Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
323/17.0T8VFR.P2.S1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
FACTOS ESSENCIAIS
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. — A violação dos deveres de esclarecimento e de informação decorrentes dos arts. 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, deve dar-se por verificada desde que a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos tenha sido sugerida pelo intermediário financeiro a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro e que não tinha a intenção de aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, com a informação / explicação de que o reembolso do capital era garantido, ou uma informação equivalente e  sem a explicação do que eram obrigações subordinadas.

II. — Caso o Tribunal da Relação não se tenha pronunciado sobre se o facto alegado pelos Autores de que “nunca teria[m] adquirido as obrigações se soubessem em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo BPN”, deve anular-se o acórdão recorrido, para que a decisão de facto seja ampliada, em ordem a constituir base adequada e suficiente para a decisão de direito (cf. arts. 682.º, n.º 3, e 683.º do Código de Processo Civil).

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. AA, BB e CC instauraram acção declarativa sob a forma de processo comum contra Banco BIC Português, enquanto entidade adquirente do ex-BPN, pedindo:

I. — a título principal, a condenação do Réu a pagar à Autora

a. — a quantia de € 50.000,00 e os juros legais desde a mora até integral pagamento;

b. — a quantia de € 3.000,00, como compensação de danos não patrimoniais;


II. — a título subsidiário,

a. — a declaração de nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os € 50.000,00 que os autores entregaram ao antecessor do réu e que este aplicou em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 ou a declaração de ineficácia em relação aos autores da aplicação que o antecessor do réu tenha feito desses montantes;

b. — a condenação do Réu:

aa. — a restituir aos autores € 50.000,00 dos montantes que entregaram ao antecessor do réu;

bb. — a pagar aos autores € 7.000,00 de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento;

cc. — a pagar aos autores a quantia de € 3.000,00, a título de dano não patrimonial.


2. O Réu Banco BIC Português contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção:

I. — deduziu as excepções dilatórias de incompetência [em razão do território] e de ineptidão da petição inicial, por contradição entre a causa de pedir e o pedido;

II, — deduziu as excepções peremptórias de prescrição e de caducidade.


3. Os Autores responderam à contestação, pugnando pela improcedência das excepções dilatórias e peremptórias invocadas pelo Réu.


4. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho liminar em que julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência [em razão do território] e, depois de ter convidado convidou os Autores a aperfeiçoar a petição inicial, proferiu despacho saneador em que julgou improcedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial.


5. A sentença julgou procedente a excepção peremptória de prescrição, absolvendo o Réu dos pedidos.


6. Inconformados, os Autores AA, BB e CC interpuseram recurso de apelação.


7. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. O Mto. Juiz “a quo”, para a sua decisão de julgar verificada a exceção de prescrição, centra a sua posição no facto de entender que o Banco Réu não prestou informação falsa relativa à garantia e segurança do reembolso do capital investido, e que nem foi omisso no cumprimento do seu dever de informação;

B. Não que tal posição não mereça respeito, pois merece-o todo, a verdade é que os Tribunais Superiores, mormente a Relação do Porto Lisboa, Coimbra, Évora e Guimarães, no que respeita à prescrição em concreto têm considerado que o prazo é de 20 anos, nos termos do artigo 309º do Código Civil;

C. Muito poucas decisões de primeira instância (como é o caso desta), todas as decisões têm de forma esmagadora considerado que não se aplica o disposto no artigo 324º, nº 2 do CVM;

D. A conduta dos funcionários bancários do Banco réu, que atuaram com ordens superiores, induziram os clientes em erro, ou enganaram-nos mesmo e, para além disso, não atuaram de acordo com o princípio da adequabilidade;

E. Não se venha dizer que à data não era previsível que se viesse a verificar a nacionalização do Banco e a consequente insolvência da SLN, uma vez que nunca se pode considerar que no decurso de um prazo de 10 anos – prazo de maturidade do produto, que existe garantia que decorrido o mesmo, a entidade emitente estará ainda em condições de cumprir com as suas obrigações;

F. Esse facto, por si só, impunha que o Banco, através dos seus funcionários colocasse essa questão de forma bem clara e, nunca, por nunca, assumisse a garantia do capital;

G. Ao garantir aos seus clientes que no final do prazo, o capital ser-lhes-ia novamente creditado na sua conta à ordem, assumiu, perante estes, a obrigação de na maturidade creditar o montante aplicado, caso a entidade emitente não o fizesse;

H. Veja-se que, neste caso, o Mto. Juiz “a quo”, até deu como provado o seguinte: ponto 24. “Tendo sido dito ao autor, pelos funcionários do Réu, que a SLN era a empresa mãe do banco e o dinheiro era como se fosse deste”;

I. Daqui resulta obvio que os funcionários do Banco mentiam e o Mto Juiz “a quo”, deu essa mentira como provada e, inexplicavelmente ignorou-a por completo;

J. Resulta evidente que o prazo de prescrição é de vinte anos, ao abrigo do disposto no artigo 309º do C.C.;

K. Dos factos dados como provados e não provados, pode e deve resultar uma diferente aplicação do direito, que conclua pela condenação do Banco Réu, nos montantes peticionados;

L. Apesar do referido na conclusão anterior, deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e como não provada, nos termos seguintes:

Factos provados:

Devem ser eliminados dos factos provados os factos constantes dos pontos 15 e 16.

Alteração aos factos provados:

Deve ser retirado do facto provado 4, o seguinte: “por ordem do autor”.

Factos não provados:

Devem ser eliminados dos factos não provados, os pontos i), ii), iii), iv), v), vi), ix), x), xi), xii), xiii), xiv), xv) e xviii).

Devem acrescer aos factos provados os factos seguintes:

1 - Os não sabiam o que eram obrigações;

2 - Nunca os AA. abriram conta de títulos;

3 - Ninguém explicou aos AA. que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN, era diferente de aplicar dinheiro no BPN;

4 - Era um produto de capital garantido e o Banco BPN era responsável pela garantia do capital;

5 - O autores nunca teria adquirido as obrigações se soubessem em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo BPN.

Para as alterações à matéria de facto devem ser tidos em conta o depoimento da testemunha DD, funcionário do BPN (atualmente do Banco BIC), sendo que aquele foi quem colocou as obrigações aos AA., abaixo transcritos e resultam dos extratos [00:01:24 – 00:02:30], [00:02:58 – 00:12:43] e as declarações de parte do Autor Marido [00:01:43 – 00:05:59], prestados na audiência de julgamento de 23-03-2018; e ainda o depoimento escrito de EE.

M. No que respeita à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil emergente do contrato de intermediação financeira, não se pode concordar com a posição do Mto. Juiz “a quo”, que entende que o réu cumpriu com os seus deveres de informação;

N. Da factualidade dada como provada e como não provada, quer nos termos constantes da douta sentença recorrida, quer com as alterações que se entendem ser de operar por força deste recurso, deve considerar-se que o Banco R. violou as normas legais aplicáveis, no tocante ao dever de informação;

O. Decorre, desde logo, dos pontos 2, 3, 12 e 24, dos factos assentes que o AA. tinham um perfil conservador, estavam convencidos que se tratava de um produto em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido a rentabilidade assegurada; que as orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade e que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos; e que a SLN era a empresa mãe do banco e que o dinheiro era como se fosse deste;

P. Antes de mais e de toda a prova produzida, decorre também, que o produto foi comercializado como sendo de capital garantido, o que é falso; que era equivalente a um depósito a prazo, o que é enganador e falso; que os AA. Não sabiam que estavam a adquirir obrigações; que o R. não lhes explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN, era diferente de aplicar dinheiro no BPN; e que o BPN não tinha nenhuma responsabilidade pelo pagamento deste produto e que não o garantia;

Q. Como instituição de crédito, o R. estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações – nomeadamente estava obrigado a assegurar aos clientes, em todas as atividades que exercia, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência (art.73º do RGICSF);

