Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26583/15.2T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: INVENTÁRIO
PARTILHA DA HERANÇA
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 11/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. Nos termos do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, todas as questões relevantes para realizar a partilha são resolvidas na decisão sobre a forma da partilha (cfr. artigo 57.º, n.º 2 do RJPI).

II. Da decisão sobre a forma da partilha cabe recurso para o Tribunal de 1.ª instância (cfr. artigo 57.º, n.º 4 do RJPI), sendo, em regra, com este recurso que devem ser impugnadas as decisões interlocutórias (cfr. artigo 76.º, n.º 2, do RJPI).

III. Tendo as questões interlocutórias em causa sido decididas antes da ou na decisão sobre a forma da partilha e tendo-se esta decisão tornado definitiva, não podem aquelas questões ser (re)apreciadas.

IV. Sendo embora a sentença homologatória da partilha uma verdadeira decisão (na medida em que também ela efectua um julgamento), ela tem uma natureza diferente das demais sentenças, dado que o juiz se limita a fazer um controlo de legalidade e é dispensado de uma exaustiva indagação; daí que normalmente não seja necessária uma fundamentação específica da sentença.

V. Mesmo que sejam sempre subjectivamente censuráveis e devam, por isso, ser evitados, os exageros decorrentes do ênfase posto por cada uma das partes na defesa da sua posição não são – não devem ser – objecto de sanção em qualquer caso ou incondicionalmente.

VI. A típica “coloração” de factos efectuada por uma das partes que não comporte o risco de desviar o tribunal do apuramento da verdade e da factualidade relevante para a decisão da causa, ocorrida, além do mais, num quadro em que existiu desde sempre uma troca acesa de palavras e argumentos entre as partes, não é susceptível de conduzir à condenação em litigância de má fé.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO


1. Nos autos de inventário por óbito de EE, tramitados ao abrigo da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, em que é interessada e cabeça-de-casal BB e interessados FF, AA, GG, HH, II, CC e DD, veio a interessada AA interpor recurso da sentença homologatória da partilha que foi proferida em 21.03.2019.


2. Em 8.05.2021 promanou o Tribunal da Relação ....... Acórdão com a seguinte decisão:

Em face do exposto, acordam na ... Secção Cível do Tribunal da Relação .........:

a) - Julgar o recurso improcedente;

b) - Não condenar a apelante como litigante de má-fé”.


3. Inconformada, vem a mesma interessada AA interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1 - No âmbito da Lei nº 23/1013 de 5 de Março , as decisões , actos e omissões do notário no âmbito do processo de inventário, têm de ser apreciados pelo juiz , designadamente no tocante à sua legalidade e efeitos dentro e fora do processo, não sendo curial que se entenda que o Juiz tem de se limitar a verificar o mapa de partilha e as operações de sorteio , como se não existisse mais nada no processo e fosse irrelevante saber se o mesmo está ou não convenientemente saneado e tramitado.

2 - Por isso, a decisão homologatória da partilha não pode deixar de estar sujeita à disciplina do artigo 607º nº 3 e 5 do CPC.

3 - "...o juíz, agora, tem de proceder exactamente nos mesmo termos em que procede um Juiz ao proferir a sentença de primeira instância, por muito que se tenha almejado esconder a natureza da sua actuação jurisdicional pelo não uso da expressão que caracteriza a sua prolação. É uma sentença que finaliza o processo na lê instância, a que se chamou «decisão homologatória da partilha». Quer isso dizer que esta «homologação» carece de uma minuciosa fundamentação ( CPCiv., art.607s-3 a 5), sob pena de nulidade [art. 615º al-b) e c) ]." E essa fundamentação tem de conter a apreciação de todos os actos praticados que permitiram a elaboração do mapa de partilha definitivo e das operações de sorteio, vale dizer o rigor dos pressupostos processuais e todos os procedimentos havidos." ( cf, Augusto Lopes Cardoso , in Partilhas Judiciais - 6^ Edição 2015( completamente revista, adaptada e actualizada pelos RJPI e CPCiv. de 2013) Almedina, III Volume pág 20 e 21)

4 - Nesta conformidade, ao Julgar que não se aplicam as regras do artº 607º do CPC à decisão homologatória da partilha, o douto acórdão sob revista violou o artigo 607º do CPC, que não aplicou, assim como também por falta de aplicação violou o artigo 615º nº 1 b] do CPC.

5 - O Tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do direito ao e entender que a sentença homologatória da partilha não tinha que conhecer das questões enunciadas na 3â conclusão do Recurso de Apelação.

6 - Competia à lã instância apreciar as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do processo de inventário, e, neste exacto sentido , vai o entendimento expresso pelo Dr. Augusto Lopes Cardoso em Partilhas Judiciais - 6- Edição 2015 ( completamente revista, adaptada e actualizada pelos RJPI e CPCiv. de 2013, Almedina, III Volume pág 21 e 22, que de seguida se transcreve:

" E a correcta hermenêutica é, portanto, a de que as «decisões interlocutórias proferidas» pelo Notário, quando oportunamente «impugnadas» no decurso da tramitação, têm obrigatoriamente de ser apreciadas precisamente na decisão homologatória da partilha, esta, sim, proferida pelo Juiz de 1- Instância. Só então a apreciação/decisão ganhará carácter jurisdicional para que, então, possa haver "impugnação" em 2â Instância, e isso então conjuntamente «no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha», recurso este de apelação que terá diversos objectos.

Quer isto dizer que a decisão homologatória da partilha tem hoje um âmbito e uma exigência muitíssimo maiores, pois, para além de, como se disse, usar como fundamentação a apreciação de toda a tramitação para aferir da sua plena legalidade, vai ter de julgar cada um dos incidentes que geraram decisões notariais interlocutórias oportunamente impugnadas e que ficaram a aguardar a análise do Juiz na altura procedimental devida."

7 - Impende sobre o Juiz o dever de verificar a legalidade da partilha, quer no aspecto substantivo quer na vertente processual. Por conseguinte, quando o processo é concluso para efeitos de homologação da partilha, o juiz tem o poder - e o dever - de controlar a legalidade e regularidade dos actos praticados , e , portanto, de conhecer das questões já suscitadas e reclamadas.

8 - No caso dos presentes autos, as questões cuja omissão de se arguiu na Apelação, já haviam sido expressamente decididas pelo notário e ainda podiam vir a ser impugnadas judicialmente nos termos previstos no artigo 76º, nº 2, do RJPI, pelo que deveriam ter sido objecto de apreciação do juiz aquando da decisão sobre a homologação, ou não, da partilha, e, neste sentido O douto Acórdão da Relação de Coimbra , de 05-05-2020, que decidiu "l - No processo de inventário tramitado ainda ao abrigo da Lei nº 23/2013 de 05.03, o notário não pode decidir as impugnações contra as suas decisões que possam influir na divisão, antes, e não sendo caso de recurso com subida imediata, elas devendo ser apreciadas pelo Juiz, em sede de decisão sobre a homologação da partilha, sob pena de nulidade desta decisão – artºs 66º nº 3 e 76º nº 2 da cit Lei."

