Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5324/07.3TVLSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
CAPACIDADE JUDICIÁRIA
SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS.
DIREITO FALIMENTAR – EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS SOBRE O DEVEDOR E OUTRAS PESSOAS / EFEITOS PROCESSUAIS.
Doutrina:
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, II, p. 111;
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p.108;
- Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª Edição, p. 412;
- Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6ª edição, p. 109 a 115;
- Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, p. 53 e 54.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4 E 639.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 81.º, N.º 4 E 85.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 07-11-2017, PROCESSO N.º 497/14.1TBVLG.S1.
Sumário :
I - A declaração de insolvência priva o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.

II - Tal privação não consubstancia uma incapacidade judiciária do insolvente pois que a declaração da insolvência não implica uma perda da sua capacidade judiciária, mas uma substituição na sua representação processual (substituição legal automática do insolvente pelo administrador da insolvência) traduzida numa indisponibilidade relativa daquele delimitada: pelos bens que integram a massa insolvente; pela protecção do interesse dos credores.

III - A extensão dessa substituição processual encontra-se confinada à finalidade da realidade que serve: protecção do património do insolvente em função do interesse dos credores por forma a salvaguardar a satisfação dos respectivos créditos. Nessa medida, não é extensível às matérias de natureza pessoal, às patrimoniais estranhas à massa insolvente, bem como às relacionadas com o património insolvente que visem a valorização ou o aumento do mesmo.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório
1. AA interpôs (em Maio de 2016) acção declarativa contra BB, CC, DD e EE, na qualidade de sucessores de FF, pedindo a condenação no pagamento da quantia de 250.000,00 a título de honorários reportados ao mandato que lhe foi conferido no âmbito da acção no 5324/07.3TVLSB.

2. Em contestação os Réus vieram excepcionar a falta de personalidade e capacidade judiciária do Autor (por ter sido declarado insolvente por decisão de 23-01-2013, transitada em julgado) e a prescrição do crédito invocado. Impugnaram ainda a factualidade alegada na petição, concluindo pela improcedência da acção.

3. Em resposta o Autor veio informar que a sentença de insolvência foi objecto de recurso de revisão pugnando pela inverificação dos efeitos da declaração de insolvência.

4. Os Réus reafirmam a procedência da excepção.

5. Fixado o valor à causa e dispensada audiência prévia foi proferido despacho que julgou procedente a excepção dilatória de falta de capacidade judiciária do Autor, com absolvição dos habilitados da instância.

6. O Autora apelou tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão (07-02-2019) que concedendo provimento ao recurso revogou o despacho decidindo que os autos deveriam prosseguir os seus termos se outro motivo a tal não obstar.

7. Inconformados os Réus recorrem de revista formulando as seguintes conclusões (transcrição):

“A) Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 07 de Fevereiro de 2019, que REVOGOU o despacho proferido pela Primeira Instância. Salvo o devido respeito e melhor opinião, a decisão constante do douto Acórdão recorrido improcede, nos termos e com os fundamentos que se passam a expor:

I - QUESTÃO PRÉVIA DE RECORRIBILIDADE: PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

B) A questão a decidir enquadra-se na previsão do n.º 1, alínea a) do artigo 674.º do CPC, sendo o objeto do Recurso: Da procedência ou improcedência da exceção dilatória de falta de capacidade judiciária do Autor/Recorrente.

II - FUNDAMENTOS DO RECURSO:

C) A ação de honorários dos autos foi pelo ora Recorrido intentada em 05 de Maio de 2016.

D) Por sentença proferida em 23 de Janeiro de 2013, já transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 3646/12.0TJLSB, o Autor/Recorrido foi declarado insolvente.

E) Nos termos do disposto no artigo 81.5, n.º 1 do CIRE, “a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da  massa  insolvente, os quais passam  a  competir ao administrador da insolvência”, sendo que, todos os atos praticados pelo insolvente em contravenção com tal disposição serão ineficazes (n.º 6).

F) Donde, após a declaração de insolvência, não pode o insolvente apresentar-se a juízo, sendo o administrador de insolvência quem assume a respetiva representação para todos os efeitos de carácter patrimonial (artigo 81.º, n.º 4 do CIRE).