R. E ainda a proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados, em todas as relações que estabeleciam com os seus clientes (art.74º do RGICSF);

S. A responsabilidade do intermediário financeiro, no caso do Banco, Réu decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM (na redacção que foi oferecida pelo D.L. n.º 486/99, de 13-11);

T. Tendo o Banco réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação, torna-se responsável pelos prejuízos causados aos AA., nos termos do art. 314.º n.º 1 do Código de Valores Mobiliários, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o n.º 2 do citado art. 314.º e que impende sobre o Banco Réu;

U. A responsabilidade a que se reporta o artigo 314.º do C.V.M., qualifica-se como responsabilidade contratual, aplicando-se em consequência o regime do art. 799.º do CC; a culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art. 799.º do CC;

V. Segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição revista a actualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432);

W. Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade» (cf. Menezes Cordeiro, in op. e loc. cit.);

X. O ónus de prova que prestou todas as informações aos AA. de forma esclarecida e fundamentada cabia ao Banco Réu, tendo-se verificado, ao invés, que prestou informações falsas, as quais foram decisivas para convencer os AA. a subscrever o produto em causa;

Y. O que se apurou foi que o Banco assegurou ao cliente que o produto que ele subscreveu não continha riscos, tanto mais que, foi transmitida a informação que o capital seria 100% garantido pelo BPN, e, especialmente, que era como se fosse um depósito a prazo;

Z. Neste particular que o art. 304 nº2 do CVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família constante do art. 487 nº2 do CC ex vi do art. 799 nº2 do C Civil. Cfr. Gonçalo André Castilho dos Santos in a Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o cliente, pag.208 e segs.; o citado autor refere que “o art. 304 nº2 estabelece, com efeito, um padrão de diligentíssimus pater famílias, em que, para efeitos de definição da forma de conduta negligente, estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam”;

AA. Veja-se o Ac. do S.T.J. de 17-03-2016 in www.dgsi.pt., proc. n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1 : “A declaração do Banco, segundo a qual ‘estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco’’, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade;

BB. E o acórdão deste Supremo Tribunal, de 10-01-2013 (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1) (…) segundo o qual ´trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a A. e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do artigo 236.º n.º 1 do C.C., não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a A. traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros´”. E continua-se, no citado Acórdão: “A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor colectivo da segurança jurídica. Neste caso, sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização especifica, que os bancos objectivamente possuem (cfr. Agostinho Cardoso Guedes, A responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil, Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, p. 138 e 139)”;

CC. Nunca foi explicado aos AA. o que eram obrigações e que se tratava de dívida emitida pela SLN;

DD. Não foi fornecida aos AA. informação de que aquele contrato celebrado com o BPN afinal é cumprido por outra empresa totalmente distinta daquele, pela SLN; e que o reembolso do capital cabia à entidade emitente, sendo a solvabilidade desta um factor importante na decisão de subscrição;

EE. Deviam informar os AA. de que, em caso de insolvência da sociedade emitente das obrigações, eles corriam o risco de não serem reembolsados do capital aplicado nas obrigações;

FF. Dizer-se que o produto tem capital garantido quando, na verdade, não tem, não pode ser visto como artifício ou sugestão admissível, tanto mais que a obrigação de informação é essencial e resulta da lei (arts. 253.º, n.º 2, e 485.º, n.º 2, do CC);

GG. E mesmo, a entender-se, o que não se concebe nem concede, que não exista um especial dever de informação, legal ou convencional, a doutrina entende que se a informação é efetivamente dada, mas com inexatidão e grave negligência, e dessa inexatidão resultam prejuízos sérios para quem a solicitou e a recebeu dentro de uma relação de confiança, estando o informante ciente de tal risco, deve haver obrigação de indemnizar por violação de um ‘dever de proteção e cuidado´ (cfr. Baptista Machado, “A Cláusula do Razoável”, RLJ, n.º 120, p. 161-164);

HH. Quando uma pessoa contrata a emissão de obrigações a seu favor, emprestando dinheiro a um Banco, tem de ser claramente informado a quem está a emprestar dinheiro para poder aquilatar da futura capacidade dessa beneficiária em efetuar o reembolso, ao que acresce a circunstância de estarem em causa obrigações subordinadas, a serem pagas depois dos outros credores ainda que antes dos accionistas;

II. O próprio boletim de subscrição teria de informar claramente, o que não sucede podendo até ter-se dúvidas, sobre se por um lado não se dá a entender que será «SLN…» a efetuar o reembolso (se é quem decide se há reembolso antecipado, então será quem tem poder sobre o dinheiro) e, por outro lado, se não será o «BPN…» por ocorrer o crédito em sua conta como acima referido;

JJ. Os Autores não foram devidamente informados do beneficiário da subscrição de obrigações, da identidade do responsável pelo reembolso da quantia que emprestou, das suas características e situação económica ainda que em termos básicos e lineares o que seriam informações essenciais a prestar pelo Banco através dos seus funcionários fazendo com que emprestassem dinheiro sem saber exatamente a quem e ainda quem é que lhe iria reembolsar o valor pensando, legitimamente, que sempre seria o «BPN…» a fazê-lo;

KK. O Banco Réu é responsável pelo pagamento, primeiro porque, através do seu gerente/funcionário, garantiu o reembolso do capital na data do vencimento da aplicação traduzida no investimento em obrigações SLN; segundo, por ter violado os seus deveres para com os AA., enquanto clientes, bem como os deveres de intermediário financeiro, ao omitir informações e ao prestar informações não verdadeiras;

LL. Contrariamente ao decidido, os pressupostos da responsabilidade contratual verificam-se: a ilicitude, por violação do dever de informação e do compromisso de garantia do capital e de juros; a culpa, a qual se presume nos termos do art. 799.º, n.º 1 do CC, e a causalidade, ou seja, o nexo entre o facto e o dano, que a doutrina também considera estar abrangida pela presunção do art. 799.º, n.º 1 do CC (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432);

MM. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores (art. 563.º do CC) também pode ser analisado através da demonstração, que decorre claramente do facto de que, se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, os autores não teriam investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse o retorno integral do capital e dos juros;

NN. O valor do dano é o equivalente ao capital investido – 50.000,00 euros – valor que o Banco assegurou ao cliente que não estava em risco;

OO. Tanto com base na responsabilidade civil pré-contratual que decorre do preceituado no artigo 227.º do C.C., como com base no preceituado no artigo 314.º do CVM, se chega à conclusão de que impende sobre o R. a obrigação de indemnizar os AA. dos danos por eles sofridos;

PP. E sobre o R. impendia também o ónus de prova de que os AA. sempre investiriam no produto em causa, isto é, nas obrigações SLN;

QQ. No caso dos autos, especialmente da matéria de facto alegada na petição inicial, sob os artigos 39º a 43º decorre a existência de um dano não patrimonial que é grave e que, por isso, merece a tutela do direito;

RR. Estes danos são passíveis de ser indemnizados atenta a atuação do banco Réu que foi a causa dos mesmos, reconduzindo-se a situação sub iudice à previsão do nº 1 do art. 496º do CC.;

SS. A douta Sentença recorrida violou, o disposto nos artigos, 607º do CPC; artigos 227º, 236º, 309º, 483º, 496º, 562º, 762º, 798º, 799º, 800º, 805º do Código Civil; 7º, 204º, 290º, 312º e 314º e nº 2 do 342º do CVM, entre outros.


8. O Réu Banco BIC Português contra-alegou, pugnando.


I. — pela não admissão do recurso em matéria de facto e, em todo o caso, pela improcedência da pretensão de alteração da decisão da matéria de facto;

II. — pela improcedência da pretensão de alteração da decisão da matéria de direito.


9. O Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores AA, BB e CC e, em consequência, confirmou a sentença recorrida.


10. Inconformados, os Autores AA, BB e CC interpusram recurso de revista.

A título principal, pediram que a revista fosse admitida ao abrigo do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e, a título subsidiário, pediram que a revista fosse admitida, a título excepcional, ao abrigo das alíneas a) e c) do art. 672.º do Código de Processo Civil.


11. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. […] do acervo factual apurado, resulta de forma evidente que o Banco Réu não atuou de acordo com o princípio da adequabilidade.

2. Tanto assim é que, resultou provado que os funcionários do Banco Réu, disseram ao Autor, que a SLN era a empresa mãe do Banco e que o dinheiro era como se fosse deste, ou seja, do BPN (cfr. ponto 3.2.1.24).

3. Tendo, também resultado provado que o Autor não tem a instrução primária completa, tendo um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo do conhecimento do gerente do Banco Réu. (cfr. ponto 3.2.1.3).

4. Acontece que, a matéria de facto dada como provada no ponto 3.2.1.3. é inconciliável e contraditória com a matéria de facto dada como não provada no ponto 3.2.2.1.

5. Na verdade, sendo o Autor, pessoa com reduzida instrução, e não sabendo o que são obrigações, tal demonstra necessária e inequivocamente a sua incapacidade para compreender a diferença entre um depósito a prazo e uma aplicação que não é um depósito a prazo.

6. Por outro lado, à luz das regras da experiência comum e da razoabilidade, não restam dúvidas que o Banco Réu ao transmitir ao Autor (pessoa com instrução mínima), a mera e vaga informação de que «o dinheiro era como se fosse deste», referindo-se pois ao BPN, e atendendo à confiança que existia entre o Autor e os funcionários do Banco Réu, este ficou plenamente convencido que o BPN garantia o capital investido.

7. Esta expressão, utilizada pelos funcionários do banco Réu, demonstra o engodo com que estes atuavam junto dos seus clientes, e neste caso concreto com o Autor, de mod0 a persuadi-lo a subscrever as aludidas obrigações SLN Rendimento Mais 2004, que o Autor nem sabia o que eram.

8. Tanto mais que, resultou provado que o Banco Réu exigia um especial empenho dos funcionários na colocação destes produtos, sendo orientados no sentido de afirmar a segurança da aplicação financeira, a sua solidez e a boa rentabilidade (cfr. ponto 3.2.1.12).

9. Aliás, o argumentário de venda que existia à data dos factos demonstra claramente a estratégia utilizada pelo Banco Réu para persuadir os clientes na subscrição de obrigações, cuja junção ora se requer, documento este, que é superveniente (superveniência subjetiva), pois só agora chegou ao conhecimento dos Autores, e adveio à sua posse e do seu mandatário, o que impossibilitou a sua apresentação anteriormente ao recurso, mas que se revela imprescindível. Cfr. Argumentário de Venda.

10. Este argumentário de venda, pré-definido pelo Banco Réu, demonstra claramente a ação de persuasão junto dos clientes do BPN, para incutir a ideia de que se tratava de um produto de confiança quando não o era – como se viu.

11. Outrossim, a garantia do capital por parte do Banco Réu, resulta de igual modo, da Nota Interna, junta aos autos, que muito embora tenha sido desvalorizada pelo Tribunal recorrido, prova à saciedade que o Banco Réu transmitia a informação aos seus funcionários, da garantia de 100% do capital investido, em papel timbrado do BPN.

12. Acresce que, ao aditar-se como facto provado que o Autor não sabia o que eram obrigações, forçosamente se tem de concluir que o Banco Réu também lhe não explicou o que eram.

13. Sucede que, no caso dos autos, não estamos perante simples obrigações, mas antes obrigações subordinadas que alteram em muito o quadro em que o investidor se encontra, pois, são obrigações em que o titular da obrigação, em caso de insolvência da emitente, apenas se pode pagar depois de satisfeitos todos os credores comuns (cf. art. 48º CIRE), informações estas relevantes, mas que também não foram transmitidas ao Autor, colocando-o numa situação bem mais desvantajosa, do que um depósito a prazo, situação à qual foi equiparado o investimento, mas com maior rentabilidade (cfr. ponto 3.2.1.2).

14. Acresce que, a própria Nota Informativa ou prospeto com a informação das Obrigações SLN, prevê expressamente esta necessária “Advertência aos Investidores”, muito embora, esta também tenha sido desconsiderada pelo Tribunal recorrido.

15. Na Nota Informativa, o ponto 1 “Advertência aos Investidores”, reforça de forma insofismável que haviam duas características cruciais a serem advertidas aos clientes: a primeira prende-se com a possibilidade de insolvência da sociedade emitente, ou seja, que a SLN só lhes restituiria o capital no final do prazo de 10 anos se chegado esse tempo futuro ela tivesse disponibilidade financeira para proceder à restituição, e a segunda, diz respeito à subordinação dessas obrigações, pois nestas condições, o reembolso do capital, só seria pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados.

16. Estas informações eram necessárias à compreensão e formação da vontade do Autor, no sentido de ter consciência suficiente da natureza e consequência do negócio que estava a realizar e decidir realizá-lo.

17. Ora, no caso dos autos, o Banco Réu não provou ter fornecido a cópia da Nota Informativa ao Autor e muito menos provou ter-lhe dado as explicações que dela constam (ónus que lhe incumbia).

18. Pelo que, se impõe concluir que o Autor foi levado a subscrever obrigações, sem lhe ser dada uma informação minimamente clara e que lhe permitisse formar adequada e responsavelmente a sua vontade contratual.

19. O BPN, na sua relação com o Autor, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN.

20. Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74º do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.

21. Acresce que a responsabilidade do intermediário financeiro, no caso do Banco Réu decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM.

22. É fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos.

23. A informação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, em ordem a viabilizar que o investidor tome uma decisão esclarecida (art.7º, nº1 do CVM).

24. Nesse âmbito o risco envolvido na operação financeira é uma das vertentes que a lei autonomiza expressamente (art. 312º, nº1 a), do CVM), pois que só com ela existirá uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

25. O intermediário financeiro está vinculado aos deveres que decorrem da boa-fé, nomeadamente no que toca à lealdade e transparência (art.304º, nº2 do CVM), e bem assim, a proteger os legítimos interesses dos clientes e da eficiência do mercado (art.304º, nº1 do CVM).

26. A responsabilidade a que se reporta o artigo 314º do CVM, é qualificada como sendo responsabilidade contratual – artigo 799º do CC, sendo certo que, nesta a culpa presume-se.

27. O ónus de prova que prestou todas as informações ao Autor de forma esclarecida e fundamentada cabia ao Banco Réu, por via do disposto nos artigos 304.º-A, n.º 2 do C.V.M. e 344.º, n.º 1 do Código Civil.

28. No entanto, nenhuma prova significativa foi mobilizada ou requerida pelo Banco Réu, a quem lhe incumbia o ónus de prova.

29. O Autor nunca foi informado de que as obrigações que iria subscrever eram dívida emitida pela SLN.

30. Não lhe foi fornecida informação de que aquele contrato celebrado com BPN afinal é cumprido por outra empresa totalmente distinta daquele, pela SLN.

31. Da matéria de facto alegada emerge que o Banco assegurou ao cliente que «o dinheiro era como se fosse deste».

32. No caso dos autos, o banco réu, na qualidade de intermediário financeiro em que aqui operou, não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente entre si e o Autor pelo princípio da boa-fé (cfr. art. 762 nº2 do C. Civil).

33. Acresce que o reembolso do capital cabia à entidade emitente e a solvabilidade desta é um fator importante na decisão de subscrição.

34. O funcionário do BPN tinha o dever de informar o Autor que a insolvência da SLN podia dar lugar à perda total ou parcial do capital investido, o que não aconteceu.

35. Dizer-se que o produto tem capital garantido (na perspetiva de ter afirmado que o dinheiro era como se fosse do BPN), quando, na verdade, não tem, não pode ser visto como artifício ou sugestão admissível, tanto mais que a obrigação de informação é essencial e resulta da lei (arts. 253.º, n.º 2, e 485.º, n.º 2, do CC).

36. Esta declaração, para com o Autor, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais (art.236º do CC), só pode significar que o Banco assume um compromisso perante o Autor, o do reembolso do capital.

