Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
425/12.9TBVFR.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: SEGURO AUTOMÓVEL
REENVIO PREJUDICIAL
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
DIRETIVA COMUNITÁRIA
ANULABILIDADE
OPONIBILIDADE
TERCEIRO
LESADO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SUB-ROGAÇÃO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
SEGURO OBRIGATÓRIO
DECLARAÇÃO INEXACTA
DECLARAÇÃO INEXATA
INTERESSE NO SEGURO
NULIDADE
Data do Acordão: 11/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL – SEGUROS.
Doutrina:
-Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro - Estudos, Coimbra Editora, 2009, 271 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGOS 428.º, N.º 1 E 429.º, 1.
REGIME DO SISTEMA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL, APROVADO PELO DL N.º 291/2007, DE 21-08, REVOGANDO O DL N.º 522/85, DE 31/12: - ARTIGOS 6.º, N.º 2, 22.º, 49.º, N.º 1, ALÍNEA A), 50.º, 54.º, N.º 1 E 94.º, N.º 2.
DL N.º 522/85, DE 31 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 2.º, N.º 2.
Legislação Comunitária:
DIRETIVA N.º 2005/14/ CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 11/05, QUE ALTERA AS DIRETIVAS N.º 72/166/CEE, N.º 84/5/CEE, N.º 88/357/CEE E N.º 90/323/CEE, DO CONSELHO.
DIRETIVA N.º 2000/26/CE.
DIRECTIVA 72/166/CEE DO CONSELHO, DE 24 DE ABRIL DE 1972: - ARTIGO 3.º, N.º 1.
SEGUNDA DIRETIVA 84/5/CEE DO CONSELHO, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1983: - ARTIGO 2.º, N.º 1.
DIRECTIVA 90/232/CEE: - ARTIGO 1.º.
TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE): - ARTIGO 267.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 16-10-2008, PROCESSO N.º 08A2362, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-01-2010, PROCESSO N.º 471/2002.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 31-05-2011, PROCESSO N.º 2693/07. 9TBMTS.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-11- 2017, PROCESSO N.º 40/10.1TVPRT.P1.S1.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA:


- DE 20-07-2017, PROCESSO N.º C-287/16.
Sumário :
I. Segundo doutrina e jurisprudência hoje pacíficas, o artigo 429.º do Código Comercial, aplicável ao caso dos autos, estatui o regime da anulabilidade, no âmbito do contrato de seguro, em caso de declarações inexatas, por parte do tomador do seguro, que possam influir sobre a existência ou condições do contrato. Tal anulabilidade não é oponível aos terceiros lesados em acidente de viação.

II. Por sua vez, o artigo 428.º, § 1.º, do mesmo Código, estatui a regime da nulidade para o caso em que o tomador do seguro ou aquele em nome de quem o seguro é feito não tem interesse na coisa segurada.

III. Todavia, a jurisprudência tem vindo a divergir quanto à oponibilidade dessa nulidade aos terceiros lesados em acidente de viação, nomeadamente num contexto, como o do caso presente, de falsas declarações do tomador de seguro respeitante à indicação do proprietário do veículo.

IV. Assim, segundo certa orientação, aquela nulidade seria oponível aos referidos lesados, enquanto que outra orientação considera que o indicado § 1.º do artigo 428.º deve ser tido por derrogado por efeito do preceituado no artigo 2.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 522/85, de 31/12, correspondente ao atual artigo 6.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08, porquanto, nos termos deste normativo, no âmbito do regime especial do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, é permitida a celebração do contrato de seguro por terceiro como modo de suprir a obrigação das pessoas a tal sujeitas.

V. Nessa linha, a situação prefigurada do § 1.º do artigo 428.º seria sancionada em sede de declarações inexatas na celebração do contrato de seguro com o regime da anulabilidade, nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, sendo esta anulabilidade inoponível aos terceiros lesados. 

VI. Sucede que o TJUE proferiu acórdão, em 20/07/2017, no processo de reenvio prejudicial C-287/16, com a seguinte teor dispositivo:

«O artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, e o artigo 2.º, n.º 1, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados a nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, nulidade essa que resulta de falsas declarações iniciais do tomador do seguro sobre a identidade do proprietário e do condutor habitual do veículo em causa ou do facto de que a pessoa por quem ou em nome de quem esse contrato de seguro é celebrado não tinha interesse económico na celebração do referido contrato.»