G) In casu, aquando da interposição da presente ação, o Recorrido já havia sido declarado insolvente, e, consequentemente, já se encontrava privado de capacidade judiciária, não podendo ser parte na referida acção (artigos 11.º e 15.º do CPC).

H) Concluiu o Tribunal de 1.ª instância no seguinte sentido: “(...) uma vez que, após a declaração de insolvência, não pode o insolvente apresentar-se a juízo, sendo o administrador de insolvência quem assume a respectiva representação para todos os efeitos de carácter patrimonial (artigo 81.*, n.* 4, do CIRE), o Autor encontra-se privado de capacidade judiciária, não podendo ser parte na presente acção (artigos 11.º e 15.º, do CPC). E tal falta de personalidade judiciária é insanável, pois ocorre ab initio, constitui uma excepção dilatória, que determina a absolvição dos Réus da Instância, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea c) e 278º nº 1 alínea c) do CPC.

I) Contrariamente, veio agora o Tribunal da Relação de Lisboa concluir que a invocada falta de capacidade judiciária do ora Recorrido não se enquadra na limitação da capacidade patrimonial do insolvente prevista no artigo 81.º do CIRE como efeito necessário da declaração de insolvência.

J) Concluindo que no caso dos autos, a propositura de uma ação de honorários pelo Recorrido, embora já declarado insolvente, “não envolve qualquer diminuição do seu património, antes podendo trazer vantagens para os seus credores, os quais, caso a acção proceda, poderão ter mais possibilidades de satisfazer os seus créditos”.

K) Decidindo, assim pela não verificação da falta de capacidade judiciária do aqui Recorrido, determinando que este não se encontra legalmente inibido de propor a ação em causa, não havendo lugar à representação pelo Administrador de Insolvência.

L) Salvo o devido respeito e atentos os dispositivos legais aplicáveis, bem como,  a  Jurisprudência sobre a matéria, a decisão do Tribunal a  quo carece de fundamento.

M) Uma vez que o Tribunal a quo entende que a ação de honorários em apreço não envolve qualquer diminuição do património do Recorrido, antes podendo trazer  vantagens para os seus credores, importa pois remeter para declaração de voto do Meritíssimo Juiz Desembargador GG que entendeu, e bem, que,

N) Se por um lado o crédito que o Recorrido pretende ver reconhecido poderá ser julgado verificado, integrando posteriormente a Massa insolvente,

O) Por outro, em caso de decaimento na ação, tal irá onerar a Massa com custas, podendo ainda significar a efetiva perda de um direito que, eventualmente existisse.

P) Sendo que, uma vez que o crédito que o Recorrido pretende fazer valer terá sempre de integrar a Massa insolvente,

Q) É absolutamente inadmissível que, na ação em apreço, possa ser proferida uma decisão que condene no pagamento de qualquer quantia, respeitante ao crédito alegado, ao próprio Insolvente, o que feriria de morte as disposições legais respeitantes ao processo de insolvência.

R) Nos autos, o aqui Recorrido veio apresentar-se a juízo quando já tinha sido declarado insolvente, e fê-lo sem qualquer intervenção do administrador de insolvência,

S) Porém, era o administrador que tinha a exclusiva responsabilidade de propor e fazer seguir ações, por os poderes de que o insolvente está privado serem atribuídos a ele.

T) Por tudo quanto ficou exposto, e tendo em conta que o despacho proferido em 1.ª Instância fez uma       correta aplicação do direito à factualidade relevante e não violou qualquer disposição legal nem decidiu contrariamente ao Direito,

U) E o Acórdão recorrido, por seu turno, violou a lei substantiva (artigo 81.º CI RE), deverá este ser revogado e substituído por outro que mantenha a decisão proferida em 1.ª Instância.

V) Caso assim não se não entenda, no que não se concede, então deve valer a posição defendida pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador GG que, no seu voto de vencido constante do Acórdão recorrido entendeu que a ação poderia prosseguir com o chamamento do Sr. Administrador de Insolvência para ratificar o processado, em prazo a fixar, suspendendo-se entretanto a instância.”

