Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2197/17.1T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AGUIAR PEREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. Não cumpre o dever de informação clara e completa a que está obrigado o intermediário financeiro que não fornece a investidores não qualificados a quem propõe a subscrição de “Obrigações SLN 2006” qualquer informação técnica sobre o produto em questão e riscos inerentes, informando que o produto em causa tinha capital garantido e elevada taxa de remuneração, bem sabendo que, tratando-se de obrigações subordinadas, a devolução do capital investido não estava necessariamente assegurada.

II. Tendo o investidor provado que só subscreveu o produto financeiro em causa porque, face às informações inexactas que lhe foram transmitidas pelo banco réu, estava convencido de que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo mas melhor remunerado e que o retorno do capital investido estava garantido pela sociedade emitente, dona do banco réu, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito consistente na omissão de informação relevante sobre o produto financeiro em causa e o dano consistente na perda do valor investido e não restituído atingida a sua maturidade.

Decisão Texto Integral:

EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


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RELATÓRIO

Parte I – Introdução

1. AA e mulher BB demandaram em acção declarativa comum o Banco BIC Português, S A pedindo a sua condenação a pagar-lhes a quantia de € 113.042,19 (cento e treze mil e quarenta e dois euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento.

Alegaram, em síntese, que o autor marido foi abordado por um funcionário do réu informando que o banco tinha disponível um produto financeiro similar a um depósito a prazo mas mais rentável, tendo logrado convencê-lo a investir 200.000,00 euros na respectiva subscrição.

Que o autor só aceitou subscrever o produto em causa porque lhe foi assegurado o retorno do valor investido nesse produto, o qual era garantido pelo próprio banco.

Mais alegaram que não lhe foram prestadas informações completas e verdadeiras sobre as obrigações cuja subscrição lhe foi proposta, nomeadamente sobre a possibilidade de resgate antes de atingirem a maturidade de dez anos, nem sobre a natureza do produto financeiro “Obrigações SLN 2006”.


2.  O réu deduziu oportunamente contestação, impugnando parte dos factos alegados e invocando a excepção da prescrição do direito que os autores pretendem fazer valer.

Em síntese, alega ter prestado todas as informações a que estava obrigado na fase preliminar à subscrição das obrigações por parte dos autores.


3. Teve lugar a audiência de julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido.


4. Da sentença foi interposto pelos autores recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão que, revogando a sentença proferida em primeira instância, condenou o banco réu a pagar aos autores a quantia de 100.000,00 euros, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa anual de 4% referente a juros civis, contados desde 5.5.2017 (data da citação) e até integral pagamento.


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Parte II – A Revista

5. O banco réu, não se conformando com o decidido em segunda instância, interpôs recurso de revista.

São do seguinte teor as Conclusões das alegações apresentadas:

1. O douto acórdão da Relação de Guimarães violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado aos Autores (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garanti não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garanti de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artigo 236º do Código Civil, uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era

do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o artigo 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do artigo 312º-E.

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no artigo 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

44. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

46. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48. Do texto do artigo 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49. E, de resto, nos termos do disposto no artigo 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

52. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

53. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

54. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações e que é essa causa do seu dano!

64. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

67. E nada disto foi feito!

68. Aliás, a origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!”


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6.  Por sua vez os autores recorridos apresentaram resposta às alegações de revista que concluem pela forma seguinte:

“A. Deverá ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido, por se tratar de um brilhante aresto, bem elaborado e melhor fundamentado.

B. Ao contrário do que pretende o Banco recorrente, e como bem entendeu o tribunal a quo, no caso dos autos o que está em causa é uma responsabilidade civil pré contratual, derivada do facto de o Banco réu ter seduzido o autor marido recorrendo á mentira e ao embuste sobre as características do produto financeiro que pretendia impingir-lhe.

C. Afigura-se como um facto público e notório o modus operandi do Banco réu nas relações que mantinha com os seus clientes.

D. Tal modus operandi, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.

E. E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros,

F. O que na realidade não era verdade e, como da simples leitura do mesmo se retira, o douto acórdão recorrido assim também o considerou.

G. Ficou plenamente demonstrado e provado nos autos que ao autor marido foi dito que o produto financeiro SLN 2006 era semelhante a um depósito a prazo.

H. Foi enganosa a informação prestada pelo BIC ao autor marido acerca das características do produto financeiro SLN 2006.

I. Do mail junto como Doc. ...0 da petição inicial, se conclui que os próprios funcionários do Banco recorrente admitem terem sido eles próprios levados a enganar os clientes.

J. O mail junto como Doc. ... da petição inicial é revelador de um padrão comportamental por parte das chefias do Banco, que consistia em seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse e está em sintonia com os depoimentos das testemunhas, traduzindo-se num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.

K. O facto fundamental e incontornável dos autos é que o produto financeiro aqui em apreço era apresentado aos clientes como se de um depósito a prazo se tratasse, um produto garantido pelo Banco.

L. O Banco devia ter informado o autor marido que se tratava de obrigações subordinadas, explicando em que consistia a subordinação, que o Banco se limitava a colocá-las no mercado e que os produtos em causa em nada eram semelhantes a um depósito a prazo e não eram sequer adequados ao seu perfil de investidor.

