Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3976/06.0TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO AO BOM NOME
DIREITO À HONRA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA
ABUSO DE LIBERDADE DE IMPRENSA
JORNAL
JORNALISTA
CARGO DE DIREÇÃO
DEVERES FUNCIONAIS
CONHECIMENTO
ILICITUDE
CULPA
PRESUNÇÕES LEGAIS
ÓNUS DA PROVA
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
NEXO DE CAUSALIDADE
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Impondo-se ao director da publicação o dever especial de conhecer e decidir, antecipadamente, sobre a determinação do seu conteúdo, em ordem a impedir a divulgação de escritos ou imagens susceptíveis de constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, a imputação ao mesmo do conteúdo que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento integra uma presunção legal.

II - Trata-se de uma presunção legal que dispensa o lesado do ónus da prova do facto a que a presunção conduz, isto é, a demonstração da culpa do agente, admitindo-se, porém, que o onerado a ilida, mediante prova em contrário, dada a sua natureza de presunção tantum iuris.

III - Tendo o lesado invocado os factos constitutivos do ilícito, isto é, no caso concreto, a publicação do «escrito» e a qualidade de director do agente, o qual, por seu turno, não alegou e provou que ignorava, de forma não culposa, o teor do escrito causador da lesão ou que este foi publicado sem o seu conhecimento ou com a sua oposição, não ilidiu, consequentemente, a base da presunção, tornando-se, assim, civilmente, responsável pelos danos causados.

IV - Em matéria de responsabilidade civil, no âmbito da comunicação social, está consagrado um regime de solidariedade passiva dos titulares das empresas jornalísticas com o autor da publicação, mas não de litisconsórcio necessário, relativamente ao director da publicação.

V - A gravidade do dano não patrimonial depende, por um lado, da intensidade das afirmações feitas e da divulgação que lhes foi dada, e, por outro, da personalidade e funções do visado, assumindo particular acuidade no caso de alguém que foi futebolista de eleição e exercia, na ocasião, funções de responsabilidade na Federação Portuguesa de Futebol.

VI - De acordo com a doutrina da causalidade adequada, na sua vertente negativa, um facto é causal de um dano quando é um de entre várias condições sem as quais aquele se não teria produzido, exigindo-se entre o facto e o dano indemnizável um nexo mais apertado do que a simples sucessão cronológica, de modo que nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito estão incluídos na responsabilidade do agente.

VII - Muito embora os réus, na contestação, não tenham invocado a insolvência de terceiro como circunstância obstativa do cumprimento do contrato que o lesado celebrou com o mesmo, mas apenas com a junção de documentos que efectuaram antes da audiência de discussão e julgamento, não se tratando de defesa por excepção, mas antes de factos que compõem a negação motivada, era ao autor que competia a prova dos mesmos, como factos constitutivos do seu alegado direito à indemnização, e não aos réus.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

AA, treinador de futebol, residente na Rua ..., propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB, jornalista, CC, editor, DD, Diretor do Jornal “Record”, com residência profissional, na ..., e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA”, empresa proprietária do Jornal “Record”, com sede na ..., pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de €60.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, e a quantia de €70.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com juros sobre aquela quantia, contados a partir da data da citação, bem assim como a publicar a sentença condenatória, nas páginas do Jornal “Record”/”Revista Dez”, alegando, para o efeito, e, em síntese, que foi atleta profissional de futebol, entre os anos de 1989 e 2002, tendo sido publicada uma notícia, na “Revista Dez”, integrante do Jornal “Record”, na sua edição de sábado, dia 26 de Março de 2005, em cuja capa, em título aposto na sua parte inferior e sobre uma fotografia do autor, se pode ler «Juventus: escândalo de doping», sendo que, no interior da revista, foi publicado um texto, encimado pelo título «Factura por cobrar».

O autor aparece, assim, ligado ao consumo de «doping» pelos jogadores da equipa de futebol da Juventus de Turim, durante o período em que na mesma foi profissional de futebol.

Porém, a notícia é falsa, ofendendo, gravemente, a sua honra e consideração pessoal, infligindo-lhe danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que enuncia e ascendem ao montante peticionado.

O réu BB foi o autor do texto, que escreveu na sua qualidade de jornalista, o réu CC era, em Março e Abril de 2005, o editor e adjunto da Direcção da Revista «Dez», o réu DD o Director do Jornal “Record” e da Revista «Dez» e a ré sociedade a empresa proprietária daquele jornal e desta revista.

Na contestação, os réus concluem pela improcedência da acção, alegando, para o efeito, que o artigo em questão demonstra, precisamente, o não envolvimento do autor no escândalo de «doping» da Juventus, e que, de todo o modo, em relação ao réu DD, não se alega qualquer facto para fundamentar a responsabilidade do mesmo, inexistindo facto ilícito, nem nexo de causalidade entre a sua conduta e os danos alegados pelo autor, nem culpa, até porque foi exercido o direito fundamental de informar.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, condenou os réus DD e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA” no pagamento ao autor do quantitativo indemnizatório de €38.000,00, sendo €15000,00, a título de danos não patrimoniais, e €23000,00, a título de danos patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença e até pagamento, e ainda na publicação do extrato da sentença, absolvendo, porém, os réus BB e CC do pedido contra si formulado e os demais da restante parte do peticionado.

Entretanto, os réus invocaram a nulidade de todos os depoimentos prestados, em sede de audiência de julgamento, relativamente aos quais não houve registo, no sentido de ser repetida a prova testemunhal em causa.

Tendo-se declarado verificada a nulidade derivada da omissão da gravação da prova produzida na sessão de julgamento realizada, no dia 5 de Maio de 2008, foram anulados o encerramento da audiência de discussão, a decisão da matéria de facto e a sentença.

Autor e réus interpuseram recursos de agravo daquela decisão, que foram admitidos para subir, diferidamente.

Designado dia para a continuação da audiência de julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, que julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, condenou os réus CC, DD e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA” no pagamento ao autor da indemnização de €15.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença e até pagamento, e na publicação do extrato da sentença, absolvendo, porém, o réu BB do pedido contra si formulado e os demais da restante parte do peticionado.

Com esta decisão, de novo, inconformados, autor e réus interpuseram recursos de apelação, tendo o Tribunal da Relação negado provimento aos recursos de agravo, e concedido parcial procedência aos recursos de apelação e, em consequência, alterou a sentença apelada, julgando a acção, parcialmente, procedente e condenando os réus BB, DD e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA”, nos termos constantes daquela sentença, tendo-se em consideração, na publicação do extrato da mesma, a alteração ora operada, no que respeita aos réus condenados.

Deste acórdão da Relação de Lisboa, os réus e o autor interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões:

                                                        OS RÉUS:

            1ª – O Tribunal da Relação ao pronunciar-se sobre o elemento da "culpa" quando da petição inicial não constam quaisquer factos que indiciem aquele pressuposto, pratica um acto de "pronúncia indevida", que constitui, fundamento de recurso.

            2ª - A verdade é que a decisão em recurso, considera que os recorridos actuaram de forma dolosa quando, em parte alguma dos articulados ou da base instrutória, consta qualquer facto, passível de retirar a referida conclusão.

            3ª - Por fim, a verdade é que, a decisão em recurso, estaria sempre, em oposição com os artigos 483° e 487° do Código Civil, bem como, com o princípio do dispositivo previsto no número 2 do artigo 264°, Código do Processo Civil, ao condenar os recorrentes sem que, tenham sido alegados os factos constitutivos da procedência desse direito.

            4ª - Para além disso, a verdade é que, entendem os recorrentes que, o Tribunal "a quo", confunde o princípio do dispositivo com as regras da divisão do ónus da prova.

            5ª - Isto porque, independentemente de se concordar ou não com a tese de que, existe uma responsabilidade objectiva do Director, tal nunca desobrigaria a parte, que pretenda beneficiar desse regime, de alegar os factos concretos dos quais dependem o seu direito.

            6ª - Até porque, nos termos do artigo 349° do Código Civil, uma presunção mais não é do que, uma "ilação que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido.".

            7ª - Ora, nos termos do princípio do dispositivo o Tribunal apenas pode tomar "conhecimento" dos factos que lhe são apresentados pelas partes sendo que, no caso concreto, o recorrido não levou ao conhecimento do Tribunal, um único facto com base no qual, fosse possível retirar uma presunção.

            8ª - Teria sempre o recorrido de alegar os factos que, em abstracto seriam passíveis de serem subsumíveis ao conceito de dolo ou mera culpa.

            9ª - Com efeito, dispõe o número 2 do artigo 660°, do Código do Processo Civil que, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

            10ª - Os factos constitutivos do direito do recorrido não são de conhecimento oficioso, nem foram "suscitados" pelo recorrido, pelo que, face aos limites que resultam do princípio do dispositivo envolvente das normas do número 1, do artigo 264° e artigo 664°, ambos do Código de Processo Civil, ao decidir sobre o "dolo" e "culpa" o Tribunal "a quo" pronunciou-se sobre factos que não foram apresentados pelo autor e dos quais não podia conhecer.

            11ª - Por tudo isto, entendem as recorrentes que a decisão viola o disposto no número 1, do artigo 264°, artigos 483°, 487° e 664°, todos do Código de Processo Civil, bem como o artigo 349° do Código Civil.

            12ª - A aplicação do artigo 487° do Código Civil não poderá levar a presumir que o Director, "teve conhecimento prévio" e de que podendo, não se opôs a que o artigo fosse publicado.

            13ª - Por isto, mesmo que se entendesse que existe uma presunção, que o Tribunal "a quo" retira do artigo 20° da Lei da Imprensa, nunca se poderia concluir que a publicação foi feita "com conhecimento e sem oposição do Director", pois esse elemento constitutivo, está previsto no artigo 29° da Lei da Imprensa.

            14ª - Assim, entendem os recorrentes que a sentença ao condenar a sociedade detentora do título, sem que tenha sido feita prova do conhecimento e falta de oposição do Director, viola expressamente, os artigos 342°, 351° e 487° do Código Civil, o número 2, do artigo 29° da Lei da Imprensa.

            15ª - Entendem os recorrentes que, ao condenar o Director por um texto que estes não elaboraram, a sentença viola os artigos 483° e 484° do Código Civil, números 1 e 2 do artigo 29° da Lei n° 2/99 de 13 de Janeiro (Lei de Imprensa) e artigo 26° do Código do Processo Civil.

            16ª - Para além disso, a responsabilidade do Director, mesmo que fosse decorrente da referida presunção de culpa, não poderá ser confundida com os pressupostos da responsabilidade da sociedade detentora do título.