VII. O respeito devido ao efeito útil daquelas diretivas, na interpretação dada em sede de reenvio prejudicial pelo TJUE, impõe que se opte pela solução jurídica decorrente do direito nacional mais conforme com aquela interpretação,

VIII. Assim, tem-se por solução mais conforme a de que a situação prevista do § 1.º do artigo 428.º, mormente consubstanciada nos factos constantes dos pontos 1.22 a 1.28 da factualidade provada, em conjugação com o disposto no artigo 6.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08, é sancionada, em sede de declarações inexatas na celebração do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, com o regime da anulabilidade nos termos do art.º 429.º do Código Comercial.

IX. Como tal, essa anulabilidade não é oponível aos terceiros lesados e seus herdeiros, nem ao FGA, na qualidade de sub-rogado no direito daqueles, nos termos do artigo 54.º, n.º 1, do mesmo diploma. 

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I - Relatório


1. O Fundo de Garantia Automóvel (FGA), integrado no Instituto de Seguros de Portugal, intentou, em 24/01/2012, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Companhia de Seguros AA, S.A. (1.ª R.), BB (2.º R.) e herdeiros de CC (3.ª R.), alegando, em síntese, o seguinte:

. Em 15/3/2008, ocorreu um acidente de viação na EN 1, em ..., em que interveio o veículo com a matrícula ...-EX-..., pertencente ao 2.º R. BB e conduzido por CC, o qual, invadindo a faixa de rodagem contrária, foi embater frontalmente no veículo de matrícula ...-...-EC;

. A condutora do veículo EX conduzia com uma TAS de 0,7 g/l;

. Desse embate resultou a morte da condutora e de uma passageira, bem como ferimentos graves em mais dois passageiros, todos ocupantes do veículo EX.

. O risco relativo à circulação do veículo EX encontrava-se transferido mediante contrato de seguro para a 1.ª R..

. Porém, a mesma R. não assumiu a responsabilidade pelas indemnizações decorrentes do referido acidente, invocando a nulidade daquele contrato por considerar terem sido prestadas informações inexatas pelo tomador do seguro.

. Por sua vez, o A. despendeu a importância global de € 172.314,96 a título de indemnizações ao Hospital de S. Sebastião, aos herdeiros da passageira falecida e aos lesados, além de outras despesas com o sinistro.

Conclui o A. pedindo que a 1.ª R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 172.314,96, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos desde a interpelação e incrementados em 25% e ainda as despesas que o A. vier a suportar com a cobrança do reembolso a liquidar oportunamente em ampliação do pedido ou em execução de sentença.

Subsidiariamente, para o caso de se provar que o veículo EX circulava sem beneficiar de seguro automóvel válido e eficaz à data dos factos, pediu a condenação dos 2.º e 3.º R.R. nos mesmos termos.

2. A 1.ª R. contestou a pugnar pela improcedência da ação, sustentando que:

. Em 2006 foi celebrado um protocolo entre o A. e a Associação Portuguesa de Seguradores, ao qual aderiu a contestante, nos termos do qual é da responsabilidade do A. a regularização dos processos de sinistro quando o condutor habitual efetivo, não sendo o condutor habitual declarado na apólice tem um perfil de risco agravado pela idade ou anos de carta;

. Entre a 1.ª R. e o 2.º R. foi celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel, na pendência do qual foi apresentada uma proposta de alteração por substituição do veículo, passando a ser o veículo de matrícula …-EX-…, do qual o 2.º R. se intitulava proprietário, não identificando qualquer outra pessoa como condutor habitual, termos em que foi aceite essa proposta de alteração;

. Todavia, na sequência da averiguação feita ao acidente, a 1.ª R. apurou que o veículo era propriedade de DD e que ficou em nome do 2.º R. para o seguro ser mais barato, uma vez que aquele apenas tinha 23 anos à data de alteração do contrato de seguro e do acidente e que, provavelmente, seria encartado há menos de 5 anos.

. Em tais circunstâncias, o referido contrato de seguro é nulo.

. Por força do mencionado protocolo de cooperação, o A. assumiu a responsabilidade pela regularização do sinistro, não lhe assistindo direito ao reembolso da contestante.

. Subsidiariamente, aceita os valores indemnizatórios indicados pelo A., com exceção das despesas sobre as quais não tem o A. qualquer direito de regresso.