37. Assim, o Banco Réu, ao ter avançado para aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação torna-se responsável pelos prejuízos causados aos Autores.

38. Outrossim, com base na responsabilidade civil pré-contratual que decorre do preceituado no artigo 227.º do C.C., conjugado com o preceituado no artigo 314.º do CVM, se chega à conclusão de que impende sobre o Banco Réu a obrigação de indemnizar os Autores do dano por eles sofrido.

39. Esse dano, desde logo, abrangerá o valor do capital investido, isto é, os € 50.000,00, acrescido dos respetivos juros.

40. Houve incumprimento por parte do Banco Réu, na pessoa do seu funcionário, de deveres inerentes à atividade de intermediação financeira, nos termos que resultavam dos arts.7º, 8º, 304º e 312º do CVM, o que basta para sustentar a constituição da obrigação de indemnização correspondente ao reembolso do capital investido.

41. O réu sabia que prestava informação errada ao Autor – garantia do capital – e sabia que essa errada informação era determinante, como foi, da declaração de vontade emitida.

42. A apresentação do produto como produto com garantia do capital pelo BPN, constitui violação do dever de informação.

43. Sendo certo que, o Banco Réu não logrou mostrar ilidida a presunção a que alude o n°2 do art. 314 do CVM que impendia sobre si.

44. Afirmar que «o dinheiro era como se fosse deste» é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.

45. Que não é um produto de risco.

46. Assim, além da ilicitude da conduta do Banco Réu, os Autores demonstraram também a culpa, o nexo de causalidade e o dano.

47. Tem, pois, o Banco Réu a obrigação de indemnizar os Autores pelo valor do capital investido, acrescido de juros à taxa legal desde a data do termo do prazo das obrigações subscritas (arts. 805º nº 3 e 806º do C.C.).

Contudo e subsidiariamente,

a) Da admissibilidade do recurso de revista excecional:

48. No caso de se entender que o recurso de revista não é admissível como supra se defendeu, sempre será admissível o recurso de revista excecional, nos termos do disposto na al. a) do nº1 do artigo 672º do CPC;

49. Estamos perante uma questão jurídica cuja apreciação, pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

50. Tal questão jurídica é a referente à responsabilidade do Banco Réu, perante os Autores, seja aquele intermediário financeiro ou não atue nessa qualidade, sendo apenas quem comercializa o produto financeiro;

51. Nos presentes autos está em causa a responsabilidade do Banco Réu na comercialização de um produto financeiro, tendo assumido perante o cliente que «o dinheiro era como se fosse deste», referindo-se pois ao BPN.

52. Se o banco garantiu através dos seus funcionários, que o capital era garantido pelo BPN, o banco é responsável perante o cliente, seja pela responsabilidade pré-contratual, seja pela contratual civil ou extracontratual, como supra se expôs;

53. Há claramente violação do dever de informação (arts. 483º, 227º e 779º do CC), decorrente da utilização de informação enganosa ou ocultação de informação relevante para a adesão dos clientes, ao produto de risco obrigações SLN;

54. As informações prestadas pelo Banco Réu são inexatas, incompletas e falsas, sendo que foram causais de celebração de um contrato, pelo que terá aquele de ser responsabilizado pelos danos que assim causou, quer pela via contratual quer pela via extracontratual;

55. Sendo que a culpa do Banco Réu presume-se – 799º, nº1 do CC e 314º, nº2 do CVM;

56. O nexo causal encontra-se abrangido pela supra referida presunção e além, os prejuízos dos Autores decorrem claramente da informação enganosa do Réu;

57. A informação enganosa foi exclusivamente determinante para a celebração do contrato;

58. Assim, é manifestamente necessário que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre esta questão de direito, atendendo ao caso dos autos, pois não podem situações como a dos autos repetir-se e colocar em causa a segurança jurídica, sendo um claro abuso de direito a atuação dos bancos quando estão em causa produtos financeiros, devendo os mesmos ser responsabilizados tanto como entidade seja que comercializa o produto como quando agem na qualidade de intermediário financeiro;

59. O acórdão recorrido violou entre outras normas, todas as supra mencionadas nas alegações
e conclusões referentes à responsabilidade pré-contratual, contratual e extracontratual.

Ainda,

60. No caso dos presentes autos, a revista excecional é admissível, nos termos da alínea c-) do nº1 do artigo 672º do CPC.

61. No nosso entender, o Acórdão da Relação do Porto (Acórdão recorrido), está em contradição evidente com vários acórdãos, invocamos aqui apenas um recente, mormente o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo nº 2928/16.7T8GMR.G1, publicado no site: www.dgsi.pt.

62. Ora, perante a fundamentação do Acórdão recorrido, verifica-se que ao Banco Réu não é imputada qualquer responsabilidade, enquanto intermediário financeiro, decorrente da circunstância deste lhe ter prestado informação falsa sobre as características do produto em causa e lhe ter omitido informação sobre o mesmo, mormente quanto ao responsável pelo reembolso, e a solvabilidade de terceiro (risco de insolvência), e de conselhos e recomendações sobre negócios como intermediação, com o propósito concretizado de o induzir em erro quanto às suas características, decidindo que no caso se verificava a prescrição por força do art. 324º, nº2 do CVM, decidindo assim de forma visivelmente oposta e contraditória à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, já transitado em julgado.

63. Sendo a situação relatada nos acórdãos fundamento e no acórdão recorrido, semelhantes, uma vez que em ambos os processos foi dado como provado que os funcionários transmitiam a informação aos clientes de que a aplicação que estavam a subscrever era de capital garantido pelo BPN.

64. Os factos apurados configuram o exercício por banda do banco réu da atividade de intermediação financeira.

65. Sendo diversas as variantes desta atividade, a mesma envolve, além de outras, a “consultoria para investimento em valores mobiliários”- (art. 291º, al. c), do CVM).

66. O produto obrigações SLN foi proposto pelo gerente do Banco equivalente a um depósito a prazo e não tinha risco;

67. Os princípios norteadores da atividade dos intermediários financeiros estão consagrados no art.   304   do CVM, onde, à data dos factos, se estabelecia, além do mais, que: 1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado. 2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente.

68. Também o art. 312 nº1 do CVM, no que concerne à observação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação, é bem explícito quando estatui: ”O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) O custo do serviço a prestar.

69. O que está subjacente a estes deveres informativos é a proteção dos investidores e do mercado – cfr. Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, pág. 85.

70. E decorre do art. 7º do CVM que “a qualidade da informação” deve ser “completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”.

71. Assim, os intermediários financeiros estão sujeitos a elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, devendo orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

72. No mercado dos valores mobiliários a informação surge como fator essencial.

73. Ao invés de informar o Autor do risco inerente à aquisição de obrigações SLN, de que eram obrigações subordinadas; de dar conhecimento a estes da situação financeira da SLN, de que se fosse à insolvência não pagava, informou que se tratava de uma aplicação cujo «dinheiro era como se fosse deste», ou seja, do BPN.

74. Deu o funcionário do Banco Réu informação incompleta e manipulada, ainda que em consonância com as instruções internas da instituição em nome da qual agiu, pois que as instruções superiores do BANCO aos respetivos funcionários, eram no sentido de que não havia risco porque era "uma empresa do banco" e era “equivalente a um depósito a prazo”. Cfr. teor do e-mail junto com a p.i.;

75. Atentas as relações de confiança mútuas estabelecidas entre o Autor e o banco réu, aquele confiou nas informações prestadas por este, de que se tratava de aquisição de um produto com garantia do montante investido, sem risco.

76. O reembolso do capital investido cabe à entidade emitente, sem prejuízo de outras condições ou garantias estabelecidas nas respetivas condições de emissão.

77. A solvabilidade da sociedade emitente é fator importante na decisão de subscrição.

78. Sendo embora insofismável e do conhecimento geral que no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidade bancárias), o certo é que no caso havia risco e esse não era o da insolvência do banco, em quem os Autores confiavam, mas sim da emitente das obrigações.