M. O D.L. n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, é uma lei meramente interpretativa, não inovadora, que se limitou a concretizar melhor uma das soluções de direito possíveis que já decorriam da lei anterior e que, como tal se integra na lei interpretada.

N. Os factos vertidos nos pontos 2.4; 2.17; 2.18; 2.20; 2.21 e 2.22 dos factos provados em 1.ª instância demonstram que foi por via do ardil, da astúcia e do engano que o Banco recorrente, por intermedio dos seus funcionários da agência de ..., levou o autor marido a subscrever quatro obrigações SLN 2006, que hoje não têm qualquer valor transacionável e nunca foram reembolsadas.

O. O dano dos recorridos é evidente e ostensivo.

P. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Q. Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de indemnizar o credor se demonstrar que lhe é censurável o facto de não ter adotado o comportamento devido.

R. O Banco réu não logrou provar que informou o autor marido, nos termos que lhe eram legalmente impostos, acerca das características das Obrigações SLN 2006.

S. Dos documentos n.º ..., ..., ... e ...0 da petição inicial e da matéria de facto provada extrai-se que o Banco recorrente violou de os deveres de lealdade, diligência, transparência, boa-fé e de informação a que estava adstrito.

T. O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.

U. O Banco recorrente atuou de forma ilícita e não ilidiu, antes confirmou, a presunção de culpa que sobre si impedia.

V. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e os danos que os autores reclamam salta á vista, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (produto semelhante a um depósito a prazo), que o autor marido acabou por adquirir as obrigações SLN 2006 dos autos.

W. Se tivessem sido previamente explicadas ao autor marido as características das obrigações SLN 2006 que este veio a subscrever, ou se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa do produto, nomeadamente quanto ao reembolso antecipado, que as obrigações eram apenas assumidas pela SLN e que, no caso de insolvência da SLN, o pagamento do capital investido ficaria subordinado ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo apenas prioridade sobre os acionistas da SLN, como se infere das aludidas notas informativas sob as epígrafes “Reembolso Antecipado” e “Garantias e Subordinação”, o autor marido nunca teria aceitado tal subscrição.

X. O contrato de conta bancária constitui o contrato bancário primogénito; é ele que inaugura, através da celebração de um contrato de abertura de conta, a relação obrigacional que é a relação jurídica bancária.

Y. O contrato de abertura de conta está na origem de uma relação obrigacional complexa, consubstanciada na existência de um conjunto de direitos subjetivos (em sentido amplo) e os deveres jurídicos ou de sujeições que advêm de um mesmo facto jurídico.

Z. Emerge daquele contrato-quadro um feixe de deveres de proteção, a cargo do intermediário financeiro, que se desdobram e autonomizam dos deveres acessórios de conduta e que têm por finalidade conservar a atual situação jurídica dos bens de ambos os sujeitos da relação obrigacional complexa, tutelando-os contra ingerências externas lesivas na sua pessoa, na sua propriedade ou no seu património.

AA. O dever de conhecimento do cliente encontra-se relacionado com o denominado princípio da proporcionalidade inversa consagrado no n.º 2 do artigo 312.º do CVM, relativamente aos deveres de informação.

BB. Tal princípio baseia-se na necessidade de tratamento diferenciado entre investidores, com vista à superação de inevitáveis desigualdades informativas e à possível reposição de uma tendencial igualdade.

CC. Havendo uma ligação especial entre o intermediário financeiro e a prossecução dos referidos deveres de proteção, formam-se por causa disso os denominados círculos de diligência devida.

DD. No âmbito da responsabilidade o intermediário financeiro, cabe ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte daquele demonstrar a existência desse dever, enquanto sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º e 312.º do CVM.

EE. Os autores, para além de serem investidores não qualificados, eram clientes conservadores, não dispostos a apostar em produtos de risco e que confiavam no seu gerente de conta relativamente aos produtos que lhes eram fornecidos e às informações que este lhes prestava.

FF. Sendo os autores investidores não qualificados, as informações a prestar sobre o produto que lhes estava a ser apresentado, tinham de ser completas, atuais e verdadeiras, incluindo informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando o produto ou serviço envolva risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado.

GG. O Banco réu não só prestou informações falsas e omitiu informações relevantes e essenciais para conhecimento do tipo de produto em causa, como desvalorizou por completo a informação de que o mesmo seria um produto reembolsável a 10 anos, dando a entender ao autor marido que este poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, o que, como ora se sabe, não correspondia, de todo, à verdade.

HH. O autor marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto com risco exclusivamente Banco.

II. Quanto maior for a complexidade do negócio, mais completa deve ser a informação a disponibilizar ao investidor; de igual modo, quanto maior for o risco envolvido no negócio em causa, maior deve ser o rol de elementos informativos a disponibilizar ao investidor.

JJ. O escopo do n.º 1 do artigo 304º-A do CVM é a recuperação normativa da tutela do cliente – materializada, na fixação de deveres específicos no quadro da conduta devida e consagrada na fase da responsabilidade civil do prestador do serviço financeiro perante o cliente.

KK. O n.º 1 do artigo 314.º do CVM encerra uma cláusula geral de responsabilidade civil a cargo do intermediário financeiro, pela violação dos deveres que sobre ele impendem no exercício da sua atividade – princípio geral de ressarcibilidade dos danos – abarcando quer a responsabilidade delitual quer a responsabilidade contratual.