3. Também a representante legal da 3.ª R. contestou, a sustentar a sua ilegitimidade por considerar que a responsabilidade decorrente da circulação do veículo EX se encontrava transferido para a 1.ª R..

4. O A. deduziu réplica, alegando, em síntese, que: 

. O escopo do protocolo era agilizar a regularização dos processos de sinistros e salvaguardar a posição dos lesados, pagando o FGA e depois pedindo o reembolso a quem de direito;

. A nulidade invocada pela 1.ª R. não procede, porquanto, apesar da obrigação de segurar impender, em princípio, sobre o proprietário do veículo, fica suprida a obrigação deste, se qualquer outra pessoa celebrar o contrato;

. A 1.ª R. não demonstra em que medida é que a alegada prestação de falsas declarações influíram sobre a existência do contrato para que o mesmo se considere nulo e de nenhum efeito.

. Tal nulidade traduz-se em anulabilidade que teria de ser invocada no prazo de um ano desde a data das declarações do tomador, sendo que a mesma não pode ser oposta aos lesados.

5. Após saneamento, identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, foi realizada a audiência final e proferida a sentença de fls. 366 a 376/v.º, datado de 23/02/2016, a julgar a ação parcialmente procedente quanto ao pedido principal, condenando-se a 1.ª R. a pagar ao A. a quantia de € 172.314,96, acrescida de juros de mora à taxa de 5%, desde a citação.

6. Inconformada com tal decisão, veio a 1.ª R. Companhia de Seguros AA, S.A., interpor recurso de revista per saltum para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Resulta inequivocamente dos factos apurados que o 2.º R., em 18/12/2007, efetuou uma proposta de alteração ao contrato de seguro titulado pela apólice n.º 50…0/1…5, onde efetivamente prestou falsas declarações de forma a que o seu filho, real proprietário e condutor habitual do veículo automóvel, viesse a usufruir de um prémio de seguro mais baixo, conforme factos provados n.º 22 a 28 da sentença em crise;

2.ª - Atenta a factualidade apurada, o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 50…0/1…5 é anulável nos termos vertidos no artigo 429.º do Código Comercial e tal anulação é oponível aos lesados, neste caso sub-rogados pelo FGA;

3.ª – Ademais, não é da responsabilidade da Recorrente o pagamento ao FGA dos montantes nos quais foi condenada, dado que, à data do sinistro, não existia seguro válido e em vigor contratado na Recorrente que garantisse a responsabilidade civil inerente à circulação estradal do EX, sem prejuízo do direito de reembolso do FGA;

4.ª - Por outro lado, o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 50…0/1…5 sempre seria nulo, nos termos vertidos no artigo 428.º do Código Comercial, dada a falta de interesse do seu tomador de seguro no veículo automóvel em causa, o que resulta à saciedade da matéria de facto apurada.

5.ª - Como tal, sempre o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 50…0/ 1…5 será nulo, por falta de interesse do tomador na coisa segurada, nos termos do disposto no artigo 428.º, § 1.º, do Código Comercial.

6.ª - Daí que não é da responsabilidade da Recorrente o pagamento ao FGA dos montantes nos quais foi condenada.

7.ª - A sentença violou, designadamente, o disposto nos artigos 428.º e 429.º do Código Comercial, o art.º 11.º da Norma Regulamentar n.º 17/2000, de 21/12, do Instituto de Seguros de Portugal, o art.º 22.º do Dec.-Lei n.º 291/2007 e artigos 240.º e 241.º do CC.

7. O A. apresentou contra-alegações, a pugnar pela confirmação do julgado.

8. Estando já o processo inscrito em tabela para a sessão de 07/12/ 2016, tomou-se conhecimento de que fora suscitado o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no processo n.º 40/ 10.1TVPRT.P1.S1, de que era relatora a aqui 1.ª Adjunta, precisamente sobre questão similar à aqui em causa sobre a compatibilização, designadamente do disposto no artigo 428.º, § 1.º do Código Comercial Português com os artigos 3.º, n.º 1, da Diretiva n.º 72/166/CEE, 2.º, n.º 1, da Diretiva n.º 84/5/CEE e 1.º da Diretiva n.º 90/232/CEE relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro da responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, razão pela qual o processo foi retirado de tabela com vista a aguardar a decisão do TJUE sobre o sobredito reenvio, decisão que foi proferido em 20/07/2017, conforme consta da certidão junta a fls. 416-421.

9. Notificadas as partes daquele acórdão, bem como dos termos em que fora suscitado o reenvio prejudicial, nada vieram dizer.


