Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | ARMINDO MONTEIRO | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ACORDÃO DA RELAÇÃO APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO DIREITO AO RECURSO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO CONSTITUCIONALIDADE MÉTODOS PROIBIDOS DE PROVA DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO DIREITO AO SILÊNCIO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA AUTO-INCRIMINAÇÃO DIREITOS DE DEFESA AUTORIA IMEDIATA AUTORIA MORAL CO-AUTORIA CULPA HOMICÍDIO QUALIFICADO MEIO INSIDIOSO TENTATIVA ROUBO CONCURSO DE INFRACÇÕES | ||
Nº do Documento: | SJ200806180019713 | ||
Data do Acordão: | 06/18/2008 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I - Enquanto norma mista, a um tempo processual penal material, com reflexo ao nível do direito substantivo, mas também formal, o art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na redacção introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08 [não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos], já em vigor na data de interposição do recurso em apreço para este STJ, é, em princípio, de aplicação imediata a todos os processos já iniciados à data da sua entrada em vigor, como o são as normas de cunho processual, nos termos do art. 5.º do CPP. Só assim não será se da imediata aplicabilidade resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, diminuição do seu direito de defesa ou quebra da unidade do processo – als. a) e b) do n.º 2 daquele preceito. II - A nossa jurisprudência e doutrina são unânimes em reconhecer que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida – lex temporis regit actum, e isto porque as expectativas eventualmente criadas às partes ao abrigo da lei antiga se dissiparam à face da lei nova, não havendo que tutelá-las. III - Em sede de direito e processo penal, em que se jogam interesses afectando ou podendo afectar direitos fundamentais tão valiosos como o da liberdade humana, para efeitos de aplicação da lei no tempo, a evitabilidade do agravamento ainda sensível da posição do arguido leva a que se devam ponderar as expectativas, justas, do recorrente, em termos de continuar a deparar-se-lhe a possibilidade de recurso nos moldes firmados na lei antiga, pese embora as regras que se limitam a regular as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso, estas, sem margem para dúvidas, de imediata aplicação (cf. Alberto dos Reis, RLJ, Ano 86.º, págs. 49-53 e 84-87). IV - Assim, tendo em conta que o acórdão da 1.ª instância foi proferido numa altura em que, na vigência do CPP antes daquela reforma legislativa, estavam assegurados dois graus de jurisdição em sede de recurso, para a Relação e para o STJ, ou um só para este último (consoante a amplitude da discordância com o decidido) –, por ao crime de homicídio qualificado tentado, como ao de roubo, corresponder, abstractamente, uma pena de prisão superior a 8 anos –, quando à face da lei nova não caberia recurso para este tribunal (dada a natureza confirmativa pela Relação do acórdão recorrido de 1.ª instância e a circunstância de a pena efectivamente aplicada não exceder 8 anos de prisão), numa visão que não logra consenso neste STJ, é de admitir o recurso – cf., no mesmo sentido da recorribilidade, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 997. V - Quando à Relação se pede o reexame da matéria de facto – reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto – tal reponderação envolve um julgamento parcelar que não dispensa nem o exame, ou seja, a análise dos factos, nem a crítica, ou seja, o mérito ou demérito dos vários meios de prova que alicerçam a convicção probatória, a razão por que uns são credíveis e outros não – art. 374.º, n.º 2, do CPP. VI - Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo, situando-se a alienidade àquela numa postura de muito clara denegação do direito ao recurso nessa sede. VII - Por isso, uma adesão meramente formal aos fundamentos usados para alicerce da decisão recorrida corresponde ao inverso do percurso a seguir (na exigência da lei): o enunciado factual provado ou não provado precede os fundamentos decisórios que servem para modelar a convicção do julgador. Na ordem lógica das coisas os factos são a meta primeira a atingir, seguindo-se, no art. 374.º, n.º 2, do CPP, na especial estruturação da sentença, a fundamentação pelas provas, o seu sustentáculo, e não o inverso. VIII - O Ac. do TC n.º 116/07 (in DR II Série, de 23-04-2007) julgou inconstitucional a norma do art. 428.º do CPP, quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2.ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença, objecto do recurso, foram colhidos da prova transcrita dos autos. Uma interpretação que não desça à especificidade apontada não comporta caução constitucional, decidiu já o Ac. deste STJ de 23-05-2007, Proc. n.º 1498/07. IX - Os meios proibidos de prova representam a prescrição de um «limite à descoberta da verdade», «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem o objecto do processo», no dizer de Gössel, citado por Costa Andrade, in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, pág. 83. A proibição de prova é ditada por uma imposição e, ao mesmo tempo, uma permissão, pois, como aquele autor alemão exprime, «toda a regra relativa a averiguação dos factos proíbe ao mesmo tempo as vias não permitidas de averiguação». X - Através da proibição de certos meios de prova, o Estado alonga a diferença que deve existir entre a perseguição do crime e o próprio crime. O Estado na sua avidez de punir incorre no perigo de erosão da superioridade moral do processo penal se não obtiver uma condenação de «mãos limpas», com respeito por princípios e regras atinentes à dignidade humana, naquilo que faz parte do seu núcleo essencial. XI - As declarações do co-arguido não se compendiam entre os meios proibidos de prova, previstos no art. 126.º do CPP, aí condensados em duas grandes categorias: umas respeitando à integridade física e moral da pessoa humana, outras à sua privacidade. As declarações do co-arguido deslocam-se, antes, para o âmbito do princípio da legalidade da prova, por força do qual, nos termos do art. 125.º do CPP, são permitidos todos os meios de prova que não forem legalmente vedados, ou seja, para o campo da sua credibilidade, não já da sua inutilizabilidade, no aspecto valorativo e no peso específico que, no conjunto delas, apresentam. XII - A ordem de produção de prova em julgamento repousa nas declarações do arguido, que constituem um meio de prova legalmente admitido, com previsão nos arts. 140.º e 340.º, al. a), do CPP. XIII - Um obstáculo sobejamente conhecido e endereçado às declarações do co-arguido contra o outro ou outros: sempre que o co-arguido produza declarações em desfavor de outro e aquele, a instâncias do co-acusado, se recuse a responder, no uso do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97 e deste STJ de 25-02-1999, in CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229). Esta jurisprudência colheu fiel integração na lei, com a recente reforma introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, no art. 345.º, n.º 4, do CPP, no sentido de que não podem valer como meios de prova as declarações do co-arguido, se este se refugia no silêncio, por tal restrição conduzir a uma inaceitável limitação às garantias de defesa, ao direito ao defensor e ao princípio de igualdade de armas. XIV - Outra limitação é a que deriva da particularidade das declarações do co-arguido, porque elas comportam ou podem comportar uma irrestrita autodesculpabilização ou incriminação recíproca ou multilateral do co-acusado, hiperbolizando oportunisticamente a sua estratégia de defesa, quiçá mesmo a sua vindicta contra o co-acusado, que pode ficar colocado, por isso mesmo, numa situação delicada, a que um processo justo que assegura todas as garantias de defesa, um due process of law, não pode ficar indiferente. XV - À parte este reparo, a jurisprudência deste STJ sempre defendeu que o arguido tanto pode produzir declarações a seu respeito como dos demais co-arguidos, sem o que ficaria gravemente comprometido o seu direito de defesa e o dever de cooperação com o tribunal, que pode, no exercício de uma melhor justiça, não desejar comprometer. Unicamente ao arguido ou co-arguido, nos termos do art. 133.º, n.º 1, al. a), do CPP, é vedado intervir como testemunha, sujeito ao dever de verdade e à cominação de sanções, auto-incriminar-se: a não sujeição do arguido ao estatuto de testemunha tem por objectivo libertá-lo desse ónus. XVI - O STJ, na sua extensa e já recuada jurisprudência, tem firmado a admissibilidade da prestação de declarações do co-arguido contra outro, em nome de um ilimitado direito de defesa, sem deixar de frisar cautela na valoração de tais declarações: a prova assim produzida é de credibilidade mais diluída. Em data recente se pronunciou este Tribunal, no seu Ac. de 12-03-2008, prolatado no Proc. n.