            17ª - É que, a responsabilidade da sociedade detentora do título, apenas opera quando o Director tenha tido conhecimento prévio do artigo e não se tenha oposto à sua publicação.

            18ª - Ora, a presunção em que o Acórdão em recurso se baseia, advém das funções que o artigo 20° da Lei da Imprensa impõe ao Director.

            19ª - Contudo, em parte alguma da Lei da Imprensa se presume que, os Directores dos jornais, tenham conhecimento prévio e se consigam opor à publicação de todos os artigos.

            20ª - Da mesma forma, inexiste qualquer norma que imponha ao Director, a obrigação de tomar conhecimento prévio de todos os artigos antes dos mesmos serem publicados.

            21ª - A presunção que o Tribunal "a quo" entende existir, e na qual baseia a condenação do Director do jornal, não poderá ser confundida com os factos constitutivos de que dependem a responsabilidade da empresa jornalística, previstos no número 2, do artigo 29° da Lei da Imprensa.

            22ª - Em rigor, para que a responsabilidade da empresa jornalística operasse nos termos que o Tribunal "a quo" sugere, teria de existir a obrigação legal, do Director, conhecer previamente, o conteúdo de todos os artigos que são publicados.

            23ª - Nos termos do artigo 486° do Código Civil, "as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido."

            24ª - Motivo pelo qual, inexiste qualquer fundamento legal ou factual para que a empresa jornalista fosse condenada.

            25ª - Pelo acima referido, entendem os recorrentes que a decisão viola, nesta parte, o disposto no artigo 486° do Código Civil e 20° e 29° da Lei da Imprensa.

            26ª - O que os recorrentes defendem é que, não tendo sido alegados os factos constitutivos dos quais depende a responsabilidade civil da sociedade detentora da publicação, nunca poderia o Tribunal "a quo" conhecer da responsabilidade da Edisport nos presentes autos.

            27ª - Assim, entendem os recorrentes que, nesta parte o Acórdão está em oposição e viola o disposto no artigo, 29° da Lei da Imprensa, bem como os artigos 486°, 483° e número 2, e 487° todos do Código Civil.

            28ª – O que os recorrentes defendem é que, não tendo sido alegados os factos constitutivos dos quais depende a responsabilidade civil da sociedade detentora da publicação, nunca poderia o Tribunal "a quo" conhecer da responsabilidade da Edisport nos presentes autos.

            29ª - Assim, entendem os recorrentes que, nesta parte o Acórdão está em oposição e viola o disposto no artigo, 29° da Lei da Imprensa, bem como os artigos 486°, 483° e número 2, e 487° todos do Código Civil.

            30ª - Por tudo o acima referido, entendem os recorrentes que, a decisão objecto dos presentes autos, está em manifesta oposição com os artigos, 19° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 10° da CEDH, artigo 19° do PIRCP, artigos 37° e 38° da Constituição da República Portuguesa, artigo 1o da Lei da Imprensa, artigo 335° do Código Civil.

            31ª - O Acórdão em recurso está também em oposição com o número 1 do artigo 496° do Código Civil, por atribuir uma indemnização a danos que, pela sua falta de gravidade, não merecem qualquer tutela do direito.

            32ª - Entendem ainda os recorrentes que, a decisão em recurso está em oposição com os artigos 483° e 563° ambos do Código Civil, uma vez que, condena os réus, sem que exista um verdadeiro nexo causal, entre o dano alegado, e a publicação do referido artigo.

            33ª - Por fim, a decisão em recurso, está em oposição com os artigos 483°, 484° e 487°, uma vez que inexistia prova ou alegação de facto sobre a eventual culpa daqueles.

            34ª – No provimento do recurso, devem os réus ser absolvidos do pedido.

                                                           O AUTOR:

            1ª - Não se aceita a qualificação de instrumentais quanto aos factos vertidos no ponto 17 dos factos provados na sentença proferida em 1ª instância.

            2ª - Estes factos seriam essenciais - não porque, ao contrário do que se concluiu no acórdão recorrido, servissem para ajudar a concluir se o autor deixou ou não de obter o benefício que aquele contrato lhe traria por causa do facto ilícito - outrossim à tese dos réus de que subsistiriam factos impeditivos que sempre obstariam a que a empresa Página Central pudesse pagar ao autor as quantias com ele contratualmente acordadas pagar-lhe.

            3ª - Dito de outro modo: da sentença lavrada em primeira instância, e concomitante e consequentemente do acórdão recorrido, que nesta parte nele foi acolhida sem qualquer censura, resulta inequivocamente que o autor sempre deixaria de obter o benefício que aquele contrato [12 mensalidades de € 5.000,00 cada] lhe traria por causa do facto ilícito [o artigo jornalístico em causa nos autos] - cfr. pontos 14, 15 e 16 dos factos provados na sentença proferida em 1ª instância.

            4ª - Adrede se relembre que, como consta dos autos, o julgamento foi parcialmente repetido em resultado do desaparecimento de parte da prova gravada. Ora, dessa repetição parcial do julgamento - e no que tange aos quesitos [18.º, 19.º e 20.º] que versavam sobre o prejuízo patrimonial reclamado pelo autor e ao respectivo julgamento da matéria de facto - resultou uma única alteração: que foi precisamente o esclarecimento aditado contido na segunda parte da resposta ao quesito 20º.

            5ª - Vale isto por dizer, que do primeiro para o segundo julgamento, foi aditado, na resposta à matéria de facto, o esclarecimento sobre a situação financeira da sociedade Página Central, apontando-se a declaração de insolvência desta como causa de absolvição do pedido de condenação dos réus em indemnização por danos patrimoniais, já que seria daí que eles provinham.

            6ª - Para facilidade de análise, aqui se transcrevem as respostas dadas pelo Tribunal aos quesitos 18º, 19º e 20º, após a repetição parcial do julgamento:

 "18º": "Na altura da publicação da notícia, o Autor já tinha concluído as negociações com vista à celebração de um contrato com uma empresa, que iria utilizar a sua imagem, voz e presença, em actos ou campanhas de publicidade promovidos pela mesma."

"19º": "Essa empresa, invocando a publicação da noticia em causa e a repercussão negativa que a mesma teria na imagem do Autor, que, na sua opinião, constituíam uma alteração dos pressupostos em que assentaria o contrato, comunicou ao Autor que não iria concretizar a sua celebração.

"20°": "O contrato seria celebrado pelo período de um ano, com início no dia 01 de Maio de 2005, e seria automaticamente renovável, por períodos de seis meses, salvo denúncia escrita de qualquer das partes, e previa que o Autor auferiria pelo menos o valor mensal de 5.000,00 €, esclarecendo-se que a Página Central, a partir de 01 de Maio de 2003, tinha deixado de pagar os custos da publicação de anúncios publicitários no Jornal Diário de Notícia, nos valores mencionados a fls. 868 a 870, o que motivou a propositura da acção judicial de f/s. 866 e ss., que a mesma sociedade não contestou, tendo sido declarada a sua insolvência por sentença que consta de fls. 912 e ss."

            7ª - A parte por nós sublinhada supra da resposta ao quesito 20º constitui a única alteração às respostas aos mesmos três quesitos dadas antes de ser ordenado repetir o primeiro julgamento. Ora, na primeira sentença (entretanto revogada, por efeitos da repetição parcial do julgamento) o Meritíssimo Juiz ponderou a atitude da sociedade Página Central e considerou razoável que esta tivesse declinado o compromisso com o autor, atendendo à natureza do contrato e à sua forte relação com a boa imagem pública dele. Imagem que saiu claramente desvalorizada pela notícia que o associava a um escândalo de doping de proporções internacionais.

8ª - E daí considerou que, citamos: "o autor viu-se desse modo privado de receber as quantias mensais acordadas, efeito patrimonial negativo que deve ser considerado consequência da notícia publicada, o que lhe confere o direito de ser indemnizado - artigo 563º e 564º, 1 do CC.

9ª - Dúvidas não restam, pois, que, compaginando tudo quanto foi decidido e fundamentado pelo senhor Juiz em primeira instância, e a concreta dinâmica que motivaram as concretas diferenças entre a primeira e a segunda sentença ali proferidas, deverá concluir-se - ao contrário do que erroneamente se concluiu no acórdão recorrido - que o autor em rigor logrou provar, sem quaisquer dúvidas, todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que decorrem para os réus de terem publicado o artigo jornalístico em causa.

10ª - No caso dos autos, competia ao autor provar a existência e a lesão do direito e o respectivo dano, designadamente patrimonial: ora, o autor provou a existência do direito de personalidade, a violação deste por acção dos réus e o respectivo dano, originando o direito à indemnização.

11ª - Dito de outro modo: o autor provou que a conduta dos réus foi ilícita e que foi a causa adequada do dano [lucro cessante] consubstanciado no não recebimento de € 60.000. Ou seja, em qualquer circunstância, mesmo que se tivesse provado que a empresa Página Central fosse unanimemente considerada a de melhor saúde financeira a nível mundial e cem por cento cumpridora das suas obrigações, mesmo nesse caso hipotético, sempre teríamos de concluir, com os factos provados nos autos, que o autor deixou de ganhar € 60.000 em resultado da conduta ilícita (a publicação do artigo jornalístico) dos réus.

12ª - Em concreto o facto da publicação do artigo jornalístico dos réus foi condição sine qua non do dano e, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, constitui causa adequada à sua produção. A publicação do artigo jornalístico dos réus foi a causa adequada operante do dano.

13ª - A situação económica da empresa Página Central, na perspectiva dos réus e do acórdão recorrido, constituiria a causa virtual ou hipotética do dano do recorrente.

14ª - A causa real considera-se efectivamente causa do dano, mesmo que seja certo que ele sempre se produziria em resultado da causa virtual. A causa virtual não possui a relevância negativa de excluí-la, pois em nada afecta o nexo causal entre o facto operante e o dano: sem o facto operante o lesado teria um dano idêntico, mas não aquele preciso dano. Daí que exista a obrigação de indemnizar.

15ª - (i) Sem o artigo jornalístico em causa nos autos, não tinha havido, logo em primeiro lugar, a ocorrência do dano não patrimonial (dano distinto do dano patrimonial em que se consubstanciam os € 60.000,00 pedidos pelo autor em função do que deixou de ganhar pela não produção de efeitos do contrato negociado com a Página Central); (ii) sem o artigo jornalístico o recorrente poderia ter recebido a totalidade ou parte do que em função da relação contratual havida lhe era devido pela empresa Página Central, pois que as referidas dificuldades económicas desta poderiam não obstar a que o recorrente recebesse total ou pelo menos parcialmente os montantes em dívida.