Cumpre apreciar e decidir.


II – Delimitação do objeto do recurso


Atento o teor das conclusões da Recorrente em função do qual se delimita o objeto do recurso, as questões a resolver consistem em ajuizar:

i) – Se, em face dos factos dados por provados sob os pontos 22 a 28 da sentença da 1.ª instância, o contrato de seguro celebrado com a 1.ª R., relativo ao veículo EX causador do acidente em referência, padece das invalidades fundadas tanto em falsas declarações do tomador do seguro como em falta de interesse deste na coisa segurada, que sejam oponíveis aos terceiros lesados, nos termos dos artigos 428.º, § 1.º, e 429.º do Código Comercial de 1888, 22.º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21/08, e 240.º e 241.º do CC;   

ii) – Se, consoante a solução dada a tais questões, assiste ao FGA o direito ao reembolso das indemnizações por este satisfeitas àqueles lesados.


III – Fundamentação


1. Factualidade dada como provada pela 1.ª Instância


Vem dada como provada pela 1.ª Instância a seguinte factualidade:

1.1. No dia 15 de março de 2008, pelas 05h15, ocorreu um acidente na EN n.º 1, ao Km 282,9, na freguesia de ..., município de Santa Maria da Feira;

1.2. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, circulavam pela referida estrada o veículo de matrícula ...-EX-..., conduzido por CC, no sentido Norte/Sul, e o veículo de matrícula ...-...-EC, propriedade de EE e conduzido por FF, circulando no sentido Sul/Norte;

1.3. O veículo EX circulava na referida estrada quando a sua condutora, CC, invadiu a faixa de rodagem contrária, destinada ao trânsito que se fazia sentir no sentido contrário ao seu, ou seja, Sul/Norte;

1.4. Vindo a embater frontalmente no veículo EC, conduzido por FF;

1.5. O condutor do EC ainda tentou evitar o embate, dando-lhe sinais de luzes.

1.6. A condutora do EX ainda tentou desviar para a direita, tentando regressar à sua faixa de rodagem, mas não conseguiu evitar o acidente;

1.7. Colidindo fronto-lateralmente com o veículo conduzido por FF;

1.8. Na sequência da colisão entre os dois veículos, o veículo conduzido por CC entrou em despiste;

1.9. O local do acidente configura uma curva, sendo dotado de iluminação pública e ladeado por habitações;

1.10. A faixa de rodagem é constituída por duas vias de trânsito, uma em cada sentido de circulação, separadas por uma linha longitudinal contínua. É pavimentada em betuminoso, estando em boas condições e tendo uma largura de 6,25 metros;

1.11. À data dos factos o estado do tempo era bom;

1.12. A condutora do EX antes de iniciar a condução, ingeriu bebidas alcoólicas, apresentando uma TAS de 0,7 g/l e circulava a velocidade que não lhe permitiu imobilizar o veículo;

1.13. Tendo entrado em despiste e tendo invadido a faixa de rodagem contrária, precisamente no local onde a via descreve a curva;

1.14. Como causa direta e necessária do referido embate, resultou a morte da condutora do EX e a ocupante GG e ferimentos graves nos demais ocupantes do EX, a saber:

- HH, solteira, de 23 anos, apresentando lesão no baço, fratura da anca, fratura do maxilar; aquela estava grávida e abortou;

- DD, divorciado, 24 anos, sofreu coma, foi-lhe retirado o baço e sofreu hematomas graves;

1.15. O falecimento da GG implicou sofrimento aos seus herdeiros e familiares mais próximos;

1.16. A sua morte teve lugar no dia 30 de março, sofrendo a mesma, nesse hiato de tempo que decorreu entre o acidente e a morte, dores incomensuráveis;

1.17. A GG deixou como seus herdeiros os seus pais, II e JJ;

1.18. A HH, o DD e os herdeiros da GG, face à posição assumida pela 1.ª R., contataram o A. no sentido de este proceder ao pagamento das indemnizações correspondentes;

