Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
31/17.1T8PVZ.P2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
BANCO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DEVER DE INFORMAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Nos termos do AUJ n.º 8/2022, “para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”.

II. Resultando dos factos provados que “se o banco réu não tivesse dado a garantia o retorno do capital investido seguramente a A. não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro”, deve dar-se por verificado o nexo de causalidade.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

1. AA, residente na Alameda ..., ..., ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Banco BIC Português, S.A., com sede na Avenida António Augusto Aguiar, n.º 132, Lisboa, e Caixa Geral de Depósitos, S.A., Avenida João XXI, nº 63, Lisboa, pedindo:

a) a declaração de que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2006 ao BPN foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100%;

b) a declaração de responsabilidade do Réu BIC pelo reembolso desse capital;

c) e a sua condenação a proceder a esse imediato reembolso da quantia de 50.000,00 euros que foi investida na referida compra, acrescida de juros vencidos desde 07/10/2014 até reembolso do capital, e de 10.000,00 euros de indemnização por danos não patrimoniais;

d) a condenação da Ré Caixa no pagamento de indemnização a fixar em liquidação de sentença, pelos danos não patrimoniais causados.

Invocou a responsabilidade contratual e extracontratual do réu BIC, alegando, para tanto e em síntese, que adquiriu ao balcão do BPN uma obrigação SLN 2006, no valor global de 50.000,00 euros, com o prazo de 10 anos, tendo a mesma sido vendida com a garantia de ter o valor de capital garantido, sendo tão segura como um depósito a prazo. Foi ainda informado que poderia efetuar o resgate da aplicação ao fim de 5 anos.

Como o BPN foi nacionalizado, tentou proceder ao resgate antecipado do capital investido, que lhe foi negado.

Decorrido o prazo de 10 anos, foi informada que a aplicação em causa não tem cobertura de garantia de capital, porquanto a sociedade a que se reporta a obrigação encontra-se insolvente, sendo o BPN, actual BIC, apenas um intermediário da sociedade SLN.

2. A autora formulou desistência do pedido deduzido contra a Caixa Geral de Depósitos, tendo sido proferida decisão, transitada em julgado, que homologou tal desistência.

3. Citado, o réu BIC contestou, excepcionando a prescrição do direito invocado pela autora, por terem decorrido mais de 2 anos desde a data em que ela teve conhecimento da conclusão da operação. Alegou consubstanciar a atuação da autora abuso do direito, porquanto nunca reclamou do produto que subscreveu e foi sempre recebendo os juros que lhe eram devidos, gerando, assim, a confiança de que não colocaria em causa tal subscrição. No mais, impugnou os factos alegados, narrando as circunstâncias em que o produto em causa foi subscrito.

4. A autora respondeu à excepção de prescrição, sustentando não ser aplicável o referido prazo prescricional, mas, antes, o prazo de prescrição de 20 anos, que apenas se iniciou com o vencimento da obrigação em maio de 2016.

5. Realizada audiência prévia, foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova.

6. Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, tendo o marido da autora intervindo nos autos por forma a assegurar a sua legitimidade para a acção.

Foi junto documento comprovativo do consentimento deste para a propositura da presente acção.

7. Foi, então, proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:

a) declarou que a aquisição da obrigação SLN Rendimento Mais 2006 ao BPN foi efectuada no pressuposto que o produto financeiro em causa estava a coberto da garantia de reembolso de capital a 100%;

b) declarou que o R. Banco BIC é o responsável pelo reembolso do capital investido pela A. e marido, no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros);

c) condenou o R. Banco BIC a reembolsar a A. do capital investido, no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora contabilizados à taxa de 4%, desde o dia 09/05/2016, até integral reembolso, aplicando-se qualquer alteração à data de juro de mora civil que venha a verificar-se, enquanto tal reembolso não ocorrer;

d) absolveu o R. Banco BIC quanto ao mais peticionado.

8. Inconformado com esta decisão, dela apelou o réu BIC, S.A., para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão proferido em 30.05.2018, sem voto de vencido, mas com fundamentação diversa, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

9. Inconformado de novo com esta decisão o réu BIC, S.A., dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por Acórdão proferido em 7.02.2019, mandou baixar os autos ao tribunal recorrido para que, por determinação deste, no Tribunal de 1.ª instância se apreciasse o facto alegado seguinte: “se o banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente a Autora não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro” e, em função disso, julgar a causa em conformidade com o direito já definido, nos termos do preceituado no artigo 683.º, n.º 1 do CPC.