8. Em contra alegações o Autora defende a improcedência da revista.

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão:


ð Da (in)capacidade judiciária do Autor para interpor e prosseguir a acção

1. Os factos

As ocorrências processuais com relevância para o conhecimento do recurso constam do relatório supra.


2. O direito

Em causa está determinar se o Autor, declarado insolvente (por sentença proferida em Janeiro de 2013), podia propor (em Maio de 2016) a presente acção declarativa visando obter o pagamento dos seus honorários como mandatário judicial (no valor de 250.000€).

O tribunal de 1ª instância, alicerçado no artigo 81.º, n.º4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), considerou que após a declaração de insolvência o Autor não podia apresentar-se a juízo cabendo sempre ao administrador a representação do insolvente para todos os efeitos de carácter patrimonial. Concluiu, por isso, que o mesmo se encontrava privado de capacidade judiciária ab initio, insanável, conducente à absolvição dos Réus da instância (artigos 11.º, 15.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º1, alínea c), do CPC).

O tribunal a quo, ao invés, socorrendo-se do entendimento assumido no acórdão deste tribunal de 07-11-2017 (Processo 497/14.1TBVLG.S1), julgou não verificada a falta de capacidade judiciária do autor uma vez que a propositura da presente acção, visando valorizar/aumentar o respectivo património, em nada colidia com os interesses gerais dos credores da massa insolvente, pelo que não se integrava na previsão do n.º4 do artigo 81.º do CIRE.

Concluiu, pois, embora em maioria do colectivo de Desembargadores, não estar em causa uma situação que impusesse a substituição do insolvente pelo administrador da insolvência.

          Entendemos que bem decidiu.

         

2.1. Conforme resulta da declaração de voto de vencido de um dos Senhores Desembargadores que compunham o colectivo do tribunal recorrido, foi entendido que a presente acção ao ter por finalidade o reconhecimento de um crédito do Insolvente assumia natureza exclusivamente patrimonial, podendo colidir com os interesses da Massa (em caso de improcedência da acção irá onerá-la com as custas do processo)[1] impondo, por isso, a aplicação do regime previsto no artigo 85.º, do CIRE, incumbindo ao Administrador da Insolvência (AI) a representação judiciária do Autor.

Considerou ainda que o caso integrava uma situação de irregularidade de representação sanável nos termos dos artigos 27.º e 28.º, ambos do CPC (notificação do AI para ratificar o processado), afastando-se, por isso, da 1ª instância que enveredou pela falta de capacidade judiciária.

2.2 Este posicionamento e o entendimento do tribunal de 1ª instância merece-nos as seguintes considerações:

2.2.1 A declaração de insolvência priva o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.

Tal privação, porém, não consubstancia uma incapacidade judiciária do insolvente, mas apenas a uma indisponibilidade relativa[2] deste delimitada pelos seguintes vectores:

- pelos bens que integram a massa insolvente;

- pela protecção do interesse dos credores (salvaguardar da prática de actos do devedor que possam comprometer a satisfação dos respectivos créditos).

A personalidade e capacidade judiciária constituem pressupostos relativos às partes no processo (pressuposto processual) respeitantes à susceptibilidade de se ser parte (artigo 11.º, n.º1, do CPC)[3], equiparando a lei a personalidade judiciária à personalidade jurídica (cfr. nº 2 do citado preceito), qualidade que é inerente às pessoas singulares (artigo 66º, do Código Civil), dispondo o artigo 15º, nº 1, do CPC, que a capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo, e tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos (nº 2, do mesmo artigo), ou seja, a qualidade da pessoa de, no plano jurídico processual, lhe ser possível exercitar validamente por si própria os direitos processuais respectivos[4].

2.2.2 A finalidade do processo de insolvência (processo de execução universal tendente a liquidar o património do insolvente e a repartir o produto obtido pelos seus credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência – cfr. artigo 1.º, do CIRE) justifica as medidas legais decorrentes do regime previsto no artigo 81.º, do CIRE[5], privando o insolvente de poder administrar e de dispor dos bens que integram a massa insolvente, poderes que passam a competir ao administrador da insolvência (n.º1 do artigo 81.º do CIRE).