1.19. Instaurado o competente processo de averiguações, a que foi atribuído o n.º 81…5, concluiu o A. dever pagar as seguintes verbas:

a) - Ao Centro Hospitalar de entre o Douro e Vouga, EPE, a quantia de € 17.595,76, em virtude da assistência prestada aos lesados;

b) - À própria lesada HH, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 25.068,86, paga em 23/03/2011;

c) - Aos herdeiros de GG, em 21/01/2010, o A. pagou a quantia de € 56.000,00 à herdeira JJ e € 55.005,00 ao herdeiro II, correspondendo aos seguintes danos: € 41.250,00 (18.750,00 para o pai, € 22.500 para a mãe), a título do sofrimento de perda da pessoa; € 7.000,00, a título de sofrimento da própria vítima; € 60.000,00, a título da violação do direito à vida;

d) - Ao lesado DD, em 21/09/2009, o A. pagou a quantia de € 14.000,00, assim discriminada: € 1.600,00, a título de dano estético; € 800,00, a título de quantum doloris; € 10.141,67, a título de dano biológico; € 1.254,32, a título de rendimentos perdidos.

e) - O A. pagou a título de honorários ao Dr. KK o valor de € 180,00,custas judiciais no valor de € 272,00, ao Hospital de S. Sebastião EPE o valor de € 31,00 e com a LL, S.A. a título de serviços de averiguação, o valor de € 52,80;

1.20. A R. AA é associada da Associação Portuguesa de Seguradores;

1.21. Em 4 de março de 2006 foi celebrado entre A. e a Associação Portuguesa de Seguradores um Protocolo de Cooperação e acordado o Regulamento do Protocolo constante do documento de fls. 42 a 59/v.º - doc. n.º 1 junto com a contestação da 1ª R.;

1.22. Entre a ora contestante e o 2.º R. BB, na qualidade de tomador do seguro e segurado, tinha sido celebrado contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º 50…0/1…5;

1.23. Na pendência do referido contrato de seguro, foi submetida à R. AA pelo mesmo tomador do seguro e segurado, BB, uma proposta de alteração ao invocado contrato de seguro por substituição de veículo, que passaria a ser de marca e modelo Opel Corsa, e matrícula …-EX-…, conforme proposta reproduzida a de fls. 60 a 61/v.º - doc. n.º 2 junto com contestação da 1.ª R.;

1.24. E na referida proposta, subscrita pelo referido BB, intitulava-se o mesmo como proprietário daquela viatura desde 18/12/2007;

1.25. Não identificou na referida proposta qualquer outra pessoa como condutora habitual do mesmo veículo;

1.26. Assim, e com base na referida proposta de alteração por substituição de veículo, veio a ser alterado o contrato de seguro titulado pela apólice supra identificada passando a garantir a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula …-EX-…, com início em 21/12/07, conforme ata adicional da apólice reproduzida a fls. 62 - doc. n.º 3 junto com a contestação da 1.ª R.;

1.27. Na sequência das diligências efectuadas pela "SGS", o segurado e tomador do seguro, o 3.º R BB, declarou nada saber do acidente, e que o veículo era propriedade de seu filho, DD, que o adquiriu, tendo ficado em nome do declarante para o seguro ficar mais barato, o que correspondia à realidade, conforme declaração escrita reproduzida a fls. 62/v.º - doc. n.º 4 junto com a contestação da 1ª R.;

1.28. Por seu lado, o filho DD reconhece que a viatura …-EX-… era o seu veículo pessoal, conduzindo-o, tendo sido por ele comprado de propósito, apenas estando em nome do pai, para assim poder beneficiar de um prémio de seguro mais baixo, o que correspondia à realidade, conforme declaração escrita reproduzida a fls. 63 - doc. n.º 5 junto com a contestação da 1.ª R;

1.29. A R. AA apenas conheceu deste facto com as confissões feitas pelo 2.º R. e pelo filho DD, constantes dos depoimentos escritos supra referidos;

1.30. O DD nasceu em 12/06/84;

1.31. E era encartado há menos de 5 anos à data da proposta de alteração do contrato de seguro por substituição de veículo;

1.32. Por isso a contestante procedeu à declaração de anulação do contrato de seguro supra identificado desde o início da vigência da alteração por substituição de veículo, desde 21/12/07;

1.33. O que comunicou ao 2.º Réu, BB, segurado e tomador do seguro referido, por carta que lhe enviou em 10/5/08, conforme documento reproduzido a fls. 64 - doc. n.º 7 junto com a contestação da 1.ª R.;

1.34. Com efeito, na referida carta informa o 2.º R. “que procedemos à anulação da apólice de seguro automóvel n.º 11…5/50", bem como lhe solicita a devolução da carta verde;

1.35. Por carta de 05/05/2008 enviada ao mesmo R. BB, a 1.ª R. AA informou-o de que “o contrato de seguro foi considerado nulo e sem qualquer efeito desde a data de alteração de viatura, por motivo de falsas declarações (quanto ao condutor habitual da viatura) ao abrigo do disposto no art.º 429.º do Código Comercial”, conforme documento reproduzido a fls. 64/v.º - doc. n.º 8 junto com a contestação da 1.ª R..