79. Temos assim por evidente que no caso em apreciação ocorreu uma violação dos deveres de informação a que o Banco Réu estava vinculado na atividade que desenvolveu junto do Autor.

80. Assim, o Autor avançou para uma aplicação financeira num montante considerável em dinheiro (€50.000,00), sem ter sido alertado das características e riscos que o produto em causa encerrava, incorrendo, assim, o banco réu em responsabilidade.

81. Com efeito, sendo o banco réu responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art. 800º, n.º 1, do CC), conclui-se que aquele violou, de forma ostensiva, os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, e que se desenvolveu ao longo dos anos, gerador de uma relação de confiança, quer na qualidade de intermediário financeiro.

82. Atuou, por isso, de forma ilícita.

83. Por outro lado, estatuí o art. 314, nº 2 do CVM (aplicável à data) que: 2 -A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

84. Ora, o Banco Réu não ilidiu esta presunção de culpa, sendo que a falha de informação inicial, atrás descrita, projetou-se negativamente na esfera patrimonial dos Autores, os quais após o vencimento da aplicação não foram reembolsados pela emitente SLN;

85. Por outro lado, o comportamento do banco réu foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação de que o dinheiro era como se fosse do BPN, e na equiparação a um depósito a prazo, mas com remuneração superior, que o Autor deu o seu acordo na aquisição do mencionado produto;

86. Verifica-se, por isso, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o banco Réu está e os danos que os Autores reclamam (cfr. art. 563º do C. Civil).

87. O dano corresponde ao valor do montante investido, e não reembolsado na data do seu vencimento.

88. Assim, salvo melhor entendimento, o tribunal recorrido, Tribunal da Relação do Porto, podia e devia ter apreciado o recurso admitindo a assunção da responsabilidade do Banco Réu, quer pela omissão e falsas informações bancárias prestadas ao cliente, quer pela responsabilidade do intermediário financeiro.

 89. Deste modo, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2 ambos do CPC, a decisão proferida pelo Tribunal “ a quo” deverá ser revogada e substituída por outra que responsabilize o Banco Réu pelos prejuízos causados aos Autores, julgando, em consequência, a ação procedente por provada.

90. A decisão recorrida fez desadequada aplicação do direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que condene o Banco Réu no pedido;

91. O douto Acórdão recorrido, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto dos artigos 590o, 615o, n°i, ai. d) e 672o todos do CPC; artigos 227o, 236o, 483o, 496o, 562o, 762o, 798o, 799o, 800o, 805o do Código Civil; 70, 290o, 204o, 312o, 314o do CVM, entre outros.

Termos em que e nos mais de direito aplicáveis, deve este Supremo Tribunal apreciar a matéria de direito em causa nos autos, devendo ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão sindicando, e condenando o Réu nos termos peticionados;

Ainda e subsidiariamente,

No caso de o recurso de revista não ser admissível, deve o presente recurso ser admitido nos termos do disposto nos artigos 672°, n°i alíneas a) e c) do CPC, como revista excecional, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 674°, n° 3 e 682°, n° 2 ambos do CPC, a decisão proferida pelo Tribunal recorrido deverá ser revogada e substituída por outra que responsabilize o Banco Réu pelos prejuízos causados aos Autores, julgando, em consequência, a ação procedente por provada,

Assim se fazendo, inteira e sã JUSTIÇA!


12. O Réu Banco BIC Português contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


13. Em 28 de Março de 2019, foi proferido despacho de envio dos autos à Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.


14. Em 22 de Maio de 2019, a Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu a revista excepcional.


15. Em 19 de Junho de 2019, foi proferido despacho de suspensão da instância, até ao trânsito em julgado do recurso para uniformização de jurisprudência admitido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.


16. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se a Ré violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação;

II. — se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi condição sine qua non da conclusão do contrato;

III. — se a conclusão do contrato foi causa de danos, no montante correspondente ao valor investido pelos Autores; e

IV. — se a obrigação de indemnização dos Autores prescreveu, por aplicação do do art. 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


     OS FACTOS


17. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

3.2.1.1 O autor era cliente do réu (ex-BPN), na sua agência de ..., com a conta nº ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efetivava poupanças.

3.2.1.2 Em outubro de 2004 o gerente/funcionário do Banco réu (ex-BPN) da agência supra identificada disse ao autor que tinha um produto com maior rentabilidade do que um depósito a prazo, com juros superiores, capital sendo pago no final do prazo e possibilidade de recuperação anterior do capital, pela venda a terceiros interessados;

3.2.1.3 O autor não tem a instrução primária completa, do que o gerente identificado em 02) [3.2.1.2] tinha conhecimento, tendo um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

3.2.1.4 Na sequência do referido em 02) [3.2.1.2], o autor entregou a quantia de € 50.000, que foi investida em obrigações SLN Rendimento Mais 2004, por ordem do autor.

3.2.1.5 Aquando do referido em 02) [3.2.1.2] e 04) [3.2.1.4], o Banco BPN atuou na qualidade de intermediário da SLN, cujo grupo era detentor do mesmo Banco.

3.2.1.6 À data da subscrição, o autor marido estava convencido que lhe seria restituído o capital, quando o solicitasse.

3.2.1.7. Os juros foram pagos mensalmente, o que se manteve até novembro de 2015, data em que o Banco réu deixou de pagar os juros respetivos.

3.2.1.8 O referido em 07) [3.2.1.7] criou sentimento de segurança nos autores.

3.2.1.9 Na data de vencimento da aplicação identificada em 04) [3.2.1.4], o réu não restituiu a quantia referida em 04) [3.2.1.4].

3.2.1.10 O réu pagou ao autor juros à taxa na média de 1%, desde maio de 2009 e até maio de 2016.

3.2.1.11. Pela Lei n.º 62-A/2008, de 11-11-2008, foi estabelecida a nacionalização da totalidade do capital do réu (ex-BPN).

3.2.1.12.  As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e a boa rentabilidade e que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos.

3.2.1.13 Desde a data de vencimento, o autor tem estado impedido de usar o dinheiro aplicado.

3.2.1.14 À data da subscrição, a sociedade emitente (SNL) era detentora da maioria do capital social do ex-BPN e, em virtude dessa participação social, o produto financeiro subscrito apresentava risco de falta de cumprimento idêntico ao de um depósito a prazo, com exceção do regime do fundo de garantia de depósitos, aplicável a este, em virtude do risco da SLN ser indexado ao risco do próprio Banco.

3.2.1.15 À data da subscrição, inexistia conhecimento de qualquer situação que obstasse ao pagamento da emissão do referido produto financeiro ou da possibilidade de insolvência da emitente e/ou do BPN.

3.2.1.16. Nas datas referidas da subscrição referidas em 02) [3.2.1.2], as obrigações SLN tinham muita procura e constituíam um investimento com a segurança própria desses produtos sem que houvesse qualquer perspetiva de que não fosse paga, na data do vencimento, por parte da entidade emitente ou da insolvência desta e/ou da nacionalização do Banco BPN.

3.2.1.17.  Ao longo dos anos e até às datas referidas em 02) [3.2.1.2] e 09) [3.2.1.9] foram emitidos e pagos diversos produtos de dívida de empresas do grupo SLN, tendo os mesmos sido pagos na data do respetivo vencimento, incluindo as obrigações SLN.

3.2.1.18. Nas datas da subscrição, referidas em 02) [3.2.1.2], os depósitos a prazo tinham a garantia de reembolso do Fundo de Garantia de Depósitos até ao valor de 25.000,00€ por titular, mas sem que o referido FGA [FGD?] estivesse devidamente provisionado para o efeito.

3.2.1.19. No mês seguinte à subscrição, os autores receberam por correio, em casa, o aviso de débito correspondente à subscrição, o extrato e nos extratos periódicos subsequentes a referência que a obrigação integrava a sua “carteira de títulos”.

