Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
81/17.8YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
JUIZ AUXILIAR
REMUNERAÇÃO
DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
JUIZ PRESIDENTE
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
PRINCÍPIO DA DECISÃO
TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
NULIDADE
ANULABILIDADE
VICE PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELEGAÇÃO DE PODERES
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DE MAGISTRATURA
JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
Data do Acordão: 02/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO E MANTIDA A DELIBERAÇÃO IMPUGNADA.
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA / ACTO ADMINISTRATIVO / VALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO / RECLAMAÇÃO.
DIREITO CONSTITUCIONAL – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS E FINAIS.
Doutrina:
-Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 3.ª reimpressão, p. 351 e 389;
-J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Teoria da Constituição, 7.ª Edição, p. 427;
-Luis S. Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo, Anotado, 2.ª Edição, 2017, p. 375.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 124.º, N.º 2 E 163.º, N.º 5, ALÍNEA A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 267.º.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 153.º, N.º 1, ALÍNEA B), 154.º, N.º 1 E 158.º.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGO 184.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


-DE 22-01-2014, PROCESSO N.º 441/13;
-DE 04-09-2014, PROCESSO N.º 1117/13. IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO DO NORTE:


-DE 18-10-2007, PROCESSO N.º 00032/05.2;
-DE 11-01-2013, PROCESSO N.º 1772/07.7BEPRT;
-DE 18-12-2013, PROCESSO N.º 106/12.3YFLSB.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO DO SUL:

-DE 24-02-2016, PROCESSO N.º 12747/15.
Sumário :

I - O direito de audiência prévia concretiza o modelo de administração participada (art. 267.º da CRP), não consistindo, porém, num direito fundamental, razão pela qual a sua preterição não determina a nulidade do ato impugnado mas antes a sua anulabilidade.

II - Inserindo-se o ato do Vice-Presidente do CSM nas funções delegadas daquele (arts. 153.º, n.º 1, al. b), art. 154.º, n.º 1 e 158.º, todos do EMJ), a ulterior reclamação apresentada perante o Plenário (o órgão delegante) implica que se tenha por alcançada a finalidade visada com a audiência prévia que foi preterida, o que impede a produção do correspondente efeito anulatório (al. b) do n.º 5 do art. 163.º do CPA).

III - Posto que a recorrente, na reclamação mencionada em II, não invocou fundamentos diferentes daqueles que apresentou no recurso e não conduzindo os mesmos à atendibilidade da sua pretensão, é ainda de considerar que, acaso tivesse sido facultado à recorrente o exercício do direito de audiência prévia, a decisão teria indubitavelmente o mesmo conteúdo, pelo que sempre ficaria afastada a produção do correspondente efeito anulatório (al. c) do n.º 5 do art. 163.º do CPA).

IV - Tendo a recorrente, na reclamação mencionada em II, arguido todas as razões que entendia assistir-lhe para infirmar o despacho reclamado, a deliberação recorrida não tinha que conceder-lhe o direito de audiência prévia nem fundamentar porque não o fazia (n.º 2 do art. 124.º do CPA).

IV - A circunstância de a recorrente – colocada como auxiliar no conjunto das instâncias locais da comarca – ter passado a exercer, por determinação do Juiz Presidente da comarca, funções na secção criminal da instância central e na secção de execuções da instância central da mesma comarca não lhe confere o direito a ser remunerada pelo índice 220, porquanto é pela colocação que se determina o índice remuneratório (art. 184.º da LOSJ).

V - Limitando-se a recorrente, no âmbito das funções mencionadas em IV, a intervir como juiz adjunto em tribunais colectivos criminais e a proferir decisões no âmbito de embargos de executado e embargos de terceiro não contestados, não se justifica a pretendida equiparação.

VI - O princípio da igualdade, na vertente trabalho igual salário igual, não pode servir de fonte à ilegalidade, pelo que, mesmo que se demonstrasse que as antecessoras da recorrente auferiram, por desempenho similar ao referido em V, a remuneração correspondente ao índice 220, tal não implicaria que a mesma fosse também arbitrada à recorrente, o que arredaria a produção do efeito anulatório por força da previsão da al. a) do n.º 5 do art. 163.º do CPA.

VII - A decisão deve considerar-se fundamentada na medida em que, concordando com a anterior informação/parecer, constitui esta parte integrante do respetivo ato, sendo certo que, das conclusões desse parecer, foi a recorrente devidamente notificada.