9 - A não ser assim, ver-se-iam os tribunais de 2- instância , na circunstância de terem de apreciar despachos do Notário, logo , actos não jurisdicionais mas apenas administrativos , o que sempre contrariaria o ns 1 do artigo 68º do CPC e a própria imposição constitucional de ser a função jurisdicional reservada ao juiz. (art. 202º da CRP)

10 - À face da Lei 23/2013 de 05-03 , designadamente dos seus artigos 3º, nº 7, 13º, nº 2,16º, n°s 4 e 5, 57º, nº 4, 66º, nos 1 e 3, 69º, 70º e 76º, não se pode concluir que das decisões do Notário caiba recurso directo para o Tribunal da Relação, não cabendo recurso per saltum das decisões do notário para o Tribunal da Relação , pois caso fosse essa a intenção do legislador sempre teria formulado expressamente a respectiva norma , dado não ser essa a regra em matéria de recursos no CPC .

11 - Quando o artigo 76º nº 2 do RJPI se refere a recursos para a Relação, tais recursos só podem ser das decisões proferidas pelo Juiz de lâ instância, ou seja , aquela decisão que homologa a partilha, ou outras , que possam ter sido proferidas pelo tribunal da 1ª instância no âmbito de recursos das decisões interlocutórias proferidas pelo notário e cuja recorribilidade está expressamente prevista no RJPI, sendo o seu conhecimento ab initio pelo tribunal da lâ instância, conforme o já citado art 76º, nº 2, do RJPI, e depois, eventualmente, subindo para a Relação.

12 - Neste sentido vem o douto Acórdão da Relação de Évora, de 05-04-2016, CUJO sumário é O seguinte: "No processo de inventário, é da competência do tribunal de l.ª instância o recurso das decisões do Notárío."e também o douto Acórdão da Relação de Coimbra de 20-06-2017, com o seguinte sumário;" No processo de inventário, é da competência do tribunal de 1ª instância o recurso das decisões do Notário"

13 - Nesta conformidade, o douto acórdão recorrido concluindo que "a sentença homologatória do mapa de partilha não padece da pretendida nulidade por omissão de pronúncia ", viola, para além dos artigos 66º nº 3 e 76º nº 2 do RJPI por errada interpretação, 608º nº 2 e o artigo 615º nº 1, al. d) do CPC, aplicável "ex vi" do art. 82º do RJPI, aprovado pela Lei 23/2013, de 5-03, por não aplicação .

14 - Por força da Lei a ora recorrente, interessada directa no inventário, tinha de ser pessoalmente notificada para a 2â Sessão da Conferência de Interessados , de acordo com o disposto no artigo 47º nº 4 do RJPI aprovado pela Lei 23/2003 de 5 de Março e no artigo 247º nº 2 do CPC, pois residia na área do município onde se encontra situado o cartório notarial e a sua mandatária não tinha poderes forenses especiais , nem quaisquer poderes para a representar na conferência de interessados, e não o tendo sido ocorreu a nulidade prevista no artigo 195 nº 1 do CPC.

15 - No caso dos autos a nulidade secundária a que se reporta o artº 195º nº 1 do CPC decorrente da omissão da notificação pessoal à interessada para comparecer na segunda Conferência Preparatória, admite recurso uma vez que contende com o princípio do contraditório e com o princípio da igualdade substancial das partes, já que, não tendo sido notificada e não tendo estado presente nessa conferência a ora recorrente nela não participou e não votou a proposta que aí foi aprovada por maioria.

16 - A nulidade cometida influiu na decisão da causa na medida em que se reflectiu no resultado da votação da proposta de composição dos quinhões, pelo que o Tribunal da Relação ..... podia apreciar a pretendida revogação do acto do Notário e, em consequência, anular a Conferência Preparatória e os actos subsequentes.

17 - Nesta conformidade foram violados os artigos 47º nº 4 da Lei 23/2013, e, do Código de Processo Civil os artigos: 247º nº 2 , 195 nº 1 , 630º nº 2 , 2ª parte e 3º nº 1 e 3 .

18 - A decisão de indeferimento da arguição da referida nulidade proferida pelo próprio Notário que a cometeu, é uma decisão administrativa e não judicial, pelo que não pode deixar de ser sindicada por um Juiz , sob pena de intolerável , ilegítima e inconstitucional supressão das garantias da interessada ora recorrente.

19 - O entendimento expresso no douto acórdão recorrido quanto à irrecorribilidade por se tratar de nulidade secundária , só estaria correcto se a sentença homologatória da partilha tivesse conhecido da invocada nulidade o que não acontece], recaindo então sobre essa questão uma decisão judicial.

20 - Ao Julgar que não tinha de ser também dirigida notificação pessoal à interessada para comparecer pessoalmente naquela Conferência, porque a sua mandatária havia sido notificada, - não tendo esta poderes especiais como resulta dos autos - indeferindo a requerida revogação do acto do Notário e a declaração de nulidade da Conferência Preparatória e actos subsequentes , o douto acórdão recorrido violou os princípios os artigos 47º nº 4 da Lei 23/2013 , por errada interpretação e, do Código de Processo Civil os artigos: 3º, 4º, 247º nº 2, 195 nº 1 e 2 do CPC que não aplicou.

21 - 0 entendimento do Acórdão recorrido quando afirma que " se a parte pode fazer-se substituir por mandatário, não é chamada a praticar acto pessoalmente e, por isso, não tem de ser notificada pessoalmente, bastando a notificação ao respectivo mandatário ", não é de acolher pois o teor literal e sentido jurídico artigo 47º nº 4 do RJIP não autoriza tal interpretação dado que a parte , ora recorrente , não conferiu poderes especiais à sua mandatária, pelo que tinha esta de ser chamada a praticar acto pessoal.

22 - Cumpre frisar que não é verdade que o referido e ilegal entendimento se possa sustentar na obra citada (Cf. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol 11, 6ã edição, pág. 311). “ pois aí vem defendido exactamente o contrário.

23 - 0 douto Acórdão recorrido devia ter revogado o acto de Notário de 21/11/2017 na parte em que alterou o texto da proposta apresentada e votada na sessão de 18/01/2017 pois tal despacho não tem correspondência com o teor da acta de 11/10/2017.

24 - Na acta da Conferência Preparatória do dia 11/10/2017, o Notário consignou a falta de quórum para deliberar sobre a forma de composição dos quinhões nos termos do preceituado no n.Q 1 do artigo 48° do RJPL, pelo que não consta desta acta qualquer deliberação tomada pelos interessados , nem que os interessados presentes tenham reiterado a proposta apresentada pela interessada HH através do seu ilustre mandatário , o Dr. JJ nem que esta tivesse sido deliberada e aprovada por maioria de dois terços dos titulares do direito à herança, pelo que inexiste tal deliberação, sendo a " proposta dos lotes" como consignou na folha 19 da mencionada acta de 18-10-2017 , " Por conseguinte a proposta dos lotes foi submetida a votação" (sicj a única que existiu e foi aprovada.