16ª - Ou seja, a não ser que os réus tivessem provado - e nem sequer o alegaram, pelo menos na forma legalmente exigida - que as dificuldades económicas da Página Central constituíam de facto uma causa impeditiva desta empresa saldar integralmente o montante de € 60.000,00 ao recorrente, jamais a causa hipotética poderia afastar a obrigação de indemnização que incumbe aos réus.

17ª - Esta causa hipotética mais não é, senão, do que constituída pelos factos impeditivos que, numa defesa por excepção, os réus deviam, e podiam, ter deduzido na contestação ou em articulado superveniente.

18ª - Decidindo como se decidiu no Acórdão recorrido, desatendeu-se ao postulado no artigo 563º do Código Civil, pois que apesar de ter provado que sofreu os danos patrimoniais equivalentes a € 60.000,00 em consequência do artigo jornalístico dos réus, o autor viu estes serem absolvidos do respectivo pedido indemnizatório.

19ª - Factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da excepção, e cuja falta determina a inviabilidade da acção ou da excepção, realizando uma função constitutiva do direito invocado pelo autor ou da excepção deduzida pelo réu, sem eles não se encontrando individualizado esse direito ou excepção, pois constituem eles os factos necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte.

20ª - Já os factos instrumentais, probatórios ou acessórios, são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos.

21ª - Com a junção dos 8 documentos em Abril de 2010, os réus efectivamente mais não concretizaram - de forma não prevista na lei, a destempo, em
inobservância  do prescrito  na  lei - do que uma abordagem de factos, essenciais, que constituiriam uma autêntica excepção ao direito à indemnização, cujos factos constitutivos haviam sido alegados e provados pelo autor.

22ª - Na verdade, por se pretenderem impeditivos da possibilidade da efectiva liquidação dos montantes acordados pagar pela empresa Página Central ao autor, e assim por, em tese, se poderem vir a revelar impeditivos do direito â indemnização que assiste ao autor, cabia aos réus alegarem e provarem a efectiva verificação de tal impedimento, nos termos previstos no nº 2 do artigo 342º do Código Civil.

23ª - Ora, e nos termos da lei, maxime do artigo 506º do Código de Processo Civil, após a tomada de conhecimento pelos réus de tais factos impeditivos, os réus podiam e deviam tê-los alegado em articulado superveniente.

24ª - Pode ocorrer que só depois de decorrido o prazo para o último articulado o autor tenha conhecimento de outros factos - ou elementos de facto - constitutivos ou o réu conhecimento de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, embora uns e outros tivessem ocorrido anteriormente (superveniência subjectiva). Em ambos os tipos de situação, pode ter lugar articulado superveniente em que a parte a quem o facto é favorável o alegará, a fim de, uma vez provado, vir a ser tomado em conta na sentença (art. 663º). O nº 1 não refere os factos impeditivos, que não podem, por definição (ver anotação nº 5 ao artigo 487º), ocorrer supervenientemente, mas podem ser eles objecto de conhecimento superveniente, pelo que terão de se considerar igualmente incluídos na previsão legal.

25ª - Ora, acontece que tal articulado superveniente não foi nunca apresentado pelos réus, nem nos 10 dias posteriores à notificação para a realização da data de julgamento [cfr. art. 506º, nº 3, al. b) do CPC]; nem na audiência de julgamento [cfr. art. 506º, n.º 3, al. c) do CPC], nem em momento algum.

26ª - Deste modo não ocorreu nem o despacho liminar a que alude o nº 4 do artigo 506º do CPC, nem a inclusão de tais factos na base instrutória, pelo menos dos que de entre eles interessassem à decisão de causa [cfr. art. 506º, nº 6 do CPC].

27ª - De igual modo estes factos essenciais à procedência da excepção peremptória que os réus não lograram individualizar nem expressamente invocar, não constituem, como é óbvio, qualquer complemento ou concretização de outros que os réus houvessem oportunamente alegado, pois que foi ex-novo com a junção daqueles 8 documentos (em Abril de 2010) que os réus lançaram mão da tese de que a empresa Página Central não teria capacidade financeira para pagar o contratualmente negociado com o autor.

28ª - Muito menos os réus manifestaram expressamente a vontade de deles se aproveitar (para prova da excepção peremptória que estariam a esboçar), nem em consequência nessa medida foi dada ao autor a oportunidade do exercício do contraditório.

29ª - Significa isto que no caso não se observaram nenhum dos requisitos de que a lei (artigo 264º, nº 3 do CPC) faz depender a inclusão, na decisão, dos factos essenciais (não alegados) à procedência da excepção peremptória esboçada, mas não efectiva nem devidamente deduzida pelos réus.

30ª - Ora, e como expressamente se alude no artigo 264º, nº 1 do CPC, ao réu cabia alegar os factos em que se baseava a excepção (por si mera e lateralmente abordada): o réu nem alegou tais factos, nem individualizou a excepção que aqueles consubstanciariam.

31ª - Por seu turno, e nos termos do artigo 493º, n.º 3, do CPC, as excepções peremptórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na
invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.

32ª - Já o artigo 342º, nº 2, do CC, expressamente determina que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação e feita.

33ª - Não subsistem, pois, quaisquer dúvidas de que os factos invocados aludidos pelos réus quando juntaram os 8 documentos em Abril de 2010 se devem, em tese, classificar como factos impeditivos (e alguns, eventualmente, extintivos) do direito à percepção da indemnização pelo autor.

34ª - É manifestamente evidente que não tendo sequer devidamente alegado tais factos, nem os mesmos tenham sido levados à base instrutória, nem devidamente sujeitos a contraditório, ab initio ficaram os mesmos por provar, razão pela qual os réus não observaram minimamente o ónus da prova que relativamente aos mesmos sobre eles impendia.

35ª - Haverá sempre que dizer que, para que tal ónus pudesse ter sido observado, teriam os réus que ter alegado (e não o fizeram) em articulado superveniente a excepção que os mesmos consubstanciariam, mais no âmbito desse ónus lhes sendo exigível que alegassem e provassem que a situação de carência económica da Página Central importava necessariamente a impossibilidade de pagamento dos € 60.000,00 ao autor. Ora, tal não foi devidamente alegado, nem muito menos provado.

36ª - Note-se que as instâncias argumentam que, com a junção dos referidos documentos e consequente 'esclarecimento' na resposta ao ponto 20º da base instrutória "ficaram na dúvida' sobre se o autor viria a receber a esperada quantia, mas o certo é que concluíram e decidiram que não receberia rigorosamente nada e isso é que não ficou provado, independentemente de se tratar ou não a matéria do referido esclarecimento de facto constitutivo ou extintivo. E é extintivo ou modificativo, como esperamos deixar bem claro.

37ª - Toda a defesa deve ser deduzida na contestação (cfr. art. 489º-1). Depois dela, só podem ser deduzidas as excepções supervenientes, as que a lei expressamente admita passado esse momento ou aquelas de que se deva conhecer oficiosamente (art. 489º-2); mas, neste último caso, os factos em que a excepção se funda deverão ter sido objecto de alegação nos articulados, pois o conhecimento oficioso da questão de direito (excepção) não dispensa a introdução dos factos pelas partes.

38ª - Já vimos, pois, que os factos impeditivos atinentes aos 8 documentos juntos pelos réus em Abril de 2010, e que consubstanciariam uma excepção peremptória que devia ter sido alegada e provada pelos réus, são autênticos factos essenciais à procedência de tal excepção.

39ª - Porém, e a nosso ver de forma completamente errada, no acórdão recorrido consideraram-se os mesmos como factos instrumentais valorados para colocar em dúvida os factos constitutivos do direito do autor à indemnização por danos patrimoniais.

40ª - Ora, mesmo os factos instrumentais (probatórios ou acessórios de factos principais alegados pelas partes) podem, e, nisso havendo conveniência, devem, serem incluídos na base instrutória para sobre eles ser produzida prova, sendo que o consequente aditamento da base instrutória pode ser feito oficiosamente (cfr. art. 264º-2), mesmo que, quanto aos factos que as partes tenham alegado nos articulados, tenha havido reclamação, nos termos do art. 511º-2, pela sua não inclusão na base instrutória, visto que o despacho que decide as reclamações não transita em julgado.

41ª - Podem ser insertos na base instrutória factos instrumentais (base de presunções judiciais ou tendentes à sua neutralização: cfr. art. 349º CC), em casos em que assumam especial relevância concreta para a prova dos factos principais, em que seja duvidosa a ilação que, a partir deles, possa ser tirada para esta prova ou em que constituam garantia de que o direito à prova não é severamente restringido por limitações legais como a do art. 663º para a prova testemunhal.

42ª - Ora, se o acórdão recorrido perfilhou a tese da instrumentalidade dos factos atinentes aos 8 documentos juntos pelos réus em Abril de 2010, então não poderia o mesmo ter deixado de ordenar - e logo num caso em que tais factos instrumentais foram carreados pela parte oposta àquela a quem (na perspectiva do acórdão recorrido) competia prova dos respectivos factos principais - a inclusão dos mesmos na base instrutória.

43ª - Com a reforma do processo civil, passou a prevenir-se, no artigo 264º, n.º 2 do novo CPC, a atendibilidade de factos instrumentais (isto é, indiciários, probatórios ou circunstanciais, face aos factos essenciais) ainda que não alegados por qualquer das partes, bastando para tal que resultem da instrução e discussão da causa, devendo o juiz inseri-los na base instrutória, para posterior inclusão na decisão sobre a matéria de facto, após a sujeição aos meios de prova que se produzirem (arts. 650º, n.º 2, al. f) e nº 3 e 653º, nº 2).

44ª - É que não podemos esquecer que os tais factos qualificados de instrumentais no Acórdão recorrido - e que foram trazidos pelos réus, e que serviriam à prova a efectuar pelos réus da excepção que deveriam ter alegado e provado - mas acabaram por ver a sua suposta instrumentalidade aferida à prova dos factos constitutivos do direito à indemnização realizada pelo... autor.

45ª - No caso dos autos, autor alegou e provou todos os elementos constitutivos do direito à indemnização: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

46ª - Já os réus, embora tivessem procedido à junção dos 8 documentos, em Abril de 2010 - a qual fez com que a decisão em primeira instância e o acórdão recorrido os tivessem absolvido do pagamento ao recorrente duma indemnização por danos patrimoniais - não alegaram, nem provaram, a existência de causas impeditivas ou extintivas do direito à indemnização reconhecido ao aqui recorrente.