VIII - A fundamentação não tem que apreciar todos os argumentos aduzidos em benefício do acolhimento da sua pretensão, cabendo somente tomar posição sobre as questões por ela suscitadas.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça ([1]):

1 – RELATÓRIO

AA, juíza de direito nomeada por destacamento como Auxiliar ao conjunto das Instâncias Locais da Comarca de ..., vem interpor recurso da deliberação de 14.07.2017 do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), que indeferiu a reclamação que formulara do despacho do Senhor Vice-Presidente que lhe negara o pedido para ser remunerada pelo índice 220 pelo trabalho desenvolvido em acumulação de funções na Secção Criminal da Instância Central de ..., na Secção de Execução da Instância Central de ..., na Secção Criminal da Instância Local de ... e na Secção de Competência Genérica da Instância Local de ..., desde 7 de novembro de 2016.

Como fundamento alegou que requereu ao Senhor Vice-Presidente do CSM a alteração do seu índice remuneratório para o índice 220, com efeitos retroativos à data da tomada de posse, pelo facto de, por determinação da Srª Juíza Presidente da Comarca de ..., homologada pelo CSM, integrar os coletivos na Instância Central Criminal de ..., em acumulação com a prolação de decisões no âmbito de embargos de executado e de terceiro não contestados na Secção de Execuções da Instância Central de ..., com a tramitação e decisão, por mero despacho, dos recursos de contraordenação na Secção Criminal da Instância Local de ... e com o saneamento de blocos de ações na Secção de Competência Genérica da Instância Local de Moimenta da Beira.

Tal requerimento foi indeferido.

Reclamou para o Conselho Plenário invocando a invalidade da decisão de indeferimento por falta de audiência prévia, por vícios de fundamentação e por violação dos princípios da igualdade e da justa remuneração.

Por deliberação do Conselho Plenário de 14.07.2017 foi a reclamação indeferida.

Ao manter a decisão reclamada nos seus precisos termos a deliberação impugnada incorreu nos mesmos vícios daquela.

O CSM respondeu sustentando a legalidade da deliberação e a inexistência dos apontados vícios.

Nas alegações que se seguiram, a recorrente e o recorrido reafirmaram o que haviam argumentado, tendo a recorrente formulado a seguinte síntese conclusiva:

“a) Nos termos do nº 5 do artigo 267º da CRP, o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará (…) a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.

b) A lei especial é o Código do Procedimento Administrativo (CPA) que regula a matéria nos artigos 12º e 121º a 125º.

c) A A. não foi ouvida previamente à decisão, nem nesta se indicaram as razões da não realização da audiência prévia (que, aliás, não existiam), o que acarreta a violação daquela norma constitucional e, pelo menos, dos artigos 121º, 122º e 124º do referido Código.

d) Tal invalidade não se degrada em formalidade não essencial e não invalidante, já que não se pode com segurança concluir que a audiência prévia não tinha a mínima possibilidade de influenciar a decisão tomada.

e) Razão pela qual também não se aplica o princípio do aproveitamento do ato.

f) No seu requerimento a ora A. invocava, em síntese, dois argumentos-fundamento para o que pedia: (a) Não obstante o destacamento em causa se denominar de Vaga Auxiliar às Instâncias Locais, o certo é que de facto as suas funções eram exercidas na Instância Central Cível e Criminal da Comarca de Viseu, quanto a esta integrando todos os Julgamentos Coletivos que decorrem com assento no próprio Tribunal de Viseu; (b) A Colega que antecedera a ora Reclamante, exercendo funções nos moldes idênticos aos seus, em vaga similar à ocupada pela Reclamante, foi remunerada pelo índice 220.

g) Quanto ao fundamento referido na alínea b) a douta deliberação é completamente omissa.

h) Quanto ao fundamento referido na alínea a), invoca o entendimento aprovado pelo douto despacho reclamado que a remuneração é determinada pelo lugar em que o juiz de Direito foi colocado. Ora, sabendo-se o que (não) vale o nomen juris “Vaga de Auxiliar às Instâncias Locais” não altera a realidade que é a que a Reclamante de facto está colocada e exerce funções (nos termos que especificou no requerimento que foi indeferido) na Instância Central Cível e Criminal da Comarca de Viseu. Ou seja, o fundamento invocado e a decisão são contraditórios.

i) Os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos - art. 268º, nº 3, da Constituição.

j) Nos termos das alíneas a), c) e d) do nº 1 do art. 152º do CPA, a douta deliberação impugnada carecia de fundamentação.