25 - A eliminação da frase " e que não incluem participações sociais, suprimentos, apenas englobando bens imóveis.", da declaração feita pelo ilustre mandatário da interessada HH na acta de 18-01-2017, não consubstancia uma rectificação de um erro de escrita revelado no contexto da declaração como estipula o artigo 249º do Código Civil mas sim a substituição por outra proposta, substancialmente diferente, o que a citada disposição legal não autoriza.

26 - A alegada "rectificação" modificou substancialmente o que fora deliberado e votado na conferência de 18-10-2007, alterando o seu texto, sentido e alcance da proposta votada, que tinha como pressuposto que a partilha passasse a ser parcial, como expressamente declarou ficou consignado na acta de 18-01-2017.

27 - A interessada directa GG , que não estava presente aquando da " rectificação" , quando foi notificada do despacho de 06-11-2017 que complementa o despacho de 18-01-2017, ou seja da alegada rectificação , logo reagiu através do requerimento que apresentou em 21/ll/2017,declarando que apenas votara a "proposta dos lotes" a qual, segundo o seu texto apenas englobava bens imóveis.

28 - Esta Interessada, não está representada nos autos por mandatário judicial, e jamais foi notificada para constituir mandatário, - o que , salvo melhor opinião consubstancia uma nulidade de conhecimento oficioso- pelo que, sendo leiga na matéria não tinha obrigação de saber que o texto da primeira parte da declaração , relativa à " compropriedade das quotas sociais e suprimentos" " não faz sentido do ponto de vista jurídico", como se lê na acta do dia 11 de Outubro de 2017 , o que foi utilizado como justificação para a eliminação da referida frase.

29 - Não se trata pois de um lapso manifesto que tivesse de ser rectificado, mas sim de uma nova proposta que agora já englobava as participações sociais, pelo que contrariamente ao decidido pelo douto Acórdão recorrido , desvirtua e altera o que foi decidido pela maioria qualificada dos interessados , e por isso devia ter sido revogado, e não o tendo sido violou-se o artigo 249Q do Código Civil por errada aplicação.

30 - A jurisprudência muito maioritária, senão mesmo unânime do STJ é no sentido de que para a adjudicação em compropriedade, não pode prescindir-se do acordo de todos os interessados.

31 - "II- Só será legítimo partilhar bens por via da adjudicação em comum de verbas aos interessados, no processo de composição de quinhões, desde que ocorra acordo dos interessados, com expressa manifestação de vontade nesse sentido, sob pena de se aceitar, por iniciativa do juiz, uma imposição de compropriedade que contraria a finalidade do processo de inventário e o regime do art. 1412° do CC," e "Para a adjudicação em compropriedade, tem entendido a jurisprudência deste Supremo Tribunal que não pode prescindir-se do acordo de todos os interessados" cf. O douto Acórdão do STJ de 17-05-2016, respeitante ao processo 2862/08.4TBMTS.P1.S1, lâ Secção em www.dgsi.pt.

32 - A verba 22, é composta por acções que à data do óbito do de cujus pai da ora recorrente eram ao portador. A verba 22 não foi sorteada.

33 - A aquisição em compropriedade não permite que o processo do inventário cumpra a função de proceder à partilha de bens, razão pela qual não pode prescindir-se de acordo de todos os interessados para a adjudicação em comum de bens ou verbas.

34 - 0 artigo 61º nº 1 do RJPI aprovado pela Lei 23/2013 só por si, já afasta a possibilidade de imposição da composição de quinhões em regime de compropriedade de verbas, pois que só permite requerer a adjudicação de verbas por inteiro, e não parte ou quota de alguma dessas verbas, constituindo o seu n3 4, que consubstancia uma adjudicação forçada em compropriedade , uma norma excepcional, pelo que , a admissibilidade da adjudicação em compropriedade contra a vontade dos interessados ou de um deles, em processo de inventário, viola a citada disposição legal.

35 - "A admissibilidade de partilhas acordadas por maioria viola claramente o princípio da intangibilidade da legítima". [cf. Conselheiro Carlos Lopes do Rego A recapitulação do inventário pág. 6 em Julgar online, dezembro de 2019.]

36 - Em face da revogação operada pela Lei nº 117/2019 de 13/09 da possibilidade de os interessados deliberarem por dois terços dos titulares do direito à herança a composição de quinhões (artigo 48º nº 1 do RJPI) impondo agora o artigo llll2 do CPC a regra da unanimidade para o acordo sobre a composição de quinhões. ( cf. nº 2 da referida norma legal), o douto Acórdão recorrido devia ter procedido a interpretação actualista da lei vigente ao tempo da sua aplicação, peio que, de acordo com a finalidade e fundamento jurídico do processo de inventário deveria ter interpretado e entendido que a proposta de composição de quinhões que foi aprovada por maioria de 2/3 ao abrigo do disposto no artigo 48º nº 1 do RJPI contra a vontade da interessada ora recorrente, viola o princípio da intangibilidade qualitativa da legitima.

37 - Neste Inventário as participações sociais são indiscutivelmente os "bens " que constituem o esmagador maior valor dos bens a serem partilhados.

38 - A adjudicação das participações sociais , designadamente da verba número 22 ( composta por 4750 acções ( cupão 501 a 5250] de valor nominal de 5€, tituladas pelo inventariado e, 4650 acções [ cupão 5251 a 10.000) tituladas pela cabeça de casal , na sociedade Imobiliária ......., SA) aos interessados em compropriedade, na proporção dos respectivos quinhões hereditários, não cumpre a finalidade do processo de inventário, pois que apenas formalmente se partilham os bens, impondo-se à ora recorrente sem o seu consentimento um regime de compropriedade assim mantendo a indivisão da natureza diferente dessa indivisão.

39 - A compropriedade desta verba resulta no esvaziamento dos poderes compreendidos no direito de propriedade, sendo impraticável o exercício de direitos sociais, ficando a recorrente refém do consentimento dos outros contitulares para o seu exercício. A compropriedade de acções também impede a sua disposição, venda ou oneração, não tendo pois qualquer utilidade para os contitulares minoratários , que assim ficam desapossados dos mais valiosos bens da herança, não se vislumbrando aplicação para o uso da coisa comum nos termos do artigo 1406º nº 1 e 2 do Código Civil.

40 - Nesta conformidade, a adjudicação em compropriedade das verbas que constituem as participações sociais é nula, ilegal e inconstitucional por violação do direito de propriedade insíto no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, pelo que a composição de quinhões que o Notário consignou no despacho de 21/11/2017 é ilegal devendo tal despacho ser revogado, e assim também o é mapa de partilha .

41 - Foram, pois, violados os artigos 48 nº 1 do RJPI, 9º, 1406º nº 1 e 2 e 2163º do Código Civil, por errada aplicação.

42 - As verbas 103 e 104 consubstanciam depósitos a prazo , portanto depósitos em moeda com curso legal em Portugal, em concreto a verba 103 no montante de € 17.188€ e a verba 104 de 7500,00€ ,pelo que não podem ser licitadas por valor inferior àqueles montantes que têm valor certo, real e imutável , correspondente ao montante depositado , sob pena de a diferença entre os 85% e os 100% , correspondente e 3704,00 € consubstanciar uma doação da herança à cabeça de casal que os licitou por proposta em carta fechada, o que se traduziria em negócio nulo nos termos do artigo 294º do Código Civil”.