º 694/08, onde, na valência da prova prestada pelo co-arguido, e na esteira da jurisprudência uniforme deste STJ, mais uma vez se afirma a necessidade de se não abdicar, no concretismo da situação, de um esforço de análise, tendente a averiguar se à co-acusação corresponde ou não um sentido “espúrio”, devendo, por isso, arrimar-se em motivações objectivas, ancorar-se, complementarmente, em corroborações (termo muito em uso entre a doutrina italiana) periféricas, na esteira de Carlos Clement Duran, aí citado, demonstrativas de um elevado grau de seriedade. XVII - Ao fim e ao cabo, o que importa é exercer um juízo de censura mais apurado na aferição do valor da co-declaração, que passa por um exigente filtro de exame e análise, atento o peso que ela exerce na formação da convicção probatória. XVIII - Na doutrina, Rodrigo Santiago (in RPCC, 1994, pág. 27 e ss.) repele a validade da fundamentação decisória quando nela se inscrevem, irrestritamente, as declarações do co-arguido, visto o que se preceitua nos arts. 323.º, al. a), e 327.º, n.º 2, do CPP, fundando nulidade do julgamento. XIX - Reconhecendo a fragilidade de tal meio de prova, situa-se Teresa Beleza (in Tão amigos que nós éramos, estudo publicado na RMP). E Alberto Medina de Seiça (in O Conhecimento Probatório do Co-arguido, Coimbra ed., 1999, págs. 212 e ss.) sustenta a validade das declarações do co-arguido, desde que reforçada, apoiada, por qualquer outro meio de prova, por isoladamente ser insuficiente, como também propende a considerar Vasquez Sotelo (Presuncion de Inocencia del Imputado e Intima Conviccion del Tribunal, pág. 134). XX - É irrelevante o processo através do qual o autor mediato determina outrem à prática do ilícito, nos termos da parte final do art. 26.º do CP, seja ele conselho, ameaça, violência, ordem, promessa, dádiva, etc.; o que importa é que o facto ilícito não tivesse sido cometido sem aquela determinação, só então se podendo considerar que causou a realização do facto; a determinação do facto deve ser directa – cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, págs. 252-253. XXI - No projecto criminoso delineado, em que o recorrente N começa por surgir como autor moral, sendo co-autor com o JA, que adere ao plano e o executa materialmente, com o qual acorda em vista da consecução de um resultado final, por ambos querido e desejado, aquele torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva – assumindo um poder de direcção, preponderante na execução conjunta do facto –, como pela negativa – podendo impedi-lo –, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os factos que integram o iter criminis (cf. Maria da Conceição Valdágua, in O Início da Tentativa do Co-Autor, 1985, Ed. Danúbio, págs. 155-156, na esteira de Roxin, Stratenwerth, Welzel e Jescheck, ali citados, e BMJ 341.º/202). XXII - Essencial à co-autoria, nos termos do art. 26.º do CP – quando aí se emprega a locução «ou toma parte directa na sua execução por acordo ou juntamente com outro ou outros», que deve ser entendida para além do mero somatório dos comportamentos individuais –, é um acordo respeitante à execução do plano, que tanto pode ser de extrema simplicidade, como altamente complexo, abrangendo sempre uma divisão de trabalho, uma repartição de tarefas entre co-autores, que se atribuem e aceitam prestar, destinadas ao plano comum. XXIII - Por isso, comportamentos autónomos, não integrados no plano comum, completamente desligados e alheios a ele, só responsabilizam individualmente o co-autor que os pratica e não os demais, o que também ressalta do princípio da culpa na co-autoria, firmado no art. 29.º do CP, à luz do qual cada comparticipante é punido de acordo com a sua culpa ou do grau de culpa dos outros comparticipantes. XXIV - No conceito de meio insidioso cabem todos os que podem rotular-se de traiçoeiros, desleais ou perigosos, tornando mais difícil ou impossível a defesa; os meios insidiosos são os que se empregam de forma enganosa ou fraudulenta e cujo poder mortífero se acha oculto, surpreendendo a vítima; a traição constitui um ataque sorrateiro e súbito, subreptício e dissimulado, atingindo a vítima descuidada, confiante de que nada lhe sucederá, de ordem tal que não se apercebe do gesto criminoso. XXV - Resultando comprovado, a propósito da integração do exemplo padrão previsto na al. h) do n.º 2 do art. 132.º do CP, que o arguido N, depois de desistir de matar seu pai, combinou como o arguido JA matar a madrasta, ora assistente, quando esta se achasse sozinha no interior da sua casa, usando uma faca para não alertar a vizinhança (o que sucederia se fosse usada uma arma de fogo), escrevendo-se no acórdão da 1.ª instância que «na mesma altura os arguidos mais combinaram entre si que o arguido transportaria, no seu referido veículo, o arguido J até às imediações da casa da assistente e que ali chegados, este último dirigir-se-ia para a porta da entrada desta, tocando à campainha e dizendo ser o carteiro e que tinha uma encomenda para o referido JC» e que «logo que a assistente abrisse a porta, combinaram eles, o arguido J de imediato desferiria diversos golpes com uma faca no corpo daquela assim lhe provocando a morte», mostra-se factualmente demonstrado o aludido exemplo padrão, pela actuação gravemente traiçoeira do arguido, em termos de permitir erigir a construção de uma modalidade especial de incriminação sobre o tipo base, pela adição de elementos expressivos de um grau de culpa exacerbada, representativos de indícios de caso especialmente grave, à luz de circunstâncias objectivas e subjectivas reveladoras da insuficiência da moldura penal normal, incapaz de responder à retribuição penal do ilícito e da culpa, no dizer de Jescheck (Tratado de Derecho Penal, I, Parte General, págs. 363 e 367-368). XXVI - O modus faciendi do crime obedece ao plano homicida (só não se seguindo o resultado morte inicialmente cogitado porque a vítima foi prontamente assistida e conduzida pelo INEM ao Hospital onde foi assistida), onde preponderam a astúcia, a minúcia (o arguido forneceu, inclusive, luvas ao JA, para apagar vestígios do crime) e a surpresa, qualificando o crime a agravante da al. h) do n.º 2 do art. 132.º do CP. XXVII - O quadro factual comprovado encarrega-se de pôr em destaque que pelo acto do co-arguido JA é também co-responsável o arguido ora recorrente, e que o homicídio tentado, uma vez que a tentativa não é inconciliável com a qualificação derivada dos n.ºs 1 e 2 do art. 132.º do CP, é qualificado pela refracção na sua conduta de um juízo de culpa agravado, revendo-se na realização do facto qualidades especialmente desvaliosas, atento o modo programado e engenhoso de execução, sem possibilidade de defesa por parte da vítima, além da inconsideração da relação existente entre ambos. XXVIII - Tendo os arguidos combinado o homicídio da assistente e, igualmente, que, após a consumação do crime, o arguido JA se apropriaria de bens e valores contidos no cofre existente na casa do pai do N, a repartir em partes iguais por ambos, como forma, desde logo, de recompensa do co-arguido JA, o crime de homicídio não se apresenta como meio para atingir o roubo, como instrumento daquele, correspondendo antes a uma resolução criminosa autónoma e diferenciada, apta a lesar interesses jurídicos que só em parte coincidem, não dispensando a punição pelo homicídio a tutela dos interesses patrimoniais que, sem serem os essencialmente visados com a incriminação, no crime complexivo de roubo, não deixam de configurar elemento constitutivo desse tipo de crime. Existe, pois, concurso real entre os dois ilícitos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em P.º comum com intervenção do tribunal comum , sob o n.º 130/06 .5 GASPS, do Tribunal Judicial de S. Pedro do Sul, foi decidido condenar os arguidos AA e BB como co-autores : 1) de um crime de homicídio qualificado, sob a forma tentada, previsto e punido pelos art.ºs 22.º nºs 1 e 2, alíneas a) e b) , 23º, nºs 1 e 2, 131° e 132º, nºs 1 e 2, alíneas h) e i), todos do C. Penal, nas penas de, respectivamente, cinco e três anos de prisão; e 2) de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos art.ºs 203º, nº 1, 204º, nº 2 alínea f) e 210º, nº 2, alínea b), todos do Código Penal, nas penas de, respectivamente, quatro anos e dois anos e seis meses de prisão. 3) Em cúmulo, foi o arguido AA condenado na pena única de seis anos e seis meses de prisão e o arguido BB, na de quatro anos e seis meses de prisão. 