47ª - Por tudo quanto se disse, incluindo as regras atinentes ao ónus da prova, a conclusão de que a empresa Página Central deixou de pagar ao autor o montante de € 60.000,00 em consequência do artigo jornalístico dos réus, resulta de critérios de verosimilhança ou de probabilidade: segundo o curso normal das coisas e de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o autor, não fora o artigo jornalístico dos réus, teria obtido recebido aqueles € 60.000,00.

48ª - Assim, se dúvidas houvesse sobre se o autor chegaria, efectivamente, a receber as quantias previstas, tal dúvida, apurado o ónus da prova que incumbia aos réus observar - pois que a estes incumbia alegar e provar os factos da excepção que insuficientemente afloraram - o Tribunal, perante a incerteza dos factos, não podia deixar de acolher a pretensão do autor no que respeita ao alegado dano patrimonial.

49ª - Aos réus não bastaria alegar e provar (e não fizeram uma coisa, nem a outra) que a empresa Página Central tinha outras dívidas e que foi declarada insolvente 3 anos depois do contrato negociado com o autor: teriam que alegar e provar que tais dívidas e insolvência a impediam de pagar ao autor. E pura e simplesmente os réus não o fizeram.

50ª - Em conformidade com os critérios traçados pela "Teoria das Normas", toma como ponto de partida da distribuição do ónus da prova a distinção entre os factos que "servem de fundamento à acção" (factos constitutivos do direito alegado) e os "factos que servem de fundamento à excepção" (factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado").

51ª - Os respectivos conceitos encontram-se implícitos no texto do artigo 342º do CC. Por factos constitutivos entendem-se os "factos idóneos, segundo a lei substantiva, para fazer nascer o direito que o autor se arroga contra o réu”.

52ª - O ónus da prova dos factos constitutivos do direito alegado cabe a quem invoca esse direito, (art. 342º, n.º1 CC). Invocados e demonstrados os factos constitutivos do direito do autor, pode o réu defender-se negando o fundamento da demanda ou invocando factos novos - impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

53ª - Segundo o critério da normalidade, o autor, por invocar um direito, terá de demonstrar os factos que normalmente o integram; o réu, para se defender, terá de provar os factos "anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos".

54ª - A impossibilidade prática para qualquer pessoa que deduza uma pretensão em juízo, de satisfazer um ónus probatório que contemple os factos relevantes para o processo na sua globalidade é consensualmente reconhecida; a distinção entre factos constitutivos e factos impeditivos reveste-se, por isso, de um importante significado: libertar o autor do encargo de provar a inexistência dos factos que, normalmente, não se verificam.

55ª - Face ao critério funcional, são constitutivos os factos susceptíveis de produzir, segundo a norma jurídica aplicável, o efeito jurídico que a parte pretende obter; ao passo que são impeditivos os factos que se destinam a determinar a ineficácia jurídica dos factos constitutivos.

56ª - Em suma, os réus encontram-se em melhor posição para demonstrar a existência de todos os factos que consubstanciam a existência da impossibilidade da Página Central em cumprir, do que o autor em provar todos os factos consubstanciadores da inexistência da possibilidade de cumprir.

57ª - No caso dos autos, o autor provou os factos consubstanciadores do seu direito de crédito face aos réus (provou o a relação contratual com a Página Central, o término dessa relação contratual, o artigo jornalístico dos réus como única causa desse término, o término como causa adequada e exclusiva do dano - lucro cessante de 60.000€).

58ª - Posteriormente os réus aludem insuficientemente a factos, não devidamente alegados em sede de articulados, [nem objecto da manifestação pelos réus da vontade de deles se aproveitar], que a serem devidamente alegados e provados operariam a procedência da excepção que consubstanciariam e a sua absolvição do pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais.

 59ª - Não é de aplicar in casu o disposto no artigo 494º do Código Civil, mas sim, e sem qualquer dúvida, uma condenação aos réus no pagamento duma indemnização que contemple a totalidade dos danos patrimoniais apurados, ou seja, equivalente ao valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros), o que desde já se reitera.

60ª - No caso concreto - e é sempre no caso concreto que se há-de fazer a classificação dos factos como constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos – era aos réus quem incumbia a alegação e prova dos factos impeditivos do direito à indemnização previamente alegado e provado pelo autor.

61ª -    Pretender exigir, como se infere do acórdão recorrido, que no caso concreto caberia ao autor alegar e provar a inexistência duma alegada insuficiência económica da empresa Página Central que tornaria impossível ao autor receber a quantia com ela acordada receber - quando não foi sequer alegado, de forma alguma, pelos réus, que o autor estivesse por algum modo ao corrente de tais insuficiência económica e impossibilidade – é subverter por completo as regras do ónus da prova: o autor, que já tem que alegar e provar os factos constitutivos do seu direito, passaria a estar em simultâneo onerado com a alegação e prova dos factos impeditivos daquele seu mesmo direito e consubstanciadores duma excepção peremptória cujo beneficiário se via dispensado de alegar e provar.

62ª - Ora, como facilmente se pode concluir, estaríamos perante um absurdo jurídico, perante um flagrante desequilíbrio no jogo probatório, perante uma manifesta injustiça, materializada numa insustentável inversão do ónus da prova e num injustificado benefício do infractor.

63ª - Para lá que estaríamos face a uma clara e frontal violação da lei, em concreto do disposto no artigo 342º, n.º2 do CPC.

64ª - Como retro se expôs, a norma do artigo 342º do Código Civil foi completamente postergada na decisão ínsita no Acórdão agora recorrido, ao dar a errada relevância à sua dúvida quanto à capacidade da empresa Página Central em honrar a sua obrigação de pagar o que para si resultava do contrato celebrado com o autor, pois que em vez de aplicar devidamente o que determina a regra do nº 2 deste preceito, o que os Venerandos Desembargadores fizeram foi, outrossim, um errado duplo apelo ao normativo ínsito no nº 1 de tal artigo, de modo que não só desconsideraram ter o autor alegado e provado totalmente os factos constitutivos do direito à indemnização que reclamam; como oneraram ainda o autor com a obrigação de alegar e provar os factos impeditivos daquele mesmo direito... um absurdo jurídico que encerra em si uma insustentável inversão do ónus da prova.

65ª - Resultam terem sido violadas pelo Acórdão recorrido os artigos 232º; 342º, 494º; 496º; 405º; 219º; 223º, n.º2; 236º a 239º; 562º a 564º, todos do Código Civil e 264º, n.ºs 1, 2 e 3; 650º, n.º 2, f); 506º, todos do Código de Processo Civil.

66ª - Também da subsunção da prova produzida nos autos, nomeadamente da resultante do teor dos documentos n.º 9 e n.º 10 junto pelo autor e das declarações supra transcritas da testemunha José Simões, dever-se-ia ter concluído que as partes no contrato em causa nos autos (empresa Página Central e autor, AA) tinham já acordado sobre todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo, pelo que não se tendo chegado a tal conclusão, assim se deixou violado o disposto no artigo 232º do Código Civil.

67ª - Por seu lado, das declarações transcritas daquela testemunha e do documento nº 10 junto pelo autor, resulta que, de acordo com a expressa vontade das partes [autor e empresa Página Central], o contrato já estava concluído e era já válido e para elas eficaz e em vigor, mesmo antes de ser assinado, pelo que assim não tendo sido julgado, se violou as regras constantes dos artigos 219º; 223º, n.º 2; 236º a 239º e 405º do Código Civil.

68ª - Os artigos 562º a 564º foram desrespeitados, pois não foram aplicados no Acórdão recorrido, quando estavam verificados todos os pressupostos para a sua aplicação, ficando assim por atribuir ao autor uma indemnização por danos patrimoniais no montante de 60.000,00€.

69ª - Deve o Acórdão recorrido ser revogado, e em sua substituição ser lavrado outro em que - fazendo-se o correcto uso das regras legais atinentes ao ónus da prova, à selecção da matéria de facto e à verificação dos pressupostos legais do direito à indemnização por danos advenientes de responsabilidade extracontratual - condene os réus no pagamento ao autor da quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), bem como dos juros vencidos e vincendos.

70ª - O presente recurso versou apenas matéria atinente à violação da lei.

Apenas o autor contra-alegou, concluindo no sentido de que o acórdão recorrido, no que tange à condenação dos réus no pagamento de uma indemnização, por danos não patrimoniais ao autor, no montante de €15000.00, não merece qualquer reparo, devendo improceder, na íntegra, o recurso interposto pelos réus.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. O autor foi atleta profissional de futebol, entre os anos de 1989 e 2002, tendo representado o Sport Lisboa e Benfica, o Sporting Clube de Portugal, a Juventus de Turim, o Borussia de Dortmund, o Inter de Milão, o Panatinaikos de Atenas e o Espanhol de Barcelona – A).

2. Representou ainda a Selecção Nacional, onde se tornou campeão Mundial de Sub-20, em Riade, tendo ainda participado, enquanto atleta sénior A, nas fases finais dos Campeonatos da Europa de 1996 e 2000 e do Campeonato do Mundo de 2002, somando, no total, 74 internacionalizações, 51 na Selecção A e as restantes nos demais escalões da Selecção Nacional – B).

3. Ao nível de clubes, para além de se ter tornado, em Portugal, campeão nacional de futebol sénior, ao serviço do SLB, sagrou-se, de igual modo, campeão nacional de Itália, pela Juventus, para além de ter vencido a Taça e Supertaça talianas e a Taça da Alemanha – C).

4. Alcançou ainda, em dois anos consecutivos (1995/96 e 1996/97) e ao serviço de equipas distintas (Juventus e Borussia, respectivamente), o título de vencedor da "Liga dos Campeões", o troféu máximo, ao nível de clubes na Europa – D).

5. No ano do seu ingresso em Itália, e num tempo em que não era ainda comum a saída de jogadores portugueses para campeonatos mais competitivos da Europa, foi considerado o melhor jogador do campeonato italiano – E).

6. Actualmente - à data da propositura da acção – presta serviço nos quadros da Federação Portuguesa de Futebol, no seio da qual desempenha as funções de treinador da Selecção Nacional de Sub-16 e acessor do Presidente da Federação, sendo ainda treinador estagiário da Selecção A – F).

7. O réu BB é jornalista, sendo o autor do texto que está na origem da presente acção, publicado na revista "Dez", que é publicada aos sábados e faz parte integrante do jornal «Record», publicação desportiva diária – G).