4. BB veio, por seu turno, apresentar contra-alegações, que terminam com as seguintes conclusões:

1. Alega a Recorrente que não se verifica o “regime restritivo da “dupla conforme”, na medida em que a sentença homologatória não realizou qualquer julgamento, nem de facto nem de direito, como, aliás, se mostra exarado no ponto 1 do sumário do próprio acórdão recorrido”.

2. Porém, o que vem plasmado no Sumário do douto Acórdão é que “A sentença homologatória do mapa de partilhas não realiza qualquer julgamento, nem de facto nem de direito e, por isso, não se lhe aplicam as regras do artº 607º do CPC relativas à fundamentação da decisão, até porque nessa sentença homologatória não há, por regra, questões a que importe dar solução.”

3. Apesar de o legislador não impor que a Sentença homologatória da partilha tenha de ser extensamente fundamentada, em momento algum se põe em causa a natureza judicial desta Decisão.

4. A Decisão homologatória da partilha trata-se de uma verdadeira Sentença, proferida no âmbito dos poderes conferidos ao juiz, estando todas as entidades, obrigadas a respeitá-la.

5. Antes de proferir a Sentença homologatória, o Juiz tem o dever de verificar a legalidade da partilha, bem como os trâmites processuais, eventuais nulidades processuais e excepções de conhecimento oficioso.

6. A decisão homologatória da partilha é uma Sentença Judicial e o recurso desta para o Tribunal Superior consubstanciou o primeiro grau de recurso.

7. Em obediência ao disposto no número 3 do artigo 66º, bem como do nº 1 do artigo 76º ambos do Regime do Processo de Inventário, deve observar-se o previsto no regime de recursos, plasmado no Código de Processo Civil.

8. A Recorrente recorreu da decisão homologatória da partilha para o Tribunal da Relação …..... e, inconformada, com o teor do Acórdão da Relação, que veio a confirmar a Decisão proferida pela 1ª instância, a Recorrente apresenta agora as suas Alegações para o Supremo Tribunal de Justiça.

9. Dispõe o artigo 671º número do Código de Processo Civil dispõe «(…) que não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”,

10. A dupla conforme consiste num pressuposto negativo de admissibilidade do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que, foi introduzida precisamente, com o propósito de filtrar o acesso a esta instância máxima.

11. O Acórdão do Tribunal da Relação ......... objeto do presente recurso não procedeu a qualquer alteração face ao decidido pelo Tribunal de primeira instância, tendo confirmado a decisão de homologara partilha feita pelo Notário.

12. Não estão reunidos os requisitos legais necessários para a admissão do recurso de revista apresentado pela Recorrente, uma vez que se verifica a dupla conforme.

13. A decisão homologatória recorrida não padece de nenhuma ilegalidade, não merecendo qualquer censura.

14. A decisão homologatória tem um alcance limitado, quando comparada com a sentença proferida em processo comum.

15. Desta forma, muito bem esteve o Mmº Juiz de 1ª instância quando proferiu decisão no sentido em que proferiu, nada mais havendo a fundamentar ou a decidir nesta fase de tramitação processual do processo de inventário.

16. Não existe qualquer violação do disposto no artigo 607º nº 3 a 5 do CPC ou no artigo 615º nº 1 d) do CPC ou dos artigos 20.º, 202 nº 2 e 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

17. A decisão do Douto Tribunal da Relação foi inteiramente correta ao considerar que a Sentença homologatória do mapa de partilhas não realiza qualquer julgamento, nem de facto nem de direito e, por isso, não se lhe aplicam as regras do artº 607º do CPC, visto que nessa sentença homologatória não há, por regra, qualquer questão a solucionar, rectius, a que importe dar solução.

18. A decisão do Douto Tribunal da Relação foi igualmente correta ao considerar a sentença homologatória do mapa de partilha não padece da pretendida nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que a mesma não tinha de apreciar as invocadas decisões interlocutórias decidas pelo Notário.

19. Não existe qualquer omissão da notificação para comparecimento na segunda sessão da conferência preparatória marcada para o dia 11/10/2017.

20. A Recorrente foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 do artigo 57º de RJPI, e fez-se representar na conferência preparatória por mandatário, pelo que a notificação para a data de continuação dessa conferência foi expedida para e recebida pela referida advogada Dra. LL, em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 247º do CPC e nº 1 do artigo 9º da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto.

21. Inexistindo a nulidade processual invocada pela Apelante.

22. Todos os interessados estiveram presentes e/ou representados na referida Conferência de Interessados realizada no dia 18/01/2017, tendo assistido à exposição da proposta que foi muito clara no sentido de as sociedades que fazem parte do acervo hereditário se manterem na compropriedade de todos os interessados na proporção correspondente à sua parte no quinhão hereditário.

23. A acta redigida pelo Notário Dr. MM continha um lapso de escrita material.

24. Este lapso de escrita é manifesto, na medida em que as sociedades descritas nas referidas verbas e que se manteriam em compropriedade, incluem participações sociais e suprimentos.

25. Perante a deteção deste lapso de escrita manifesto, o mandatário da interessada HH, requereu ao notário a sua correção, de forma que o texto da acta passasse a refletir com exatidão o que tinha sido por si proposto.

26. O lapso foi corrigido pelo notário a requerimento do interessado autor da proposta de partilha, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 614º do CPC, aplicável por remissão do artigo 82ºdo RJPI.

27. Estas alterações no texto efetuadas pelo Notário a pedido de um dos interessados na partilha não consubstanciam uma alteração ao sentido e ao alcance da proposta que foi votada, mas apenas a correção de um lapso de escrita manifesto.

28. O despacho do Notário de 21/11/2017 não é ilegal e, por isso, não tem que ser revogado.

29. Alega a Recorrente que a proposta de partilha que foi homologada viola o princípio da intangibilidade qualitativa da legítima, dada a imposição contra a vontade da Apelante, dos bens que compõem o seu quinhão porque, as ações que constituem a verba 22º, são ações não registadas, ao portador.

30. Nada obsta a que as ações que constituem a verba 22º sejam atribuídas /adjudicadas em compropriedade.

31. É pacificamente aceite na jurisprudência e doutrina que as ações ao portador podem ser detidas em compropriedade.

32. Com a Lei n.º 15/2017 foi proibida a emissão de valores mobiliários ao portador, o que implica que os titulares dos valores mobiliários possam ser identificados e conhecidos;

33. A adjudicação em compropriedade da verba 22º não é nula, nem ilegal e não viola o direito de propriedade ínsito no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.

34. Os lotes foram compostos de forma equilibrada e sorteados e a solução de compropriedade proposta ocorreu exatamente para precaver um caso de violação do princípio da intangibilidade qualitativa da legítima.

35. Termos em que o despacho de 21/11/2017 é legal, não merecendo qualquer censura.

36. Decidiu bem o Tribunal a quo ao considerar que “não se vislumbra que a adjudicação em contitularidade das acções seja ilegal ou violadora do artº 62º da CRP”.

