Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1772/14.0TBVCT-S.G1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RECLAMAÇÃO DA CONTA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
PEDIDO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
LIQUIDAÇÃO PRÉVIA
EXEQUIBILIDADE
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO / EXECUÇÃO ESPECÍFICA / SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 8.ª Edição, Coimbra, 1994, p. 161;
- Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p. 452 e ss.;
- Castro Mendes, Acção Executiva, p. 8;
- Lebre de Freitas, A Acção Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª Edição, 2014, Coimbra Editora, p. 115;
- Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, p. 126 e ss.;
- Teixeira de Sousa, A exequibilidade, p. 17.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1, 852.º E 854.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 829.º-A, N.º 4.
Sumário :
I. A lei adjectiva civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, podendo dizer-se que a admissibilidade de um recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto no prazo legalmente estabelecido para o efeito.

II. Estando em causa a admissibilidade do recurso, cujo objecto contende com o incidente de reclamação da conta elaborada em processo executivo, há que convocar, a este propósito, as regras recursórias adjectivas civis, concretamente, os art.ºs 852º e 854º, ambos do Código de Processo Civil.

III. Reconhecendo-se que o incidente de reclamação de conta, não é subsumível a quaisquer das situações prevenidas in fine do art.º 854º do Código de Processo Civil temos que, antes mesmo de as considerar, apreciar se estamos, ou não, perante um caso em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

IV. Quando o acórdão objecto do recurso de revista, sufraga entendimento jurídico contrário com outro, transitado em julgado, proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e sobre o acórdão objecto do recurso de revista, não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, e na ausência de qualquer acórdão de uniformização de jurisprudência sobre esta matéria, impõe-se conhecer do objecto da revista, uma vez que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

V. Conquanto saibamos que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva, no caso concreto de à execução, servir de base uma sentença condenatória, dever-se-á retirar, desde logo, a necessidade de apreciar a qualidade desse mesmo título exequendo para, de acordo com a lei substantiva civil, determinar o alcance da obrigação exequenda.

VI. A sanção pecuniária compulsória tem por objectivo não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, antes o de impelir o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição, da sua displicência ou mesmo negligência. A sanção pecuniária compulsória é de aplicação automática, nos casos em que tenha sido estipulado judicialmente determinado pagamento em dinheiro corrente.

VII. Na execução para pagamento de quantia certa, diversamente do que acontece na execução para prestação de facto, a secretaria procede oficiosamente, não carecendo a sanção pecuniária compulsória de ser pedida nem de ser fixada pelo juiz, pois o direito a ela constituiu-se automaticamente.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO

      

Por apenso à acção ordinária n.º 69/94, a AA, Lda. instaurou, no ano de 1989, a acção executiva n.º 69-B/94, na qual deduziu, por apenso, o presente incidente de liquidação prévia, sob a forma de processo sumário, contra BB, Lda., CC, DD, EE, FF, e GG.

Citados os Executados foram deduzidas oposições.

Findos os articulados foi seleccionada a matéria assente e a matéria controvertida.


Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, e foi proferida sentença que, entre o mais, julgou parcialmente procedente a liquidação, que corre termos apensa à execução n.º 69/94, e, em consequência fixou a obrigação exequenda em €284.874,13 acrescida de juros à taxa de 5% ao ano, contados desde a citação e até 30-04-2003 e à taxa de 4% ao ano, contados desde esta última data e até efectivo e integral pagamento.

O processo executivo foi remetido à conta (ref. 39…8) tendo sido elaborado o termo (ref. 40…6) no qual se procedeu ao cálculo provisório das custas, quantia exequenda e respectivos juros, o qual foi notificado à Exequente (ref. 40…0), para efeito de dele poder, querendo, reclamar.


A Exequente, considerando que a conta padecia de omissões e/ou incorrecções apresentou tempestivo requerimento de reclamação (ref. 12…9).

Nessa reclamação, além do mais, a exequente alegou que, no seu entendimento, deveriam ser liquidados pela secretaria os juros devidos à taxa de 5% a título de sanção pecuniária compulsória.


O Tribunal de 1.ª Instância veio a sufragar entendimento contrário e proferiu o seguinte despacho:

“Relativamente à peticionada sanção pecuniária compulsória indefere-se a tal pretensão nesta fase por se perfilhar o entendimento constante dos arestos do:

“ACSTJ de 23-01-2003 (in www.pgdlisboa.pt)

I - A possibilidade de ser exigida e declarada no processo executivo a sanção pecuniária compulsória, não pode concretizar-se à custa da subversão dos princípios que regem o processo executivo e disciplinam a respectiva tramitação.

II - A sanção pecuniária compulsória prevista no nº 4 do art. 829º-A, do CPC não obstante ser automaticamente devida desde o trânsito em julgado da sentença condenatória de pagamento em dinheiro (que, por isso, normalmente não conterá a decretação dessa sanção pecuniária), não pode ser judicialmente exigida se o credor o não requerer ao tribunal (normalmente na execução).” 

e do AC RL (in www.dgsi.pt)

1. A sanção prevista no nº 4, do art. 829º-A, do CC, decorre directamente da lei, não sendo necessária qualquer decisão judicial a estabelecê-la, estando abrangidas no seu âmbito, todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais.