10. Realizada audiência de julgamento na 1.ª Instância, foi proferida, em 30.05.2019, sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência:

a) Declarou que a aquisição da obrigação SLN Rendimento Mais 2006 ao BPN foi efectuada no pressuposto que o produto financeiro em causa estava a coberto da garantia de reembolso de capital a 100%;

b) condenou o R. Banco BIC a pagar à A. a quantia de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), correspondente ao capital investido, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa de 4%, nos termos desta decisão, até integral reembolso, aplicando-se qualquer alteração à data de juro de mora civil que venha a verificar-se, enquanto tal reembolso não ocorrer;

c) absolveu o R. Banco BIC quanto ao mais peticionado.

11. Inconformado com esta decisão, dela apelou o réu para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão proferido em 18.11.2019, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

12. Inconformado com esta decisão veio o réu interpor recurso de revista “nos termos do disposto no artº 672º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil”, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. O douto acórdão da Relação de Évora violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações ... e que entende deveria ter sido informado ao A., sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2004, dez anos antes!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelo Autor, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar do autor não ser investidor com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

44. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao A. e o acto de subscrição.

46. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o A. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

52. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

53. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

54. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência, da falta de liquidez das obrigações ou que o capital era garantido e que é essa causa do seu dano!

64. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

67. E nada disto foi feito!

68. É que dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.

69. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

70. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!

71. A origem do dano do A. reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido”.

13. A autora respondeu, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do acórdão recorrido.

14. Em 20.02.2020 a Formação admitiu a revista excepcional e em 21.05.2020 a Exma. Conselheira Relatora a quem o processo foi inicialmente distribuído proferiu despacho determinando, a suspensão da instância, de harmonia com o disposto no artigo 272.º, n.º 1, in fine, do CPC, até ao julgamento do recurso para uniformização de jurisprudência no Proc. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.

15. Por jubilação da Exma. Exma. Conselheira Relatora a quem o processo foi inicialmente distribuído, os autos foram redistribuídos e, em 30.11.2022, concluídos à presente Relatora com a informação que a decisão proferida no Proc. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A havia transitado em julgado.

Cumpre, pois, apreciar e decidir.


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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir, in casu, é a de saber se o Tribunal recorrido devia ter dado por verificado o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e os danos sofridos pela autora.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1 – A A. é titular de obrigação SLN 2006, no valor global de 50.000,00 euros vendida ao balcão do BPN, agência de ..., subscrita em Novembro de 2006.

2 – Até ao dia 08/11/2014 foram pagos à A. os juros do capital investido.

3 – As acções do Banco BPN foram nacionalizadas pela Lei 62-A/2008, de 11/11, tendo a sua gestão sido atribuída à Caixa Geral de Depósitos.

4 - O Banco BIC adquiriu ao Estado Português em 30/03/2012 as acções que detinha do Banco BPN.

5 – O funcionário do balcão do BPN que vendeu a obrigação SLN 2006 afirmou, aquando daquela venda, que a mesma tinha capital garantido e era equivalente a um depósito a prazo, estando garantido o retorno do capital investido.

6 – Afirmou que era tão segura como um depósito a prazo e que lhe daria maior rentabilidade que este.

7 – O referido funcionário disse ainda que tal aplicação seria efectuada pelo prazo de 10 anos, estando o reembolso previsto para 08/05/2016.

8 – A A. e o marido adquiriram o produto atentas as condições que lhe estavam a ser dadas pelo funcionário do BPN.

9 – (eliminado por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto).

10 – Gerando na A. e marido dúvidas sobre o reembolso efectivo do capital investido.

11 – O R. BIC recusou o reembolso do capital investido após o decurso do prazo de 10 anos estabelecido, uma vez que a SLN se encontra insolvente.

12 – A A. e o marido sentem angústia perante a possibilidade de não lhes ser reembolsada a quantia de 50.000,00 euros que foi investida.