37. Não se considera ilegal a adjudicação das verbas 103 e 104 à cabeça de legal por meio de proposta em carta fechada, uma vez que tudo foi processado de acordo com o disposto na lei aplicável - número 3 do artigo 50º da Lei 23/2013 - inexistindo qualquer irregularidade ou nulidade.

38. O Acórdão recorrido é foi inteiramente bem decidido devendo manter-se in Totum”.


5. Também os interessados CC e DD apresentaram contra-alegações, em que concluem:

A. O recurso a que ora se responde deve ser liminarmente rejeitado, por conformidade entre a decisão proferida na 1.ª e na 2.ª instância relativamente às questões (novamente) invocadas no presente recurso, verificando-se a regra da dupla conforme, sendo irrelevante, para o efeito, a realização ou não de diligências processuais (mormente audiência de julgamento).

B. Neste sentido pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.18.2021 proferido no proc. n.º 1801/18.9T8AMT.P2.S1.

C. As decisões de 1.º e 2ª instância não merecem qualquer reparo, pelo que devem manter-se.

D. O presente recurso carece de qualquer fundamento não passando de mais um expediente dilatório por parte da ora Recorrente, sendo ele próprio uma repetição de tudo quanto a Recorrente já tinha dito no decurso do processo de inventário em várias outras peças processuais.

E. A sentença recorrida cumpriu o dever de fundamentação imposto a uma sentença homologatória da partilha, incidindo a homologação sobre o mapa e as operações de sorteio, constituindo uma sentença que na ausência de qualquer ilegalidade, homologa a partilha operada no processo de inventário, não padecendo de qualquer vício de falta de fundamentação, pelo que deve a sentença recorrida ser mantida nos presentes termos em que foi proferida, não existindo qualquer nulidade por falta de fundamentação e omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. b) e d) do CPC).

F. Não pode a Recorrente afirmar que o Juiz deixou de se pronunciar “sobre questões que devesse apreciar” (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC), nomeadamente sobre as questões enunciadas na 3.ª conclusão do recurso de apelação, quando tal pronúncia resulta expressamente do Acórdão recorrido.

G. A alegada omissão de pronúncia prende-se apenas com a divergência da Recorrente quanto à decisão proferida e não quanto a uma verdadeira (mas inexistente) omissão de pronúncia.

H. Acresce que o Tribunal não está obrigado a conhecer todas as questões, pretensões, alegações das partes, sob pena de incorrer em nulidade por omissão de pronúncia.

I. Deve, assim, ser julgada improcedente a invocada nulidade com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

J. Confrontado com a questão de saber se, perante o processo de inventário que correu termos no Cartório Notarial, deveria ou não homologar a partilha efectuada pelo Notário, pronunciou-se o Juiz proferindo sentença de homologação da partilha por estarem verificados todos os requisitos legais para que pudesse homologar a partilha.

K. Em consequência, deve improceder a alegação da Recorrente de nulidade por omissão de pronúncia e improcede, necessariamente, a suposta violação do disposto nos artigos 66.º, n.º 3, 76.º, n.º 2 do RJPI e artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

L. A Recorrente encontra-se devidamente representada no processo de inventário, pelo que foi notificada na pessoa da sua Mandatária da marcação da conferência preparatória da conferência de interessados para dia 11.10.2017, pelas 16 horas, pelo despacho proferido em 07.07.2017 e notificado em 25.09.2017.

M. Ainda que se entendesse ser necessária a notificação pessoal da Recorrente, a alegada nulidade não afectou o exercício de qualquer direito da Recorrente que tomou conhecimento quer da data da realização da conferência, quer do conteúdo do ocorrido nessa mesma conferência, não tendo ficado afectado o exercício de qualquer seu direito.

N. É que a notificação efectuada seguiu os mesmos tramites que todas as restantes, entre as quais as notificações que levaram à presença quer da Recorrente quer da sua Mandatária, sem qualquer arguição de nulidade ou omissão, não podendo se não se concluir pelo exercício abusivo do direito de acção por parte da Recorrente.

O. Aliás, a verificar-se a referida nulidade (o que não acontece), sempre seria uma nulidade secundária (art. 195.º, n.º 1 do CPC), pelo que o art. 630.º, n.º 2, do CPC não admite recurso sobre a mesma, dado que, no caso concreto, não foi colocado em causa o princípio do contraditório ou da igualdade entre partes, atenta a participação permanente da Recorrente ao longo de todo o processo.

P. Acresce que as nulidades processuais que não se reconduzam a alguma das nulidades previstas no artigo 615.º do CPC, estão sujeitas a um regime de arguição em dez dias após o conhecimento da situação, pelo que não pode a Recorrente vir agora invocar essa suposta nulidade, dado a mesma se encontrar sanada face à omissão da respectiva arguição no prazo de 10 dias.

Q. De facto, a Recorrente não viu os seus direitos minimamente afectados, o que se comprova pela continua apresentação de reclamações e requerimentos sobre todos os despachos do Notário, demonstrando a sua cognoscibilidade de todo o processo, não havendo qualquer falta de notificação da Recorrente que fosse susceptível de influir no exame da causa pela Recorrente.

R. Do despacho de 21/11/2017 consta que todos os interessados, incluindo a Recorrente, foram notificados, em 18/10/2017, do teor da acta (de 18/01/2017) e do requerimento apresentado (de 11/10/2017).

S. Resulta inequívoco da acta de 18/01/2017 que a mesma enfermava de lapso de escrita, pelo que bem andou o Notário quando corrigiu esse lapso de escrita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 614.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 82.º do RJPI, não carecendo de ratificação por parte de todos os interessados, por não consubstanciar qualquer nova proposta e, por conseguinte, não violando o art. 249.º do Código Civil, na medida em que o lapso foi revelado através das circunstâncias em que a declaração foi realizada.

T. Assim, o despacho de 21.11.2017 não padece de qualquer vício ou ilegalidade, improcedendo a alegação da Recorrente também quanto a este ponto.

U. Além de completamente infundada é totalmente irrelevante a alegação da Recorrente de que a herdeira GG não foi, como devia, notificada para constituir mandatário, em violação do artigo 13.º do RJPI.

V. A referida herdeira não apresentou qualquer recurso, nem outorgou qualquer procuração à Recorrente, não tendo esta legitimidade para a representar.

W. O despacho de 21.11.2017 não é ilegal por violação do princípio da intangibilidade qualitativa da legítima.

X. A deliberação da composição dos quinhões foi aprovada pela maioria legalmente imposta de dois terços dos titulares do direito à herança e independentemente da proporção de cada quota, sendo, ainda para mais, todos os herdeiros do de cujos legitimários, improcedendo qualquer alegação de nulidade, uma vez que a deliberação cumpriu escrupulosamente o previsto no artigo 48.º, n.º 1 do RJPI

Y. A Lei n.º 117/2019 de 13 de Setembro, não tem aplicabilidade nos presentes autos, pelo que não pode a Recorrente forçar a sua aplicação e, como faz, pretender o Tribunal assuma posições contra legem, apenas porque a referida lhe é mais favorável.

