunal – cfr. artigo 671.º, n.º 2 do Código Processo Civil.
  
III. – DECISÃO.
Na defluência do exposto, acordam os juízes, neste colectivo, da 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:
- Relativamente ao Recurso da demandante, “AA, QQQ, Lda.”:
- Negar a revista;
- Relativamente ao recurso dos demandados, BB e DD:
- Negar a revista.
- Condenar os recorrentes nas custas dos respectivos recursos.


                                                           Lisboa, 5 de Maio de 2015

            Gabriel Catarino - (Relator)        

            Maria Clara Sottomayor ( Com Declaração de Voto)
                                  
            Sebastião Póvoas        

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[1] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-07-2009, relatado pelo Conselheiro Paulo Sá, in www.dgsi.pt.
[2] cfr. Carolina Cunha, “A Exclusão de Sócios (Em Particular, nas Sociedades por Quotas)”, in Problemas do Direito das Sociedades , Almedina,  p. 205.
[3] Cf. Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coordenado por Jorge Coutinho Abreu, Vol. III, Almedina, p.570.
[4] cfr. Carolina Cunha, in op. loc. cit. p. 209.

[5] Na anotação ao artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação de António Menezes Leitão, Almedina, 2.ª edição, 2014, pag. 706”, escreveu-se a propósito dos pressupostos e da aplicação da cláusula geral contida no n.º 1 do artigo anotando, que: “O 242.°/1, fixa dois pressupostos: (a) quanto ao sócio, um comportamento desleal ou francamente perturbador do funcionamento da sociedade; (b) quanto à sociedade, prejuízos relevantes, efectivos ou possíveis.
Na aplicação da cláusula geral do 242.°/1, a nossa jurisprudência permite a seguinte concretização: (a) um sócio com conhecimentos importantes a respeito da empresa coloca tais atributos ao serviço da concorrência e, ainda por cima, incita os funcionários da sociedade à deserção; além disso, não se exige um prejuízo efectivo, mas apenas a capacidade de provocar danos; (b) um sócio, pouco tempo depois da renúncia à gerência da sociedade começa a vender os mesmos produtos num seu estabelecimento, a utilizar os catálogos e os preçários da sociedade e a conquistar-lhe clientes, com prejuízos para ela; (c) um sócio desenvolve uma actividade concorrencial com a da sociedade, procurando angariar mercado através da utilização de meios técnicos e do know how da própria sociedade; (d) a apreciação a fazer deve ser feita sem se tomar em conta a causa justificativa mas, tão-só, o juízo de gravidade e a situação de dano relevante a que conduziu ou pode conduzir; (e) a exclusão justifica-se quando o interesse social seja posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social.
[6] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Fevereiro de 2005, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, in www.dgsi.pt.
[7] Cf. Acórdão citado na nota antecedente.
[8] Cf. Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coordenado por Jorge Coutinho Abreu, Vol. III, Almedina, p. 575.
[9] Cfr. fls.  . Anota-se que a demandante foi igualmente arguida no mencionado processo-crime.
[10] Cfr. Rui Pinto, “Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução”, in Estudos de Homenagem Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra Editora, 2013, pág. 1156. 
[11] Cfr. Rui Pinto, “Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução” citado, pág. 1167. “Qualquer decisão sobre matéria de facto, i. e, sobre se a realidade de um facto está ou não demonstrada (cfr. art.341.º do CC), não vale autonomamente mas sim como condição necessária da construção da fundamentação de facto, nos termos do art. 659.º, n.º 3 do CPC.” Cfr. no mesmo sentido Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual do Processo Civil, Coimbra Editora 1985, pág. 711, quando escrevem que: “A força do caso julgado não se estende (…) aos fundamentos da sentença” pelo que “os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além dos contidos na decisão final”. 
Veja-se na jurisprudência o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, relatado pelo Conselheiro Moreira Alves, onde se escreveu no sumário adrede: “IV. A sentença e o acórdão são documentos autênticos, no sentido do art. 363.º, n.º 1, do CC; trata-se mesmo de documentos constitutivos que incorporam uma declaração de vontade dirigida a uma determinada alteração na esfera jurídica das pessoas, provando plenamente que em determinada acção foi proferida aquela decisão, a dirimir o pleito em certo sentido. V - A extensão probatória – da sentença ou acórdão – coincide necessariamente com a extensão do caso julgado material; não prova plenamente, portanto, tudo quanto não esteja coberto pela força do caso julgado material. VI - Se o autor/recorrente se limitou a oferecer como meio de prova as certidões das decisões proferidas numa primeira acção, o valor da factualidade ali provada não passará de simples princípio de prova que, podendo ser valorada em conjugação com a prova directamente produzida noutra acção, nunca poderá, por si só, suportar a resposta a qualquer quesito aí formulado.”
[12]Tal é o sentido unânime da jurisprudência: o da eficácia extraprocessual da prova, não o da eficácia extraprocessual dos factos tidos como provados.” – cfr. Rui Pinto, “Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução”, citado pág. 1168. Veja-se a jurisprudência citada em nota, notadamente os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Abril de 2004 e 5 de Maio de 2005, relatados pelo Conselheiro Araújo de Barros, in www.dgs.pt.   
[13] Cf. Rui Pinto, “Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução”, pág. 1169.
[14] Cf. Rui Pinto, “Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução”, pág. 1172 a 1176 (expurgamos os exemplos referidos no texto bem como os arestos aí citados).  
[15] Cf. Rui Pinto, “Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução”, pág. 1179.
[16] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, relatado pelo Conselheiro Moreira Alves, supra citado e em cujo sumário se escreveu, proficientemente, que: “I - Foi intenção do legislador, expressamente confessada no relatório do DL n.º 39/95, de 15-02, criar um verdadeiro duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, embora temperado pelo ónus imposto ao recorrente da delimitação concreta do objecto do recurso e da respectiva fundamentação, a fim de evitar a impugnação generalizada da decisão de facto – cf., no mesmo sentido, o preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12-12. II - Em sede de reapreciação da prova, nos termos do disposto nos arts. 690.º-A e 712.º do CPC, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-as, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser devidamente fundamentada. III - A Relação não deve limitar-se a procurar determinar se a convicção (alheia) formada pelo julgador de 1.ª instância tem suporte razoável na gravação, ou limitar-se a apreciar, genericamente, a fundamentação da decisão de facto para concluir, sem base suficiente, não existir erro grosseiro ou evidente na apreciação da prova pelo julgador de 1.ª instância, tudo em homenagem ao princípio da imediação das provas, erigido em princípio absoluto, que, na prática, impede o real controlo da prova pela 2.ª instância, como frequentemente se vê defendido ao nível da Relação.”