LL. O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelos prejuízos ocasionados ao credor. Isto, quer se trate de não cumprimento definitivo, quer de simples mora ou de cumprimento defeituoso. A lei estabelece uma presunção de culpa do devedor: portanto, sobre ele recai o ónus da prova.

MM. No domínio da responsabilidade por factos ilícitos culposos contratuais, o facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais.

NN. A conduta do intermediário financeiro negligentemente inadimplente revestirá, necessariamente, a violação de um dever específico de conduta profissional devida.

OO. Quanto à culpa do intermediário financeiro, o n.º 2 do artigo 304.º do CVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família constante do artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil, consagrando um padrão de conduta profissional diligentíssima.

PP. A presunção de culpa do intermediário financeiro projeta implicações ao nível da relação de causalidade.

QQ. O Banco recorrente não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele impendia e os factos dados como provados deixam demonstrada a ocorrência de culpa grave da sua parte nas informações prestadas ao autor marido.

RR. O Banco recorrente, através dos seus funcionários, promoveu uma campanha agressiva de angariação de investidores, numa atividade de canibalização de depósitos.

SS. Tratou-se de técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência dos clientes a determinados produtos de risco que nunca subscreveriam se tivessem conhecimento de todas as caraterísticas dos produtos.

TT. As orientações e comunicações internas existentes no Banco réu e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.

UU. O Banco réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.

VV. Tais informações são insuficientes, omitindo informação relevantíssima quanto às caraterísticas do produto financeiro onde iam ser investidas as poupanças dos autores e são dadas de modo a induzi-los em erro, ao insistirem na equiparação das obrigações SLN 2006 a simples depósitos a prazo, sem os alertarem para as respetivas diferenças.

WW. O dever de informar torna-se muito mais operacional quando tenha estrutura obrigacional, devido à tutela da confiança.

XX. As consequências advenientes da proteção da confiança tanto podem consistir na preservação da posição nela alicerçada como num dever de indemnizar.

YY. O Direito português exprime a tutela da confiança através da manutenção das vantagens que assistiriam ao confiante, caso a sua posição fosse real.

ZZ. O dano indemnizável na responsabilidade bancária por informações abrangerá sempre o interesse contratual negativo, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não lhe fosse prestada a informação deficiente.

 AAA. Para efeito de imputação dos danos, o n.º 2 do artigo 304.º do CVM contém igualmente uma presunção de culpa e de causalidade.

BBB. Tendo em conta que entre o comportamento do intermediário financeiro e os danos sofridos pelo investidor medeia um facto do seu foro interno, isto é, a sua vontade, facilmente nos apercebemos da especial dificuldade de prova nesta matéria.

CCC. Perante a incontroversa omissão de um dever informativo, cabe ao Banco algum esforço probatório demonstrativo da irrelevância de tal omissão na produção dos danos sofridos pelo credor, sob pena de se alimentar uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para terceiros a ele alheios, situação que o legislador de todo não visou, neste segmento económico de forte regulação do mercado.

DDD. O legislador não visou a instalação da indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

EEE. O princípio da boa-fé, tal como está consagrado no instituto da culpa in contrahendo, faz deste o instrumento ideal para operar a proteção do contraente mais débil, uma vez que irá vincular mais fortemente o contraente mais forte.

FFF. No caso em apreço, o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano sofrido pelos autores.

GGG. Os factos dados como provados confirmam que a vontade do autor marido foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo Banco réu.

HHH. A atividade profissional é um ponto de conexão idóneo para a imputação de danos enquanto preenche critérios gerais a atender no juízo de distribuição dos riscos relevantes como o da introdução ou controlabilidade de um risco, o da capacidade para a sua absorção ou repercussão e o do saber quem tira o primordial proveito da fonte do perigo.

III. Em casos como a da responsabilidade do intermediário financeiro por informação incompleta ou enganosa, a responsabilidade pela confiança representa o único modo de enquadrar dogmaticamente concretas soluções e regimes previstos, uma vez que a proteção da confiança corresponde a um princípio ético-jurídico que, por estar firmemente radicado na ideia de Direito, não pode deixar de transpor o umbral da juridicidade.

JJJ. Há imposições tão fortes da Justiça que não as acolher significaria negar o próprio Direito, a sua razoabilidade e a sua racionalidade; imposições que se sentem de modo particular quendo não há alternativa prática que evite, para além do tolerável, a ameaça de ficar por satisfazer uma indesmentível necessidade de tutela jurídica. Nestes imperativos indeclináveis e indisponíveis se situa certamente o pensamento de que quem induz outrem a confiar, deve (poder ter de) responder caso frustre essa confiança, causando prejuízos.

KKK. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco (nem seria dada a natureza dos produtos), bem como nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do C. Civil.

LLL. Os autores foram desapossados da quantia de 100.000,00€ em troca de um produto financeiro que nunca teriam adquirido, não fossem as informações enganosas prestadas pelo Banco réu, enquanto intermediário financeiro.

MMM. Ficou demonstrado nos autos que o Banco réu estava obrigado a prestar informação respeitante ao instrumento financeiro em causa, de forma completa, verdadeira, atual, clara e objetiva (art.º 7.º, n.º 1 do CVM), e não o fez; estava obrigado a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e a observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de lealdade e transparência, e não o fez (art.º 304.º, n.ºs 1 e 2 do CVM); tinha o dever de prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão por parte do autor marido esclarecida e fundamentada, sobretudo por estar perante um investidor não qualificado, nomeadamente as relativas aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art.º 312.º, n.º 1 e n.º 2 do CVM), e também não o fez.