Z. Não há qualquer nulidade, ilegalidade e inconstitucionalidade da adjudicação da verba n.º 22 da relação de bens, uma vez que não há qualquer ilegalidade na detenção em compropriedade de acções, como resulta do disposto nos artigos 299.º e 303.º do CSC.

AA. A compropriedade não impede, de modo algum, o exercício das faculdades emergentes do direito de propriedade, apenas altera o seu modo de exercício, pelo que inexiste qualquer violação ao art. 62.º da CRP.

BB. Por fim, a adjudicação das verbas 103 e 104 de qualquer vício.

CC. Em suma, o Acórdão recorrido não merece qualquer reparo, devendo o recurso interposto ser considerado improcedente”.


6. Notificada das contra-alegações dos recorridos CC e DD, vem a recorrente AA apresentar requerimento, em que suscita o incidente de litigância de má fé contra aqueles.


7. Nesta sequência, vêm os recorridos CC e DD responder a este requerimento.


8. Vem ainda a recorrida BB responder no âmbito do mesmo incidente.


9. E vem a recorrida II também responder bem como requerer a aplicação da taxa de justiça sancionatória excepcional prevista no artigo 531.º do CPC.


10. Em 16.07.2021, proferiu o Exmo. Senhor Desembargador um despacho com o teor que se reproduz de seguida.

AA, apelante, notificada do acórdão desta Relação proferido nos auto a 08/05/2021 e com ele não se conformando, veio interpor Recurso de Revista para o STJ.

A apelada BB e, os apelados CC e DD, contra-alegaram, pugnando, além do mais, pela inadmissibilidade do Recurso de Revista por entenderem verificar-se uma situação de dupla conforme.

Cumpre emitir pronúncia sobre a admissibilidade do Recurso de Revista.

Pois bem, conforme resulta do artº 11º da Lei 117/2019, de 13/09, continua a aplicar-se aos inventários pendentes antes da entrada em vigor dessa Lei, o regime que resultava da Lei 23/2013, de 05/03.

Ora, de acordo com o artº 76º da Lei 23/2013, com epígrafe “Regime dos Recursos” é o seguinte o regime dos recursos no processo de inventário regido por aquele diploma legal:

“1 - Da decisão homologatória da partilha cabe recurso, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o regime de recursos previsto no Código de Processo Civil.

2 - Salvo nos casos em que cabe recurso de apelação nos termos do Código de Processo Civil, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha.”

Pois bem, no caso dos autos, o recurso de apelação incidiu sobre as seguintes questões:

a) - Nulidade da sentença homologatória da partilha, por:

(i) - Falta de fundamentação;

(ii) - Omissão de pronúncia.

b) - Impugnação de actos do Notário:

(i) - Omissão de notificação a interessados para constituírem mandatário;

(ii) - Omissão de notificação pessoal à apelante para comparecer na 2ª sessão da Conferência Preparatória;

c) - A revogação do acto do Notário, de 21/11/2017, na parte em que alterou o texto da proposta apresentada e votada na sessão de 18/01/2017.

d) -Violação do Princípio da Intangibilidade da Legítima;

e) - Ilegalidade da adjudicação das verbas 103 e 104;

f) - A invocada litigância de má-fé da apelante.

Processo: 26583/15.... Referência: ........

Ora, deste elenco de questões apreciadas na apelação decorre que elas não haviam sido apreciadas pela primeira instância que, de resto, para algumas delas, não tinha competência para as decidir visto que das decisões interlocutórias proferidas no inventário cabe recurso, conjuntamente, com a apelação da sentença homologatória da partilha.

Não nos parece, assim, salvo o devido respeito por melhor opinião, que se verifique o instituto da Dupla Conforme. De resto, afigura-se-nos que a decisão do STJ, de 18/03/2021 (Manuel Capelo), invocado pelos recorridos, não terá aplicação ao caso dos autos na medida em que versou sobre uma questão em que a Relação confirmou integralmente e com os mesmos fundamentos a decisão que havia sido proferida pela 1ª instância.

Em face do exposto, admite-se o Recurso de Revista, a subir imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo (artº 671º nº 1, 675º nº 1 e 676º nº 1 do CPC).

A questão da invocada litigância de má-fé dos recorridos será apreciada – salvo melhor opinião – na instância do Recurso de Revista.

Notifique e, oportunamente remeta ao STJ”.


11. Distribuídos os autos no Supremo Tribunal de Justiça, veio a recorrida BB apresentar requerimento, do qual se tomou conhecimento.

Notificada deste requerimento, veio a recorrente AA apresentar requerimento de resposta, do qual também de tomou conhecimento.


*

Considerações prévias e necessárias à delimitação do objecto do recurso

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, cumpre, em primeira linha, e como sempre, ao relator apreciar e proferir decisão, expressa ou implicitamente, quanto à susceptibilidade de conhecimento do recurso ou, com se diz na lei, “verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso” [cfr. artigo 652.º, n.º 1, al. b), do CPC].

Não se vislumbrando a ausência de nenhum dos requisitos gerais de recorribilidade, cabe uma palavra, porém, sobre o obstáculo especial da “dupla conforme”, cuja existência é alegada por ambos os grupos de recorrentes nas suas contra-alegações.

Dispõe-se, de facto, no artigo 671.º, n.º 3, do CPC que:

Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

Significa isto, como é amplamente sabido, que a revista normal não é, em princípio, admissível, não restando senão a possibilidade de admissibilidade por via excepcional, nas condições e nos termos prescritos no artigo 672.º do CPC.

À primeira vista, o caso dos autos seria um dos casos em que se configura o impedimento da dupla conforme pois que o Acórdão recorrido teria julgado o recurso de apelação improcedente.

Sucede que, como se verá melhor na fundamentação que se segue, as questões apreciadas pelo Tribunal recorrido (e reformuladas na presente revista) não foram, em rigor, apreciadas pelo Tribunal de 1.ª instância.

Consequentemente, não pode dar-se por verificada uma situação de dupla conforme e, contrariamente ao que afirmam os recorridos, não pode o recurso de revista normal ser rejeitado com este fundamento.


*

Esclarecido isto, conheça-se, então, do objecto do recurso.

Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC).

As questões a decidir, in casu, são as de saber se:

1.ª) o Tribunal recorrido devia ter declarado a nulidade da sentença homologatória da partilha;

2.ª) o Tribunal recorrido devia ter julgado a partilha ilegal com fundamento em certos actos / certas omissões do notário; e

3.ª) os recorridos devem ser condenados em litigância de má fé.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos relevantes para o presente recurso são os que constam do antecedente relatório.


O DIREITO

1) Da alegada nulidade da sentença homologatória da partilha

São especialmente relevantes para esta questão as conclusões de revista contidas nos pontos 1 a 13. Nelas alega, fundamentalmente, a recorrente que, ao ter rejeitado a arguição da nulidade da sentença homologatória da partilha, o Tribunal a quo violou a lei.

O Tribunal a quo rejeitou os dois tipos de nulidades invocadas (por omissão de fundamentação e por omissão de pronúncia).