4) Foram ainda os arguidos condenados a pagar solidariamente ao Centro de Saúde de São Pedro do Sul e ao Hospital de São Teotónio de Viseu as quantias de , respectivamente, € 26,10 e de € 2.999, quantias a que acrescem de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação prevista no art.º 78.º , do Código de Processo Penal, até integral e efectivo pagamento. I. O arguido, inconformado com o teor da decisão proferida , interpôs recurso para o Tribunal da Relação , que lhe negou provimento . II . Ainda irresignado, o arguido interpôs recurso para este STJ, onde, por despacho, não vinculativo, do seu Exm.º Cons.º Vice Presidente, em procedência de reclamação contra a não admissão do recurso em 2.ª instância , se ordenou a posterior remessa dos autos a esta instância última de recurso , apresentando o arguido na motivação as seguintes conclusões : O acórdão recorrido enferma de nulidade porque não conheceu de questão de que devia, pois que se insurgiu contra a matéria de facto , tratando-o o Tribunal recorrido como se versasse matéria de direito , sendo que cumpriu o ónus de impugnação de matéria de facto . O acórdão recorrido viola o art.º 32.º n.º 2 d) , da CRP , cruzado com a decorrência de os co-arguidos depõrem como testemunhas -art.º 133.º n.º1 a) , do CPP e o facto de o art.º 345.º n.º 1 , do mesmo diploma, retirar do contraditório dos defensores dos restantes arguidos a inquirição do depoente , bem como a consequência de a confissão processual , em caso de pluralidade dos arguidos , não repercutirem sobre todos eles –art.º 244.º n.º3 a) , do CPP . O art.º 345.º n.º 4 , do CPP , na redacção da Lei n.º 48/2007 , de 29/8 , veio reputar como meio proibido de prova , em certos casos o depoimento do co-arguido , em desfavor do outro . Ou então , mais moderadamente , pela inexistência de corroboração , por falta de confirmação exógena dos factos , por circunstâncias alheias ao arguido , redundando numa falta de fundamentação , também ela causadora de nulidade –art.º 379.º n.º 1 a) , do CPP . Sacrificou-se o princípio da presunção de inocência do arguido , consagrado no art.º 32.º n.º 2 da CRP. Nenhum arguido está obrigado a provar a sua inocência , impondo a actuação do princípio “ in dubio pro reo “ a sua absolvição . Mostra-se violado disposto no art.º 132.º n.º 2 h) , do CP , porque o meio insidioso na consumação do crime é um meio de actuação sobre a vítima subreptício , enganador , dissimulado ou oculto . Ora não se imputa ao co-arguido BB a circunstância de se apresentar como carteiro ante a vítima , consubstancia traição concorrendo para a impossibilidade de se defender . Se o putativo acordo entre si e o co-arguido BB consistia em abordagem rápida para retirar a vida à vítima , pode aceitar-se que o recorrente dominasse o facto relativamente ao homicídio simples não já quanto à forma alegadamente subreptícia como veio a ter lugar , tal elemento não cabe , sequer ao nível semiótico , no acordo a que teriam chegado , em violação do art.º 26.º , do CP . Mostram-se violados os art.ºs 210.º n.º 2 b) , 203.º n.º 1 e 204.º n.º 2 f) , do CP , quanto ao crime de roubo por que foi condenado . Na perspectiva do recorrente a subtracção de bens da esfera jurídico da vítima apenas se erige , apenas , como um ataque ao património e já não com as consequências peculiares ao crime de roubo . Se o homicídio é cometido antes da apropriação , visando prepará-la , facilitá-la ou executá-la , a mesma apropriação já não deve ser qualificada pela violência , na medida em que bem subjacente a esta já tina a respectiva protecção contida na punição do homicídio –cfr. AC. da Rel . Coimbra , de 11.2.87 , in BMJ 364 , pág. 449 . Haverá concurso entre as duas espécies criminais se o agente usa de violência para subtrair o bem, e, depois , mata para encobrir o roubo . A medida concreta da pena peca por excesso , porque não levou em conta a prevenção especial ao nível da ressocialização se achar sensivelmente diminuída , face à idade do arguido e à sua integração social, familiar e laboral , em infracção aos art.ºs 71.º n.º 1 e 40.º n.º 2 , do CP , preceitos que inculcam uma teleologia essencialmente preventiva temperada pela ideia de culpa . III . Contramotivou o Exm.º Procurador Geral-Adjunto , defendendo o acerto da decisão recorrida e nesta instância a Exm.ª Procuradora Geral –Adjunta apõs o seu visto . IV. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando-se que o tribunal considerou provada a seguinte factualidade: 1) O arguido N... é o elemento mais velho de uma fratria de três irmãos. - no Centro de Saúde de São Pedro do Sul ao montante de €26,10; e - no Hospital de São Teotónio de Viseu ao montante de €2.999,93. 84) O arguido AA fez o 9° ano de escolaridade. Os pais continuaram então ligados ao trabalho na área da restauração, actividade a que já se dedicavam, embora mais tarde, o pai passasse a exercer a profissão de segurança, numa empresa privada. 100) A dinâmica familiar revelava-se conturbada, uma vez que o pai denotava sérias dificuldades quanto à assunção das suas responsabilidades familiares e principalmente conjugais, em virtude do que a educação e acompanhamento do arguido e de seu irmão estiveram exclusivamente a cargo da mãe. Pese embora os factos ocorridos, qualquer dos arguidos beneficia do apoio dos pais e familiares próximos, dispondo-se aqueles a acolhê-los numa situação de liberdade. V. Sobre a questão prévia da admissibilidade do recurso , que a Relação , por aplicação directa , literal , da norma do art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP , na redacção da Lei n.º 48/07 , de 29/8 , ao dispõr que são irrecorríveis as decisões condenatórias da Relação que , confirmando a de 1.ª instância , apliquem pena não superior a 8 anos de prisão , não admitiu , só o fazendo mediante reclamação para este STJ , mediante despacho de sinal contrário : O acórdão de 1.ª instância foi proferido numa altura em que , na vigência do CPP , antes daquela reforma legislativa , estavam assegurados dois graus de jurisdição em sede de recurso –para Relação e STJ ou um só para este último Tribunal - consoante a amplitude da discordância com o decidido , por ao crime de homicídio qualificado , tentado , como ao de roubo , corresponder , abstractamente , uma pena de prisão superior a 8 anos , e , nessa medida , o “ quod decisum “ podia ascender à apreciação deste STJ , nos termos do art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP , porém a alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 48/07 , de 29/8 , já em vigor na data da interposição do recurso para este STJ , restringe o acesso ao STJ atenta a natureza confirmativa pela Relação do acórdão recorrido de 1.ª instância e a pena efectivamente aplicada não exceder 8 anos de prisão . Atente-se que esta norma enquanto norma mista, a um tempo processual penal material , com reflexo ao nível do direito substantivo , mas também formal , em princípio é de aplicação imediata a todos os processos já iniciados à data da sua entrada em vigor , como o são as normas de cunho processual , por se entender ser esse , aos olhos do legislador , o melhor instrumento de realização do direito material , nos termos do art.º 5.º , do CPP . Só assim não será se da imediata aplicabilidade resultar agravamento visível e sensível diminuição do direito de defesa do arguido , na vertente substantiva ou em caso de quebra da unidade do processo –als . a) e b) , do n.º 2 . A nossa jurisprudência e a doutrina são unânimes em reconhecer que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida – lex temporis regit actum - ( cfr. Acs. deste STJ , de 17.12.69 , BMJ 192 , 192 , 4.12.76 , BMJ 254 , pág. 144 , 11.11.82 , BMJ 331 , 438 , 10.12.86 , BMJ 362 , 474 e José António Barreiros , Sistema e Estrutura do Processo Penal Português , 1997 , I , 189 ) e isto porque as expectativas eventualmente criadas às partes ao abrigo da lei antiga se dissiparam `a face da lei nova , não havendo que tutelá-las ,” não tinham razão de ser ”( Cfr .Manual de Processo Civil , de Antunes Varela , Miguel Beleza , Sampaio e Nora , 1984 , 54/55) , arredando a aplicabilidade da lei nova , sublinham , no caso particular do direito processual civil , estes últimos autores . De reter que , em sede de direito e processo penal , em que se jogam interesses , afectando ou podendo afectar direitos fundamentais tão valiosos como o da liberdade humana , para efeitos de aplicação da lei no tempo , a evitabilidade do agravamento ainda sensível da posição do arguido leva a que se devam ponderar as expectativas , justas , do recorrente em termos de continuar a deparar-se-lhe a possibilidade de lhe assistir o recurso nos moldes firmados na lei antiga , pese embora as regras que se limitam a regular as formalidades de preparação , instrução e julgamento do recurso ( Prof . Alberto dos Reis , in R L J , Ano 86 , págs . 