8. O réu CC era, em Março e Abril de 2005, o editor e adjunto da Direcção da revista, tendo sido o autor da nota do editor constante da parte final do documento de fls. 86 e segs., carta de resposta do autor – H).

9. O réu DD é o director do Jornal «Record» e da revista – I).

10. A ré “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA” é a empresa proprietária do jornal e da revista – J).

11. Na capa da edição n° 9491, de 26 de Março de 2005, da referida revista, em título aposto na sua parte inferior e sobre a fotografia do autor, podia ler-se: "Juventus: escândalo de doping" – K).

12. A fotografia do autor figura, exactamente, sob a palavra "doping", conforme se vê de fls. 50 – L).

13. No interior da revista e consubstanciando já o correspondente artigo, consta um texto, ao longo das páginas 30a a 33a, inclusive, encimado agora pelo título "Factura Por Cobrar" – M).

14. Assim, nas páginas 30a e 31a, é mostrada uma enorme imagem do logotipo da Juventus de Turim, trespassado por uma enorme seringa – N).

15. Essa imagem ou representação gráfica sobrepõe-se, parcialmente, a uma fotografia, na página 31, das comemorações dos atletas e restante staff daquela equipa, após a vitória na final da Liga dos Campeões de 1995/96, fotografia da qual consta o autor – O).

16. No canto superior de tal fotografia, pode ler-se a seguinte legenda/comentário: "o conjunto vencedor da Liga dos Campeões em 1995/96, em que se destacam V..., C... e AA." – P).

17. Na página 30 da revista, vem referido o seguinte: "A única certeza é que não mais a Juventus conseguirá apagar a mancha que caiu nos últimos meses sobre as temporadas douradas de 1994 a 1998, onde conquistou uma Liga dos Campeões, uma Taça Intercontinental, três campeonatos, uma Supertaça Europeia, uma Taça de Itália e duas Supertaças italianas." Q).

18. Ainda na página 30, é referido que a "eritropoíetina", ou EPO, é uma hormona sintética com capacidade para estimular a produção de glóbulos vermelhos" – R).

19. Na página 31, surge a epígrafe "Atletas incoerentes", com um texto seguinte, que segue na página seguinte:

"No rescaldo do processo que culminou na condenação de EE ..os depoimentos prestados pelos jogadores da Juventus na altura acabaram por precipitar nova polémica, mormente em torno de FF. "O seu comportamento incorrecto impõe uma posterior investigação judicial", afirmou o magistrado ..,por entender que a versão dos factos prestada pela defesa terá sido, provavelmente, construída.

"As acusações feitas pelo juiz a atletas não ficam por aqui, diferindo apenas entre "falsos testemunhos", no caso do médio Alessandro Tacchinardi, e "testemunhos vagos e pouco convincentes", lista que inclui os nomes de L..., V..., A..., R... B..., F..., I..., P. M... e P.... A questão emergente permanece sem resposta: para quê tanta atrapalhação se não existisse um fundo de verdade nas alegações?

"O ex-internacional português AA foi também chamado mas, após a sessão, não mais o seu nome voltou a ser falado. À saída do tribunal, em Agosto de 1998, o actual assessor de G... M... na Federação Portuguesa de Futebol - que prefere não fazer qualquer comentário nesta altura - admitiu ter tomado creatina durante as duas temporadas em que representou a Juve ..reconhecendo que era prática corrente em todos os jogadores que compunham o plantel. "De qualquer forma, creio que o uso de creatina é normal e regular", considerou após duas horas de reunião com o procurador, acrescentando: "Trata-se de uma investigação que pretende averiguar o que sucede em torno do mundo do futebol e, por isso, não falámos apenas da Juventus, mas também de todas as equipas por onde passei...

"Como se não bastasse, o médio Davids viria também a acusar positivo num controlo anti-doping em 2001, apresentando níveis de nandrolona acima dos valores normais..." – S).

            20. No referido artigo não é explicado o que é a creatina – T).

            21. Nos dois últimos parágrafos da página 32, encontra-se destacada uma parte de texto, sob o título "PRIMEIROS SINAIS", com caracteres mais salientes, onde se evidenciam, duplicando-os, os seguintes dizeres, já constantes do restante texto: "Em Agosto de 1998, AA admitiu ao juiz ser prática corrente dos jogadores da "Juve" recorrer à creatina. "Creio que o uso é normal e regular", disse o ex-atleta." – U).

            22. Na página 33, o artigo convoca alegadas declarações de D... P...: "os jogadores não sabiam? Quem acredita nisso? Não me digam que as culpas são de um médico louco. A Juventus cometeu uma fraude e ganhou com ela: em fama, dinheiro e publicidade" - V) e de

            23. M... P...: "Se é verdade, se havia doping, então os jogadores sabiam. Como é possível que não soubessem?" – X).

            24. Na mesma página 33, e sob a fotografia do autor com a camisola da Juventus, surge o comentário/legenda: "AA admitiu ter tomado creatina." – Z).

            25. Bem por cima desta legenda, e, ao lado da fotografia do autor, consta o seguinte: "Sendo inegável que os clubes jogam no limite na administração de substâncias que potenciam o aumento da massa muscular, as averiguações que se seguirão aos atletas poderão continuar a puxar o novelo do escândalo. Mais cabeças rolarão..." – AA).

            26. O autor foi contatado por pessoa com ligação ao jornal «Record», no sentido de se pronunciar acerca do tema do escândalo de «doping» na Juventus – BB).

            27. Depois de ter conhecimento do artigo, após a publicação do mesmo, o autor exerceu o direito de resposta, através da carta que foi publicada, na edição n° 9.505 da revista, com chamada de primeira página, conforme consta do doc. n° 3, junto com a petição inicial – CC).

            28. No final do texto dessa carta, o réu CC publicou a "nota do editor" que consta do mesmo documento – DD).

            29. A creatina não é «doping», nem ilegal e nunca assim foi considerada - 1°.

            30. No contato, referido na alínea BB), o autor informou que não queria voltar a pronunciar-se sobre o assunto - 2°.

            31. O autor não foi informado sobre o conteúdo concreto da notícia e sobre a forma como surgiria mencionado o seu nome e exibidas as suas fotos - 3°.

            32. O autor, até à data da sua publicação, desconhecia, por completo, o teor do texto e imagens publicados no artigo - 4°.

            33. O autor nunca acusou positivo nos numerosos controlos anti-doping a que foi submetido ao longo dos anos, na Juventus, na Selecção Nacional e em todos os clubes onde jogou - 6°.

            34. O autor era bastante cauteloso com os alimentos e bebidas que ingeria e com a medicação, para evitar incorrer, inadvertidamente, em qualquer controlo positivo - 7°.

            35. A notícia iniciava-se com a menção da condenação do médico da Juventus, por administração de substâncias dopantes, na sequência de um processo crime em cujo inquérito o autor chegou a ser ouvido, uma vez, e onde o seu nome nunca mais foi referido - 8°.

            36. Sem prejuízo do que consta da alínea P), o artigo contem um total de cinco fotografias, nenhuma delas focando, individualmente, qualquer outro jogador de futebol, nomeadamente, da Juventus - 11°.

            37. Na altura da notícia, o autor estava ligado, profissionalmente, à Federação Portuguesa de Futebol, esclarecendo-se que um outro jogador português jogou na Juventus, a seguir ao autor - 12°.

            38. Em Portugal, a imagem do autor vende mais do que a dos restantes atletas que com ele jogaram na Juventus - 13°.

            39. No primeiro semestre de 2005, o Jornal «Record» vendeu uma média de 85.103 exemplares - 15°.

            40. Tendo sido lido por mais de 725.000 pessoas, em Março de 2005, esclarecendo-se que não se provou se a revista tem a mesma quantidade de leitores ou um pouco inferior - 16°.

            41. O Jornal «Record», em si, é uma publicação periódica que reclama a liderança da imprensa desportiva, é publicado em suporte de papel (jornal) e, igualmente, em suporte electrónico - Record on line – sendo que este meio faz com que, potencialmente, possa chegar a um universo quase global de leitores - 17°.

42. Na altura da publicação da notícia, o autor já tinha concluído as negociações com vista à celebração de um contrato com uma empresa, que iria utilizar a sua imagem, voz e presença, em actos ou campanhas de publicidade promovidos pela mesma - 18°.

43. Essa empresa, invocando a publicação da notícia em causa e a repercussão negativa que a mesma teria na imagem do autor, que, na sua opinião, constituíam uma alteração dos pressupostos em que assentaria o contrato, comunicou ao autor que não iria concretizar a sua celebração - 19°.

44. O contrato seria celebrado pelo período de um ano, com início no dia 1 de Maio de 2005, e seria, automaticamente, renovável, por períodos de seis meses, salvo denúncia escrita de qualquer das partes, e previa que o autor auferiria, pelo menos, o valor mensal de €5.000,00, sendo certo que a sociedade “Página Central”, a partir de 1 de Maio de 2003, tinha deixado de pagar os custos da publicação de anúncios publicitários, no Jornal “Diário de Notícias”, nos valores mencionados a fls. 868 a 870, o que motivou a propositura da acção judicial de fls. 866 e segs., que a mesma sociedade não contestou, tendo sido declarada a sua insolvência, por sentença que consta de fls. 912 e segs. - 20°.

46. O autor continuou ligado à FPF, sobretudo às camadas jovens, tendo sido treinador da selecção nacional de futebol de sub-16 anos, faz comentário desportivo regular na televisão e colabora em jornais - 21°.

47. Pessoas conhecidas do autor chegaram a meter-se com ele, fazendo referências à notícia - 23°.

48. A notícia deixou o autor abalado, triste e revoltado - 25°.

49. Sofrimento que, também, resultou do receio sobre os efeitos negativos que a notícia poderia ter no prestígio de que o autor gozava no meio desportivo, devido ao seu trajecto profissional, e por as pessoas poderem pensar que ele andara metido no «doping» - 26°.

                                                        *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão da pronúncia indevida sobre o elemento culpa, por falta de factos articulados para o preencher.

II – A questão da violação do princípio do dispositivo, por falta de alegação de factos donde possa retirar-se, até por presunção, a responsabilidade objectiva do diretor.

III – A questão da possibilidade da condenação da sociedade detentora do título, em caso de se não fazer prova do conhecimento prévio ou da falta de oposição do director.

IV – A questão da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por danos não patrimoniais [gravidade dos danos e nexo de causalidade].

V – A questão do ónus da prova dos factos destinados a demonstrar a falta de capacidade financeira de terceiro que contratou com o lesado.