De acordo com o disposto no n.º 4 do citado artigo 81.º do CIRE, o administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, sendo que tal representação não se estende à intervenção do devedor no âmbito do próprio processo de insolvência, seus incidentes e apensos, salvo expressa disposição em contrário (n.º5 do mesmo preceito).

Verifica-se pois que o efeito primordial da declaração de insolvência para o insolvente incide na sua actuação relativamente aos bens compreendidos na massa insolvente[6] os quais, de acordo com o artigo 46.º, do CIRE, abrangem todo o património do devedor à data da declaração da insolvência (que não estejam isentos de penhora), bem como os bens e direitos que adquira na pendência do processo, cabendo ainda ter em conta, atento o que resulta do estatuído no n.º2 do artigo 81.º em referência, os bens cujo aquisição pelo devedor seja posterior ao encerramento do processo[7].  

Consequentemente, de acordo com o regime legal da insolvência, o devedor insolvente privado dos poderes de administração e disposição dos bens que integram a massa insolvente, passa a ser representado, nesse âmbito, pelo administrador da insolvência a quem lhe são transferidos tais poderes, pelo que a declaração da insolvência não implica uma perda da sua capacidade judiciária, mas uma substituição na sua representação processual[8].

2.2.3. Esta “substituição” legal automática do insolvente pelo administrador da insolvência e a natureza de execução universal do processo de insolvência (por forma a nele participarem todos os credores do devedor no resultado da liquidação do património do insolvente) justificam o regime estabelecido no artigo 85.º, n.º1, do CIRE (serem apensadas ao processo de insolvência todas as acções, intentadas contra o devedor ou mesmo contra terceiros, em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, desde que a decisão que nelas venha a ser proferida possa influenciar o valor da massa insolvente) e n.º2 (isto é, por efeito da lei, independentemente da apensação de acções e do acordo da parte contrária, o administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções patrimoniais pendentes em que este seja autor ou réu).

Todavia, a extensão da substituição do insolvente pelo administrador não pode deixar de estar confinada à finalidade da realidade que serve: protecção do património do insolvente em função do interesse dos credores por forma a salvaguardar a satisfação dos respectivos créditos[9].

Consequentemente, a inibição processual que afecta o insolvente não é extensível às matérias de natureza pessoal, às patrimoniais estranhas à massa insolvente, bem como as que relacionadas com o património insolvente visem a valorização[10] ou o aumento do mesmo.

2.2.4. Nesta ordem de ideias, contrariamente ao considerado na declaração de voto de vencido no acórdão recorrido, a diversidade fáctica entre a presente acção e a que foi objecto de decisão no referenciado Acórdão do STJ de 07-11-2017, proferido no Processo n.º 497/14.1TBVLG.S1, em que a decisão recorrida se ancorou, de modo algum justifica a inaplicabilidade ao caso do entendimento sufragado naquele aresto uma vez que também estava em causa matéria que interessava à massa insolvente na medida em que a poderia valorizar através da redução do volume da respectiva dívida.

2.3 Assim sendo, porque os presentes autos se reportam a acção que visa a obtenção do pagamento de um alegado crédito do insolvente, podendo por isso aumentar o respectivo património, no seguimento do posicionamento assumido por este tribunal no acórdão de 07-11-2017[11], não estando em causa qualquer actividade do devedor que possa colocar em causa a salvaguarda do seu património em detrimento dos credores, inexiste razão para a aplicação do artigo 81º, do CIRE.