49 a 53 e 84 a 87 ) , sem margem para dúvida , serem de imediata aplicação. Nesta conformidade , numa visão que não logra consenso neste STJ , se admite o recurso , no mesmo sentido da recorribilidade sendo Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código de Processo Penal , pág. 997 . VI . Sobre a invocada nulidade por omissão de pronúncia em termos de omissão do conhecimento da matéria de facto que o arguido diz ter impugnado : Quando à Relação se pede o reexame da matéria de facto, reexame necessariamente segmentado , não da totalidade da matéria de facto , ciclo de conhecimento que lhe incumbe quase definitivamente encerrar , nos termos dos art.ºs 428.º e 431 .º , do CPP , donde a extrema importância que aquele Tribunal assume em tal capítulo , tal reponderação envolve um julgamento parcelar , de via reduzida , é certo , mas que não dispensa nem o exame , ou seja a análise dos factos e nem a crítica, ou seja o mérito ou demérito dos vários meios de prova , a razão por que uns são credíveis e outros não , que vão alicerçar a convicção probatória, nos termos do art.º 374.º n.º 2 , do CPP. Pede-se ao Tribunal de recurso , como é obvio , e nem podia deixar de ser de outro modo , uma intromissão no julgamento da matéria de facto , um juízo substitutivo , situando-se a alienidade a ela numa postura de muito clara denegação do direito ao recurso em sede de matéria de facto , postura que este STJ não credencia , a ter lugar . A reapreciação parcelar da matéria de facto , se não impõe uma avaliação global também se não pode bastar com meras declarações e afirmações gerais quanto à razoabilidade do decidido na decisão recorrida , requerendo sempre nos limites traçados pelo objecto do recurso , a reponderação especificada , um juízo autónomo , da força e compatibilidade probatória das forças que serviram de suporte à convicção em relação aos factos impugnados . Uma adesão meramente formal aos fundamentos usados para alicerce da decisão recorrida é o inverso do percurso a seguir , na exigência da lei , porque o enunciado factual provado ou não provado precede os fundamento decisórios que serviram para modelar a convicção do julgador ; na ordem lógica das coisas os factos são a meta primeira a atingir, segue-se no art.º 374.º n.º 2 , do CPP , na especial estruturação da sentença , a fundamentação , o seu sustentáculo , pelas provas , o enunciado destas e não o inverso . O reexame que se pede á Relação não dispensa , pois , um estudo , que nada tem de ciclópico , mas nem por isso dispensa “ atenção “ , “ o saber de experiência feito e honesto estudo misturado “ , na teorização do Prof. Castanheira Neves , Sumários , 48 . O Ac. do TC n.º 116/07 , in DR II Série , de 23.4.2007 , julgou inconstitucional a norma do art.º 428.º , do CPP , quando interpretada no sentido de que , tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida , basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2.ª instância se limita a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença , objecto do recurso , foram colhidos da prova transcrita dos autos . Uma interpretação que não desça à especificidade apontada não comporta caução constitucional, decidiu já o AC. deste STJ , de 23.5.07 , P.º n.º 1498/07 . Mas centremo-nos no “ modus operandi “ de tal impugnação tal como o arguido N... a endereçou à Relação e transcrevendo dos termos iniciais da motivação , a fls . 1010 e 1011 : “ O primeiro segmento do dissídio de que o requerente pretende dar veemente nota prende-se à matéria de facto . Na verdade , o recorrente entende incorrectamente julgados –para usar a expressão com assento no texto legal –os pontos constantes dos números 10, 12 , 13 , 14, 20, 23, 24 , 25 , 26 , 29, 30 , 32 , 37 , 79, 81 e 82 ( ou seja todos aqueles atinentes à elaboração do plano tendente a retirar a vida a quem quer que fosse ) . Na verdade em audiência de discussão e julgamento digladiaram-se duas versões opostas no que tange à factualidade supramencionada . Uma , sustentada pelo arguido BB, que mereceu credibilidade ao Tribunal , na medida em que a materialidade dada por provada se baseia em tal momento processual e outra prestada pelo ora recorrente que apenas admitiu a existência de um plano tendente a levar à apropriação dos bens existentes na casa da vítima ; ora tal versão , como é manifesto , não percutiu minimamente o espírito dos julgadores que a não reputaram de susceptível de a dar por provada . Assim , a acusação fáctica preconizada no Douto Acórdão em recurso , designadamente o facto incontornável , de esta se estribar única e exclusivamente nas declarações do co-arguido do ora recorrente , convocam uma problemática que tem sido vastas vezes aflorada na dogmática : Na verdade vem-se discutindo amiúde o valor probatório desta espécie de emergência numa audiência de discussão e julgamento : (…) “ Das conclusões do recurso ressalta que a mesma questão , da impugnação factual , é reeditada nos exactos e idênticos moldes , a saber : O Colectivo fixou os supracitados factos, incorrectamente julgados , baseando-se unicamente nas declarações do co-arguido BB ,que serviram de base à versão acolhida na sentença , desprezando –se a versão parcialmente distinta e oposta do recorrente AA, refutando este o acordo para a prática do homicídio na pessoa do assistente , aceitando , apenas o acordo para o que, dogmaticamente , é um furto . O tribunal condenou , apenas , ancorado na versão do co-arguido BB, com base em meio de prova proibido , sem meio de prova exterior a tais declarações , redundando numa falta de fundamentação . Apreciando: A afirmação de que as declarações do co-arguido em julgamento concentram em si um meio de prova proibido , releva de um enfoque , sem solidez , ao nível legal e doutrinário . Na verdade os meios proibidos de prova representam a prescrição de um “ limite à descoberta da verdade “ , “ barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem o objecto do processo “ , no dizer de Gössel , citado por Costa Andrade , in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal , 83 . A proibição de prova é ditada por uma imposição e , ao mesmo tempo , uma permissão , pois como aquele autor alemão exprime “ toda a regra relativa a averiguação dos factos proíbe ao mesmo tempo as vias não permitidas de averiguação “ . Pese embora a vida actual se desenrolar a coberto de “ um estado de necessidade de investigação “ , de que fala Hassemer , assiste-se a uma “ dramatização da violência “ que induz “ a colonização da política criminal por lastros de irracionalidade “ , tudo em nome da eficácia de uma justiça criminal , mobilizando a jurisprudência e a doutrina para um clima de “ moral panic “ , para aquele estado de necessidade de investigação material . Mas esta não pode concluir –se a todo o custo –op.cit . , pág. 83 . Através da proibição de certos meios de prova , o Estado alonga a diferença que deve existir entre a perseguição do crime e o próprio crime. O Estado na sua avidez de punir incorre no perigo de erosão da superioridade moral do processo penal se não obtiver uma condenação de “ mãos limpas “ , com respeito por princípios e regras atinentes à dignidade humana , naquilo que faz parte do seu núcleo essencial . As declarações do co-arguido não se compendiam entre os meios proibidos de prova , previstos no art.º 126.º , do CPP , aí condensados em duas grandes categorias : umas respeitando à integridade física e moral da pessoa humana, outras à sua privacidade . As declarações do co- arguido deslocam-se, antes, para o âmbito do princípio da legalidade da prova , por força do qual , nos termos do art.º 125.º , do CPP , são permitidos todos os meios de prova que não forem legalmente vedados ,ou seja para o campo da sua credibilidade , não já da sua inutilizabilidade , no aspecto valorativo e no peso específico que , no conjunto delas , apresentam . A ordem de produção de prova em julgamento repousa nas declarações do arguido , constituindo um meio de prova legalmente admitido , com previsão nos art.ºs 140.º e 340.º , al.a) , do CPP . Um obstáculo sobejamente conhecido e endereçado às declarações do co-arguido contra o outro ou outros : sempre que o co-arguido produza declarações em desfavor de outro e aquele , a instâncias do co-acusado , se recuse a responder , no uso do direito ao silêncio ( cfr. Acs . do TC n.º 524/97 e deste STJ , de 25.2.99 , in CJ , STJ , VII , I , 229 ) . Esta jurisprudência colheu fiel integração na lei , com a recente reforma introduzida pela Lei n.