2. Ainda que não se mostre de forma expressa estipulada no título dado à execução, pode ser peticionada no requerimento executivo, impondo-se, contudo, que para ser atendida na execução, seja requerida em tal requerimento.”

ln casu, não tendo tal sanção sido requerida, quer no requerimento inicial de liquidação da quantia exequenda, quer logo após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, aquando do prosseguimento da execução com penhora de bens, entende-se não haver lugar à mesma.

Pelo exposto, indefere-se à pretensão de cobrança de tal sanção.”



Inconformada, a Exequente/AA, Lda. interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação, primeiro através de decisão sumária do relator, e depois em confirmação desta, por acórdão, manteve a decisão proferida em 1ª Instância.


É contra esta decisão que a Exequente/AA, Lda. se insurge, invocando revista excepcional, lançando mão do pressuposto da alínea c) do n.º 1 do artigo 672° do Código de Processo Civil, formulando as seguintes conclusões:

“Por acórdão de 11-05-2017 no âmbito do Proc. n.º 901l4.9TBVFL-E.G1, transitado em jugado no dia 29 de maio de 2017 Tribunal da Relação de Guimarães proferiu Acórdão, de cujo sumário ressalta o seguinte:

I) - A sanção prevista no art°. 829°-A, nº, 4 do Código Civil é classificada pela doutrina como uma sanção pecuniária compulsória legal, por ser fixada por lei e automaticamente devida.

II) - Este sanção opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, não carecendo, por isso, de ser fixada na sentença proferida na acção declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo. (negrito nosso)

III) - Decorre do disposto nos nºs 1 e 4 do art°. 829°-A do Código Civil que compete ao devedor o pagamento dos juros compulsórios, estabelecendo o art°. 716, n°. 3 do NCPC que cabe ao agente de execução proceder à liquidação da quantia devida a título de juros compulsórios e notificar o executado da dita liquidação. in www.dgsi.pt

2º Neste aresto, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o Acórdão recorrido contraria a corrente jurisprudencial dominante nos Tribunais Superiores, máxime a orientação jurisprudencial sufragada no acórdão acima citado.

3º Neste aresto fundamento foi apreciado e decidido sobre os pressupostos que fazem operar a sanção pecuniária compulsória prescrita no artigo 829° - A, nº 4 do Código Civil ou seja, que a mesma não carece de ser peticionada no requerimento executivo.

4º Toda a abundante jurisprudência infra citada, e bem assim o acórdão fundamento são unanimes em afirmar que a sanção pecuniária compulsória prescrita no artigo 829° - A, n° 4 do CC, que quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, opera ex legis, na fase executiva, sem necessidade de ser peticionada no requerimento executivo.

5º Pelo contrário, no acórdão recorrido sufragou-se o entendimento contrário de que o instituto da sanção pecuniária compulsória estabelecida no art. 829°-A do Código Civil, estaria dependente de ser peticionada no requerimento executivo, entendimento que de todo a recorrente não sufraga, como o não sufraga a corrente jurisprudência supra citada.

6º Não restam dúvidas de que o acórdão recorrido está em manifesta contradição com a Acórdão fundamento que foi prolatado pelo Tribunal da Relação de … pois no Acórdão recorrido decidiu-se que os juros compulsórios para serem atendidos teriam de ter sido peticionados no requerimento executivo, ao passo que no Acórdão fundamento foi decidido que os juros compulsórios para serem atendidos não teriam de ter sido peticionados no requerimento executivo. É assim patente a contradição. Alem disso entre o douto Acórdão recorrido e o douto acórdão fundamento, ocorre oposição frontal sobre a mesma questão fundamental de direito, que justifica o presente recurso de revista.

7º Não restam dúvidas de que o acórdão fundamento foi prolatado pelo Tribunal da Relação de … já se encontra transitado em julgado.

8º Não restam dúvidas de que, quer no acórdão fundamento quer no douto acórdão recorrido, se discute a mesma questão fundamental de direito, ou seja, a interpretação e aplicação do disposto no art. 829°-A nº 4 do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei n." 262/83, de 16 de Junho, que se mantem em vigor. Quer no acórdão fundamento quer no douto acórdão recorrido, discutiu-se e fixou-se o sentido e alcance do disposto no art. 829°-A n° 4 do Código Civil, todavia em sentido contrário.

9º A questão fundamental de direito discutida é precisamente a mesma quer no acórdão fundamento quer no douto acórdão recorrido, qual seja saber se quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, os juros compulsórios estipulados no art. 829°-A n° 4 do Código Civil, são automática e imediatamente devidos e como tal devem ser liquidados ou se os mesmos dependem de ser peticionados no requerimento executivo. No douto Acordão recorrido decidiu-se que os juros compulsórios para serem exigíveis dependem de ser pedidos no requerimento executivo, enquanto no douto Acórdão fundamento foi fixada decisão no sentido de os juros compulsórios operarem automaticamente, ex lege, de modo imediato e sem necessidade de serem peticionados no requerimento executivo.