E rejeitou os dois tipos de nulidades com base no seguinte raciocínio:

a) Quanto à nulidade por falta de fundamentação da sentença [artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC]

(…) é fácil perceber que a sentença homologatória do mapa de partilhas não realiza qualquer julgamento, nem de facto nem de direito e, por isso, não se lhe aplicam as regras do artº 607º do CPC, visto que nessa sentença homologatória não há, por regra, qualquer questão a solucionar, rectius, a que importe dar solução.

Ora, a sentença em apreço, cumpriu aquele figurino que, repete-se, é pacificamente aceite: identificou o inventariado, a cabeça-de-casal e homologou o mapa de partilhas elaborado a 21/01/2019, adjudicando os quinhões aos interessados nos precisos termos constantes desse mapa de partilhas”.

b) Quanto à alegada nulidade por falta de pronúncia da sentença sobre decisões interlocutórias proferidas pelo notário ao longo do processo de inventário [artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC]

“(…) para que se possa falar em omissão de pronúncia é necessário que a sentença tenha deixado de apreciar/decidir questões de que lhe competia conhecer; o mesmo é dizer que o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar. Isto é, o artº 615º nº 1, al. d) deve ser conjugado com o artº 608º, relativo às questões a resolver na sentença.

E a questão que se coloca é a de saber se competia à 1ª instância conhecer daquelas decisões interlocutórias proferidas pelo Notário ao longo do processo de inventário.

Pois bem, embora não seja uma questão pacífica designadamente a nível da jurisprudência, entendemos que, face ao que dispõe o artº 76º nº 2 da Lei 23/2013, deve entender-se que compete à Relação apreciar as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do inventário.

(…) Ora, a decisão homologatória da partilha é proferida pela 1ª instância, conforme decorre do artº 66º nº 1 da Lei 23/2013 e, conforme decorre da segunda parte do artº 76º nº 2 dessa Lei, o Legislador (bem ou mal) optou por uma solução que consiste em que a impugnação/recurso das decisões interlocutórias sejam atacadas/impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha.

(…) Deste entendimento – que, repete-se não é pacífico – decorre que a sentença homologatória do mapa de partilha não tinha de apreciar as invocadas decisões interlocutórias decidas pelo Notário. O mesmo é dizer que a sentença não deixou de apreciar questões que devia ter conhecido.

Assim sendo, resta concluir que a sentença homologatória do mapa de partilha não padece da pretendida nulidade por omissão de pronúncia.

Sem necessidade de outros considerandos, conclui-se que a sentença homologatória não enferma da nulidade pretendida”.

Tudo considerado, não é possível dar razão à recorrente.

Começando pela alegada pela alegada falta de fundamentação da sentença, verifica-se que, desempenhando esta uma função meramente homologatória da partilha realizada, a aplicação do disposto no artigo 607.º do CPC não pode deixar de ser feita com cuidado. Não existindo – não podendo existir –, pela natureza e pela função de toda a sentença homologatória, uma fundamentação em sentido próprio, não podem valer as exigências de fundamentação que valem para a generalidade das sentenças, designadamente as impostas naquela norma. Isto é tanto mais assim quando se trata de uma sentença homologatória da partilha, já que o paradigma fixado pelo RJPI de 2013 remete para um regime especialmente concentrado na actividade notarial[1].

Não – advirta-se – que a sentença homologatória não seja uma decisão, porquanto também ela efectua um julgamento. Mas este julgamento é de natureza diferente do que realizam as demais sentenças. Na sentença homologatória da partilha, o juiz limita-se a fazer um controlo de legalidade, a verificar se o mapa da partilha aparenta conformidade com a lei (capacidade e legitimidade das partes, respeito pela forma à partilha e operações subsequentes e respeito pelas normas legais imperativas), de uma forma perfunctória e sem necessidade de uma exaustiva indagação. Daí que o juízo de conformidade se assuma implícito e, segundo uma antiga prática judicial, a sentença homologatória da partilha surgisse com uma forma tabelar. Não havendo notícia de que tenha ocorrido qualquer reclamação do mapa de partilha não se afigura que houvesse necessidade de qualquer fundamentação mais específica da sentença.

Quanto à alegada falta de pronúncia da sentença sobre as decisões do notário (decisões interlocutórias), diga-se, numa palavra, que a sentença homologatória da partilha não é o instrumento próprio para as apreciar.

Não deve confundir-se decisão homologatória da partilha (cfr. artigo 66.º do RJPI de 2013) com a decisão sobre a forma da partilha ou determinativa da forma da partilha (cfr. artigo 57.º do RJPI de 2013). Da primeira cabe recurso para o Tribunal da Relação (cfr. artigos 66.º, n.º 3, e artigo 76.º, n.º 1, do RJPI de 2013); da segunda cabe recurso para o Tribunal de 1.ª instância (cfr. artigo 57.º, n.º 4, do RJPI de 2013).

Em conformidade com o artigo 76.º, n.º 2, do RJPI de 2013, a sede para impugnar as decisões interlocutórias das quais não cabe recurso de apelação autónomo ao abrigo do artigo 644.º, n.º 2, do CPC é o recurso da decisão de partilha, pelo que nunca se poderia imputar qualquer omissão de pronúncia à sentença homologatória da partilha.

Voltar-se-á a este tema na resposta à questão seguinte.

Para o que agora releva, improcede, em síntese, a pretensão da recorrente de que o Tribunal recorrido teria incorrido em violação da lei neste ponto do Acórdão.


2) Da ilegalidade da partilha com fundamento em certos actos / certas omissões do notário

A recorrente pede ainda que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre a questão de saber se o Tribunal recorrido devia ter julgado a partilha ilegal com os seguintes fundamentos: a omissão, pelo notário, de certos actos, a alteração, pelo notário, do texto da proposta de partilha e a adjudicação da verba 22 em compropriedade sem o acordo de todos os interessados e das verbas 103 e 104 por um montante inferior ao seu valor.

Sucede que as questões deste tipo (relevantes para a realização da partilha) são necessariamente resolvidas na decisão sobre a forma da partilha ou determinativa da forma da partilha, prevista e regulada no artigo 57.º do RJPI de 2013.

Veja-se o que determina o n.º 2 do artigo 57.º do RJPI de 2013:

No prazo de 10 dias após a audição prevista no número anterior, o notário profere despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha, devendo ser resolvidas todas as questões que ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha, podendo o notário mandar proceder à produção da prova que julgue necessária”.

Conforme referido atrás, do n.º 4 do artigo 57.º do RJPI de 2013 resulta que esta decisão sobre a forma da partilha é susceptível de recurso para o Tribunal de 1.ª instância. Dispõe-se na norma mencionada:

Do despacho determinativo da forma da partilha é admissível impugnação para o tribunal da 1.ª instância competente, no prazo de 30 dias, a qual sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo”.

Agora veja-se o disposto no (também já referido) artigo 76.º, n.º 2, do RJPI de 2013:

Salvo nos casos em que cabe recurso de apelação nos termos do Código de Processo Civil, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha”.