º 48/97 , de 29/8 , no art.º 345.º n.º 4 , do CPP , no sentido de que não podem valer como meios de prova as declarações do co-arguido , se este se refugia no silêncio , por tal restrição conduzir a uma inaceitável limitação à garantias de defesa , ao direito ao defensor e ao princípio de igualdade de armas . Outra limitação é a que deriva da particularidade das declarações do co-arguido , porque elas comportam ou podem comportar uma irrestrita autodesculpabilização ou incriminação recíproca ou multilateral do co-acusado , hiperbolizando oportunisticamente a sua estratégia de defesa , quicá mesmo a sua vindicta contra o co-acusado , que pode ficar colocado , por isso mesmo , numa possível situação delicada , a que um processo justo que assegura todas as garantias de defesa , um “ due process of law “, não pode ficar indiferente . À parte este reparo a jurisprudência deste STJ sempre defendeu que o arguido tanto pode produzir declarações a seu respeito como dos demais co-arguidos , com o que ficaria gravemente comprometido o seu direito de defesa e o dever de cooperação com o tribunal , que , pode , no exercício de uma melhor justiça , não desejar comprometer . Unicamente ao arguido ou co-arguido , nos termos do art.º 133.º n.º 1 a) , do CPP , é vedado intervir como testemunha , sujeito ao dever de verdade e à cominação de sanções , auto-incriminar-se ; a não sujeição do arguido ao estatuto de testemunha tem por objectivo libertá-lo desse ónus . No ordenamento jurídico nacional a dimensão do arguido como sujeito do processo avulta sobremaneira sobre a dimensão-objecto ; a utilização do arguido como meio de prova conduz a que a sua intervenção seja limitada pelo integral respeito pela sua vontade , com uma dupla vertente : pela positiva abrindo ao arguido o mais amplo e irrestrito direito de intervenção e declaração em abono da sua defesa ; a face positiva da questão rege-se por deter um autêntico direito contra o Estado , vedando-lhe todas as tentativas de obtenção por meios enganosos ou por coacção , de declarações incriminatórias , numa associação ao brocardo latino “ nemo tenetur se ipsum acusare ( ou prodere ) “ –cfr. Prof. Figueiredo Dias , direito Processual Penal , págs. 446 e 449 . Daqueles visíveis inconvenientes apontados à prestação de declarações do coarguido contra outro tem este STJ , na sua extensa e já recuada jurisprudência , firmado a sua admissibilidade em nome de um ilimitado direito de defesa, sem deixar de frisar cautela na valoração de tais declarações ; a prova assim produzida é de credibilidade mais diluída , como deriva dos seus Acs. de 31.1.200º , P.º n.º 3574/00 , 3.ª Sec., 29.3.2000, P.º n.º 1134 /99 , 10.12.96 , P.º n.º 486/97 , 30.11.2000 , P.º n.º 2828/00 -5.ª Sec. , 30.5.97 , P.º n.º 498/96 e de 26.3.98 , P.º n.º 44/98 . Em data recente se pronunciou este STJ , no seu Ac. de 12.3.2008 , prolatado no P.º n.º 694/08 , onde , na valência da prova prestada pelo co-arguido , e na esteira da jurisprudência uniforme deste STJ , mais uma vez se afirma a necessidade de se não abdicar , no concretismo da situação , de um esforço de análise , tendente a averiguar se a co-acusação corresponde ou não um sentido “ espúrio” , devendo , por isso , arrimar-se em motivações objectivas , ancorar-se , complementarmente , em corroborações ( termo muito em uso entre a doutrina italiana ) periféricas , na esteira de Carlos Cllemente Duran , aí citado , demonstrativas de um elevado grau de seriedade . Ao fim e ao cabo , concluimos , o que importa é exercer um juízo de censura mais apurado na aferição do valor da co-declaração , que passa por um exigente filtro de exame e análise , atento o peso que ela exerce na formação da convicção probatória . Na doutrina, Rodrigo Santiago , in RPCC , 1994 , 27 e segs . , repele a validade da fundamentação decisória , quando nela se inscrevem , irrestritamente , as declarações do co-arguido, visto o que se preceitua nos art.ºs 323.º al.a) e 327.º n.º 2 , do CPP , fundando nulidade do julgamento . Reconhecendo a fragilidade de tal meio de prova , situa-se Teresa Beleza , in “ Tão amigos que nós éramos “ , estudo publicado in R e v. do M.º P .º ; Alberto Medina de Seiça , in O Conhecimento Probatório do co-arguido , Coimbra ed., 1999 , págs . 212 e segs . sustenta a validade das declarações do co-arguido , desde que reforçado , apoiado , por qualquer outro meio de prova , por isoladamente ser insuficiente , como também propende a considerar Vasquez Sotelo , in Presuncion de Inocencia del Imputado e Intima Conviccion del Tribunal , 134 . O tribunal não está impedido de valorar esse meio de prova , livremente , com os demais , introduzindo um crivo de mais exigente , apertada malha , pela especificidade que lhe é própria . VII . Rumando aos termos da impugnação da matéria de facto que o arguido AA reputa não ter sido objecto de análise pela Relação , é de realçar que o pomo da discórdia resulta de o Colectivo ter acolhido na sua convicção matéria de facto provinda das declarações do co-arguido BB ,enquanto meio de prova proibido , desprezando a sua ( do recorrente ) versão do acontecido . De meio de prova proibido já vimos que , de um ponto de vista da lei , da doutrina e da jurisprudência , é pura e simplesmente , com o respeito devido , desajustado , equacionar a questão sob esse prisma , porque se não trata de meio de prova proibido . A Relação dedicou à temática em causa abordagem teórica bastante . E tanto basta para a base argumentativa , sedeada a esse nível , soçobrar . Adita-se , complementarmente, que a essas declarações se associam , pela Relação , em abordagem “ ex professo “ , em sua corroboração , quais elementos periféricos de provas , de feição objectiva , a reforçarem a sua seriedade , mitigando de forma suficiente ou mesmo anulando o aspecto subjectivo de desmedido aproveitamento intencional que a sua confissão , em desfavor do recorrente , pudesse despoletar em termos de alcançar um tratamento de indevido favor . O Tribunal da Relação , pronunciando-se sobre a impugnação da matéria de facto , fez questão de consignar, ora adoptando argumentação da 1.ª instância , ora inovando , escrevendo que existem “ outros elementos ainda que dispersos “ , elementos periféricos corroborantes , esbatendo o nível subjectivo, que permitiram dar “ crédito absoluto “ ao que o co-arguido José narrou. É de fls . 1153 a 1155 dos autos que consta a alegação de abundantes razões para crer que o homicídio , que se não consumou , foi “ encomendado “ pelo recorrente, residualmente restando a consideração que não se cingindo a prova por declarações do co-arguido a prova vinculada , antes de livre apreciação , ao tribunal era facultado eleger , relevantemente , tais declarações e inconsiderar as do recorrente , ao abrigo do art.º 127.º , do CPP . Verdadeiramente o que o arguido intenta é fazer impõr a sua convicção pessoal , ou seja que se tenha por assente a sua versão restrita à autoria do que, dogmática e factualmente, se típica como furto , em superação daquilo que na versão credenciada do co-arguido se qualifica factualmente como homicídio tentado e roubo , só porque tem por fonte uma irrestrita confissão do co-arguido, autodenominado meio de prova indevido , mas esse enfoque que transmitiu não vale por impugnação mas apenas uma perspectivar diferente , uma visão própria e pessoal , à luz dos seus interesses , não tendo que coincidir o ponto de vista do tribunal com o formato que desenha . Este STJ enquanto tribunal de revista , se lhe não é defeso sindicar o uso de meios de prova , na medida da sua admissibilidade legal , já lhe é vedado intrometer-se na valoração que as instâncias lhes dedicaram e nos factos materiais fixados em livre convicção , porque não desfilaram perante si . Sem compreensão fica a invocação da violação do art.º 32.º n.º 2 d) ( a al.d) inexiste no art.º 32.º n.º 2 ) , da CRP , quando conjugado com o art.º 133.º n.º 1 a) , do CPP , quando proíbe que seja ouvido como testemunha o co-arguido no mesmo processo em que é co-arguido o recorrente ou o art.º 345.º n.º 4 , do CPP , dispondo que não vale como meio de prova a declaração do co-arguido contra outro e aquele se recusa a ser contraditado , também não sendo caso de chamar à colação - por lapso - o art.º 244.º , n.º 3 a) , do CPP ( o preceito era , antes , o do art.º 344.º , n.º 3 a) , do CPP) , estabelecendo este que a confissão em caso de pluralidade de arguidos não se repercute sobre eles quando não seja coerente e sem reservas . Na verdade o arguido não foi ouvido como testemunha ; não ressalta que se haja subtraído ao contraditório emergente da Exm.