10º Não existe qualquer Acórdão de uniformização proferido por este Alto Tribunal, relativamente á concreta questão de direito atinente à aplicação da sanção pecuniária compulsória prevenida no art. 829°-A n° 4 do Código Civil,

11º Assim, quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento, discute-se a mesma questão fundamental de saber se a sanção pecuniária compulsória prescrita no artigo 829° - A, n° 4 do Código Civil carece de ser peticionada no requerimento executivo ou se pelo contrário configura uma sanção legal, automática que opera ex legis, sem necessidade de ser peticionada pelo credor, no âmbito do mesmo quadro normativo art. 829°-A n° 4 do Código Civil, sendo que as decisões são contraditórias e frontalmente opostas, estando assim recolhidos todos os pressupostos de que depende o presente recurso de revista.

12º Ocorre assim manifesta e ostensiva contradição entre os doutos acórdãos fundamento e recorrido, sobre a mesma e única questão fundamental de direito, nos termos do art. 672° n° 1 al. c) do CPC, que justifica o presente recurso de revista excepcional.

13º Atento o acima exposto, deve receber-se e admitir-se o presente recurso de revista, nos termos do disposto na al, c) do nº 1 do art. 672 do CPC, apreciando-se o seu mérito.

14º A sanção pecuniária compulsória é, por definição, um meio indirecto de pressão decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que está adstrito e a obedecer à injunção judicial a qual se analisa, quanto à sua natureza jurídica, numa medida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de não ser eficaz na consecução das finalidades que prossegue.

15º O legislador teve o cuidado de disciplinar de modo directo, fixando o seu montante, ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático. Por isso, porque prevista e disciplinada por lei, poderá qualificar-se como sanção pecuniária compulsória legal, enquanto aquela que é ordenada e fixada pelo juiz poderá chamar-se de sanção pecuniária compulsória judicial. O espírito de ambas, porém, é o mesmo: levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e do tribunal.

16º O Acórdão-fundamento acima citado resolve o conflito a favor da tese defendida pela Apelante, ora recorrente, e contra a posição sufragada no acórdão recorrido.

17º Admitir a tese de que tal instituto legal estaria dependente da iniciativa do credor para poder operar, seria esvaziar de conteúdo os conceitos empregues na estatuição normativa, transformando o mesmo num instrumento vazio de conteúdo e eficácia. Acresce que atentas as finalidades de respeito pelas decisões judiciais, pela realização e prestígio da justiça que está intrinsecamente associado o instituto da sanção pecuniária compulsória, tais finalidades não seriam asseguradas caso a mesma estivesse dependente da iniciativa ou do impulso processual do credor. Acresce ainda que revertendo o valor da sanção pecuniária compulsória de 5 % em partes iguais para o credor e para o Estado, logo se vê que tal finalidade só pela eficácia imediata e sem qualquer condicionalismo poderá ser efectivamente atingida.

18º Por fim, é obrigação legal do agente de execução proceder á liquidação da sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 716° n° 3 do CPC, o que é bem revelador do cariz automático e imediato prescrito no art. 829°-A n" 4 do Código Civil.

19º Fixada na douta sentença prolatada na liquidação apensa em 15/07/2005, que condenou os executados no pagamento da quantia de 284.874.13 €, não restam duvidas de que foi estipulado judicialmente o pagamento em dinheiro corrente, razão pela qual são devidos automaticamente juros a taxa de 5 % desde a decisão judicial até integral pagamento.

20º O legislador não deixou margem para duvida quando prescreveu que, quando estipulado judicialmente o pagamento em dinheiro corrente, o vencimento desses juros compulsórios opera de modo automático e por força da lei, independentemente de os mesmos terem sido requeridos ou não pelo exequente, aliás como é o entendimento sufragado pelo Acórdão fundamento e pela vasta doutrinal e jurisprudência recompilada dos tribunais superiores que a seguir se cita. Cfr. Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, edição de 1995, pág. 407; Pinto Monteiro, ln Cláusula Penal e Indemnização, pág. 112.. ; José Lebre de Freitas, ln “A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma”, 5ª ed., Coimbra Editora, 2009, pág. 98 e no mesmo sentido Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., Almedina, 2009, pág. 128, e jurisprudência Acórdão do STJ de 18-05-2006 In proc. 06S384, www.dgsi.pt/jstj.nsf; Acórdão do STJ de I2-04-2012, in www.dgsi.pt; Ac. STJ de 09.05.2002, no processo n.º 02B666, em www.dgsi.pt.; Ac. da Rel. de Lisboa de 20/6/2013, proc. n.º 23387/10.2YYLSB-B.L1-2, in www.dgsi.pt. Ac.da Rel.de Guimarães de 02-05-2016, do relator a Exma. Juiz Desembargadora Isabel Rocha, in www.dgsi.pt, Ac. da Rel. de Coimbra de 13/07/2016 in ww.dgsí.pt, Ac. da Rel. de Coimbra de 08-11-2016 in ww.dgsi.pt; Ac. da Rel. de Guimarães de 11-05-2017 no âmbito do Proc. n.º 90/14.9TBVFL-E.G I, ww.dgsi.pt, Ac. da Rel. de Coimbra 16-02-2018 in ww.dgsi.pt, Ac. da Rel. de Guimarães de 01-03¬2018 in ww.dgsi.pt,

21º Tal entendimento doutrinário e jurisprudencial estriba-se na correcta interpretação do disposto no art. 829° -A do código Civil conjugado com o disposto no art 716°, n° 3 do C.P.C. de 2013, nos termos do qual: “( ... ) o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação”.