[17] Queda para cabal esclarecimento o tramo da decisão do acórdão recorrido em que se procede à análise da reapreciação da decisão de facto, expurgada das considerações teóricas que a exornam e nela são insertas para cevar a justificação da posição assumida. “Os R.R., ora recorrentes, começam por impugnar a decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto, ou seja, com o que suscitam a questão do errado julgamento da matéria de facto a que se procedeu na 1ª instância quanto aos quesitos 2º a 7º, 9º a 12º, 14º a 30º 32º a 34º, 36º e 38º a 40º da B.I. (v. conclusões sob as alíneas a) a d).

Com esta impugnação os R.R., ora recorrentes, pretendem eliminar da matéria de facto julgada provada na 1ª instância a que consta das alíneas 38), 39) e 56) – resultantes das respostas afirmativas aos quesitos 9º, 10º e 56º – e pretendem aditar novos factos pela alteração das respostas negativas, para afirmativas, que foram dadas aos quesitos 27º, 29º, 30º, 32º, 33º, 34º, 35º e 36º, 39º e 40º, e com base nessa alteração suscitam outras questões que dela dependem.

Em resumo, o que consideram quanto a esta questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto é que deviam ter sido valorados os depoimentos da testemunha LLL, que refere nas alegações, quanto aos quesitos 2º a 8º (porém, houve lapso porque seguidamente os quesitos que refere como impugnados são apenas os quesitos 2º a 7º). Consideram que sobre os quesitos 9º a 12º não foi feita prova em audiência de discussão e julgamento, assentando as respostas apenas na sentença penal condenatória. No que respeita aos quesitos 14º a 23º consideram a resposta que foi dada a cada um deles “desrazoável”, apesar do seu fundamento na sentença penal condenatória. E no que respeita ao quesito 24º invocam o depoimento da testemunha MMM (que consideram ter sido “desmistificado” e “desmontado”, apesar do incidente de impugnação que suscitaram ter improcedido). Quanto aos quesitos 25º e 26º consideram que são “conclusivos”, “especulativos” e que há depoimentos testemunhais (de NNN e OOO) que os contrariam, sendo inconciliáveis com as respostas que foram dadas aos quesitos 34º a 40º. Quanto aos quesitos 27º a 29º consideram que, contrariamente à fundamentação da decisão da matéria de facto, não são “versão alternativa do que consta do quesito1º”. E quanto ao quesito 32º consideram que têm cabimento as razões que invocaram quanto aos quesitos 14º a 24º. Consideram também, no que diz respeito ao quesito 33º, que a fundamentação não atende ao depoimento de MMM. E que o quesito 34º contraria a prova documental e os depoimentos das testemunhas OOO e NNN. E que os quesitos 36º e 38º a 40º têm respostas que também contrariam essa prova. (…)