NNN. Está demonstrado nos autos e é um facto notório (que não carece de alegação nem de prova) que as contas da SLN eram falsificadas desde o ano 2000.

OOO. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, afinal não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de, já em 2006, a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN serem falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.

PPP. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações como a dos autos.

QQQ. Se uma norma de proteção procura reagir contra uma possibilidade de pôr em perigo típica e se, em violação dessa norma, ocorrer um prejuízo do género que a norma visa impedir, é de considerar, em primeira aparência, uma relação causal entre a violação da norma de proteção e o prejuízo.

RRR. Todos estes princípios, derivados do princípio fundamental da boa-fé, levaram não só a doutrina a defender a responsabilidade civil dos Bancos, nomeadamente na veste de intermediários financeiros, quando desrespeitassem tais deveres gerais, como o próprio legislador (artigos 304.º; 312.º e 314.º do CVM).

SSS. Pelo que terá o Banco Réu que responder pela violação dos deveres de informação previstos no artigo 312.º do CVM.

TTT. A jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal tem também perfilhado esta posição, nomeadamente, entre outros, nos Acórdãos de 17.03.2016, (Maria Clara Sottomayor), de 10.04.2018, (Fonseca Ramos), de 18/09/2018, (Salreta Pereira), de 18/09/2018, (Maria Olinda Garcia), de 25.10.2018, (José Manuel Bernardo Domingos) e de 26.03.2019 (Alexandre Reis).

UUU. Quanto à causalidade, ocorrendo um inadimplemento contratual, o devedor é (logo) responsável pelo valor da prestação principal frustrada. Não há margem para mais discussão: o dever de indemnizar é, pelo menos, decalcado do de prestar, a presunção de culpa do artigo 799.º envolve uma presunção de causalidade.

VVV. Os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações de que impliquem uma projeção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei certeza quanto á sua ocorrência.

WWW. Para que haja nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco réu traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, consistente na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos provados permitam formular um juízo de grande probabilidade de que a autora não teria subscrito aquela aplicação financeira se o dever de informar tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei ou seja de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e licita.

XXX. No caso dos autos, não estamos perante uma situação em que o dano resulta naturalisticamente de uma certa ação ou omissão. O que está em causa é uma situação hipotética.

YYY. O douto acórdão deste Colendo Supremo Tribunal de 25/10/2018 é demonstrativo de que, no âmbito da responsabilização do intermediário financeiro por violação dos deveres de informação, não podem ter aplicação as regras gerais do artigo 563.º do Código Civil, sob pena de incorrermos em prova diabólica.

ZZZ. A quantificação do dano faz-se indagando qual o valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.

AAAA. Ficou demonstrada a existência de um conflito de interesses entre a SLN e o Banco réu, uma vez que o BPN e a SLN tinham por Presidente do Conselho de Administração CC.

BBBB. Os autos são reveladores de intermediação excessiva, pois a atividade demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, o que se prosseguia era a canibalização dos depósitos.

CCCC. O prazo de prescrição a aplicar no caso sub judice é o prazo geral de 20 anos.

DDDD. Não foram violados quaisquer preceitos legais.

EEEE. Impõe-se a total improcedência do presente recurso e a confirmação do douto acórdão recorrido.”


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7. Admitido o recurso de revista e colhidos que foram os Vistos dos Senhores Juízes Conselheiros que intervêm no julgamento, cumpre apreciar e decidir, ao que nada obsta.

Atendendo às conclusões das alegações do recurso de revista apresentadas pelo banco recorrente, as questões a resolver reconduzem-se a saber se face aos factos apurados se apura a existência da obrigação do réu a reparar os danos causados aos autores por responsabilidade civil decorrente de violação do dever de informação do réu na qualidade de intermediário financeiro, aqui se incluindo a análise sobre a existência de nexo de causalidade entre a conduta do réu e o mencionado dano.


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FUNDAMENTAÇÃO

Parte I – Os Factos Provados

Os factos fixados pelas instâncias são os seguintes, considerando o elenco dos factos provados após a alteração nessa parte operada em segunda instância:

1. O réu é um Banco comercial que girava anteriormente sob a denominação “BPN – Banco Português de Negócios, S.A.”

2. Até à nacionalização do “BPN - Banco Português de Negócios, S.A.”, a totalidade do capital social do Banco em causa era detida, na íntegra, pela sociedade “BPN, SGPS, S.A.”, a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”.

3. O Banco réu, para além de ser, até à data da nacionalização do seu capital, uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro em instrumentos financeiros.

4. Os autores são, desde sempre e até à presente data, perante o Banco réu, investidores não qualificados.

5. Os autores são, há mais de 12 anos, clientes do Banco réu, através da agência de ....

6. Os funcionários do balcão onde os autores tinham depositadas as suas quantias estavam de boa-fé e acreditavam piamente que os produtos que vendiam eram seguros e que não ofereciam risco para os subscritores.

7. Os autores tinham, num depósito a prazo, no Banco réu, em abril de 2006, a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros), conforme doc. ...1 junto a fls. 145.