Em suma: é com o recurso da decisão da partilha que devem ser impugnadas as decisões interlocutórias. As concretas questões interlocutórias que a recorrente pretende ver apreciadas no presente recurso foram resolvidas pelo notário antes da ou na decisão de partilha. A decisão de partilha tornou-se, pois, definitiva, não podendo mais aquelas questões ser (re)apreciadas.


3) Da alegada litigância de má fé dos recorridos

Como resulta do precedente Relatório, já depois de interposto o recurso de revista, veio a recorrente pedir a condenação dos recorridos como litigantes de má-fé, atendendo ao conteúdo das contra-alegações por eles apresentadas.

No seu requerimento alega a recorrente que:

1º No nº 99 a 103º das suas alegações os Recorridos afirmam que a Recorrente só agora vem alegar que na data da segunda sessão da Conferência Preparatória estava representada nos autos de inventário por mandatária que não tinha poderes forenses especiais, referindo que o recurso de revista não é o momento indicado para alegar novos factos , não carreados aos autos , requerendo que se dê por não escrito o facto alegado de que a recorrente estava representada por mandatária que não tinha poderes forenses especiais, salientando que a única alegação realizada pela recorrente diz respeito a um requerimento que esta apresentou a 29-06-2020, que será de considerar extemporâneo, e que "... a recorrente pretende apenas protelar o processo de inventário, recorrendo a manobras dilatórias que vai adaptando consoante a sua conveniência"(sic. art. 103º)

2.º Porém, tais afirmações não têm qualquer fundamento, como os recorridos manifestamente sabem e não podem desconhecer, mas, ainda assim não se coibiram de as formular.

(…)

9º Ou seja, os Recorridos afirmam exactamente o contrário daquilo que resulta dos autos que muito bem conhecem e não podem ignorar, invocando tais falsidades, não obstante saberem da falta de fundamento e veracidade dessas suas afirmações, com o objectivo confessado de não ser admitido o recurso mediante a alteração da verdade dos factos, o impedimento da descoberta da verdade material e o entorpecimento da acção da justiça,

10º pelo que dolosamente litigam com manifesta má-fé, nos termos previstos no art. 542^ n£ 2 a), b) e d) do Cod. Proc. Civil”.

Como se viu, os recorridos ripostaram de imediato e de forma muito “intensa”.

Não obstante posta depois das alegações de recurso, cabe a este Tribunal apreciar ainda esta uma questão.

Para começar, recorde-se que a litigância de má fé é um instituto que visa sancionar e, portanto, combater a “má conduta processual”[2]. A conduta sancionada consubstancia-se na dedução de retensão ou oposição cuja falta ou fundamento não podia ser ignorado, na alteração ou omissão da verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, na omissão grave do dever de cooperação ou no uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Mais precisamente, dispõe-se no artigo 542.º, n.º 2, do CPC:

Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

O preceito torna claro que a litigância de má fé depende de uma conduta qualificada, que, além de especialmente reprovável no plano subjectivo, exigindo o dolo ou a negligência grave por parte do agente, pressupõe ou implica que a conduta em causa seja também, especialmente censurável no plano objectivo. O disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, invocado pela recorrente, concretiza este último requisito, obrigando a que a omissão de factos seja uma omissão de factos relevantes para a decisão da causa. O disposto na al. d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, igualmente invocado pela recorrente, ilustra-o também, exigindo que o uso dos meios processuais seja manifestamente reprovável.

Quer isto dizer que, mesmo que sejam sempre subjectivamente censuráveis e devam, por isso, ser evitados, os exageros decorrentes do ênfase posto por cada uma das partes na defesa da sua posição não são – não devem ser – objecto de sanção em qualquer caso ou incondicionalmente.

Ora, o que parece acontecer aqui, se alguma coisa, é a típica “coloração” de factos efectuada pelos recorridos nas suas contra-alegações de recurso, que não comporta o genuíno risco de desviar o tribunal do apuramento da verdade e da factualidade relevante para a decisão da causa.

Não pode deixar de se verificar que, ao longo do processo, também a recorrida foi – e continua a ser – muito “enfática” na sua argumentação, contribuindo activamente para troca acesa de palavras e argumentos que se estabeleceu sempre entre as partes. Recorde-se que o mesmo incidente de litigância de má fé foi deduzido, na apelação, pelos ora recorridos (então apelados) contra ora recorrente (então apelante). Assim, também a esta luz não é conveniente valorizar a questão.

Em suma, remete-se as alegações dos recorridos para o tipo de manifestações que é inevitável ocorrerem quando, como parece ser o caso, as partes têm especial apetência para litigar, concluindo-se que os elementos disponíveis nos autos não são suficientes para condenar os recorridos em litigância de má fé ou tomar outras medidas relativamente a qualquer das partes.


*


III. DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:

a) Confirmar o acórdão recorrido na parte em que apreciou as nulidades da sentença (embora com diferente fundamentação);

b) Revogar o acórdão recorrido na parte em que conheceu das questões interlocutórias; e

c) Não condenar os recorridos como litigantes de má-fé.


***



Custas pela recorrente.


*


Valor da revista: € 22.047.516,80 (é o valor dos bens a partilhar – artigo 302.º, n.º 3, do CPC).

Fixa-se a taxa de justiça global devida pela revista, atentos o valor e a complexidade da causa bem como a capacidade contributiva evidenciada, em € 25.000, dispensando-se o pagamento do demais remanescente (artigo 6.º, n.º 7, do RCP).


*



Lisboa, 11 de Novembro de 2021


Catarina Serra (relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano

______

[1] Diz sobre ele, por exemplo, João Espírito Santo [“O inventário judicial: genealogia, recodificação e regime geral, in: Pedro Pais de Vasconcelos – Liber Amicorum, 2021, p. 196 (https://www.revistadedireitocomercial.com/o-inventario-judicial-genealogia-recodificacao-e-regime-geral)]: “A mais significativa diferença entre o regime do inventário que estabelecia a Lei n.º 29/2009 e o estabelecido na Lei n.º 23/2013 — e descontada a eliminação da competência das conservatórias de registo para a tramitação do inventário — é a da concentração da competência para a tramitação do processo no serviço de notariado, limitando-se a intervenção dos tribunais, no aspeto que interessa agora considerar, à homologação da partilha (art. 66, 1, da Lei n.º 23/2013), abandonando-se, assim, a solução, desavisada, preconizado na primeiro, de uma condução dualista do processo, que atribuía a sua tramitação a um órgão administrativo — conservatória de registo ou cartório notarial — e o controlo geral do processo aos tribunais (art. 4.º, 1). Com razão se referia na exposição de motivos da proposta que viria a converter-se na Lei n.º 23/2013 que '[…] o controlo do processo por parte do juiz não pode ser devidamente exercido quando este não tem contacto direto com o processo e com as partes. A atribuição ao juiz de um mero poder de controlo do processo não permite alcançar os objetivos pretendidos, desde logo porque o juiz não tem sequer conhecimento da existência do processo'”.
[2] Cfr. António Menezes Cordeiro, Litigância de má fé, abuso do direito de ação e culpa “in agendo”, Coimbra, Almedina, 2014 (3.ª edição), p. 45.