1.36. A declaração do segurado, o 2.º R., em que a contestante fundamentou a invalidade do contrato de seguro é determinante, pois influi nas condições do contrato, de modo que se a contestante a conhecesse, teria contratado em condições diferentes, fixando um prémio agravado relativamente àquele que lhe era pago;

1.37. Por carta de 13/05/2008 dirigida ao A. Fundo Garantia Automóvel, a R. AA anexou “documentação de suporte à posição tomada de aplicabilidade do disposto no art.º 429.º do Código Comercial”, conforme documento reproduzido a fls. 65 – doc. n.º 9 junto com a contestação da 1.ª R.;

1.38. Por carta de 16/05/2009 dirigida ao Fundo de Garantia Automóvel (Instituto de Seguros de Portugal), a R. AA “solicita a confirmação da aceitação de regularização do sinistro em questão sem reservas”, conforme documento reproduzido a fls. 65/v.º - doc. n.º 10 junto com a contestação da 1.ª R.;

1.39. Por carta de 26/05/2009 dirigida à R AA, o A. Fundo de Garantia Automóvel (Instituto de Seguros de Portugal), para além de registar e agradecer a correspondência oportunamente enviada, informa que “estamos a regularizar o presente sinistro junto de todos os lesados”, conforme documento reproduzido a fls. 66 - doc. n.º 11 junto com a contestação da 1.ª R..


2. Do mérito do recurso


2.1. Enquadramento preliminar


Com a presente ação pretende o Fundo Garantia Automóvel (FGA), em primeira linha, a condenação da 1.ª R. Companhia de Seguros AA, S.A., a pagar-lhe a quantia global de € 172.314,96, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos desde a interpelação e incrementados em 25%, bem como as despesas que o A. venha a suportar com a cobrança do reembolso a liquidar oportunamente.

Estribou o A. tal pretensão no facto de ter satisfeito a indicada quantia a título de indemnizações patrimoniais e não patrimoniais devidas por lesões corporais aos passageiros do veículo EX interveniente no acidente acima descrito, ocorrido em 15/3/2008, em relação ao qual existia uma contrato de seguro obrigatório celebrado com a 1.ª R., mas cuja validade e eficácia esta refutara por considerar que o mesmo fora concluído mediante falsas declarações do tomador do seguro.


Por sua vez, a 1.ª R. veio contestar a ação, no que aqui interessa, precisamente com a invocação da invalidade prevista no art.º 429.º do Código Comercial de 1888 então em vigor, sustentando que o tomador do seguro, BB, incorreu em falsas declarações quanto à propriedade do veículo objeto de seguro, ao declará-lo como sendo seu, quando pertencia ao seu filho DD, para desse modo conseguir um prémio mais baixo, uma vez que este tinha apenas 23 anos e, provavelmente, seria encartado há menos de 5 anos.


Quanto a tal exceção, o A. contrapôs a respetiva inoponibilidade aos terceiros lesados.


A 1.ª instância, face aos factos dados como provados, considerou que o acidente ocorrera por culpa imputável exclusivamente à condutora do veículo EX, CC, e que fora causa direta e necessária das lesões sofridas pelos passageiros daquele veículo a quem o FGA satisfez a quantia peticionada, incluindo ainda as despesas hospitalares e outras, nos termos dos artigos 50.º e 54.º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21/08.

E, abordando a questão da anulabilidade do contrato de seguro suscitada pela 1.ª R. em sede do artigo 429.º do Código Comercial, considerou tratar-se de vício não oponível aos terceiros lesados, concluindo pela condenação da 1.ª R. no pagamento da quantia peticionada de € 172.314,96, acrescida de juros de 5% desde a citação – taxa de juro de 4% com o incremento de 25% -, excluindo o pedido no pagamento das despesas que o A. viesse a suportar com a cobrança do reembolso, por nada ter ficado assente nesta parte.