22º Salvo melhor entendimento, a razão está do lado do acórdão fundamento e bem assim da vasta doutrina e maioritária jurisprudência que vem alinhando o acertado entendimento de que os juros compulsórios prevenidos no art. 829°-A n° 4 do Código Civil, operam de modo automático, op legis, prescindido de serem peticionados no requerimento executivo, interpretação claramente mais conforme com a natureza de tal sanção compulsória a qual deverá prevalecer doravante.

23º Por conseguinte em obediência a tal entendimento, considera a recorrente que o douto Acórdão recorrido, opera uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 829°-A nº 4 do CC, e art. 716° n° 3 do CPC e por conseguinte não poderá manter-se na ordem jurídica, devendo ser revogado e substituição por outro que ordene a liquidação da sanção pecuniária compulsória a taxa de 5% desde a decisão que realizou a liquidação da quantia exequenda e a data em que ocorrer o integral pagamento à exequente.

24º Impõem-se assim a questão “sub judice” seja apreciada, atenta a sua relevância geral em sede de realização da justiça e particular em sede de eficaz realização dos direitos subjectivos de modo a assegurar uma melhor aplicação do direito.

TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXAS. ADMITIR O PRESENTE RECURSO EXCEPCIONAL DE REVISTA E NO PROVIMENTO DO MESMO REVOGAR O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO POR FRONTAL CONTRADIÇÃO COM O ACORDÃO FUNDAMENTO, E SUBSTITUI-LO POR OUTRO QUE ORDENE A LIQUIDAÇÃO DA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA Á TAXA DE 5 % DESDE A DECISÃO QUE LIQUIDOU A QUANTIA EXEQUENDA E O INTEGRAL PAGAMENTO, E ASSIM SE REALIZANDO INTEIRA E UNIFORME, JUSTICA”.


Foram apresentadas contra alegações pelos Recorridos/BB, Lda. e outros, suscitando questão prévia traduzida na invocada inadmissibilidade do recurso interposto, concluindo, em todo o caso, pela improcedência do recurso apresentado pela Recorrente/Exequente/AA, Lda..


Foi proferido acórdão pela Formação, no qual se consignou:

“Certo é, porém, que face aos n.ºs 1 e 2 do artigo anterior se levantam fundadas dúvidas sobre a admissibilidade da revista, independentemente da dupla conformidade ou não.

Não cabendo a esta Formação tomar posição, porque tudo se situa a montante das regras relativas à revista excepcional, envolvendo ou podendo envolver apreciação sobre a “sempre admissibilidade” a que aludem a alínea a) daquele n.º 2 e a primeira parte do n.º 3.

Nesta conformidade, distribua como revista normal.”


Foram colhidos os vistos.


Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. Além do conhecimento da questão prévia invocada pelos Recorridos/Executados/BB, Lda. e outros, atinente à admissibilidade do recurso de revista interposto, aliás, sublinhado no acórdão da Formação ao reconhecer haver fundadas dúvidas sobre a admissibilidade da revista, independentemente da dupla conformidade ou não, com repercussões óbvias para a admissão da revista excepcional, que não dispensa a verificação dos requisitos gerais da admissibilidade dos recursos, ao caso aplicável, a questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pela Recorrente/Exequente/Apelante/AA, Lda., consiste em saber se:

(1) A sanção pecuniária compulsória é devida independentemente de ter sido requerida pela exequente no requerimento inicial executivo ou subsequente, ou depende de requerimento nesse sentido?


II. 2. Da Matéria de Facto


Os factos que relevam constam do relatório, outrossim, dever-se-á atentar que, quer no requerimento inicial de liquidação da quantia exequenda, quer logo após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, aquando do prosseguimento da execução com penhora de bens, não foi requerida a sanção pecuniária compulsória.


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.


II.3.1. A sanção pecuniária compulsória é devida independentemente de ter sido requerida pela exequente no requerimento executivo inicial ou subsequente, ou depende de requerimento nesse sentido? (1)

Questão prévia.

Antes mesmo de conhecer do recurso interposto, impõe-se a apreciação da questão preliminar invocada pelos Recorridos/Executados/BB, Lda. e outros, exprimida na alegada inadmissibilidade do interposto recurso de revista, sublinhada no acórdão da Formação ao reconhecer haver fundadas dúvidas sobre a admissibilidade da revista, independentemente da dupla conformidade ou não, com repercussões óbvias para a admissão da revista excepcional, que não dispensa a verificação dos requisitos gerais da admissibilidade dos recursos, ao caso aplicável.