Ora, o Mmo. Juiz fundamentou as respostas aos quesitos 2º a 8º [Provados” (v. alíneas 25) a 28) e 37)], 9º [“Provado que o R. BB emitiu diversos cheques, assinados também pelo R. DD, a seu próprio favor, sacados sobre as contas da Caixa LL e do Banco KK, nos anos de 1995 e 1996” (v. alínea 38)], 10º [“Provado” (v. alínea 39)], 11º [“Provado que o R. BB, em 31.12.1996, sacou, sobre a conta da A. no Banco KK, o cheque o nº … no valor de 1.044.577$00 (assinado também pelo R. DD), para pagamento de um fornecimento efectuado pela sociedade CCC, Lda. à exploração de FF, tendo os respectivos documentos sido incluídos na escrita deste último referente ao ano de 1997” (v. alínea 40)], 12º [“Provado que no dia 27.11.1997, o R. BB emitiu o cheque nº … da conta da A., no valor de 1.470.000$00 (assinado também pelo R. DD), a favor de FF, e que foi por si, R. BB, descontado” (v. alínea 41)], 15º [“Provado que o R. BB vendeu 69 crias em 1995, apenas 3 tendo permanecido na sociedade A.” (v. alínea 43)], 16º [“Provado” (v. alínea 44)], 17º [“Provado que o R. BB não deu entrada nos cofres sociais da quantia correspondente à venda das crias e apropriou-se dela” (v. alínea 45)], 18º [“Provado” (v. alínea 24)], 20º [“Provado” (v. alínea 48)], 21º [“Provado que O R. BB ficou também com a totalidade do produto da venda das crias nos anos de 1996 (75 crias) e 1997 (72 crias), em que o valor médio de venda de cada cria foi de 130.000$00” (v. alínea 47)], 22º [“Provado” (v. alínea 48)], 23º [“Provado (v. alínea 49)], 24º [“Provado que o R. BB sempre se recusou a prestar contas aos restantes sócios da A. relativamente ao produto da venda das crias” (v. alínea 50)], 25º [“Provado que o R. BB tinha perfeito conhecimento de que as quantias de que se apropriou, em proveito próprio ou de terceiros, pertencia à A.” (v. alínea 51)], 26º [“Provado que o R. BB sabia que não tinha o direito de fazer suas as quantias referidas no número anterior e que, com a sua conduta, estava a lesar gravemente a A. e os restantes sócios” (v. alínea 52)], e 27º [cuja resposta corresponde à dada ao quesito 1º (a que corresponde a matéria da alínea 7) com fundamento no que ficou provado no processo-crime)] e 33º [“Provado que alguns documentos da contabilidade da A. sempre estiveram à disposição dos demais sócios; Alguns movimentos financeiros da A. constam da conta de caixa” (v. alínea 53)]. As respostas afirmativas, ainda que restritivas – apenas relativamente ao R. BB – tiveram por fundamento os factos julgados provados no acórdão penal condenatório, mas esse R. BB., ora recorrente, aí condenado, não pode ilidir essa prova, mas apenas os terceiros interessados, como decorre daquele art.674º nº1 Cód. Proc. Civil. Com efeito, ao estabelecer a presunção da prática de factos e da respectiva autoria o legislador pretendeu que os terceiros interessados a pudessem ilidir, e vedar essa possibilidade ao arguido condenado (para que não possa colocar-se em causa a força do caso julgado penal).
Restam os quesitos 14º [“Provado” (v. alínea 42)] e 19º, 27º a 30º, 32º a 34º, 36º e 38º a 40º (“Não provados”).
A resposta ao quesito 14º também não deve ser alterada, por ser dedutiva, por ser o resultado lógico da resposta ao quesito 15º (dada com base na matéria de facto julgada provada no acórdão penal condenatório, a que corresponde o facto constante da alínea 43).
Quanto ao quesito 27º, o Mmo. Juiz fundamentou a resposta em o quesito constituir uma “versão alternativa ao quesito 1º” (a cuja resposta corresponde a matéria de facto julgada provada sob a alínea 7), razão porque remeteu para esse quesito, julgando provado o que consta da respectiva resposta. Já quanto ao quesito 32º a resposta afirmativa que lhe fosse dada entraria em contradição com as respostas aos supra referidos quesitos 18º, 23º e 24ª (aos quais foi respondido com base nos factos julgados provados no processo-crime). (..:)
Ora, com excepção da resposta ao quesito 14º, as respostas negativas aos quesitos 19º, 28º a 30º, 32º a 34º, 36º e 38º a 40º resultaram, como referido pelo Mmo. Juiz, da respectiva falta de prova. E os R.R., ora recorrente, não chegam a alegar que a prova que indicam imponha diferente decisão da que foi tomada na 1ª instância.
Com efeito, limitaram-se a alegar que os depoimentos testemunhais prestados em audiência de discussão e julgamento “devem merecer consideração probatória diversa” para com todos os quesitos acima referidos, seja para com os que foram respondidos com base na matéria de facto provada no processo-crime, seja para com os que foram julgados não provados, o que é insuficiente para que possa proceder-se à alteração dessas respostas.