ª defensora do arguido N... e que se haja aproveitado a confissão para , sem mais , desinseridamente de qualquer outro meio de prova corroborante a fazer repercutir negativamente sobre o ora recorrente , não se frustrando o princípio constitucional da presunção da inocência , a que se faz menção no art.º 32.º n.º 2 , da CRP – o preceito não comporta al.d) – presumindo-se culpado , logo condenado , sem clara , prévia e inequívoca demonstração de um juízo de censura , em que repousa a culpa . Não há infracção ao dever de fundamentação das decisões judiciais pelo recurso às declarações do co-arguido , porque elas se compreendem no elenco das que são admitidas em julgamento , ocupando o primeiro lugar no topo da ordem de produção –art.º 341.º a) , do CPP . O tribunal também não sucumbiu a um estado de dúvida , que houvesse que declarar , ou que só o não o fez , “ in mallam partem “ do arguido por erro notório na apreciação da prova , logo não faz sentido convocar a violação do princípio “ in dubio pro reo “ . VIII . A qualificativa prevista no art.º 132.º n.º 2 h) , do CP , é refutada pelo arguido porque se lhe não imputa a circunstância da apresentação do arguido BB, como “ carteiro “ à vítima , fazer parte do plano conjunto entre si e aquele, uma vez que o acordo consistia no uso de uma arma silenciosa por contraponto a uma arma de fogo e que o ataque seria de imediato mal o BB entrasse em casa da vítima . Explicitando : do plano executivo não constava esse expediente , ou seja a invocação da qualidade de “ carteiro” , que tinha correspondência para entrega ao pai do arguido , pretexto para que , logo que o arguido José se aproximasse da residência da vítima e do pai e , de seguida ,se apresentasse como tal , levasse a vítima , sua madrasta , desprevenidamente , a abrir-lhe a porta e , de seguida , assassiná-la . O arguido recorrente surge no processo executivo como co-autor moral , mediato , nos termos do art.º 26.º , do CP , como instigador , nessa medida fazendo actuar por si “ um intermediário” , na forma de “ instrumento humano “ , servindo-se de “ mãos alheias “ , compreendendo correctamente a situação do facto , tendo “ nas mãos “ o acontecimento total, por força da sua vontade dirigida planificadamente – cfr . Wessels , Direito Penal , 122. É irrelevante , acentua o Prof. Eduardo Correia , o processo através do qual o autor mediato determina outrém à prática do ilícito , nos termos da parte final do art.º 26.º , do CP , seja ele conselho , ameaça , violência , ordem , promessa , dádiva , etc , o que importa é que o facto ilícito não tivesse sido cometido sem aquela determinação , só então se podendo considerar que causou a realização do facto ; a determinação do facto deve ser directa , Direito Criminal , II , págs . 252 /253 . No projecto criminoso delineado , em que o AA começa por surgir como autor moral, sendo co-autor com o BB que adere ao plano e o executa materialmente , com o qual acorda em vista da consecução de um resultado final , por ambos querido e desejado, aquele torna-se senhor do facto , que domina globalmente , tanto pela positiva , assumindo um poder de direcção , preponderante na execução conjunta do facto , como pela negativa , podendo impedi-lo , sem que se torne necessária , para a comparticipação estabelecida , a prática de todos os factos que integram o “ iter criminis “ ( cfr. Dr.ª Maria da Conceição Valdágua , in O Início da Tentativa do Co-Autor , 1985 , Ed. Danúbio , 155/156 , na esteira de Roxin , Stratenwerth , Welzel e Iescheck , ali citados e BMJ 341 , 202 e segs .) . Essencial à co-autoria , nos termos do art.º 26 .º , do CP , quando aí se emprega a locução “ ou toma parte directa na sua execução por acordo ou juntamente com outro ou outros “ , que deve ser entendida para além do mero somatório dos comportamentos individuais , é um acordo respeitante à execução do plano , que tanto pode ser de extrema simplicidade , como altamente complexo , abrangendo sempre uma divisão de trabalho , uma repartição de tarefas entre co-autores , que se atribuem e aceitam prestar destinadas ao plano comum . Por isso que comportamentos autónomos , não integrados no plano comum ,completamente desligados e alheios a ele , só responsabilizam individualmente o co- autor que o pratica e não os demais , o que também ressalta do princípio da culpa na co-autoria , firmado no art.º 29.º , do CP , à luz do qual cada comparticipante é punido de acordo com a sua culpa ou do grau de culpa dos outros comparticipantes . O arguido através dessa alegação propõe-se afastar a qualificativa “ meio insidioso” , representada pela invocação da falsa qualidade de carteiro , para a trair a vítima , nada desconfiando do mal iminente , abrir a porta da casa onde penetrou e atingiu com uma faca em várias zonas do corpo , entre as quais o pescoço e o dorso . No conceito de meio insidioso cabem todos os que podem rotular-se de traiçoeiros , desleais ou perigosos , tornando mais difícil ou impossível a defesa ; os meios insidiosos são os que se empregam de forma enganosa ou fraudulenta e cujo poder mortífero se acha oculto , surpreendendo a vítima ; a traição constitui um ataque sorrateiro e súbito , subrepetício e dissimulado , atingindo a vitima de forma descuidada , confiante de que nada lhe sucederá, de ordem tal que não se apercebe do gesto criminoso , este o entendimento comum ao nível jurisprudencial . Neste sentido , entre outros , cfr . Acs . do STJ , de 17.3.2005 , P.º n.º 546/05 , de 27.3.2007 , P.º n.º 647/07 , de 2.11.2006 , P.º n.º 3144 /06 e de 17.1.2001 , P.º n.º 2843 /00 , que refrangem os ensinamentos da doutrina estrangeira e nacional a propósito desse exemplo- padrão , designadamente de Antolisei , in Manual de Diritto Penale , Parte Especial , I , 12 , Silvio Ranieri , Manual de Derecho Penal , V, Parte Especial , 38 , Giuseppe Maggiore , Derecho Penal , Parte Especial , IV , 298 , 1986 e de Figueiredo Dias , in Comentário Conimbricense do Código Penal , I , pág. 39 . A propósito da integração do exemplo- padrão em causa foi comprovado quando a dado ponto no acórdão recorrido se escreve que o arguido AA , depois de desistir de matar seu pai , combinou como o arguido BB matar a madrasta , ora assistente , quando esta se achasse sózinha no interior da sua casa , usando uma faca para não alertar a vizinhança , o que sucederia se fosse usada uma arma de fogo . Assim , escreve-se no acórdão da 1.ª instância , a dado passo , “ na mesma altura os arguidos mais combinaram entre si que o arguido transportaria , no seu referido veículo , o arguido BB até às imediações da casa da assistente e que ali chegados , este último dirigir-se –ia para a porta da entrada desta , tocando à campainha e dizendo ser o carteiro e que tinha uma encomenda para o referido BB “ e que “ logo que assistente abrisse a porta , combinaram eles , o arguido BB de imediato desferiria diversos golpes com uma faca no corpo daquela assim lhe provocando a morte “ . Esse exemplo- padrão mostra-se factualmente demonstrado, pela actuação gravemente traiçoeira do arguido , em termos de permitir erigir a construção de um modalidade especial de incriminação sobre o tipo base , a uma sua variante , pela adição de elementos expressivos de um grau de culpa exacerbada , representativos de indícios de caso especialmente grave , à luz de circunstâncias objectivas e subjectivas reveladoras da insuficiência da moldura penal normal , incapaz de responder à retribuição penal do ilícito e da culpa , no dizer de Iescheck , Tratado de Derecho Penal , I , Parte General , tradução espanhola , págs . 