Para tanto, sustentam os Recorridos/Executados/BB, Lda. e outros, com utilidade, que a admissão excepcional de recurso de revista ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 672º do CPC - Oposição de Julgados - não dispensa a verificação dos requisitos gerais da admissibilidade dos recursos, no âmbito do Processo de Execução, designadamente o estipulado no art.º 854º do Código Processo Civil.

Ora, o presente recurso de revista é interposto no âmbito de um incidente surgido após a elaboração da conta final da execução e na sequência da reclamação da conta que a Exequente apresenta para reclamar a inclusão na mesma, dos juros compulsórios.

Os Recorridos/Executados/BB, Lda. e outros, responderam à reclamação, invocando que a Exequente/Recorrente não tinha direito ao pagamento de juros compulsórios, dado que não havia peticionado a cobrança desses mesmos juros compulsórios no seu requerimento inicial de execução.

Concluem, assim, os Recorridos/Executados/BB, Lda. e outros, que este incidente de Reclamação da conta não se confunde com nenhuma das previsões constante do aludido art.º 854º do Código Processo Civil, daí que, no âmbito do presente incidente, instaurado a propósito da conta final elaborada na execução, não é admissível recurso de revista, devendo ser declarada a inadmissibilidade da revista.

Por outro lado, importa observar que já foi sublinhado no acórdão da Formação, ao reconhecer haver fundadas dúvidas sobre a admissibilidade da revista, independentemente da dupla conformidade ou não, com repercussões óbvias para a admissão da revista excepcional, que não se dispensa a verificação dos requisitos gerais da admissibilidade dos recursos, ao caso aplicável.

Cuidemos, assim, da questão prévia, atinente à admissibilidade do recurso de revista interposto pela Recorrente/Exequente/AA, Lda..

Vejamos.

A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, porém, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

Como direito adjectivo, a lei processual estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, podendo dizer-se que a admissibilidade de um recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto no prazo legalmente estabelecido para o efeito.

No caso que nos ocupa é reconhecida a tempestividade e legitimidade da Recorrente/Exequente/AA, Lda., e, naquele concreto pressuposto, uma vez que o requerimento de interposição de recurso obedeceu ao prazo legalmente estabelecido, sendo pacificamente aceite, outrossim, a decisão de que recorre lhe foi desfavorável (elaborada a conta no processo executivo, procedendo-se ao cálculo provisório das custas, quantia exequenda e respectivos juros, a exequente apresentou reclamação, sustentando, além do mais, que deveriam ser liquidados pela secretaria os juros devidos à taxa de 5 % a titulo de sanção pecuniária compulsória, sendo que a reclamação foi indeferida, de que houve apelação, julgada improcedente pelo Tribunal da Relação, primeiro através de decisão sumária do relator e depois em confirmação desta, por acórdão, manteve a decisão), encontrando-se a divergência quanto a ser a decisão proferida recorrível.

Os Recorridos/Executados/BB, Lda. e outros, questionam a admissibilidade do recurso de revista, argumentando que o incidente de reclamação da conta não se confunde com nenhuma das previsões constante do art.º 854º do Código Processo Civil, daí que, não é admissível recurso de revista, devendo ser declarada a inadmissibilidade do presente recurso de revista.

Entendemos que sem razão.

Estando em causa, como está, a admissibilidade do recurso, cujo objecto contende com o incidente de reclamação da conta elaborada em processo executivo, que procedeu ao cálculo provisório das custas, quantia exequenda e respectivos juros, não temos reserva de que há que convocar, a este propósito, as regras recursivas adjectivas civis, concretamente, os artºs. 852º e 854º, ambos do Código de Processo Civil.

O nosso direito adjectivo civil ao prevenir sobre o processo de execução (Livro IV do Código de Processo Civil) teve a preocupação de estatuir regras gerais, sem deixar de estabelecer regras próprias reguladoras dos recursos, conforme se colhe do art.º 852º ao estabelecer que “Aos recursos de apelação e de revista de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes” sendo a disposição normativa seguinte, no que ao caso interessa, o art.º 854º (enquanto preceito inovador do Novo Código de Processo Civil, com alguma correspondência com o art.º 922º-C do anterior Código de Processo Civil) que dispõe “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.”

Se é certo que o caso sub iudice (incidente de reclamação de conta), não é subsumível a quaisquer das situações prevenidas no art.º 854º do Código de Processo Civil “acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução” temos que, antes mesmo de as considerar, apreciar se estamos, ou não, perante um caso em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

A este propósito, dispõe o art.º 629º n.º 2 d) do Código Processo Civil, ao prevenir sobre as decisões que admitem recurso, que ao caso interessa, “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme” recuperando-se, aliás, a solução que constava do n.º 4 do art.º 678º do Código Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto- Lei n.º 38/2003.