8. No mês de abril de 2006 um funcionário do Banco réu convenceu o autor marido a aplicar os € 200.000,00 (duzentos mil euros) do supracitado depósito a prazo, num produto apresentado como de capital garantido, mas com taxa de juro superior.

9. Assim, no dia 18 de abril de 2006, o autor marido subscreveu a compra de quatro obrigações SLN 2006, no valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e no valor global de € 200.000,00 (duzentos mil euros), conforme doc. ...2 junto a fls. 146, que aqui se dá por reproduzido.

10. Com data-valor de 08/05/2006, foi resgatado o referido depósito a prazo dos autores, no valor de €200.000,00 (duzentos mil euros), quantia que foi creditada e logo debitada na sua conta á ordem, para a aquisição, ainda naquele mesmo dia, de quatro obrigações “SLN 2006”, conforme docs. 11 e 13 de fls. 145 e de fls. 147, que aqui se dão por reproduzidos.

11. Entretanto, em 04/12/2007, o autor marido vendeu duas das quatro obrigações “SLN 2006”, que subscreveu em 18/04/2006, no valor global de € 100.000,00 (cem mil euros), encontrando-se os restantes dois títulos ainda hoje, depositados na carteira de títulos dos autores, junto do Banco réu, conforme docs. 15 e 16 de fls. 149 e 150 que aqui se dão por reproduzidos.

12. Enquanto houve lugar ao pagamento de juros pela GALILEI, o mesmo sempre teve lugar por intermédio do Banco réu, conforme doc. ...7 junto a fls. 151 que aqui se dá por reproduzido.

13. A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” não pagou as obrigações SLN 2006 na data do seu vencimento, em 8 de maio de 2016, nem posteriormente, até ao presente.

14. A mesma SLN SGPS, S.A. pagou os juros referentes às obrigações “SLN 2006” até abril de 2015.

15. A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, hoje denominada “Galilei, SGPS, S.A.” apresentou, no Tribunal da Comarca ..., um Processo Especial de Revitalização, o qual correu seus termos pela ... Secção de Comércio - J..., com o número 22922/15...., no qual foi proferida sentença que, declarando encerrado o processo negocial, sem aprovação do Plano de Recuperação, determinou o encerramento do Processo de Revitalização.

16. A “Galilei, SGPS, S.A.” foi, entretanto, declarada insolvente por sentença, de 29/06/2016, proferida pelo Tribunal da Comarca ..., ... Secção de Comércio-J..., no âmbito do processo número 23449/15.....

17. Os autores são reformados, têm a 4ª classe e eram aforradores.

18. Os autores são avessos a qualquer tipo de jogo ou de risco.

19. O autor aceitou subscrever os títulos em causa por lhe terem sido apresentados como produto de capital garantido, melhor remunerado do que os depósitos a prazo e pretendia rentabilizar o investimento.

20. Os autores, pretendiam que as aplicações não comportassem qualquer risco e que a recuperação dos valores fosse segura a 100%.

21. Estes factos eram do pleno conhecimento de todos os funcionários do Banco réu que com eles lidavam.

22. Os autores tinham plena confiança nos seus interlocutores funcionários do Banco, sendo sólida a relação de confiança estabelecida com o Banco.

23. No pretérito mês de março de 2017, os autores receberam um telefonema de uma funcionária do banco réu da agência de ..., a qual lhes pediu para se deslocarem à agência em causa e solicitarem por escrito o pagamento da quantia aqui em causa.

24. O autor marido assinou o documento a pedir o pagamento, conforme doc. 22 de fls. 163, tendo o mesmo sido entregue como solicitado ao balcão do Banco.

25. A nota informativa do produto era a que consta como doc. ... a fls. 97 a 129, bem como a fls. 200 a 216 como doc. ..., e que aqui se dão por reproduzidos.

26. Do referido boletim e subscrição junto como dc. 12 a fls. 146 consta que o reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

27. A nota informativa que constitui o doc. ... de fls. 97 a 129 nunca chegou a ser entregue aos autores.

28. Os clientes eram convidados a aderir ao novo produto como se se tratasse de um simples sucedâneo de um depósito a prazo.

29. Vigorava, na altura, a Instrução de Serviço (I.S.) n.º 19/01, de 05-02-2003, cujo tema é, precisamente, “Mercado de Capitais e Papel Comercial” junta como documento nº ... com a p.i.

30. Ao assinar tal documento, o autor julgava que se tratava de um simples sucedâneo de um depósito a prazo.

31. O autor marido só aceitou subscrever os títulos aqui em causa por que lhe foi afiançado pelo seu gestor de conta que o retorno das quantias subscritas era garantido pela SLN, dona do próprio Banco, que se tratava de um sucedâneo de um depósito a prazo e com características semelhantes.

32. Foi também dito ao autor este poderia, querendo, resgatar as obrigações a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros.

33. Aquando da subscrição, o funcionário do Banco réu que tratou da mesma não informou os autores que, ao subscreverem aquele produto, deixavam de ter o mínimo controlo sobre o seu dinheiro e, nomeadamente, perdiam a possibilidade de o movimentar, levantar ou até gastar dali para a frente.

34. Aquando da subscrição, o funcionário do Banco disse ao autor que a SLN era dona do banco e garantia o retorno dos valores em causa.”