363 , 367 e 368 . O “ plus “ de culpa presente nesse procedimento , actualiza uma especial censurabilidade pela forma particularmente desvaliosa do procedimento , que se prende , seguindo o Prof. Fernando Silva , in Direito Penal Especial , Crimes Contras Pessoas , pág. 52 , com uma atitude interna traduzida em conduta profundamente distanciada do quadro axiológico , valorativo , enquanto padrão normal , qual seja o de tirar a vida à sua madrasta , pelo descrito processo enganoso , sabendo-a sozinha , atraindo-a à porta de entrada da casa onde vivia com o pai do arguido , tocando à campainha , na falsa qualidade de carteiro do arguido BB , nada cuidando que lhe fosse causar danos corporais graves , colhendo-a de surpresa e indefesa tanto mais que o marido e pai do arguido se ausentara para Moçambique , entreabrindo a porta . Nesse instante, o arguido BB, empurrou repentina e violentamente aquela porta e entrou para o hall de entrada daquela casa de habitação , tendo de imediato desferido quatro golpes no pescoço da assistente e no dorso com o punhal , que na altura empunhava, de marca “ICEL”, com o comprimento de 20cm, sendo 11,5cm de lâmina, de um só gume com bico pronunciado e serrilhado nas costas. Esta actuação do arguido BB, pela sua rapidez, violência e surpresa, impediu que aquela CC reagisse contra a mesma. Assim após ter sido esfaqueada no pescoço, aquela CC, para tentar evitar outras agressões, agarrou com a sua mão esquerda na lâmina do punhal que o arguido BB empunhava. Contudo, este arguido agarrou-a pelo pescoço, puxou-a, deitou-a ao chão, fazendo com que ela embatesse violentamente com os joelhos e anca no chão e, após a ter imobilizado tombada, espetou-lhe a lâmina do punhal na região dorsal. Como consequência directa e imediata da sobredita actuação do arguido BB sofreu a assistente as lesões descritas a fls. 39, 42, 43 e 516 a 519, que aqui se dão por reproduzidas, nomeadamente duas feridas inciso-contusas da face anterior do pescoço (sendo a ferida inferior em alçapão sem atingimento muscular aparente e a superior mais profunda, com exposição, sem lesão aparente da veia jugular anterior); duas feridas laterais direitas da base do pescoço; ferida penetrante para-vertebral direita, na região dorsal; feridas da mão esquerda (da base do primeiro dedo e estendida ao longo do bordo externo do dedo e da falange distal do terceiro dedo); dor à mobilização da anca direita com fractura dos ramos ílio-isquio-púbicos direitos. Na data de 18 de Dezembro de 2006 apresentava como lesões e sequelas de tal conduta, cicatriz na comissura labial esquerda, quase inaparente, oblíqua para baixo e para fora com 1cm de comprimento; duas cicatrizes na face anterior do pescoço, nacaradas, lineares, irregulares, pouco aparentes, partindo da linha média para a esquerda, medindo a superior 6 cm e a inferior 7cm de comprimento, depois de rectificadas; na face antero-lateral direita do pescoço, a nível da base, duas cicatrizes nacaradas, lineares, pouco aparentes, uma mais interna, longitudinal medindo 1 cm e a outra mais externa, transversal, medindo 1 cm de comprimento; no terço médio da face posterior do hemitórax direito, cicatriz rosada, oblíqua para baixo e para fora, moderadamente aparente, com 3,5cm por 5cm; no terço médio da face lateral do hemitórax direito cicatriz com vestígios de pontos, nacarada, moderadamente aparente, com 3 cm por 5mm; na face dorsal da mão esquerda, na base do polegar cicatriz arroxeada, linear, moderadamente aparente, transversal, com 2,5cm de comprimento: desde o bordo interno do polegar a nível da metade próxima da primeira falange, estendendo-se até à face palmar do mesmo dedo, a nível da articulação interfalângica, cicatriz linear, nacarada, irregular, pouco aparente, com 4 cm de comprimento, depois de rectificada; na face palmar do terceiro dedo, a nível da extremidade ungueal, cicatriz linear, nacarada, pouco aparente, irregular, com 3 cm de comprimento, depois de rectificada; limitação da flexão do polegar, nos últimos graus; discreta amitrofia da mão; dor à palpação da região dos ramos ílio-isquio-púbicos direitos; edema do joelho direito com dor à mobilização da rótula; dor à palpação da face externa do joelho esquerda. Para tratamento de tais lesões a assistente ficou internada no Hospital de São Teotónio de Viseu desde 17 de Maio de 2006 até 31 de Maio de 2006. O “ modus faciendi “ do crime obedece ao plano homicida , de dar a morte à madrasta do recorrente , onde preponderam a astúcia , a minúcia ( o arguido forneceu , inclusive , luvas ao BB, para apagar vestígios do crime ) e a surpresa , qualificando o crime aquela agravante da al.h) , do n.º 2 , do art.º 132.º, do CP . Dele estão ausentes a sensibilidade e o respeito pela vida humana e mesmo pelos laços de afinidade estabelecidos , ao projectar dar a morte à sua madrasta , visto não ver com bons olhos o relacionamento que o pai com ela estabelecera , plano que o arguido concebeu , o arguido BB pôs em acção , por determinação do recorrente , a troco de remuneração , mantendo inteiramente o resultado nos limites do acordo , só não se seguindo o resultado homicida inicialmente cogitado ( homicídio mercenário ) porque a vítima foi prontamente assistida e conduzida pelo INEM ao Hospital onde foi assistida às lesões causadas , ficando a constatada fractura dos ramos ílio-isquio-púbicos a atestar um nível de violência incomum . O quadro factual comprovado encarrega-se de põr em destaque que pelo acto do co- arguido J... é também corresponsável o arguido ora recorrente e que o homicídio tentado , uma vez que a tentativa não é inconciliável com a qualificação derivada dos n.ºs 1 e 2 , do art.º 132.º , do CP , é qualificado pela refracção na sua conduta de um juízo de culpa agravado , revendo-se na realização do facto qualidades especialmente desvaliosas , atento o modo programado e engenhoso de execução , sem possibilidade de defesa à vítima, além da inconsideração da relação existente entre ambos . Releva , ainda, que o acordo celebrado com o co-arguido teve em mente não só o homicídio daquela como , ainda , a apropriação de valores contidos num cofre da casa do pai , que o arguido disse conter cinquenta mil euros em dinheiro, para além de diversas peças em ouro, prometendo-lhe , caso tirasse a vida à assistente ,que poderia ficar para si com metade desse dinheiro e metade desse ouro –o recorrente sabia que se achava em situação económica difícil , fácil sendo o aliciamento - ficando o restante para o ora recorrente , documentando , também , esse intento avidez , um acervo de qualidades especialmente desvaliosas ao nível da sua personalidade enquanto portadora de um acentuado grau de desconformação com os deveres ético-jurídico -existenciais , impostos como pressuposto da sua coexistência social , como ser de relação . IX. O arguido contesta a incriminação pela prática de crime de roubo , por resultar que o homicídio é cometido antes da apropriação , visando prepará-la , facilitá-la ou executá-la , caso em que a mesma apropriação já não poderá ser qualificada pela violência , na medida em que o bem jurídico subjacente a esta protecção está contida na punição ; haverá concurso real , e esta não é a hipótese vertente , no caso de o agente usar de violência para subtrair o bem e depois matar para encobrir o roubo . Esta alegação desloca-se para o campo da unidade ou pluralidade de infracções , seguindo o legislador um critério teleológico no art.º 30.º , n.º 1 , do CP , por força do qual o número de crimes se determina pelo número de tipos criminais efectivamente cometidos ( concurso real) ou pelo número de vezes que o mesmo tipo for preenchido pela conduta do agente ( concurso ideal ) , concursos que se equiparam no plano da lei As excepções a estas regras são as representadas pelo concurso aparente de infracções , em virtude da especial relação entre normas incriminatórias , colocando o problema de saber qual delas deve prevalecer , ser eficaz , dado que a mesma norma só uma vez deve funcionar , questão que encontra resolução por aplicação das regras da consumpção , especialidade e subsidariedade e o crime continuado. O arguido parte de uma visão factual que não corresponde à realidade retratada. Na verdade os arguidos combinaram o homicídio da assistente e , igualmente , que , após a consumação do crime o arguido se apropriaria de bens e valores contidos no cofre existente na casa do pai , a repartir em parte iguais por ambos , como forma , desde logo , de recompensa do co-arguido BB. Após a agressão com o punhal, o arguido perguntou à assistente já em estado de grande debilidade , onde se encontravam o cofre, as peças em ouro e o dinheiro que ali existiam, ao que aquela, com receio que o arguido, caso não respondesse, a agredisse novamente com o punhal que empunhava, disse ao mesmo que as peças em ouro se encontravam naquele quarto, nomeadamente na mesa-de-cabeceira, roupeiro e arrecadação ali existentes, que um envelope contendo dinheiro se encontrava também naquele roupeiro e que o cofre estava na dita arrecadação . A vítima foi colocada em impossibildade de resistir e , nesse estado , com receio de ver retomada a agressão , consentiu na informação do local onde se achavam os bens e valores a subtrair pelo descrito processo violento , integrando a prática de crime de roubo agravado –art.º 210.º n.º2 b) , do CP . O crime de homicídio não se apresenta como crime- meio para atingir o roubo , como instrumento daquele ; a apropriação do dinheiro , pela violência , caso tirasse a vítima à madrasta , seria forma de remuneração , é o que se comprova no ponto de facto n.º 21 , conforme acordado , em obediência a uma resolução criminosa autónoma e diferenciada da homicida , apta a põr em lesão interesses jurídicos que só em parte coincidem , não dispensando a punição pelo homicídio a tutela dos interesses patrimoniais que , sem serem os essencialmente visados com a incriminação , no crime complexivo de roubo , não deixam de configurar elemento constitutivo desse tipo de crime , previsto no art.