3.2.1.20 Tendo-lhes sido creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, com registo no extrato e a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados por correio.

3.2.1.21. O autor investiu igualmente em fundos de investimento, para além das obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

3.2.1.22. A taxa de juro da aplicação identificada em 02) [3.2.1.2] e 04) [3.2.1.4] era de 4,5% nos primeiros 10 semestres e da Euribor a 6 meses + 1,75% nos restantes 10 semestres.

3.2.1.23. Aquando do referido em 02) [3.2.1.2] e 04) [3.2.1.4], foi entregue ao autor o boletim de subscrição junto sob doc. 1 com a contestação, que o autor assinou.

3.2.1.24.  Tendo sido dito ao autor, pelos funcionários do réu, que a SLN era a empresa mãe do Banco e o dinheiro era como se fosse deste.

3.2.1.25. O autor não sabia o que eram obrigações.


18. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:

3.2.2.1. O gerente do ex-BPN sabia que o autor não conhecia os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles.

3.2.2.2.  Sempre foi dito ao autor marido pelo dito funcionário que o capital era garantido pelo Banco réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias

3.2.2.3. O autor marido sempre esteve convencido de o dinheiro tinha sido aplicado numa aplicação segura e com as caraterísticas de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

3.2.2.4. Se o autor marido tivesse percebido que o capital não era garantido pelo BPN, não consentiria nem autorizaria.

3.2.2.5. Nunca foi intenção dos autores investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente/funcionário do réu.

3.2.2.6. O réu sempre assegurou que era capital e juros garantidos pelo Banco BPN.

3.2.2.7. Os autores pensavam que a SLN era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco réu utilizava.

3.2.2.8. A qualquer conta a prazo é habitual os bancos atribuírem uma denominação.

3.2.2.9. Os autores desconheciam e nem podiam conhecer, que o seu dinheiro tinha sido aplicado em aplicações com caraterísticas diferentes de um depósito a prazo.

3.2.2.10. O dinheiro entregue pelo autor deveria ter sido aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.

3.2.2.11. Os autores não pretenderam subscrever as ditas aplicações e desconhecem todo o processo de aquisição das obrigações SLN 2004.

3.2.2.12. Nunca qualquer contrato lhes foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos autores; e nem nunca conheceram os autores qualquer título demonstrativo de que possuíam obrigações SLN, não lhes tendo sido entregue documento correspondente.

3.2.2.13. O réu foi apresentado pelo seu gerente/funcionário como garante da aplicação financeira em causa.

3.2.2.14. Além do referido em 12) [3.2.1.12] dos factos provados, os comerciais deviam assegurar que o Banco garantia o capital investido.

3.2.2.15. O réu colocou os autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro, o que tem provocado nos autores ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.

 3.2.2.16. Os autores tiveram conhecimento dos termos da subscrição, no mínimo aquando da nacionalização do Banco réu.

3.2.2.17. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.

3.2.2.18. O Banco réu foi apresentado como garante, como responsável do pagamento do capital investido e dos respetivos juros.

3.2.2.19. Ninguém explicou aos autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN, era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

3.2.2.20. Era um produto de capital garantido e o Banco BPN era responsável pela garantia do capital.

3.2.2.21. Os autores nunca teriam adquirido as obrigações se soubessem em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo BPN.


   O DIREITO


19. O tema da intermediação financeira [1] e, em particular, da responsabilidade dos intermediários financeiros pela violação de deveres de esclarecimento e de informação dos clientes tem sido objecto de uma apreciável atenção da doutrina [2] e da jurisprudência [3] — fenómeno explicável por uma particular conjuntura económica e social [4].


20, A primeira questão suscitada pelos Autores, agora Recorrentes, consiste em averiguar se o Réu, agora Recorrido, violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação.


21. O sistema dos deveres de esclarecimento e de informação dos intermediários financeiros é complexo [5], devendo coordenar-se os princípios gerais do art. 227.º do Código Civil com as regras dos arts. 7.º e 312.º, “enquadrados pelo art. 304.º”, do Código dos Valores Mobiliários, e com as regras dos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras [6].


a) O art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, era do seguinte teor:

1. — O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2. — A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.


Em termos semelhantes ao art. 312.º, n.ºs 1 e 2, o art. 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial, determinava que“[a]s instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”.


O fim dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários deve determinar-se através de uma referência aos interesses protegidos:

O art. 304.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, afirmava que “[o]s intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado” e o art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras confirmava-o, dizendo que, “[n]as relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

O conteúdo dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, esse, deve determinar-se através de uma referência a duas coisas:— ao standard genérico dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e do art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras; — ao standard específico do art. 7.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, por que se exigem “determinados requisitos, positivos e negativos, a toda a informação prevista noutros preceitos do código” [7].

Ora o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, determinava que “[n]as relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” e os arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, em termos globalmente consonantes com o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, determinavam que “[a]s instituições de crédito […], em todas as actividades que exerçam,” devem proceder com diligência [8]; “devem assegurar aos clientes elevados níveis de competência técnica” [9]; e devem proceder com lealdade e com neutralidade [10] [11].


b) O padrão ou standard genérico decorrente dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e dos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras deve completar-se com o standard específico sobre a qualidade da informação consignado no art. 7.º do Código dos Valores Mobiliários: a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores… deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita [12].

Ora a extensão necessária para que a informação prestada pelo intermediário possa completar-se completa, e a profundidade necessária para que uma informação completa permita ao cliente uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, dependem de pelo menos quatro elementos: em primeiro lugar, do tipo de contrato de intermediação financeira [13];  em segundo lugar, dos conhecimentos e da experiência dos clientes; em terceiro lugar, da natureza e dos riscos especiais dos instrumentos financeiros negociados; e, em quarto lugar, do perfil e da situação financeira dos clientes. Em relação ao segundo elemento — i.e., aos conhecimentos e à experiência dos clientes —, o art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra a chamada regra da proporcionalidade inversa [14]: “A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”. Em relação ao terceiro e ao quarto elementos, a relevãncia dos riscos especiais resulta explicitamente do art. 312.º, n.º 1, alínea b), e a relevância da situação financeira, do art. 314.º, n.º 3, do Código dos Valores Mobiliários [15].


22. Entre os corolários dos arts. 312.º e 314.º do Código dos Valores Mobiliários está o de que o conteúdo e a extensão dos deveres dos intermediários financeiros dependem das circunstâncias do caso; têm uma geometria variável [16].

Estando em causa instrumentos financeiros como as obrigações, “conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público”, o conteúdo dos deveres de eslcarecimento do intermediário pode ir de um mínimo a um máximo.  O seu conteúdo mínimo consistirá em “explicar aos clientes que estes receberiam periodicamente de alguém, que não o banco, cupões relativos ao capital investido; explicitar o período de maturidade do investimento e as taxas de juro, cuja aplicação ao montante daquele capital determinará o valor que receberá; e avisar que, em contrapartida, só poderão resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da [obrigação] a terceiros”.  O seu conteúdo máximo, esse, consistirá, p. ex., em “mostrar [aos clientes] — mesmo quando negoceiem por conta própria — os factores de cálculo das vantagens e desvantagens de certo produto financeiro, a subscrever por estes; ou [em] indicar o pior cenário relacionado com essa mesma subscrição; ou de apresentar a esse mesmo cliente as alternativas que existem para as suas necessidades (tal como previamente apuradas pelo intermediário financeiro, ou tendo ele mesmo o dever de as perscrutar e avaliar); ou [em] indicar, mesmo, o valor (de mercado, quando exista), sobretudo se negativo, do aludido produto ao tempo da celebração do contrato” [17].