                           I. DO SUPORTE FACTUAL DA CULPA

I. 1. Dizem os réus que o acórdão recorrido se pronunciou, indevidamente, sobre o elemento culpa, em virtude de a petição inicial não conter quaisquer factos a esse respeito.

A culpa, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, consagrado pelo artigo 483º, nº 1, do Código Civil (CC), condição da imputação do facto ao lesante, constitui a regra geral na matéria, exprimindo um “juízo de reprovabilidade da conduta do agente”, que devia e podia ter-se comportado de outro modo, verificando-se, no que a esta questão interessa, quando o agente quer afirmar ou difundir um facto, susceptível de prejudicar o crédito ou o bom-nome de alguém, pouco importando que soubesse ou não que, em consequência disso, v. g., o lesado perdera um negócio vantajoso, desde que conhecesse ou não devesse ignorar a ilicitude ou o carácter danoso desse facto[2].

A este propósito, o autor, na petição inicial, alegou, nomeadamente, que “tais imputação e juízo não revelaram sequer a frontalidade de serem exteriorizados de modo inequívoco, mas antes na perversa forma da suspeita e da inconclusão” (69º), “como muito bem sabiam e têm a obrigação de saber, aos réus, para terem cumprido cabalmente a sua tarefa de informar, manifestamente não era necessário terem recorrido a fotografias do autor, sendo que não tiveram pejo em publicar logo três, uma delas capa de revista” (80º), “necessário é concluir que, de entre vários meios eficazes a noticiar a questão do doping da Juventus, os réus escolheram precisa e injustificadamente o que resultava mais gravoso para o autor” (81º), “ora, nada disso tendo feito, e uma vez que mesmo assim se não coibiram de publicar o artigo; então, ao publicá-lo, os réus podiam, deviam e tinham que o fazer sem a inclusão de fotografias do autor” (85º), “em resumo: os réus tinham a obrigação de concluir que aquele artigo era, sem qualquer interesse legalmente relevante que o justificasse, extremamente danoso para o autor” (88º), “e foi a consciência desse facto que levou os réus a promoverem o nome e a imagem do autor da forma como o fizeram no artigo aqui em causa” (90º), “em contra-mão, chocando frontalmente com as suas leges artis e ao arrepio dos valores pelos quais devem pautar a sua conduta, os réus, in casu, não informaram, deformaram. Desinformaram. Difamaram” (97º), “o artigo publicado mais não faz do que uma insidiosa e covarde…imputação de um facto grave ao autor: jogar dopado” (109º), “por tudo o que já vai dito, os réus, ao terem publicado o artigo aqui em causa, agiram com dolo necessário, pois não podiam deixar de conhecer a natureza melindrosa e difamatória de tal peça” (130º), “aliás, atendendo ao espírito da lei ínsito no artigo 484º do Código Civil – que trata de forma especial a anti-juricidade encerrada na divulgação de factos capazes de prejudicar o bom nome de qualquer pessoa – simples se torna concluir que, no mínimo, sempre os réus teriam actuado com dolo eventual” (131º), “ora, o artigo jornalístico em causa nos autos, mostrou-se e mostra-se revelador de uma conduta desajustada ao comportamento que qualquer pessoa normalmente diligente adoptaria, tornando-se, dessa forma, censurável e culposa” (134º), e “óbvio é pois constatar de que os réus agiram culposamente, o que já resultava seguro da invocação do dolo que o autor supra lhes assacou” (135º).

Nesta sequência factual acabada de descrever, o acórdão recorrido concluiu pela existência do elemento culpa, que se mostra sustentado na factualidade que ficou demonstrada, ou seja, a publicação, na capa da edição n° 9491, de 26 de Março de 2005, da revista “Dez”, com o título "Juventus: escândalo de doping", na respectiva parte inferior e sobre a fotografia do autor, de um artigo, em que esta figurava, exactamente, sob a palavra «doping».

No interior da aludida revista, que faz parte integrante do jornal “Record”, publicação desportiva diária, consubstanciando o correspondente artigo, suege um texto, encimado agora pelo título "Factura Por Cobrar", contendo uma enorme imagem do logotipo da Juventus de Turim, trespassado por uma grande seringa, que se sobrepõe, parcialmente, a uma fotografia alusiva às comemorações dos atletas e restante «staff» daquela equipa, após a vitória na final da Liga dos Campeões de 1995/96, da qual consta o autor.

Neste artigo, refere-se que a "eritropoíetina", ou EPO, é uma hormona sintética com capacidade para estimular a produção de glóbulos vermelhos, mas não é explicado o que é a creatina, que não é «doping», nem ilegal e nunca assim foi considerada, salientando embora o artigo, agora sob o título "PRIMEIROS SINAIS", que "em Agosto de 1998, AA admitiu ao juiz ser prática corrente dos jogadores da «Juve» recorrer à creatina”.

Por outro lado, sob a fotografia do autor com a camisola da Juventus, surge um comentário/legenda, segundo o qual "AA admitiu ter tomado creatina” e, bem por cima desta legenda, ao lado da fotografia do autor, consta que "sendo inegável que os clubes jogam no limite na administração de substâncias que potenciam o aumento da massa muscular, as averiguações que se seguirão aos atletas poderão continuar a puxar o novelo do escândalo. Mais cabeças rolarão..." .

Com efeito, o artigo contém um total de cinco fotografias, nenhuma delas focando, individualmente, qualquer outro jogador de futebol, nomeadamente da Juventus, com exceção da pessoa do autor.

            Encontra-se, assim, suficientemente, demonstrada a presença da culpa imputável à conduta dos réus recorrentes, como elemento indeclinável da responsabilidade civil.

                      II. DA BASE FACTUAL DA RESPONSABILIDADE DO DIRECTOR

           

Entendem ainda os réus recorrentes que não se pode concluir, nem sequer em sede de presunção, que a publicação foi feita "com conhecimento prévio e sem oposição do Diretor".

Dispõe, a este propósito, o artigo 29º, da Lei da Imprensa, aprovada pela Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, no seu nº 1, que “na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais”.

Ora, os princípios gerais, em matéria de responsabilidade civil, acham-se condensados no artigo 483º, nº 1 e seguintes, do CC, estabelecendo aquele os respectivos pressupostos, ou seja, a ilicitude, a culpa, o nexo de imputação, o nexo de causalidade e os danos.
No âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito, há que precisar a definição legal dos sujeitos activos, para se chegar não só à caracterização do seu comportamento como ilícito, como ainda à definição, em concreto, da consciência da comissão do facto considerado como ilícito.
Por seu turno, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, em que se move a causa de pedir da acção, compete, em princípio, ao lesado o ónus da prova da culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, nos termos do disposto pelos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, do CC.
E constituindo a culpa um elemento integrante do direito à indemnização, recai o respectivo dever de indemnizar sobre o agente que praticou o facto lesivo, sendo, portanto, desde logo, os jornalistas responsáveis pelo teor dos escritos publicados pela imprensa.
Por seu turno, o artigo 29º, nº 2, da Lei da Imprensa, dispõe que “no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado”.
Porém, a lei prevê excepções à regra geral de que é ao lesado, na responsabilidade extracontratual, que compete provar a culpa do agente, consagrando situações de presunção de culpa.
Com efeito, compete ao diretor, nomeadamente, nos termos do estipulado pelo artigo 20º, nº 1, a), da Lei da Imprensa, “orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação”.
Esta competência, entre outras, que a lei comete ao director significa que lhe impõe um dever especial de conhecimento antecipado das matérias a publicar e que hão-de constituir o conteúdo do periódico, que lhe importa determinar como um dever funcional, em ordem a obstar à publicação daquelas que possam integrar um tipo legal de crime ou constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil[3].
Sobre o réu DD, diretor da publicação, impendiam, então, os aludidos deveres especiais de conhecimento das matérias a publicar e do eventual impedimento da divulgação daquelas que fossem susceptíveis de determinar responsabilidade.

Impondo-se ao diretor da publicação o dever, de acordo com as competências definidas por lei, de conhecer e decidir, antecipadamente, sobre a determinação do seu conteúdo[4], em ordem a impedir a divulgação de escritos ou imagens susceptíveis de constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, a imputação ao diretor da publicação do conteúdo que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento, integra uma presunção legal, em que a lei considera certo um facto, quando se não faça prova em contrário.

E esta presunção legal dispensa ao autor-lesado o ónus da prova do facto, ou seja, o conhecimento, a aceitação e a imputação da publicação, a que a presunção conduz, isto é, a demonstração da culpa do lesante, admitindo-se, porém, que o onerado a ilida, mediante prova em contrário, dada a sua natureza de presunção «tantum iuris», nos termos do estipulado pelo artigo 350°, nºs 1 e 2, do CC.
Ora, tendo o autor invocado os factos constitutivos do ilícito, isto é, no caso concreto, a publicação do «escrito» e a qualidade de diretor do réu DD, o qual, por seu turno, não alegou e provou que ignorava, de forma não culposa, o teor do escrito causador da lesão ou que este foi publicado sem o seu conhecimento ou com a sua oposição, não ilidiu, consequentemente, a base da presunção[5], tornando-se, assim, civilmente, responsável pelos danos causados[6].
A presunção legal de conhecimento do diretor da publicação pelos conteúdos jornalísticos publicados, responsabilizo-o pelos mesmos, sem que ao lesado caiba demonstrar que aquele soube, antecipadamente, das notícias e a elas se não opôs.


III. DA CONDENAÇÃO DO PROPRIETÁRIO DO TÍTULO INDEPENDENTEMENTE DA PROVA DO CONHECIMENTO PREVIO OU DA FALTA DE OPOSIÇÃO DO DIRETOR

            Sustentam ainda os réus que a responsabilidade da sociedade detentora do título, apenas opera quando o diretor tenha conhecimento prévio do artigo e não se haja oposto à sua publicação, sendo certo que não foram alegados factos constitutivos dos quais depende a responsabilidade civil daquela.

            Como acabou de se dizer em II, «supra», não tendo o réu DD, diretor da publicação, ilidido a presunção legal que sobre si recaía, ou seja, não provando que ignorava, de forma não culposa, o teor do escrito causador da lesão ou que este foi publicado sem o seu conhecimento ou com a sua oposição, e demonstrando-se os factos constitutivos da ilicitude, a ré “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA”, detentora do título, tornou-se, civilmente, responsável pelos danos casados, atento o estipulado pelo artigo 29º, nº 2, da Lei da Imprensa.