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Parte II – O Direito

Importa então decidir se o enquadramento jurídico dos factos acabados de descrever permitem concluir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do banco réu e consequente obrigação no pagamento da indemnização atribuída aos autores pelo Tribunal da Relação de Guimarães, correspondente ao valor do capital investido e não reembolsado das “Obrigação SLN 2006” e respectivos juros.

1. Resulta dos factos apurados nestes autos que o banco réu, enquanto intermediário financeiro, colocou no mercado de valores mobiliários as “Obrigações SLN 2006”, tendo um dos seus funcionários, agindo ao seu serviço e sob as suas ordens, contactado o autor, cliente do banco réu, no sentido de o convencer a subscrever o referido produto financeiro.

O autor subscreveu quatro dessas Obrigações, sendo certo que o valor das duas “Obrigações SLN 2006” que os autores mantiveram na sua titularidade não lhes foi devolvido atingida que foi a sua maturidade (dez anos).

Invocam os autores que aquando da proposta de subscrição do referido produto financeiro não foram informados sobre as suas características nem, com verdade, sobre os riscos inerentes a tal investimento, tendo-lhes sido dito que o capital investido se encontrava garantido e seria integralmente devolvido, em circunstâncias semelhantes às dos depósitos a prazo.

Mais alegam que só porque tal lhe foi garantido subscreveram quatro “Obrigações SLN 2006” e que não o teriam feito se lhes fossem prestadas informações completas e verdadeiras sobre as características do produto e o risco de virem a perder o valor investido.

Vejamos então.

2. O contrato de intermediação financeira encontra-se regulado no Código de Valores Mobiliários aprovado pelo Decreto-Lei 486/99 de 13 de novembro, sendo aplicável ao caso dos autos o regime vigente à data da sua celebração,  nomeadamente, e no mais relevante, o resultante do Decreto Lei 52/2006 de 15 de março no que se refere aos princípios gerais de organização e exercício da actividade de intermediação financeira (artigo 304.º do Código de Valores Mobiliários) e ao regime originalmente estabelecido nos artigos 7.º (qualidade da informação), 312.º (deveres de informação aos investidores) e 314.º (princípios de adequação das operações de intermediação financeira) daquele diploma.

3. Como qualquer negócio jurídico, também o contrato de intermediação financeira assenta numa declaração de vontade negocial, sendo essencial que a comunicação dessa vontade ao declaratário seja feita de forma a habilitá-lo a conhecer e entender os elementos negociais relevantes para a decisão de contratar, à luz de princípios como a boa-fé negocial e o equilíbrio das prestações contratuais.

 Tratando-se da celebração de um contrato sinalagmático dele emergem direitos e deveres para ambas as partes, pelo que a obrigação estabelecida no artigo 406.º do Código Civil, assenta, em primeira linha, na boa-fé com que as partes devem actuar, tanto na fase preliminar da formação do contrato como na sua execução.

Na verdade, quem negoceia com outrém para a conclusão de um contrato, tanto nos preliminares como na formação dele, deve proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos causados à outra parte, como se prevê no artigo 227.º nº 1 do Código Civil.

Ora agir de boa-fé significa actuar com a lealdade, correcção, diligência e lisura exigível dentro de um padrão de conduta típico, abrangendo a prestação de todas as informações sobre as relações jurídicas a estabelecer e necessárias à decisão recíproca sobre a celebração do negócio, sua anulação ou resolução e/ou ineficácia.

4. A existência do dever de informação depende da verificação da essencialidade da informação sobre os factos a transmitir à contraparte no sentido de a habilitar a tomar a decisão de contratar de forma consciente e esclarecida e da assimetria da informação, ou seja, que os dados relevantes a transmitir sejam conhecidos apenas por uma das partes.

A transmissão da informação desconhecida de uma das partes à outra insere-se no plano pré-contratual, como instrumento de tutela da boa-fé negocial e de protecção da parte não informada ante o desequilíbrio que, sem ela, e em relação a essa parte se geraria com a conclusão do negócio.

Daí que o incumprimento do dever de informação e esclarecimento sobre os elementos relevantes para a formação esclarecida da vontade de contratar – a começar pela natureza e características das obrigações a assumir – seja fundamento idóneo à constituição da parte que omitiu a informação em responsabilidade civil.

O Professor Sinde Monteiro [1]explica que de “entre os grupos de casos de responsabilidade por culpa na formação dos contratos, conta-se o da celebração de um contrato não correspondente às expectativas, devido ao fornecimento pelo parceiro negocial de informações erradas ou à omissão de esclarecimento devido”.

A generalidade da doutrina [2] pronuncia-se no sentido de o mesmo suceder nos casos de erro provocado negligentemente pela contraparte através do fornecimento de informações inexactas, continuando tal conduta a ser fundamento bastante da obrigação de indemnizar por responsabilidade de índole pré-contratual.

5. Por outro lado, da conjugação dos artigos 7.º n.º 1 e 312.º do Código de Valores Mobiliários resulta que o intermediário financeiro está vinculado a prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” por parte do investidor, nomeadamente a respeitante aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar, sendo a extensão e profundidade da informação variáveis em função do grau de conhecimentos e de experiência do cliente, devendo, no entanto, ser sempre completa, verdadeira, actual, clara e objectiva toda a informação que respeite a actividades de intermediação que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores.

Tudo, para que, atendendo á natureza da actividade de intermediação financeira e aos riscos envolvidos o investidor possa compreender a operação e o risco inerente ao investimento e decidir de forma livre e esclarecida.