Em abstracto, não pode dizer-se se uma acção ou se uma omissão do intermediário financeiro implica, ou não implica, uma violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — comportamentos comparáveis do intermediário podem representar uma violação ilícita de deveres de esclarecimento e de informação em relação a produtos financeiros mais complexos e não representar nenhuma violação ilícita em relação a produtos financeiros menos complexos, como uma obrigação; poderão representar uma violação ilícita em relação a produtos financeiros com riscos especiais e não represantar nenhuma violação em relação a produtos sem riscos especiais; poderão representar uma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos seja mínimo ou, em todo o caso, mais reduzido e não representar nenhuma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos e/ou de experiência seja mais elevado.


23. O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, esclarece que:

1. — No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3. — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Os factores referidos no n.º 2 do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 correspondem à descrição de um caso exemplar de violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — em lugar de requisitos cumulativos, de cujo preenchimento depende a conclusão de que foi infringido ou violado um dever pré-contratual, devem interpretar-se como factores relevantes para a decisão.

O intermediário financeiro tem o dever de informar “com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor […]”. Entre os corolários do dever de informar estão os de que o intermediário financeiro deve comunicar ao cliente-investidor as características das obrigações e, em particular, as características das obrigações subordinadas [18] e os riscos da sua subscrição [19]; deve dar-lhe conta de que a remuneração e a restituição do capital investido depende sempre da solidez financeira da entidade emitente [20]; de que o banco não está obrigado a remunerar ou a restituir o capital investido, “com capitais próprios” [21]; de que não há nem fundo de garantia nem “mecanismos [alternativos] de proteção contra eventos imprevisíveis”; de que o cliente-investidor não poderá levantar o capital quando quiser [22]; e de que tem uma relação de dependência com a entidade emitente, “na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses”.


24. O Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação, chamados a decidir o caso antes do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, consideraram que não havia violação de deveres de esclarecimento do banco-intermediário financeiro, como se deduz, designdamente, das afirmações seguintes:

“…  não se pode[] […] afirmar que o recorrido violou o dever de informação e ou que os seus funcionários transmitiram informação inverídica aos ora recorrentes”;

“… não retiramos [dos factos provados sob os nºs 3.2.1.5 e 3.2.1.14] a prestação por parte dos funcionários do recorrido de qualquer informação falsa e muito menos que essa informação fosse decisiva para a efectivação do investimento pelos recorrentes e motivada por uma confiança no réu…”..


Examinando-o hoje, depois do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, deve chamar-se a atenção para o seguinte:

Em primeiro lugar, a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos foi sugerida pelo intermediário financeiro, como decorre do facto dado como provado sob o n.º 3.2.1.2 [23]; em segundo lugar,  a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro, como decorre dos factos dados como provados sob os n.ºs 3.2.1.3. e 3.2.1.25 [24]; em terceiro lugar, a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro a um cliente que não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como decorre ds facto dados como provado sob o n.º 3.2.1.3 [25]; em quarto lugar, a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro com a informação / explicação de que o reembolso do capital era garantido, ou uma informação equivalente, como resulta do facto dado como provado sob o n.º  3.2.1.24 [26]; e, em quinto lugar. a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro sem a explicação do que eram obrigações subordinadas, como resulta do facto dado como provado sob o n.º 3.2.1.25. — “O autor não sabia o que eram obrigações”.

Em consequência, e em resposta à primeira questão, dir-se-á que a Ré, agora Recorrida, violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação.


25. A segunda questão consiste em averiguar se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação [pela Ré, agora Recorrida] foi condição sine qua non da conclusão do contrato pelos Autores, agora Recorrentes.

O caso está em averiguar se os factos dados como provados são suficientes para que se diga que os Autores, agora Recorrentes, não teriam concluído o contrato, se tivessem sido informados de que estavam a investir em obrigações subordinadas.

Os Autores, agora Recorrentes, impugnaram a decisão de dar como não provados os factos descritos sob os n.ºs 3.2.2.4. e 3.2.2.21 [27], alegando que devia aditar-se aos factos dados como provados que “[os] autores nunca teria[m] adquirido as obrigações se soubessem em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo BPN”.

O Tribunal da Relação não conheceu da pretensão dos Autores, agora Recorrentes, considerando que estavam em causa factos conclusivos:

“… a tanto quanto possível separação rigorosa da matéria de facto e de direito não é tributária de uma postura formalista e arcaica, antes é uma decorrência indeclinável de qualidade e genuinidade na instrução da causa. De facto, se não houver rigor na delimitação destes campos, as testemunhas serão chamadas a emitir juízos de valor, inclusive de ordem legal, procedendo assim a uma verdadeira usurpação de funções consentida, porquanto, assim atuando, demitir-se-á o julgador da função que lhe é própria, transferindo-a, à margem da lei, para as diversas entidades operantes em sede de instrução.

Na nossa perspetiva, a inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito ou conclusiva determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.

A matéria vertida no proposto ponto 5 pelos recorrentes respeita a uma situação hipotética genérica, sem que tenham sido alegados os factos concretos que a integram, nomeadamente o grau de risco que os autores estariam dispostos a correr e ainda os elementos que permitam qualificar o produto subscrito pelos autores como de risco e o respetivo grau; repare-se que face à factualidade carreada e provada nos autos se desconhece por que razão a entidade emitente se veio a encontrar em situação de impossibilidade de proceder ao reembolso da obrigação subscrita e quando surgiu essa situação.

Importa não perder de vista que não existem produtos financeiros isentos de risco, pois que as entidades bancárias onde são efetuados depósitos em numerário e os próprios estados podem vir a encontrar-se em situação de insolvência.

[…] dada a natureza genérica e conclusiva do proposto ponto 5, sem que tenham sido carreados para os autos os necessários factos concretizadores, não pode esse ponto ser objeto de prova e com tal fundamento não deve conhecer-se este segmento da reapreciação da decisão da matéria de facto”.


Ora, ainda que deva admitir-se a qualificação como facto conclusivo da afirmação de que “[os] autores nunca teria[m] adquirido as obrigações se soubessem em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo BPN”, sempre seria possível a prova de que a violação ilícita de deveres de esclarecimento e de informação foi condição sine qua non da conclusão do contrato — p. ex., através de presunções judiciais.

O problema está em que o acórdão recorrido, ao afirmar que o Réu, agora Recorrido, não tinha violado deveres de esclarecimento e de informação, ou em todo o caso não os tinha violado ilicitamente, deu como prejudicada a questão da condicionalidade e, por isso, não se pronunciou sobre se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi (ou não) condição sine qua non da conclusão do contrato.

Em consequência, o processo deverá regressar ao tribunal recorrido, para que a decisão de facto seja ampliada, em ordem a constituir base adequada e suficiente para a decisão de direito (cf. arts. 682.º, n.º 3, e 683.º do Código de Processo Civil) [28].


III. — DECISÃO

Face ao exposto, anula-se o acórdão recorrido e determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que a causa seja julgada novamente, nos termos dos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º do Código de Processo Civil.

Custas a final.


Lisboa, 10 de Janeiro de 2023


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

_____

[1] Sobre o conceito e o regime da intermediação financeira em geral, vide António Pereira de Almeida, Sociedades comerciais, valores mobiliários e mercados, 6.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 729-737; A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2016, págs. 245-327; Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 271-273 e 381-528; José Augusto Engrácia Antunes, Direito dos contratos comerciais, Livraria Almedina, Coimbra, 2009, págs. 573-615; Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 353-373 = in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 7-26; Fátima Gomes, “Contratos de intermediação financeira: sumário alargado”, in: Estudos dedicados ao Professor Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2002, págs. 565-599; José Augusto Engrácia Antunes, “Os contratos de intermediação financeira”, in: Boletim da Faculdade de Direito [da Universidade de Coimbra], vol. 85.º (2009), págs. 277-319; José Augusto Engrácia Antunes, “Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro. Alguns aspectos”; in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 56 — Abril de 2017, págs. 31-52; Assunção Cristas, Transmissão contratual do direito de crédito. Do carácter real do direito de crédito, Livraria Almedina, Coimbra, 2005, pág. 423 (nota n.º 1114); José Pedro Fazenda Martins, “Deveres dos intermediários financeiros, em especial os deveres para com os clientes e o mercado”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 331-350; ou José Queirós de Almeida, “Contratos de intermediação financeira enquanto categoria jurídica”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 24 — 2006, págs. 291-303.