k) A contradição ou insuficiência nos fundamentos invocados para a decisão equivalem a falta de fundamentação - art.153º, nº 2, do CPA.

l) A falta de fundamentação acarreta a invalidade da deliberação impugnada - art. 163º, nº 1, do CPA.

m) Os artigos 81º, 183º e 184º da LOSJ não regulam, contrariamente ao que sustenta o CSM, a questão de saber qual é o índice remuneratório que corresponde a um juiz a que se refere o nº 2 do referido artigo 183º mas a exercer efetiva e essencialmente funções correspondentes a juiz referido no nº 1 do mesmo artigo.

n) Outro entendimento viola claramente o princípio da igualdade e da justa remuneração estabelecido no artigo 59º, nº 1, alínea a) da Constituição e reiterado como princípio geral no artigo 144º, nº 2, da LTFP aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho, aqui aplicável por força do disposto no artigo 32º do EMJ.

Termos em que deve a presente ação ser julgada procedente e provada e, em consequência, a douta deliberação impugnada anulada, com as legais consequências (…)”.

A Ex.mª Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – OS FACTOS

São os seguintes os factos relevantes para a decisão:

1 – Pela deliberação aprovada em sessão plenária do CSM de 12.07.2017, a recorrente foi colocada como juíza auxiliar ao conjunto dos juízos locais do Tribunal da Comarca de ..., tendo tomado posse desse lugar em 7.11.2017.

2 – Por despacho da Srª Presidente da Comarca de Viseu e homologado pelo CSM, a recorrente exerceu, desde a data da posse, as seguintes funções:

- Secção Criminal da Instância Central Criminal de ...: integração dos coletivos A, B, C e D, presididos, respetivamente, pelos Sr(a)s Juízes(as) Dr(a)s BB, CC, DD e EE;

- Secção de Execuções da Instância Central de ...: prolação de decisões no âmbito de embargos de executado e de terceiro não contestados;

- Secção Criminal da Instância Local de ...: tramitação e decisão dos recursos de contraordenação por mero despacho;

- Secção de Competência Genérica da Instância Local de ...: saneamento de blocos de ações previamente determinadas.

3 – A recorrente é remunerada de acordo com o índice 175;

4 – Em 16.12.2016 a recorrente dirigiu ao CSM o requerimento de fls. 101, que aqui se dá por reproduzido, requerendo que passasse a ser remunerada de acordo com o índice 220, pelo facto de exercer funções, em acumulação, na Instância Central Criminal de ..., na Secção de Execuções da Instância Central Cível, na Secção Criminal da Instância Local de ... e na Secção de Competência Genérica da Instância Local de ..., invocando ainda que “a antecessora da requerente, exercendo funções nos moldes idênticos… em vaga similar à que a requerente ocupa, foi remunerada pelo índice 220 no ano transacto”.

5 – O requerimento referido foi indeferido por despacho do Sr. Vice-‑Presidente do CSM do seguinte teor: «Concordo. Indefiro nos termos propostos».

6 – A recorrente não foi notificada para se pronunciar sobre o parecer que mereceu a concordância do Sr. Vice-Presidente do CSM, nem sobre a provável decisão - de que também não lhe foi dado conhecimento - que recairia sobre o seu requerimento.

7 – A recorrente foi notificada deste despacho, por ofício do seguinte teor: “Relativamente ao assunto acima mencionado, serve o presente para levar ao conhecimento de V. Exa. o entendimento que mereceu despacho concordante proferido em 30.01.2017, pelo Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, que a seguir se transcreve:

A. Tendo sido colocada como auxiliar ao «conjunto das instâncias locais» da Comarca de ..., à luz do disposto nos arts. 183º, nº 2 e 184º, nº 2 da LOSJ, aprovada pela Lei 62/2013, de 26/8, a Exma. Juíza de Direito AA aufere o seu vencimento pelo índice 175 e não pelo índice 220.

B. O exercício efectivo de funções em secção de instância central de tribunal de comarca (recorrendo à nomenclatura legal prevista à data da tomada de posse da Exma. Requerente), em virtude de distribuição de serviço efectuada pela Presidente da Comarca com a anuência da Exma. Requerente, não altera o entendimento referido em A., na medida em que dos citados arts. 183º e 184º da LOSJ resulta, de forma inequívoca, que a remuneração não é determinada pela qualidade ou quantidade do serviço prestado mas sim pelo lugar em que o juiz de Direito foi colocado.