Na presente revista per saltum, a 1.ª R. circunscreve a sua impugnação às questões respeitantes às invocadas invalidades do contrato de seguro, seja na base do inicialmente invocado vício de anulabilidade por declarações inexatas do tomador do seguro, ao abrigo do artigo 429.º do Código Comercial, seja em sede da ora invocada nulidade por falta de interesse do mesmo tomador na coisa segurada, nos termos do artigo 428.º, § 1.º, do mesmo Código.

Têm-se, portanto, por adquiridos tanto a imputação da responsabilidade pelo acidente à condutora do veículo EX, como os danos indemnizáveis pelas consequentes lesões corporais sofridas pelos terceiros lesados e despesas com elas relacionadas.

São, pois, aquelas questões de invalidade as questões fundamentais a resolver.


2.2. Análise crítica


Antes de mais, importa reter que, remontando o início do contrato de seguro em causa a 21/12/07, conforme ata adicional da apólice reproduzida a fls. 62, e tendo o acidente ocorrido em 15/03/2008, é convocável o regi-me então em vigor constante do Código Comercial de 1888[1], mormente o preceituado nos respetivos artigos 428.º e 429.º, e o regime de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis aprovado pelo Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08, o qual, revogando o regime dantes estabelecido pelo Dec.-Lei n.º 522/85, de 31/12, entrou em vigor em 20/10/ 2007 (art.º 94.º, n.º 2).


Dispõe o artigo 428.º do Código Comercial, sob a epígrafe legitimidade para outorgar o contrato, no que aqui releva, que:   

O seguro pode ser contratado por conta própria ou por conta de outrem.  

§ 1.º Se aquele por quem ou em nome de quem o seguro é feito não tem interesse na cousa segurada, o seguro é nulo.

E o artigo 429.º do mesmo Código prescreve que:  

Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo.


Por seu lado, o Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08, que aprovou o regi-me do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e transpôs parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2005/14/ CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11/05, que altera as Diretivas n.º 72/166/CEE, n.º 84/5/CEE, n.º 88/357/CEE e n.º 90/323/CEE, do Conselho, e a Diretiva n.º 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, no que também aqui interessa, estabelece o seguinte:


Artigo 4.º

Obrigação de seguro



1 - Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei.

Artigo 6.º

Sujeitos da obrigação de segurar



1 - A obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a referida obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário.

2 - Se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente diploma, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior.


Artigo 22.º

Oponibilidade de excepções aos lesados



Para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a empresa de seguros apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro.


Segundo a jurisprudência corrente, o § 1.º do artigo 428.º do Código Comercial estatui uma nulidade absoluta na terminologia do CC de 1867 a que corresponde o regime de nulidade genericamente previsto no CC de 1966, enquanto que o artigo 429.º daquele Código Comercial estatui a nulidade relativa assim designada no CC de 1867 correspondente à anulabilidade na terminologia do CC de 1966.[2]

Da articulação daquelas estatuições com o preceituado no artigo 22.º do Dec.-Lei n.º 291/2007 resulta que à seguradora não é lícito opor aos lesados a dita “nulidade relativa” prevista no artigo 429.º do Código Comercial, dado tratar-se de uma anulabilidade não prevista naquele Dec.-Lei.

Assim, não sofre hoje dúvida de que o vício de anulabilidade do contrato de seguro com fundamento em declarações inexatas, por parte do tomador do seguro, nos termos do 429.º do Código Comercial, é inoponível aos terceiros lesados, tal como foi acolhido na sentença recorrida.

Termos em que improcede a revista nesta parte.


Relativamente à nulidade prevista no § 1.º do artigo 428.º do Código Comercial para os casos em que se verifique a falta de interesse económico do tomador do seguro, nomeadamente num contexto de falsas declarações deste quanto à indicação do proprietário, a nossa jurisprudência tem vindo a divergir.

Com efeito, uma certa orientação tem considerado que tal nulidade fundada na falta de interesse do tomador do seguro é oponível aos terceiros lesados.

Outra orientação tem enveredado pelo entendimento de que o prescrito no § 1.º do artigo 428.º do Código Comercial deve ser tido por derrogado por efeito do preceituado no artigo 2.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 522/85, de 31/12, correspondente ao atual artigo 6.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 291/ 2007, de 21-08, porquanto, nos termos deste normativo, no âmbito do regime especial do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, é permitida a celebração do contrato de seguro por terceiro como modo de suprir a obrigação das pessoas sujeitas a tal.