Sustentando a Recorrente/Exequente/AA, Lda. que por acórdão de 11 de Maio de 2017, no âmbito do Processo n.º 90/14.9TBVFL-E.G1, transitado em julgado no dia 29 de Maio de 2017, proferido no Tribunal da Relação de Guimarães, de cuja sinopse do enquadramento jurídico plasmado se colhe que “I) - A sanção prevista no art.° 829º-A, n.º 4 do Código Civil é classificada pela doutrina como uma sanção pecuniária compulsória legal, por ser fixada por lei e automaticamente devida; II) - Esta sanção opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, não carecendo, por isso, de ser fixada na sentença proferida na acção declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo; III) - Decorre do disposto nos nºs. 1 e 4 do art.º 829°-A do Código Civil que compete ao devedor o pagamento dos juros compulsórios, estabelecendo o art.º 716º n.º. 3 do Novo Código de Processo Civil que cabe ao agente de execução proceder à liquidação da quantia devida a título de juros compulsórios e notificar o executado da dita liquidação”, temos de convir, cotejado o acórdão de que ora se recorre, que o respectivo enquadramento jurídico está em contradição com aqueloutro aresto, cuja sinopse do enquadramento jurídico perfilhado, acabamos de consignar.

Pelo exposto, reconhecendo que o acórdão objecto do presente recurso de revista, sufragando entendimento jurídico contrário com aqueloutro aresto, consignado supra, prolatado no Processo n.º 90/14.9TBVFL-E.G1 do Tribunal da Relação de …, transitado em julgado no dia 29 de Maio de 2017, proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que, como já adiantamos, sobre o acórdão objecto deste recurso de revista, não cabe recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, conforme se retira “a contrario” do art.º 854.º do Código de Processo Civil, e na ausência de qualquer acórdão de uniformização de jurisprudência sobre esta matéria, impõe-se a este Tribunal ad quem, na decorrência do enquadramento jurídico e normativo consignados, conhecer do objecto da revista.

Assim sendo, admitido o recurso de revista, apreciada que foi a questão preliminar invocada pelos Recorridos/Executados/BB, Lda. e outros, impõe-se reavivar a questão já enunciada, e que cumpre conhecer:

A sanção pecuniária compulsória é devida independentemente de ter sido requerida pela exequente no requerimento executivo inicial ou subsequente, ou depende de requerimento nesse sentido?”

A demanda executiva, visa assegurar ao credor a satisfação do interesse patrimonial, entendido este no mais amplo sentido, contido na prestação não cumprida e reconduz-se à actividade, por mor da qual os Tribunais visam, actuando por iniciativa e no interesse do credor, a obtenção coactiva de um resultado prático equivalente àquele que deveria ter sido oferecido pelo devedor, no cumprimento de uma obrigação, o dever de prestar do devedor modifica-se e dá origem ao dever de indemnizar, neste sentido, Professor Antunes Varela, apud, Das Obrigações em Geral, Volume I, 8ª edição, Coimbra/1994, página 161.

O objecto da acção executiva é sempre um direito a uma prestação, que quando reduzido a uma faculdade de exigência da prestação, designa-se pretensão.

Assim e porque a execução tem uma vocação instrumental, em face do direito material, a lei estabelece pressupostos processuais e condições processuais de procedência, para que seja possível admitir-se o exercício jurisdicional daquelas posições jurídicas subjectivas (direitos subjectivos e interesses legítimos).

Enquanto os requisitos processuais, resultam da acção executiva integrar-se no direito processual civil, as condições de procedência (o titulo executivo, a verificação da certeza, da exigibilidade e da liquidez da obrigação), são específicas da acção executiva.

O título executivo, condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão, é como o invólucro onde a lei presume se contem o direito violado - neste sentido, Professor Castro Mendes, apud, Acção Executiva, página 8 - a certeza e a exigibilidade condicionam a exequibilidade intrínseca da pretensão, pois que a sua não verificação impede que, apesar de se reconhecer o direito do exequente à reparação efectiva, o devedor seja executado quanto a essa mesma prestação – neste sentido, Professor Teixeira de Sousa, apud, A exequibilidade, página 17.

Porque ao caso sub iudice interessa, dir-se-á que a pretensão é exequível intrinsecamente se inexistir qualquer vício material ou excepção peremptória, que impeça a realização coactiva da prestação.

Neste contexto, e revertendo ao caso dos autos, coloca-se a questão de saber se a demanda executiva, cujo titulo exequendo consubstancia a sentença que, entre o mais, julgou parcialmente procedente a liquidação, que corre termos apensa à execução n.º 69/94, e, em consequência fixou a obrigação exequenda em €284.874,13, acrescida de juros à taxa de 5% ao ano, contados desde a citação e até 30-04-2003 e à taxa de 4% ao ano, contados desde esta última data e até efectivo e integral pagamento, formalizada num requerimento inicial apresentado em Juízo logo após o trânsito em julgado da consignada sentença, e onde não foi requerida a sanção pecuniária compulsória, poderá/deverá esta, mesmo assim, ser tida em consideração na conta, onde se procede ao cálculo provisório das custas, quantia exequenda e respectivos juros, conforme pugna a Recorrente/Exequente/AA, Lda., ou, ao invés, não deve ser atendida por exorbitar o requerimento executivo, conforme decidido em 1.ª Instância e sufragado na Relação, conforme é pugnado pelos Recorridos/Executados/BB, Lda. e outros.