Ora, quanto às respostas aos quesitos 2º a 8º os ora recorrentes consideram nas suas alegações que o depoimento da testemunha LLL é indirecto, pois reportou-se sempre, e só, à inspecção tributária a que procedeu; Quanto às respostas aos quesitos 9º a 12º alegam que “invariavelmente assentam apenas na sentença condenatória penal, o que equivale a dizer, desde logo, que nenhuma prova foi produzida em audiência de julgamento” (!); Quanto às respostas aos quesitos 14º a 23º alegam que “o raciocínio subjacente à consideração da prova… revela-se claramente desrazoável, fazendo recordar um exercício de matemática de Liceu (!). E tal sem prejuízo de toda a aferição se circunscrever ao afirmado na acção penal”, e que, “contudo, o raciocínio é facilmente desmontável”; Quanto à resposta ao quesito 24º alegam que o depoimento da testemunha MMM “foi claramente desmistificado e desmontado, atento o seu ardiloso interesse em apoderar-se da sociedade”, mas os ora recorrentes não referem que a sua prova resultou de o respectivo facto ter sido julgado provado no processo-crime (como se referiu acima), Quanto às respostas aos quesitos 25º e 26º alegam que são “meramente conclusivos”, “especulativos” e que há “depoimentos que os contrariam, na sua génese, o neles afirmado, especialmente em resposta aos quesitos 34º a 40º”, mas não referem que, quanto a estes últimos, a resposta foi “Não provado” e que aqueles foram julgados provados com base no julgamento de facto do processo-crime (como também se referiu acima); Quanto às respostas aos quesitos 27º a 29º alegam discordar da consideração que o Mmo. Juiz fez de que são uma “versão alternativa do que consta do art.1º, mas não referem que foram julgados provados com base no processo-crime (como acima também se disse); Quanto ao quesito 30º – que o Mmo. Juiz considerou que a resposta afirmativa que lhe fosse dada contrariaria a matéria de facto julgada provada no processo-crime, e que nenhuma prova foi feita – os ora recorrentes consideram que “em momento ou lugar algum se vislumbra a prova contrária” (!), alegação que leva a crer que pretendem dizer que a falta de prova do quesito levaria a que devesse ser considerado provado…!. Quanto à resposta ao quesito 32º os ora recorrentes alegam que invocam a sua impugnação relativamente às respostas aos quesitos 18º, 23º e 24º (a alegada desrazoabilidade, o alegado “exercício de raciocínio de matemática”…!), mas não referem que as respostas afirmativas a estes quesitos resultaram dos factos provados no processo-crime; Quanto às respostas (também negativas) aos quesitos 32º, 33º, 34º, 36º, 38º, 39º e 40º os ora recorrentes continuam sem alegar que foi produzida prova que impunha a necessidade da sua alteração, já que a testemunha MMM, quanto a esse primeiro, invocam os motivos que apontaram às respostas aos quesitos 18º, 23º e 24º, quanto ao quesito 33º invocam que a testemunha depôs no sentido de que não havia dúvidas de que os sócios sabiam das contas da A., independentemente de estarem, ou não, correctamente formuladas; E quanto aos quesitos 34º, 36º e 38º a 40º os ora recorrentes invocaram essencialmente que as respostas contrariam as “folhas de caixa” e o depoimento da testemunha LLL que disse não desconhecer que é comum a todas as sociedades análogas à A., o adiantamento de quantias de dinheiro próprio (de sócios) para salvaguardar o fundo de maneio da sociedade.
Por conseguinte, apesar da contradição que resultaria entre diferentes respostas a estes quesitos e as respostas aos outros quesitos acima referidos, é perfeitamente claro que os ora recorrentes não invocam qualquer meio de prova que impusesse diferentes respostas das que foram dadas àqueles quesitos, razão porque não há fundamento para proceder à pretendida alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto em alusão.”
[18] Cfr. Pessoa Jorge, Fernando, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pág. 53 a 57. Para este autor os pressupostos da responsabilidade civil reduzem-se a dois: acto ilícito e prejuízo reparável. 
[19] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 495
[20] Sinde Monteiro, Jorge, in “Responsabilidade Civil, Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2, Julho/Dezembro, 1978, doutrina que “[estamos] em presença de responsabilidade civil por factos ilícitos quando a ordem jurídica coloca como pressuposto da obrigação de reparar um dano causado a outrem a exigência da verificação de um facto ilícito e a possibilidade de afirmação de um nexo de imputação subjectivo do facto ao agente, i. é, que tenha procedido com culpa. Fundamento da responsabilidade é aqui a culpa, ou, se preferirmos, o juízo de reprovação que a conduta do agente suscita, verificando-se uma aproximação entre os juízos de censura moral e do direito”. - pág. 317.      
[21] Para o autor citado na nota anterior, a responsabilidade por factos lícitos, ocorre “[nas]hipóteses em que a lei, atendendo ao interesse preponderante de um particular ou da colectividade, permite uma intervenção na esfera jurídica alheia em detrimento de um direito que em principio goza de uma protecção absoluta (impondo correspondentemente ao titular deste um dever de tolerar essa intervenção negando-lhe o direito de defesa que de outro modo lhe é concedido) estabelecendo, todavia, a cargo do titular do direito ou do interesse supra-ordenado a obrigação de reparar os danos sofridos pelo «sacrificado» (exemplo: art. 339.º).”       