     Nessa linha, a situação prefigurada no § 1.º do artigo 428.º seria sancionada em sede de declarações inexatas na celebração do contrato de seguro com o regime da anulabilidade, sendo esta inoponível aos terceiros lesados. 


Foi ante esta divergência jurisprudencial que, no âmbito da revista n.º 40/10.1TVPRT.P1.S1, em que era relatora a aqui 1.ª Adjunta, num caso similar aos dos presentes autos, se suscitou o reenvio prejudicial junto do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nos seguintes ter-mos:

«O artigo 3º, nº 1, da Directiva 72/166/CEE, o artigo 2º, nº 1, da Directiva 84/5/CEE, e o artigo 1º, da Directiva 90/232/CEE, relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros, respeitantes ao seguro da responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, opõem-se a uma legislação nacional que comine com a nulidade absoluta o contrato de seguro, em consequência das falsas declarações sobre a propriedade do veículo automóvel, assim como sobre a identidade do seu condutor habitual, sendo o contrato celebrado por quem não tem interesse económico na circulação do veículo e estando subjacente o intuito fraudulento dos intervenientes (tomador, proprietário e condutor habitual) de obter a cobertura dos riscos de circulação, mediante: (i) a celebração de contrato que a seguradora não celebraria se conhecesse a identidade do tomador; (ii) o pagamento de um prémio inferior ao devido, em razão da idade do condutor habitual?»

Em resposta à questão prejudicial, aquele Tribunal de Justiça proferiu acórdão, em 20/07/2017, no processo C-287/16, reproduzido a fls. 421, com a seguinte teor dispositivo:

«O artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑ Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, e o artigo 2.º, n.º 1, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados a nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, nulidade essa que resulta de falsas declarações iniciais do tomador do seguro sobre a identidade do proprietário e do condutor habitual do veículo em causa ou do facto de que a pessoa por quem ou em nome de quem esse contrato de seguro é celebrado não tinha interesse económico na celebração do referido contrato.»


Ora, o respeito devido ao efeito útil daquelas diretivas, na interpretação dada em sede de reenvio prejudicial pelo TJUE, impõe que se opte pela solução jurídica decorrente do direito nacional mais conforme com a interpretação adotada naquela sede.

Assim sendo, tem-se por solução mais conforme, e que aqui se acolhe, a de que a situação prevista do § 1.º do artigo 428.º, mormente consubstanciada nos factos constantes dos pontos 1.22 a 1.28 da factualidade provada, em conjugação com o disposto no artigo 6.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08, é sancionada, em sede de declarações inexatas na celebração do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, com o regime da anulabilidade. Como tal esta anulabilidade não é oponível aos terceiros lesados e seus herdeiros, nem ao FGA, na qualidade de sub-rogado no direito daqueles, nos termos do artigo 54.º, n.º 1, do mesmo diploma.  

Idêntica solução foi já adotada no recente acórdão do STJ, de 02/11/ 2017, proferido no acima indicado processo n.º 40/10.1TVPRT.P1.S1, relatado pela aqui 1.ª Adjunta e também subscrito pela ora 2.ª Adjunta, e que aguarda publicação.


Posto isto, verifica-se que as indemnizações satisfeitas pelo A. aos terceiros lesados respeitam a danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais daqueles, derivadas do acidente de viação em referência, imputável à condutora do veículo EX então objeto do contrato de seguro celebrado com a 1.ª R., não excluídas pelo artigo 14.º, n.º 1, e garantidas pelo FGA nos termos do art.º 49.º, n.º 1, alínea a), do Dec.-Lei n.º 291/2007. E incluem ainda o reembolso das demais despesas efetuadas pelo mesmo A., nos termos do art.º 54.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Nestes termos, assiste ao A. o direito a ser pago pela quantia em que a 1.ª R. foi condenada na 1.ª instância.


IV - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentação mais reforçada.

As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente.


                         

Lisboa, 30 de Novembro de 2017


Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

___________


[1] Este regime só foi revogado pelo artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 72/2008, de 16-04, em vigor desde 01/01/2009.

[2] A este propósito, veja-se os acórdãos do Supremo Tribunal Justiça, de 16/10/2008, proferido no proc. n.º 08A2362), de 20/01/2010, no proc. n.º 471/2002.G1.S1), e de 31/05/2011 no proc. n.º 2693/07. 9TBMTS.P1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt. Vide também Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro - Estudos, Coimbra Editora, 2009, págs. 271 e seg.