De resto, existe um especial dever de informação do intermediário financeiro no âmbito de operações que demandam uma inequívoca relação de confiança entre ele e o investidor, em especial quando se trate de investidor não qualificados, como é o caso dos aqui autores e ora recorridos, cujo concreto perfil de investidor deve ser tido em conta na escolha do produto recomendado pelo intermediário financeiro.

Trata-se, ao fim e ao cabo, de garantir no domínio da actividade de intermediação financeira a emissão pelos investidores de uma declaração negocial especialmente esclarecida e fundamentada.

6. Os acontecimentos recentes que puseram em crise a credibilidade do funcionamento da intermediação financeira e levaram à cessação da actividade do Banco Português de Negócios provocaram a jusante uma divergência jurisprudencial acerca do conteúdo do dever de informação a cargo dos intermediários financeiros, especialmente estando em causa investidores não qualificados e, quando constatada insuficiência da informação prestada, acerca da eventual existência de uma presunção de causalidade adequada entre o facto ilícito omissivo desse dever e o dano sofrido pelo investidor ou, em contraponto, e nos termos gerais, de um ónus de prova sobre esse pressuposto da responsabilidade civil a cargo do investidor.

Tais divergências jurisprudenciais, foram, já na pendência destes autos, solucionadas pelo Supremo Tribunal de Justiça através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022, publicado no Diário da República nº 212/2022, I Série de 3 de novembro de 2022, nos seguintes termos:

“1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”.

7. Importa então decidir, face aos factos apurados e a tudo o exposto, se o banco réu violou o dever de informação a que estava obrigado e se, em caso afirmativo, se verifica um nexo causal entre esse facto ilícito e o dano sofrido pelos autores.

Sobre a informação prestada aos autores nos presentes autos vem provado o seguinte:

“4. Os autores são, desde sempre e até à presente data, perante o Banco réu, investidores não qualificados.

(…)

8. No mês de abril de 2006 um funcionário do Banco réu convenceu o autor marido a aplicar os € 200.000,00 (duzentos mil euros) do supracitado depósito a prazo, num produto apresentado como de capital garantido, mas com taxa de juro superior.

9. Assim, no dia 18 de abril de 2006, o autor marido subscreveu a compra de quatro obrigações SLN 2006, no valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e no valor global de € 200.000,00 (duzentos mil euros), conforme doc. ...2 junto a fls. 146, que aqui se dá por reproduzido.

(…)

11. Entretanto, em 04/12/2007, o autor marido vendeu duas das quatro obrigações “SLN 2006”, que subscreveu em 18/04/2006, no valor global de € 100.000,00 (cem mil euros), encontrando-se os restantes dois títulos ainda hoje, depositados na carteira de títulos dos autores, junto do Banco réu, conforme docs. 15 e 16 de fls. 149 e 150 que aqui se dão por reproduzidos.

(…)

17. Os autores são reformados, têm a 4ª classe e eram aforradores.

18. Os autores são avessos a qualquer tipo de jogo ou de risco.

19. O autor aceitou subscrever os títulos em causa por lhe terem sido apresentados como produto de capital garantido, melhor remunerado do que os depósitos a prazo e pretendia rentabilizar o investimento.

20. Os autores, pretendiam que as aplicações não comportassem qualquer risco e que a recuperação dos valores fosse segura a 100%.

21. Estes factos eram do pleno conhecimento de todos os funcionários do Banco réu que com eles lidavam.

22. Os autores tinham plena confiança nos seus interlocutores funcionários do Banco, sendo sólida a relação de confiança estabelecida com o Banco.

(…)

28. Os clientes eram convidados a aderir ao novo produto como se se tratasse de um simples sucedâneo de um depósito a prazo.

29. Vigorava, na altura, a Instrução de Serviço (I.S.) n.º 19/01, de 05-02-2003, cujo tema é, precisamente, “Mercado de Capitais e Papel Comercial” junta como documento nº ... com a p.i.

30. Ao assinar tal documento, o autor julgava que se tratava de um simples sucedâneo de um depósito a prazo.

31. O autor marido só aceitou subscrever os títulos aqui em causa por que lhe foi afiançado pelo seu gestor de conta que o retorno das quantias subscritas era garantido pela SLN, dona do próprio Banco, que se tratava de um sucedâneo de um depósito a prazo e com características semelhantes.

32. Foi também dito ao autor este poderia, querendo, resgatar as obrigações a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros.

33. Aquando da subscrição, o funcionário do Banco réu que tratou da mesma não informou os autores que, ao subscreverem aquele produto, deixavam de ter o mínimo controlo sobre o seu dinheiro e, nomeadamente, perdiam a possibilidade de o movimentar, levantar ou até gastar dali para a frente.

34. Aquando da subscrição, o funcionário do Banco disse ao autor que a SLN era dona do banco e garantia o retorno dos valores em causa.”

8. Perante os factos apurados, e que acabam de ser relembrados, é patente que não foi cumprido pelo intermediário financeiro o dever de informação que sobre ele impendia no sentido de esclarecer os autores acerca das características essenciais do produto cuja subscrição lhes propôs (Obrigações SLN 2006), das respectivas obrigações e dos riscos inerentes à subscrição.