º 210.º n.º 1 , do CP . A resolução criminosa é o termo do específico momento do processo volitivo do dolo , em que o agente torna ineficaz a validade determinadora da norma ; sempre que uma pluralidade de resoluções e resoluções no sentido de determinação da vontade , assistir-se à configuração de uma pluralidade de infracções ( cfr. Prof. Eduardo Correia , Unidade Pluralidade de Infracções –Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz , pág. 94. É preciso anotar -cfr. op. cit. , pág. 97- que nem sempre à pluralidade de actos corresponde uma pluralidade de determinações , como sucede quando cada um daqueles traduzir um puro explodir ( déclancher ) , mais ou menos automático , sem mediar intervalo , da carga volitiva correspondente ao projecto querido , não se demonstrando que o roubo seja uma mera descarga do homicídio projectado , englobado como está num processo deliberativo daquele destacado. Por isso , protegendo-se no homicídio o valor fundamental da vida e no roubo a integridade física , liberdade de determinação e até a própria vida , a tutela concedida à violência física , ao ataque à vida da vítima , pela via da incriminação pelo homicídio , tentado , deixaria sem a justa protecção do património de que aquela foi despojada . A protecção que a norma do homicídio concede não consome a protecção merecida pela apropriação patrimonial , não é mais eficaz , mais ampla e, por isso , não funciona no confronto de normas , como “ lex consumens “ da norma proibitiva do roubo . Concluímos que no caso concreto os crimes de homicídio e roubo se posicionam em concurso real , razão para , como as instâncias decidiram , se desencadear uma punição autónoma . XI. Quanto à medida concreta da pena : Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/95 , de 15/3 , o legislador conferiu à pena uma feição predominantemente pragmática , utilitária , no art.º 40.º n.º 1 , do CP , protecção dos bens jurídicos e de ressocialização do agente , se possível , segmento que foi retirado com a recente alteração introduzida pela lei n.º 58/07 , de 4/9 . Na formulação da norma de punição o legislador confere uma latitude mais ou menos ampla que confere ao julgador uma não menos ampla tarefa de individualização em vista da protecção dos bens jurídicos a acautelar e a necessidade de ressocialização do agente , finalidades pública e privada da pena , que , qualquer que seja a dimensão daquelas , em caso algum pode ultrapassar a medida culpa , nos termos do art.º 40.º , do CP . No art.º 71.º do CP , o legislador oferece , ainda critérios mais concretos , que servem de controle ao poder de juiz , que não goza na matéria de uma discricionariedade incontrolável ou insindicável , sendo o processo de formação global da pena passível de recurso , prendendo-se aqueles com a culpa do agente e as necessidades de prevenção , bem assim com as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depõem a favor do agente ou contra ele -n.º 2 . A culpa fornece , assim , a moldura de topo dentro da qual operam as submolduras de prevenção geral , como instrumento de contenção comunitária do crime e a de prevenção especial , enquanto meio de ressocialização do agente , de recuperação individual , de transformação em homem de bem , prevenindo a sucumbência ao crime , a sua reincidência . O dolo de intenção criminosa é muito elevado por parte do recorrente , do qual partiu o propósito de retirar a vida a sua madrasta e roubá-la , programando ao pormenor a agressão , sem arma para não alertar a vizinhança , ou seja com uma faca , mediante o recurso de terceiro , que , passando por dificuldades económicas , aliciou , informando –o sobre o local do crime , prometendo-lhe uma recompensa pecuniária de metade de cinquenta mil euros em dinheiro, para além de diversas peças em ouro, contidos num cofre , ficando a parte restante para si , fornecendo-lhe , ainda , luvas para não restarem vestígios , dificultando a acção da justiça . A frequência que o crime violento , mesmo o inserto no ambiente familiar , regista , impõe uma intervenção vigorosa ao nível punitivo , de dissuasão de potenciais delinquentes. No plano pessoal , da prevenção especial , embora o arguido não tenha antecedentes criminais , pese embora mostrar alguma integração social –explora um salão de jogos -, ele é habitualmente educado , sociável , extrovertido e familiar ,porém nervoso e impulsivo , que não está muito preocupado em relação às consequências dos acontecimentos em apreço, os quais desvaloriza, falando deles com ligeireza e com distância . E essa compreensão compatibiliza-se por inteiro com a importância que dá ao dinheiro , que estimulou “ a sua mania de grandeza “ , segundo o acórdão condenatório de 1.ª instância , relegando para segundo plano o interesse imaterial , só assim se justificando que , por discordar da ligação do pai a outra mulher , a assistente , haja incrustrado na sua mente o propósito , altamente censurável , desde logo , de matar , primeiro , o pai , desígnio que abandonou , para depois se concentrar no de matar a sua madrasta , não servindo essa condição para contramotivação ética . Aquela ausência de preocupação faz sentir a necessidade de a pena funcionar como emenda cívica de que carece em grau elevado . Acresce , no mesmo sentido , o elevado grau de ilicitude , considerando o modo de execução do crime , as suas consequências , com internamento hospitalar da vítima desde 17 a 31 de Maio de 2006 , sofrendo doença , por pelo menos , 246 dias , restando sequelas visíveis da agressão , traduzidas em cicatrizes dispersas por várias partes do corpo , dores e limitação da flexão de um dedo , o montante significativo dos bens e valores roubados , não quantificados pelo Colectivo , porém atingindo 7452, 50 € , se bem que recuperados por indicação à GNR do local onde se achavam , não por acção sua , mas do co-arguido BB , tudo a inculcar um elevado desvalor moral e social , um forte juízo de sentido de reprovação colectiva . No meio prisional tem apresentado um comportamento normal, embora com um episódio de indisciplina. Em seu favor ocorre , apenas , a confissão parcial dos factos , sem relevo excessivo , porque se escamoteou do plano o propósito homicida , ao fim e ao cabo a vertente mais grave dele, o facto de ter sido louvado pela prestação como soldado em missão da NATO no Kosovo , de valor , igualmente , diminuto e a sua juventude - 22 anos na data dos factos – que ilumina no sentido de a aplicação de uma pena muito longa poder prejudicar a sua reinserção social futura . XII. Por todo o exposto a medida óptima e abaixo da qual se não pode descer sob pena de incompreensão colectiva , violando intoleravelmente o seu sentimento de justiça , ante a gravidade dos factos , é , numa moldura abstracta de 2 anos, 4 meses e 8 dias a 16 anos e 8 meses de prisão , a pena imposta de 5 anos , justa e adequada , e se censura pudesse suscitar não era , à evidência , por ser excessiva . A pena pelo roubo de 4 anos , próxima do mínimo , de 3 anos , concita a mesma ordem de apreciação . E nem se diga que se ofendeu o princípio da igualdade que o julgador deve ter presente não permitindo tratamento diferenciado entre os arguidos em face de condicionalismo idêntico , incumbindo salientar que o tratamento de maior favor se justifica , por diferenciado , quanto ao arguido BB. Este confessou os factos , adoptou uma postura cooperante com as autoridades policiais , foi aliciado pelo arguido AA numa fase dífícil, economicamente falando , da sua vida , limitou-se a cumprir instruções do recorrente , beneficiou do regime penal especial para jovens delinquentes , nos termos do Dec.º -Lei n.º 401/82 , de 23/9 , facilitou a recuperação de todos os objectos roubados , acervo factual que , numa valoração global , merecia um “ minus “ de pena . Desigual a condição dos arguidos desigual o seu tratamento penal , como impõe o princípio da igualdade , com tradução art.º 13.º , da CRP, preceito sem ofensa, como outros , do nosso diploma fundamental . XIII . Termos em que se decide negar provimento ao recurso , confirmando-se, inteiramente , a decisão recorrida . Taxa de justiça : 15 UC,s . Procuradoria : ½ . Lisboa, 18 de Junho de 2008 Armindo Monteiro (Relator) Santos Cabral ((vencido, por entender que, em concurso de infracções, existe um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada e um crime de furto qualificado; todavia, em sede de cúmulo jurídico, e aplicada a pena parcelar pelo crime de furto, manteria a pena conjunta aplicada) Pereira Madeira (com voto de desempate)
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