            Por outro lado, o normativo legal do artigo 29º, nº 2, da Lei da Imprensa, já transcrito, não determina como condição da efectivação da responsabilidade da proprietária da publicação, que o diretor da mesma seja demandado, conjuntamente com aquela, previsão que, aliás, pouco sentido faria, tratando-se, «in casu», de uma obrigação de natureza solidária, cujo cumprimento pode ser exigido, na totalidade, quer ao autor do escrito, quer à proprietária da revista, atento o preceituado pelo artigo 512º, nº 1, do CC, inexistindo, na hipótese em apreço, uma situação de litisconsórcio necessário passivo, relativamente ao director da publicação, independentemente de se ter provado que o escrito tinha sido publicado com o conhecimento e sem a oposição do diretor da empresa.

            Está, assim, consagrado, em matéria de responsabilidade civil, no âmbito da comunicação social, um regime de solidariedade passiva das empresas jornalísticas com o autor da publicação, mas não de litisconsórcio necessário, relativamente ao director da publicação.
          

IV. DOS DANOS E DO NEXO DE CAUSALIDADE COMO PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

            IV. 1. Alegam, igualmente, os réus recorrentes que a indemnização só é de atribuir aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se não verifica, no caso concreto, sendo certo, outrossim, que inexiste um verdadeiro nexo causal entre o dano alegado e a publicação do referido artigo.

            O dano não patrimonial, tradicionalmente, designado por dano moral, é aquele que tem por objecto a face subjectiva da pessoa humana, representando a ofensa objectiva de bens que, em regra, têm “um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral”[7], independentemente do apuramento que se faça da sua eventual incidência patrimonial para ser considerado passível de indemnização.

            A satisfação pelos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, pretendendo, tão-só, atribuir ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de equivalente[8].

            Com efeito, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo certo que o respectivo montante será estabelecido, equitativamente, pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, que, na hipótese de responsabilidade baseada em mera culpa, aquele montante poderá ser inferior ao que corresponderia ao valor dos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, em conformidade com o preceituado pelos artigos 496º, nºs 1 e 3, e 494º, do CC.

            IV. 2. Revertendo à factualidade que ficou demonstrada, importa reter, neste particular dos danos não patrimoniais, que a notícia deixou o autor abalado, triste e revoltado, pois que pessoas suas conhecidas chegaram a meter-se com ele, fazendo referências à mesma, sendo certo que o sofrimento, também, resultou do receio sobre os efeitos negativos que a notícia poderia ter no prestígio de que gozava no meio desportivo, devido ao seu trajecto profissional, e por as pessoas poderem pensar que ele andara metido no «doping», para além de que, em Portugal, a imagem do autor vende mais do que a dos restantes atletas que com ele jogaram na Juventus.

            Poder-se-á perguntar porque razão não aparece a notícia, de utilidade social notória, dada a relevância pública indiscutível do tema versado, uma vez que respeita a uma questão de «doping», ocorrida no desporto de alta competição, e a uma das grandes equipas da ribalta mundial, como é a Juventus, associada a uma das muitas outras estrelas dessa constelação galatica da ocasião, como sejam, V..., B..., I...i, P..., A... e L..., para não falar já em outros nomes campeões da mesma esquadra, mas antes ao autor AA, que até, segundo o artigo, nada tinha a ver com o sucedido, pois que, na sequência de um processo crime, em cujo inquérito chegou a ser ouvido, o seu nome nunca mais foi referido?!

            Não seria, então, este facto uma razão suplementar para não se apresentar o autor como o rosto da notícia?

            Terá sido apenas por se tratar de um português e a publicação, pelo menos, no seu recorte físico, ter maior expressão em Portugal, face a um critério geográfico de proximidade?

            Ou pelo receio de que sendo V... ou os demais as consequências do facto pudessem ser mais gravosas?

            Não teria sido alcançada a mesma finalidade informativa, pedagógica e profilática se o «rosto» da notícia, em português, fosse uma daqueles outros craques, já referidos, e porque não de nacionalidade italiana, local do cenário dos acontecimentos?

            Por outro lado, tendo o autor admitido haver tomado creatina e confessado ser esta uma situação normal e regular e o seu consumo pratica corrente no plantel da Juventus, e que o próprio consumiu, deveria o artigo ter clarificado a sua natureza de uma substância não ilegal.

            Efectivamente, ficou provado que a creatina não é «doping», nem ilegal e nunca assim foi considerada.

            É que não se pode confundir, ou pior, insinuar a dúvida, junto do público leitor, deixando subentendido o equívoco de que a EPO (eritropoíetina) e a creatina são diversos produtos da mesma substância proibida e ilegal.

            E nem os réus provaram que o universo dos leitores do «Record» e da Revista «Dez» fosse constituído por uma percentagem expressiva de «entendidos» sobre produtos psicotrópicos.

IV. 3. O direito ao bom-nome e reputação consiste, essencialmente, no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social, mediante imputação feita por outrem[9].

A honra, em sentido amplo, inclui, também, o bom-nome e a reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais pelo mesmo adquiridos, no plano moral, intelectual, profissional ou político[10].

Dentro deste conceito alargado de honra, importa distinguir a honra exterior ou objectiva, que consiste na representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, o conjunto de qualidades necessárias a uma pessoa para ser respeitada no meio social[11], a denominada reputação ou bom-nome, da honra interior ou subjectiva, enquanto opinião ou sentimento de uma pessoa sobre o seu próprio valor, a qual, em princípio, está a coberto de qualquer agressão por terceiros[12].

Distinto é o conceito normativo ou social de honra, enquanto bem jurídico relevante e, penalmente, protegido, que se não basta com o mero facto da reputação, exigindo antes como critério determinante a merecida ou fundada pretensão de respeito da pessoa, no contexto das relações de comunicação e interacção social em que é chamada a viver[13].

O sistema jurídico-constitucional português adopta a concepção eclética da honra, que congrega a componente fáctica com a componente normativa ou social[14].

Por outro lado, a tutela civil da honra abrange a globalidade deste bem, não se limitando às áreas específicas da honra cuja ofensa é mais gritante, nem ao sancionamento das condutas dolosas, como acontece no Direito Penal, compreendendo, igualmente, as condutas meramente negligentes, relevando todas as ofensas à honra, quer as que envolvam a formulação de difamações ou outros juízos ofensivos, quer as que levantem meras suspeitas ou interrogações, «de per si» lesivas sobre a honra alheia.

No plano jurídico-legal, a protecção do bom-nome e da reputação é conseguida, através das normas de Direito Civil, mediante a regra de tutela geral da personalidade, constante do artigo 70º, nº 1, do CC, ao preceituar que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”, concretizada na norma relativa à ofensa do crédito ou do bom-nome, que integra o artigo 484º, do mesmo diploma legal.

Um dos factos antijurídicos típicos que constitui pressuposto da responsabilidade civil consiste na ofensa do crédito ou do bom-nome, que o artigo 484º, do CC, prevê, ao estatuir que a imputação ofensiva recai sobre “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva”, e pune com a responsabilidade “pelos danos causados”.

A afectação da consideração pessoal do autor, junto das pessoas suas conhecidas, no meio desportivo e do público em geral constituem danos relevantes que, pela sua gravidade, aferida por um padrão objectivo, ainda que a sua apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas, merecem a tutela do direito, porquanto afectam a dignidade da personalidade moral do visado.

E a insinuação hábil constante dos títulos do artigo e do respectivo conteúdo de que o autor estaria envolvido num «escândalo de doping», deixaram-no abalado, triste e revoltado, sofrendo com o receio dos efeitos negativos que a notícia poderia ter no prestígio de que gozava no meio desportivo, devido ao seu trajecto profissional, e por as pessoas poderem pensar que ele andara metido no «doping».

E a gravidade do dano depende, por um lado, da intensidade das afirmações feitas e da divulgação que lhes foi dada, e, por outro, da personalidade e funções do visado, assumindo particular acuidade no caso de alguém que foi futebolista de eleição e exercia, na ocasião, funções de responsabilidade na Federação Portuguesa de Futebol.

Aliás, demonstrando-se a existência de um evento que, normalmente e por si só, significa um dano que, objectivamente, ofende o bem imaterial do crédito e da reputação, poderiam as instâncias, através da prova por presunções judiciais, naturais, de facto ou da experiência, ter considerado a sua verificação[15].

Deste modo, demonstrou-se o pressuposto do dano, elemento fundamental da responsabilidade civil extracontratual, que o acórdão recorrido, equitativamente, fixou em €15000,00, e cujo montante os réus e o autor não impugnam., nem, obviamente, nesta sede de recurso de revista, se quantificará.

IV. 4. Outro dos pressupostos que condicionam, no caso da responsabilidade civil por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante, consiste no nexo de causalidade entre o facto e o dano, pois que só quanto aos “danos resultantes da violação”, a lei impõe a obrigação de indemnização.

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado, provavelmente, não teria sofrido se não fosse a lesão, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, na sua vertente negativa, consagrada pelo artigo 563º, do CC, segundo a qual um facto é causal de um dano quando é um de entre as várias condições sem as quais aquele se não teria produzido.

É que nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito estão incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os que resultam do facto constitutivo da responsabilidade, na medida em que se exige entre o facto e o dano indemnizável um nexo mais apertado do que a simples sucessão cronológica[16].

Para que possa reclamar-se o ressarcimento de certo dano, é necessário, mas não suficiente, que o acto seja condição dele, porquanto se exige, igualmente, que o mesmo, provavelmente, não teria acontecido se não fosse a lesão, o que reconduz a questão da causalidade a uma questão de probabilidade, sendo, então, causa adequada aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável[17], e não aquela que, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para o produzir, mas que só aconteceu devido a uma circunstância extraordinária[18].

Trata-se da exigência legal de que entre a afirmação ou divulgação do facto lesivo e a lesão do crédito ou do bom-nome de outrem exista um nexo de causalidade adequada, em conformidade com o disposto pelo artigo 563º, do CC.

Revertendo ao caso em análise, importa reter que tendo sido a mencionada notícia que deixou o autor abalado, triste e revoltado, pois que pessoas suas conhecidas chegaram a meter-se com ele, fazendo referências à mesma, sofrimento que, também, resultou do receio sobre os efeitos negativos que a mesma poderia ter no prestígio de que o autor gozava no meio desportivo, devido ao seu trajecto profissional, e por as pessoas poderem pensar que ele andara metido no «doping», sendo certo que, em Portugal, a imagem do autor vende mais do que a dos restantes atletas que com ele jogaram na Juventus, é inquestionável que a aludida publicação, à luz da teoria da causalidade adequada, pode e deve ser considerada, em abstracto, causa idónea ou adequada dos danos verificados.