A subscrição das “Obrigações SLN 2006” realizada pelos autores foi desencadeada pelo intermediário financeiro e pelo funcionário do banco réu que bem conhecia o seu perfil de investidor não qualificado e que informou o autor que o produto em causa tinha capital garantido, o que, em verdade, não sucedia.

De facto, importaria que o réu tivesse esclarecido os autores que, tratando-se de obrigações subordinadas, a sua maior rentabilidade resultava do facto de terem associado um risco relativamente maior do que as obrigações clássicas pela circunstância de, em caso de insolvência da entidade emitente, o crédito dos subscritores só ser satisfeito após o pagamento de todos os créditos comuns.

Tal obrigação de informação do intermediário financeiro sobre a natureza e características do produto financeiro em causa não fica excluída pelo facto de o risco de insolvência da sociedade emitente, dona do banco réu, não ser então perspectivada como possível.

Em conclusão, o incumprimento desse dever pré-contratual de informação constituía, no regime resultante da conjugação dos artigos 7.º e 314.º do Código de Valores Mobiliários na redacção original então vigente, fundamento de responsabilidade civil (artigo 483.º n.º 1 do Código Civil) presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quando o dano fosse originado pela violação do dever de informação.

9. E que dizer quanto ao nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano sofrido pelo autor?

A este respeito importa salientar que se trata de averiguar se numa situação em que se prefigura a responsabilidade civil por omissão do dever de informação, provada que está a existência do dever jurídico do intermediário financeiro praticar o acto omitido e a sua efectiva omissão, ocorre também o segundo pressuposto do artigo 563.º do Código Civil, ou seja, que a prática do acto omitido teria, com elevado grau de probabilidade, obstado à verificação do dano alegado pelo autor, no caso consubstanciado na não devolução do valor das “Obrigações SLN 2006”.

Isto porque, nos termos do preceito em causa, que consagra a teoria da causalidade adequada, “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sorrido se não fosse a lesão”.

10. O nexo de causalidade entre a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro e o dano consubstanciado na não devolução do valor investido pelo autor, enquanto investidor não qualificado, foi identificado no já mencionado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022 e cujo segmento uniformizador se transcreveu supra, como sendo aquele que se estabelece entre a falta ou a inexactidão das informações prestadas pelo intermediário financeiro necessárias à tomada da decisão de investir e o prejuízo que decorre dessa omissão, sendo certo que o ónus de alegação e prova dessa relação causal pertence ao investidor.

11. Ora a esse propósito vem provado que o autor marido “só aceitou subscrever os títulos aqui em causa por que lhe foi afiançado pelo seu gestor de conta que o retorno das quantias subscritas era garantido pela SLN, dona do próprio Banco, que se tratava de um sucedâneo de um depósito a prazo e com características semelhantes”.

De onde resulta inequívoco que os autores lograram demonstrar a essencialidade da informação omitida pelo réu em relação à sua decisão de investir nas “Obrigações SLN 2006” em abril de 2006, ou seja, que não teriam subscrito tal produto nos termos em que o fizeram se o banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, lhe tivesse prestado a informação, completa e verdadeira, sobre a garantia de retorno do valor investido.

Ou, dito ainda de outra forma, acompanhando a formulação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 8/2022, lograram os autores demonstrar que “a prestação da informação devida os levaria a não tomar a decisão de investir”.

12. Os autores decidiram investir a quantia de 200.000,00 euros em “Obrigações SLN 2006” por estarem convencidos de que era um produto seguro, em tudo semelhante a um depósito a prazo.

Não o teriam feito, conclui-se, se lhes tivessem sido explicados os riscos inerentes a tal subscrição e prestada a informação que, afinal, não se tratava de produto financeiro equivalente a um depósito a prazo e que o retorno do capital investido não era garantido antes se tratava de obrigações subordinadas cujo regime lhes deveria ter sido também explicado.

Daí que, face aos factos apurados e tendo em conta o teor do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022, cujo segmento uniformizador se deixou descrito, se tenha também por verificado o nexo de causalidade entre a omissão da informação relevante por parte do intermediário financeiro e o dano que resultou da privação do valor investido e não reembolsado.

13. Em conclusão, por tudo quanto vem de ser exposto, o banco réu está obrigado a indemnizar os autores restituindo a quantia que eles investiram nas “Obrigação SLN 2006” e que não lhes foi restituída, em consequência da omissão de informação essencial.

Bem andou, por isso, o acórdão recorrido, ao condenar o réu no pagamento de tal quantia acrescida dos juros vencidos à taxa legal civil, desde a data da citação para a acção.

14. Termos em que improcede a revista interposta pelo banco réu.

Por ter ficado vencido o réu suportará integralmente as custas do recurso de revista.


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DECISÃO

Termos em que, julgam improcedente a revista e confirmam o acórdão recorrido.

As custas do processo ficam a cargo do réu recorrente.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 17 de janeiro de 2023

Manuel José Aguiar Pereira (Relator)

Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago Sottomayor

António Pedro de Lima Gonçalves

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[1] Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, págs. 47, 358, 360.
[2] Por todos, Paulo Mota Pinto, “Falta e Vícios da Vontade – O Código Civil e os regimes mais recentes”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol. III, pág.485) e Eva Sónia da Silva, As Relações entre a Responsabilidade Pré-contratual por informações e os vícios da vontade (erro e dolo), o caso da indução negligente em erro, pág.301 e segs.