Conquanto saibamos que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva, no caso concreto, à execução serve de base uma sentença condenatória, dever-se-á retirar, desde logo, a necessidade de apreciar a qualidade desse mesmo título exequendo para, de acordo com a lei substantiva civil, determinar o alcance da obrigação exequenda.

A questão que nesta sede de recurso se coloca, recortada das conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente/Exequente/AA, Lda., identifica-se com aqueloutra já colocada na 1ª Instância e ao Tribunal recorrido, que veio a julgar improcedente a reclamação apresentada pela Exequente à elaborada conta que não contemplou o valor atinente à declarada sanção pecuniária compulsória, sufragando o entendimento de que a sanção pecuniária compulsória, prevista no n.º 4 do art.º 829º-A, do Código Civil, não obstante ser automaticamente devida, desde o trânsito em julgado da sentença condenatória de pagamento em dinheiro, não pode ser judicialmente exigida se o credor o não requerer ao tribunal, no requerimento executivo, como foi no caso que ora nos ocupa, sublinhando o aresto em escrutínio que ainda que não se mostre de forma expressa estipulada no título dado à execução, a sanção pecuniária compulsória, pode ser peticionada no requerimento executivo, impondo-se, contudo, que para ser atendida na execução, seja impetrada em tal requerimento.

Não sufragamos o entendimento vertido nos arestos das Instâncias.

A consagração da sanção pecuniária compulsória nos termos do artº. 829º-A do Código Civil constituiu, à data, autêntica inovação, como se colhe do relatório que precede o atinente Decreto-Lei nº. 262/83, de 16 de Junho, que passamos a consignar na parte em que anota “A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória – no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) – poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico.”

Daqui se evidencia, por forma clara, que a sanção pecuniária compulsória tem por objectivo não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, antes o de impelir o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição, da sua displicência ou mesmo negligência.

Estatui o mencionado artº. 829º-A, do Código Civil, “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso” (nº 1); estabelecendo o respectivo no nº. 4, que “quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.

Anotamos, como bem sustenta a doutrina, entre outros, Pinto Monteiro, apud, Cláusula Penal e Indemnização, página 126 e seguintes e Calvão da Silva, apud, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, paginas 452 e seguintes, decorrer do texto legal a preocupação do legislador em estabelecer duas espécies diferentes de sanção pecuniária compulsória, sendo uma, de natureza judicial, prevenida no nº. 1, e, outra, legal, prevenida no nº. 4, do art.º 829º-A, do Código Civil.

A sanção pecuniária estabelecida no nº. 1, tem que ser aplicada pelo Tribunal, sustentada em critérios de razoabilidade, na própria sentença condenatória, a sanção pecuniária compulsória a que alude o nº. 4, do enunciado preceito, é de aplicação automática, nos casos em que tenha sido estipulado judicialmente determinado pagamento em dinheiro corrente.

Esta questão já tem sido sobejamente debatida na nossa Jurisprudência, a qual perfilha o entendimento de que a sanção compulsória legal não carece de ser pedida, é de funcionamento automático, é devida de jure, desde o trânsito em julgado da sentença que tiver condenado no pagamento em dinheiro corrente, escapando à intervenção do tribunal, neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e 12 de Abril de 2012, onde se consignou:

“Enquanto, em contrapartida, em incoerência com a intenção e disciplina visadas com o n.º 1 do art. 829.º-A, no seu n.º 4, consagrou uma diferente sanção pecuniária (ainda aqui compulsória) para forçar o devedor ao cumprimento de obrigações pecuniárias, com a criação do adicional de juros à taxa de 5% ao ano, devidos desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado.

Isto é, “o legislador, em vez de confiar à soberania do tribunal a ordenação (a requerimento do credor) da sanção pecuniária compulsória, disciplina-a, ele próprio, fixando o seu montante, ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático.

Por isso, porque prevista e disciplinada por lei, poderá qualificar-se como sanção pecuniária compulsória legal, enquanto aquela que é ordenada e fixada pelo juiz poderá chamar-se de sanção pecuniária compulsória judicial.

O espírito de ambas, porém, é o mesmo: levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e do tribunal.”

Não se trata de executar o devedor por uma sanção pecuniária não contida no título executivo, mas de pressionar o devedor a cumprir a obrigação exequenda.