V. DO ÓNUS DA PROVA DOS FACTOS ATINENTES À CAPACIDADE FINANCEIRA DE TERCEIRO QUE CONTRATOU COM O LESADO

Defende, por seu turno, o autor que, na procedência da sua revista, devem os réus ser condenados a pagar-lhe a quantia de €60.000,00, bem como os juros vencidos e vincendos, a título de indemnização por danos patrimoniais, em virtude da rescisão de um contrato celebrado com terceiro, em resultado da notícia, fazendo-se o correcto uso das regras legais atinentes ao ónus da prova.

Na contestação-defesa, por impugnação, na modalidade de negação indirecta ou motivada, ainda que o réu aceite parte dos factos alegados pelo autor, procede à negação da realidade do facto constitutivo da acção como um todo, porquanto o facto jurídico ocorrido foi um facto diverso e com diferentes consequências jurídicas[19].

Por seu turno, na contestação-defesa, por exceção peremtória, o réu invoca factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico visado pelo autor, com a consequente absolvição total ou parcial do pedido formulado por este, atento o disposto pelos artigos 482º,nº 2 e 493º, nº 3, do CPC.

Na defesa, por excepção peremptória, englobam-se, nomeadamente, como já se disse, os factos impeditivos, que são aqueles que podem conduzir a que o direito do autor que deveria ter nascido, efectivamente, não nasceu, não se negando o facto constitutivo, mas alegando-se outros que infirmam os seus efeitos, no próprio acto do seu nascimento[20].

Mas, por vezes, não tendo o réu deduzido, na contestação, a correspondente excepção, invocando o efeito impeditivo, modificativo ou extintivo dos factos constitutivos apresentados pelo autor, na petição inicial, alegando-o «ex novo», posteriormente, tal não importa que esta defesa tenha de ser qualificada como excepção, podendo antes tratar-se de negação indirecta dos factos deduzidos pelo autor como constitutivos do seu direito[21].

E se os factos integradores da excepção devem ser alegados pelo réu, já os factos que compõem a negação motivada, pertencendo aos factos constitutivos do direito, devem ser alegados pelo autor[22].

Ora, constando da base instrutória, no que a esta matéria concerne, se “logo após a publicação do artigo o autor viu-lhe ser rescindido, por uma empresa em expansão no mercado, um contrato que com esta tinha celebrado para ser o seu rosto na publicitação da actividade profissional daquela?” [18º], “ a referida sociedade, invocando a publicação daquele artigo e a inevitável repercussão do mesmo na imagem e bom nome do autor, resolveu o referido contrato, alegando expressamente a alteração dos pressupostos com base nos quais decidira anteriormente contratar o autor?” [19°] e “em função de tal resolução contratual, em exclusivo motivada pela publicação do artigo dos réus, o autor deixou de auferir, no mínimo, 12 remunerações mensais de €5000 cada?” [20°], as respectivas respostas afastaram a “resolução do contrato”, apenas consagrando a existência de negociações com vista à celebração de um contrato entre o autor e uma terceira entidade, pelo período de um ano, com a remuneração mensal de €5000,00, que a mesma entidade, invocando a alteração das circunstâncias, decidiu não concretizar, não aderindo à tese do autor, segundo a qual essa hipotética resolução foi, em exclusivo, motivada pela publicação do artigo dos réus, em consequência da qual o autor deixou de auferir, no mínimo, doze remunerações mensais, no valor individual de €5000,00.

Efectivamente, ficou demonstrado, neste particular, que, na altura da publicação da notícia, o autor já tinha concluído as negociações com vista à celebração de um contrato com a sociedade “Página Central”, que iria utilizar a sua imagem, voz e presença, em actos ou campanhas de publicidade promovidos pela mesma, sendo o contrato celebrado, pelo período de um ano, com início no dia 1 de Maio de 2005, automaticamente, renovável, por períodos de seis meses, salvo denúncia escrita de qualquer das partes, auferindo o autor, pelo menos, o valor mensal de €5.000,00.

Porém, esta empresa, invocando a publicação da notícia em causa e a repercussão negativa que a mesma teria na imagem do autor, que, na sua opinião, constituíam uma alteração dos pressupostos em que assentava o contrato, comunicou-lhe que não iria concretizar a sua celebração, não obstante a referida entidade, a partir de 1 de Maio de 2003, ter deixado de pagar os custos da publicação de anúncios publicitários, no Jornal “Diário de Notícias”, o que motivou a propositura de uma acção judicial, em 14 de Novembro de 2005, na sequência da qual foi declarada a sua insolvência, por sentença datada de 1 de Outubro de 2008.

Na verdade, muito embora os réus, na contestação, não tenham invocado a insolvência da “Página Central”, como circunstância obstativa do cumprimento do contrato que o autor celebrou com a mesma, em 1 de Maio de 2005, mas apenas com a junção de documentos que efectuaram antes da audiência de discussão e julgamento, não se tratando de defesa por excepção, mas antes de factos que compõem a negação motivada, era ao autor que competia a prova dos mesmos, como factos constitutivos do seu alegado direito à indemnização, e não aos réus.

E não tendo o autor efectuado a prova dos fundamentos da sua pretensão, improcedem as conclusões da sua revista no sentido da obtenção de uma indemnização pelos danos patrimoniais reclamados.

CONCLUSÕES:

I – Impondo-se ao diretor da publicação o dever especial de conhecer e decidir, antecipadamente, sobre a determinação do seu conteúdo, em ordem a impedir a divulgação de escritos ou imagens susceptíveis de constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, a imputação ao mesmo do conteúdo que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento integra uma presunção legal.

II – Trata-se de uma presunção legal que dispensa o lesado do ónus da prova do facto a que a presunção conduz, isto é, a demonstração da culpa do agente, admitindo-se, porém, que o onerado a ilida, mediante prova em contrário, dada a sua natureza de presunção «tantum iuris».

III - Tendo o lesado invocado os factos constitutivos do ilícito, isto é, no caso concreto, a publicação do «escrito» e a qualidade de director do agente, o qual, por seu turno, não alegou e provou que ignorava, de forma não culposa, o teor do escrito causador da lesão ou que este foi publicado sem o seu conhecimento ou com a sua oposição, não ilidiu, consequentemente, a base da presunção, tornando-se, assim, civilmente, responsável pelos danos causados.

IV – Em matéria de responsabilidade civil, no âmbito da comunicação social, está consagrado um regime de solidariedade passiva dos titulares das empresas jornalísticas com o autor da publicação, mas não de litisconsórcio necessário, relativamente ao director da publicação.

V - A gravidade do dano não patrimonial depende, por um lado, da intensidade das afirmações feitas e da divulgação que lhes foi dada, e, por outro, da personalidade e funções do visado, assumindo particular acuidade no caso de alguém que foi futebolista de eleição e exercia, na ocasião, funções de responsabilidade na Federação Portuguesa de Futebol.

VI - De acordo com a doutrina da causalidade adequada, na sua vertente negativa, um facto é causal de um dano quando é um de entre várias condições sem as quais aquele se não teria produzido, exigindo-se entre o facto e o dano indemnizável um nexo mais apertado do que a simples sucessão cronológica, de modo que nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito estão incluídos na responsabilidade do agente.

VII - Muito embora os réus, na contestação, não tenham invocado a insolvência de terceiro como circunstância obstativa do cumprimento do contrato que o lesado celebrou com o mesmo, mas apenas com a junção de documentos que efectuaram antes da audiência de discussão e julgamento, não se tratando de defesa por excepção, mas antes de factos que compõem a negação motivada, era ao autor que competia a prova dos mesmos, como factos constitutivos do seu alegado direito à indemnização, e não aos réus.

DECISÃO[23]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar as revistas dos réus e do autor e, em consequência, confirmam, inteiramente, o douto acórdão recorrido.

                                                     *

Custas da revista, a cargo do autor e dos réus, na proporção do vencimento.

                                                    *

Notifique.

Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

____________________________


[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 388 e nota (432); Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 345 e 346; Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, 1990, 308 e 309.
[3] STJ, de 20-6-90, BMJ nº 398, 304; TC, Acórdão nº 270/87, de 10-7-87, BMJ nº 369, 250; José Valentim Peixe e Paulo Fernandes, A Lei de Imprensa, 1997, 201.
[4] TC nº 270/87, BMJ nº 369, 250; STJ, de 14-5-2002, Pº 02A267, www.dgsi.pt
[5] STJ, de 10-07-2008, Pº nº 08P1410; STJ, de 14-05-2002, Pº 02A267, www.dgsi.pt
[6] Em sentido diverso do que constitui a jurisprudência maioritária deste STJ, defendendo que, de acordo com o disposto pelo artigo 29º, nº 2, da Lei de Imprensa, os responsáveis são, para além do autor do escrito ou imagem, a empresa jornalística e não o diretor do periódico, mesmo que se prove que teve conhecimento prévio da publicação, encontra-se o acórdão do STJ, de 17-12-2009, Pº nº 4822/06.0TVLSB, www.dgsi.pt, e J. M. Coutinho Ribeiro, A Nova Lei de Imprensa Anotada, face ao Novo Código Penal, Coimbra Editora, 1995, 47, nota (2).

[7] Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 378.
[8] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 427 e 428.
[9] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª edição, revista, 2007, 464 e 466.
[10] Orlando de Carvalho, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1970, 65; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, I, 2ª reimpressão, 194 e nota (2).
[11] Beleza dos Santos, RLJ, 92º, 165; Figueiredo Dias, Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português, RLJ, Ano 115º, 105.
[12] Laurentino Silva Araújo, Crimes Contra a Honra, 90 a 92.
[13] Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma Perspectiva Jurídico-Criminal, Coimbra Editora, 1996, 81.
[14] Mara Paula Gouveia Andrade, Da Ofensa do Crédito e do Bom-Nome, Contributo para o Estudo do Artigo 484º do Código Civil, Tempus Editores, 1996, 32, nota (64).
[15] Vaz Serra, RLJ, Ano 108º, 315 e ss.; e RLJ, Ano 105º, 44.
[16] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 429 e 641.
[17] Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 409.
[18] Vaz Serra, Obrigação de Indemnização, BMJ nº 84, nº 5, 29.
[19] Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 344 e 348; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela e a actualização de Herculano Esteves, 1976, 126 e 127.
[20] Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 347 e 348; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela e a actualização de Herculano Esteves, 1976, 129 e 130.
[21] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela e a actualização de Herculano Esteves, 1976, 129 e nota (1).
[22] Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 348 e 349.
[23] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.