[2] Como demonstram, p. ex., António Menezes Cordeiro, “Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade”, in: António Menezes Cordeiro / Manuel Januário da Costa Gomes / Miguel Brito Bastos / Ana Alves Leal (coord.), Estudos de direito bancário I, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 9-46; Luís Menezes Leitão, “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros”, in: Direito dos valores mobiliários, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, págs. 129-156; Luís Menezes Leitão, “Informação bancária e responsabilidade”, in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II — Direito bancário, Livraria Almedina, Coimbra 2002, págs. 225-244; Agostinho Cardoso Guedes, “A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil”, in: Revista de direito e economia, ano 14.º (1988), págs. 135-165; Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, in: Direito das sociedades em revista, vol. 16 — 2016, págs. 15-31; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 401-410; Margarida Azevedo de Almeida, “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 411-424; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Revista de direito comercial, ano 2.º (2018), págs. 1225-1240, disponível in: WWW: < https://www.revistadedireitocomercial.com >; Margarida Azevedo de Almeida. A responsabilidade civil por prospecto no direito dos valores mobiliários. O bem jurídico protegido, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, esp. nas págs. 222-227; Ana Afonso, “O contrato de gestão de carteira. Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro”,  in: Maria de Fátima Ribeiro (coord.), Jornadas — Sociedades abertas, valores mobiliários e intermediação financeira, Livraria Almedina, Coimbra, 2007, págs.  55-86; Catarina Monteiro Pires, “Entre um modelo correctivo e um modelo informacional em direito bancário e financeiro”, in: Cadernos de direito privado, n.º 44 — Outubro / Dezembro de 2013, págs. 3-22; Sofia Nascimento Rodrigues, A protecção dos investidores em valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2001; Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Livraria Almedina, Coimbra, 2008; Fernando Canabarro Teixeira, “Os deveres de informação dos intermediários financeiros em relação a seus clientes e sua responsabilidade civil”, in: Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 31 — 2008, págs. 50-87; Pedro Miguel Rodrigues, A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário (dissertação de mestrado), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011; ou Pedro Miguel Rodrigues, “A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário”, in: DataVenia. Revista jurídica digital, ano 1.º (2013), págs. 101-131, disponível in: < https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao02/datavenia02_p101-132.pdf >.

[3] Como o demonstram, p. ex., as colectâneas O direito bancário na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in: WWW: < http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/direitobancario.pdf > ou in: Centro de Estudos Judiciários, Direito bancário, in: WWW: < http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf >. [4] Vide designadamente António Menezes Cordeiro, “A tutela do consumidor de serviços financeiros e a crise mundial”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 603-632; ou Paulo Câmara, “Crise financeira e regulação”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 697-728, esp. nas págs. 716-719.[5] Cf. designadamente Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 403 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1229: “… a construção do sistema no âmbito da responsabilidade dos intermediários financeiros [apresenta-se] extremamente complexa”. Entre as razões da sua complexidade estaria a necessidade de “articulação entre o Código dos Valores Mobiliários e o direito privado comum”: “importa sobretudo”, escreve o Professor Carneiro da Frada, “pôr em guarda contra apriorismo simplificadores, que partem com excessiva auto-suficientência do Código dos Valores Mobiliários para resolver os problemas de responsabilidade dos intermediários financeiros e não reconhecem, como é mister, a necessidade e a imprescindível valia, para o efeito, o direito comum dos contratos”.

[6] Salvo indicação em contrário, considerar-se-á o teor das disposições do Código dos Valores mobiliários e do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras em vigor em Abril de 2006, ou seja, na data da conclusão do contrato pelos Autores, agora Recorridos. [7] Expressão de Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, cit., pág. 30.

[8] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

[9] Cf. art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.

[10] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial.

[11] Entre os pontos mais ou menos consensuais está o de que o padrão de diligência do art. 304º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e nos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras é superior ao padrão do art. 487.º, n.º 2, do Código Civil [vide, na doutrina, p. ex., A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., pág. 258 — dizendo que “[d]o confronto entre os regimes regra com os regimes mobiliários específicos resulta, do ponto de vista da diligência exigida, um plus: aos intermediários financeiros é exigida uma diligência que ultrapassa o conceito de bom pai de família (homem médio) espera-se uma actuação como elevados padrões de diligência” — e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 — e de de 10 de Abril de 2018 — processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1 —, considerando que se substitui o bonus paterfamilias do art. 487.º, n.º 2, por um diligentissimus paterfamilias, “não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve”.

[12] Como se diz no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de de 5 de Abril de 2016 — processo n.º 127/10.0TBPDL.L1.S1 —, “[a] violação dos deveres de informação do emitente de títulos mobiliários, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal do art. 7.º do Código de Valores Mobiliários”. [13] Cf. designdamente Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, cit., pág. 17: “… nos preceitos dedicados a cada tipo contratual surgem também regras sobre deveres de informação”.

[14] Expressão usada, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 —: “O âmbito funcional do dever de informação é determinado por uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente”. (

[15] Embora o art. 312.º não refira expressamente a natureza dos instrumentos financeiros negociados, deve concordar-se com as afirmações feitas pelo Professor António Pinto Monteiro, no parecer junto aos autos: “… o grau de conhecimento de uma pessoa em relação a um instrumento como uma obrigação é completamente diverso do conhecimento que o mesmo sujeito possa ter, p. ex., de um swap de taxas de juro” (págs. 15-16); “conceitos como ‘obrigação’ e, no seu âmbito, ‘resgate’, são conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público, contrariamente ao que acontece com produtos de elevada complexidade, como a noção de synthetic collateralized debt obligation, assente em swaps e outros derivados, já que assentarão no pólo oposto do espectro” (pág. 16)

[16] Expressão usada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 1236/15.5T8PVZ.L1.S1 —e de 11 de Outubro de 2018 — processo n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1.

[17] Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 404 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1231.

[18] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as "obrigações subordinadas", isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada”.

[19] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que “compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente)”.

[20] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que “[se exige] que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis”.

[21] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente: “Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial”.

[22] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que o intermediário financeiro deve “informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão — desmobilização do investimento — do produto”.

[23] Cujo teor é o seguinte: “Em outubro de 2004 o gerente/funcionário do Banco réu (ex-BPN) da agência supra identificada disse ao autor que tinha um produto com maior rentabilidade do que um depósito a prazo, com juros superiores, capital sendo pago no final do prazo e possibilidade de recuperação anterior do capital, pela venda a terceiros interessados”.

[24] Cujo teor é o seguinte: “3.2.1.3 O autor não tem a instrução primária completa, do que o gerente identificado em 02) [3.2.1.2] tinha conhecimento […]. 3.2.1.25. O autor não sabia o que eram obrigações”.[25] Cujo teor é o seguinte: “O autor… [tinha] um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro”.

[26] Cujo teor é o seguinte: “Tendo sido dito ao autor, pelos funcionários do réu, que a SLN era a empresa mãe do Banco e o dinheiro era como se fosse deste”.

[27] Cujo teor é o seguinte: “3.2.2.4. Se o autor marido tivesse percebido que o capital não era garantido pelo BPN, não consentiria nem autorizaria. 3.2.2.21. Os autores nunca teriam adquirido as obrigações se soubessem em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo BPN2.

[28] Em termos em tudo semelhantes, vide o acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2018 — processo n.º 3759/15.7T8LRA.L1.S1 —, em que se decidiu. “a) Mandar baixar os autos ao tribunal recorrido para que, de harmonia com o disposto no art. 682º, nº 3 do CPC, amplie ou clarifique a matéria de facto conexa com a [a]firmação de que ‘foi assegurado ao A. pelo funcionário do R. que o retorno das quantias subscritas com as obrigações DD era absolutamente garantido, indistintamente pelo CC e pela DD’. b) Julgar em conformidade”.