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Declaração de voto


            Voto vencida em relação ao segmento do acórdão que decide que não se verificam os pressupostos de exclusão do sócio DD.

            O facto de não se ter provado o dolo do sócio e de este não ter sido condenado no processo penal não apaga nem diminui a intensidade e a gravidade da violação do dever de lealdade para com a sociedade. O direito societário tem exigências distintas do direito civil e do direito penal, sendo possível que um comportamento, que não preencha os requisitos da ilicitude ou da culpa penal e que seja considerado meramente negligente em face da ordem jurídica civil, assuma gravidade em face do interesse social pelos prejuízos causados à sociedade e pela deslealdade revelada com o fim social e com os direitos dos outros sócios.

Para além da violação do dever de lealdade, o sócio prejudicou a sociedade num valor de 376.142, 72 euros, conforme decisão das instâncias confirmada pelo acórdão recorrido.

Resulta dos factos provados n.º 22 a 41, 46, 48 e 49 que alguns dos cheques foram assinados pelo sócio com conhecimento de causa e para vantagem, não só dos familiares do sócio DD, mas também pessoais. Veja-se, por exemplo, o facto n.º 34, «No ano de 1997, os RR BB e DD sacaram os seguintes cheques das contas da A. para pagamento de despesas pessoais ou da exploração registada em nome de FF» e o facto n.º 46 «Parte das vacas compradas pelo réu DD foram utilizadas no seu projecto de jovem agricultor junto do IFADAP, tendo, inclusivamente, recebido subsídio desta entidade». Ainda que os principais beneficiários dos cheques fossem o avô e o pai do sócio DD, resulta da matéria de facto que este e uma sociedade de que era administrador juntamente com o seu pai, Provimi (factos provados 29, 30, 31 e 39, entre outros), retiraram benefícios pessoais dos ditos cheques, o que implica que o sócio DD tinha obrigação de conhecer as intenções dos seus familiares, as finalidades pessoais dos cheques que passava e o prejuízo grave assim causado à sociedade e ao interesse social. Não se trata de actos que meramente padeçam de ilicitude objectiva, mas atingem uma gravidade intensa no plano da culpa, constituindo uma negligência grosseira. A relação familiar que intercedia entre os sócios BB e DD, pai e filho, no contexto factual descrito, não permite diminuir o juízo de desvalor sobre a conduta deste.

Em conformidade, entendo que se verificam os pressupostos para a exclusão do sócio, nos termos da cláusula geral do art. 242.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais: condutas do sócio passíveis de um juízo de desvalor, por violação de princípios de lealdade e por entravarem o funcionamento da sociedade, a que acresce o elemento do prejuízo, actual ou potencial, que tais condutas provocam (Carolina Cunha, anotação ao art. 242.º do CSC, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, coord. de Jorge Coutinho de Abreu, 2011, p. 584), em termos de não ser exigível à sociedade a manutenção do sócio porque foi quebrada a relação de confiança que deve existir entre sócios e a lealdade aos interesses da sociedade.


Lisboa, 5 de Maio de 2015

Maria Clara Sottomayor