Consequentemente, não se encontrando o Autor privado ou inibido de agir na instauração da acção[12], não carece de ser representado (em substituição) por parte do administrador da insolvência.
Improcedem, por isso, na sua totalidade, as conclusões do recurso

IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente, mantendo o acórdão recorrido.
Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 10 de Dezembro de 2019

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

_______________

[1] Este argumento de modo algum poderia ser decisivo porquanto em acção de natureza pessoal (onde não há lugar à substituição do insolvente pelo administrador da insolvência), a respectiva improcedência, determinando decaimento das custas, também teria incidência patrimonial negativa.
[2] Cfr. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6ª edição, pp 109 a 115.
[3] Possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei - cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p.108.
[4] Cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, II, 111
[5] Sob a epígrafe “Transferência dos poderes de administração e disposição”.
[6] Por conseguinte, como salientam Carvalho Fernandes e João Labareda, quanto aos bens patrimoniais não incluídos na massa insolvente o devedor mantém os seus poderes de administração e de disposição - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª Edição, p. 412.
[7] Neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, p. 412.
[8] Miguel Teixeira de Sousa faz referência à denominada substituição representativa (o sujeito que instaura a acção ou contra o qual esta é proposta age em nome próprio e, por isso, é parte processual) alertando para o facto de a mesma não se confundir com a representação judiciária ou com qualquer forma de suprimento da incapacidade judiciária - As Partes, o Objecto (…), pp. 53 e 54.

[9] Refere o acórdão do STJ de 07-11-2017, supra citado “(…) E daqui que só quando esses interesses dos credores estejam em causa se pode ter como observável uma tal privação ou inibição. Dentro desta ideia, diz-nos Menezes Leitão (Direito da Insolvência, 7ª ed., p. 167) que “esta solução [a do art. 81º, nº 1] compreende-se, dado que a declaração de insolvência faz pressupor uma certa desconfiança na capacidade de administração do devedor, dado que aí pode ter residido a causa da sua situação de insolvência”. E Maria do Rosário Epifânio (Manual de Direito da Insolvência, 6ª ed., p. 94) acrescenta que a privação do poder de administração e disposição está “imbuído da finalidade de - em nome da proteção dos credores concursais - conservação dos bens atuais do insolvente (que existam no momento da declaração da insolvência), bem como dos bens que venham a ingressar no património do insolvente (após a declaração da insolvência e até ao encerramento do processo de insolvência)”. Enfim, continuam atuais as palavras de Manuel Andrade (Teoria geral da Relação Jurídica, II, p. 113) quando afirmava que “A inibição imposta ao falido (…) não pode fundar-se na ideia de salvaguardar os interesses do próprio falido. Só pode fundar-se nos interesses da massa falida, isto é, dos credores (…). Só pode ter sido determinada pelo propósito de evitar que o falido pudesse, administrando os bens da massa, alienando-os ou contraindo dívidas pelas quais eles houvessem de responder, causar prejuízo àqueles credores, desfalcando ou precludindo as suas possibilidades (…). Sendo assim, é claro que a inibição deve julgar-se estabelecida e sancionada em correspondência com o motivo que a inspirou, isto é, consoante o exigir a protecção que se quis dispensar aos interesses dos credores. Nada menos do que isso, mas também nada mais do que isso”.
[10] Como será o caso de acções tendentes à redução do volume da dívida.
[11] Em cujo colectivo de juízes tiveram intervenção a aqui relatora e um dos Senhores Conselheiros adjuntos que compõem o presente colectivo.

[12] No que se refere à natureza jurídica da privação de agir que do insolvente refere o acórdão de 07-11-2017 “Esta privação não deve ser vista como sendo uma manifestação de qualquer incapacidade ou de ilegitimidade, mas sim como de indisponibilidade relativa (v., neste sentido, Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pp. 109 a 115). Nesta medida, pode dizer-se que o administrador da insolvência assume o controlo da massa insolvente essencialmente por razões inerentes ao interesse objetivo da massa (ou seja, essencialmente no interesse dos credores), e não por razões ligadas a qualquer limitação legal - incapacidade ou ilegitimidade - do devedor. Embora a lei (art. 81º, nº 4 do CIRE) se reporte à representação do insolvente (resquício da antiga conceção do insolvente como incapaz) por parte do administrador, a situação é bem de substituição, precisamente porque, como diz Maria do Rosário Epifânio (ob. cit., p. 103) “constitui função (pelo menos primacial) do administrador da insolvência a prossecução dos interesses da massa insolvente e não do próprio insolvente”.