A consagração da sanção pecuniária compulsória nos termos do artº. 829º-A do Código Civil constituiu, à data, autêntica inovação, como se colhe do relatório que precede o atinente Decreto-Lei nº. 262/83, de 16 de Junho,


Ademais como decorre do Decreto-Lei n.º 38/2003, o direito adjectivo civil teve a partir de então uma norma expressamente dedicada à liquidação da sanção pecuniária compulsória por parte da secretaria (art.º 805º n.º 3 do Código Civil, entretanto alterado, com o Decreto Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, tendo o actual Código Processo Civil, idêntico normativo, correspondente ao art.º 716º n.º 3 “Além do disposto no número anterior, o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação), levando o Professor Lebre de Freitas, há data da implementação da aludida norma, expressamente dedicada à liquidação da sanção pecuniária compulsória por parte da secretaria, a defender que “ficou, então, claro, com o novo n.º 3, “que a secretaria calcula também a final, a sanção pecuniária compulsória que seja devida nos termos do art.º 829-A CC. Tal como os juros vencidos na pendência da acção, a sanção pecuniária compulsória carece de liquidação a final, seja ou não aplicada na acção executiva. (…) Na execução para pagamento de quantia certa, diversamente do que acontece na execução para prestação de facto, a secretaria procede oficiosamente, não carecendo a sanção pecuniária compulsória de ser pedida nem de ser fixada pelo juiz, pois o direito a ela constituiu-se automaticamente, nos termos do art.º 829-A-4 CC”.

Assim, atendendo-se que o agente de execução, aquando da liquidação, proceda igualmente à contabilização “das importâncias devidas a título de sanção pecuniária compulsória” - art.º 716º n.º 3 do Código de Processo Civil - sem que se imponha que o exequente requeira e proceda à liquidação das quantias já vencidas a este título, como o faz para os juros vencidos - art.º 716º n.º 1 do Código de Processo Civil - cremos ser de toda a razoabilidade sufragar o entendimento de que a partir das alterações adjectivas civis, introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, ao art.º 805º do antigo Código de Processo Civil, que o actual art.º 716º n.º 3 do Código do Processo Civil também contempla, não faz sentido, em nossa opinião, e salvo o devido respeito por opinião diversa, que se exija requerimento do exequente a convocar o pagamento da sanção pecuniária compulsória, sendo esta de funcionamento automático, conforme vimos de discorrer, neste sentido, Professor Lebre de Freitas, apud, A Acção Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª edição – 2014, Coimbra Editora, página 115, que ao comentar o art.º 716º do actual Código de Processo Civil, sustenta que “a liquidação pelo agente de execução tem também lugar no caso de sanção pecuniária compulsória e, executando-se obrigação pecuniária, a liquidação não depende de requerimento do exequente, devendo ser feita a final”.

Revertendo ao caso sub iudice, sublinhamos estar adquirido processualmente que, quer no requerimento inicial de liquidação da quantia exequenda, quer logo após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, aquando do prosseguimento da execução com penhora de bens, não foi requerida a sanção pecuniária compulsória, que, como reconhecemos não teria obrigatoriamente de suceder, pelo que, conquanto a Exequente não tivesse requerido e concretizado, no requerimento executivo, o valor condizente à sanção pecuniária compulsória, impor-se-ia que fosse liquidado pela secretaria os juros devidos à taxa de 5 %, a título de sanção pecuniária compulsória, aquando da remessa à conta do processo executivo, além de proceder ao cálculo provisório das custas, quantia exequenda e respectivos juros.

O tribunal deveria oficiosamente levá-la em consideração com base na liquidação efectuada nos termos previstos naquele preceito, o que, em todo o caso, também decorre, a nosso ver, sublinhamos, do direito substantivo civil, ao estatuir no art.º 829º-A, n.º 4, do Código Civil “quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização que houver lugar”.

Merece, pois, censura, o acórdão proferido pelo Tribunal recorrido, ao ter limitado o objecto do processo executivo aos valores que foram concretizados no respectivo requerimento inicial, quando devia ampliar o pedido aos juros compulsórios, de aplicação automática, e, nessa medida deveria ter deferido a impetrada correcção da elaborada conta do processo executivo.

Atendendo ao quadro normativo, doutrinal e jurisprudencial sustentado, conjugado com a facticidade adquirida processualmente, reconhecemos que a sanção pecuniária compulsória deve ser liquidada na conta a elaborar, pese embora não tenha sido impetrada no requerimento executivo.

Assim, na procedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão, pela Recorrente/Exequente/AA, Lda., reconhecemos às mesmas virtualidades no sentido de alterarem o destino da demanda, e, nessa medida, merecendo censura, revoga-se o aresto em escrutínio.


IV. DECISÃO


Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam procedente o recurso, concedendo-se a revista,  e, consequentemente revoga-se o Acórdão recorrido, decidindo-se que a conta a elaborar no processo executivo, ao proceder ao cálculo provisório das custas, quantia exequenda e respectivos juros, tenha em devida atenção e proceda à liquidação da sanção pecuniária compulsória, calculada à taxa de 5%, desde a decisão que liquidou a quantia exequenda até efectivo e integral pagamento.

Custas em todas as Instâncias pelos Recorridos/Executados/BB, Lda. e outros.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Novembro de 2018


Oliveira Abreu (Relator)

Ilídio Sacarrão Martins

Maria dos Prazeres Beleza