13 – Foi paga à A. e ao marido, a título de juros relativos à obrigação SLN 2006, a quantia de, pelo menos, 5.423,92 euros.

14 – A A. e o marido conheceram que haviam adquirido uma obrigação SLN pelo menos através dos extractos mensais periódicos que lhe foram enviados, onde todas as aplicações aparecem diferenciadas de acordo com a sua natureza.

15 – A A. e o marido procederam ao depósito da quantia de 223.500,00 euros no Banco BPN.

16 – Tendo em vista a aplicação desta quantia em produtos de elevada rentabilidade e sem risco.

17 – Foi sugerido à A. e marido que aplicassem 150.000,00 euros em UP´s de Fundo de Investimento BPN Imonegócios deixando a restante quantia à ordem para quando fosse possível adquirir obrigações SNL.

18 - As obrigações SLN foram emitidas pela SLN SGPS SA.

19 – Sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco BPN.

20 - Situação que se manteve até ser nacionalizada.

21 – Uma obrigação era então, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.

22 - Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais activos do seu património.

23 - O risco de um depósito a prazo no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da SLN ser indexado ao risco do próprio Banco.

24 - A A. e o marido foram informados que estava em causa um produto de acessível transmissão e, por essa via, de fácil obtenção de reembolso (rectificando a anterior redacção do facto 24).

25 – A A. e marido tiveram conhecimento da totalidades das características do produto Obrigações SLN 2006 em Novembro de 2008 com recepção de um email contendo a nota que informava do mesmo (aditando este facto).

26 – Se o banco réu não tivesse dado a garantia o retorno do capital investido seguramente a A. não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro.

27. As Obrigações SLN 2006 eram obrigações subordinadas, com o valor nominal de € 50.000,00, com reembolso a dez anos, sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor, ficando o reembolso do subscritor subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores, tendo, no entanto, prioridade sobre os acionistas da SLN, SGPS, SA. [aditado pelo STJ, no acórdão proferido em 07.02.2019, em extensão da matéria constante dos pontos 1 e 25, atento dos documentos de fls. 33 e 134 a 147, e ao abrigo do art. 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável ex vi arts. 663.º, n.º 2, e 679.º, todos do CPC].

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

a) A quantia de 50.000,00 euros que foi investida tivesse sido angariada após dezenas de árduo trabalho.

b) Tivesse sido efectuada a entrega da ficha técnica do produto.

c) O R. BIC tenha confiado que a A. não colocaria em causa a subscrição do produto por ter recebido os respectivos juros.

d) Tivessem sido dadas quaisquer outras informações à A. e ao marido no momento da aquisição do produto.

e) Em Novembro de 2011, o marido da A. solicitou o resgate de capital, o que lhe foi recusado

O DIREITO

Como decorre do antecedente Relatório, o direito aplicável ao caso ficou decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdão proferido em 7.02.2019), subsistindo apenas uma questão: a questão do nexo de causalidade.

O Tribunal recorrido decidiu no sentido da verificação do nexo de causalidade, atendendo à decisão sobre a matéria de facto e, sobretudo, ao teor do facto provado 26.

As dúvidas acerca dos parâmetros probatórios do nexo de causalidade no domínio da responsabilidade civil do intermediário financeiro ficaram resolvidas no AUJ n.º 8/2022 (ou seja, a decisão proferida no referido Proc. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A e já transitada em julgado), da seguinte forma:

Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”.

Decorre explicitamente do elenco dos factos provados que “se o banco réu não tivesse dado a garantia o retorno do capital investido seguramente a A. não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro” (cfr. facto provado 26).

Fica por esta via provado o nexo de causalidade entre a conduta ilícita do Banco réu e os danos sofridos pela autora nos termos definidos no AUJ n.º 8/2022.

Não merece, assim, qualquer censura o juízo feito pela Relação no sentido de dar por verificado o pressuposto do nexo de causalidade entre o incumprimento dos deveres de informação e o dano invocado pela autora, razão pela qual o presente recurso, em que se pede a revogação do Acórdão da Relação, tem de improceder.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas pelo recorrente.


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Lisboa, 19 de Janeiro de 2023



Catarina Serra (Relatora)


Rijo Ferreira


Cura Mariano