C. Tem sido entendimento deste CSM (plasmado na deliberação adoptada na sessão plenária de 7/7/2015) no sentido de que a recusa de aplicação de determinada norma por inconstitucionalidade, no exercício da função administrativa, apenas será possível em caso de violação flagrante e manifesta dos «Direitos, Liberdades e Garantias» e não dos «Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais», que estariam aqui em causa, pelo que não cabe nesta sede analisar da conformidade constitucional desta opção legislativa.”

7 – A recorrente reclamou desta decisão para o Plenário do CSM, que foi indeferida pela deliberação de 11.07.2017, que consta do doc. fls. 10 a 13, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

8 – As Srªs Juízas Drª FF e Drª GG estavam colocadas no Quadro Complementar de Juízes de Coimbra.

3 - QUESTÕES A DECIDIR

1 – Se o procedimento é inválido por falta da audiência prévia;

2 – Se a deliberação recorrida enferma do vício de falta de fundamentação;

3 - Se a deliberação recorrida violou os princípios da igualdade e da justa remuneração.

4 - DIREITO

4.1 - REGIME JURÍDICO APLICÁVEL

- O requerimento da recorrente foi formulado em 16.12.2016.

- O despacho do Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura é datado de 30.01.2017.

- A deliberação do CSM objeto deste recurso é de 11.07.2017.

É assim aplicável:

· O Código do Procedimento Administrativo (CPA) aprovado pelo DL 4/2015 de 7/01.

· O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aprovado pela Lei 15/2002 de 22/02 (alterada pelas Leis n.º 4-A/2003, de 19/02, 59/2008, de 11/09 e 63/2011, de 14/12 e pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10.

· O Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) aprovado pela Lei 21/85 de 30/07 ([2]).

Debrucemo-nos então sobre as questões submetidas à nossa apreciação.

4.2 – Se o procedimento é inválido por falta da audiência prévia.

Pese embora esteja em causa neste recurso a deliberação do CSM, porque esta teve por objeto o conhecimento da reclamação da ora recorrente visando aquele despacho, impõe-se a apreciação e conhecimento da questão proposta.

Estabelece o art. 121º, nº 1 do CPA: “Sem prejuízo do disposto no art. 124º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.”

Como se vê dos factos provados, a recorrente não foi ouvida antes do indeferimento do seu requerimento pelo Sr. Vice-Presidente do CSM, nem lhe foi dado prévio conhecimento do seu provável teor.

Não há, assim, dúvida de que, antes de tal despacho, não foi observado o estatuído no preceito transcrito.

A questão que se coloca é a de saber se, devendo ter lugar, se é fundamento de nulidade ou de anulabilidade do procedimento.

A doutrina divide-se quanto a esta questão, sendo a jurisprudência dominante, ainda que no domínio do anterior CPA (art. 100º, nº 1), no sentido da anulabilidade ([3]).

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Para os defensores da nulidade o direito de audiência prévia é um direito fundamental com consagração constitucional no art. 267º da CRP e transposto para o art. 12º do CPA.

Pese embora a imposição constitucional de a Administração Pública ser estruturada de forma a “assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva”, não se nos afigura líquido que o direito de audição prévia deva ser encarado como um direito fundamental.

Efetivamente o direito de audição prévia e mesmo o direito mais lato de participação na gestão ou na formação das decisões da administração não se encontra previsto na Parte I, da CRP, dedicada aos direitos e deveres fundamentais.

Trata-se antes da concretização do modelo de administração participada estabelecido no art. 267º da CRP, sendo certo que essa positivação poderia ser consagrada de outra forma e não necessariamente pela audiência prévia.

O regime regra de invalidade dos atos administrativos é, como dispõe o art. 163º do CPA, o da anulabilidade e apenas será o da nulidade nos casos em que a lei preveja essa sanção (art. 161º, nº 1).

O CPA elenca os atos nulos no seu art. 161º, nº 2, pese embora o faça de forma não exaustiva, como resulta do advérbio “designadamente”.

É certo que na al. d) se estabelece que são nulos “[o]s atos que  ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”.

Mas, como referimos, entendemos que o direito de audiência prévia, qua tale, não constitui um direito fundamental com consagração constitucional. Por conseguinte, a sua inobservância pela administração não torna o ato nulo mas anulável.

No caso, como dissemos, antes do despacho de indeferimento proferido pelo Sr. Vice-Presidente do CSM, não foi observado o disposto no art. 121º do CPA. Mas mesmo que se considerasse que a audiência prévia deveria ter tido lugar, a inobservância, todavia, não seria suscetível de ferir o ato de nulidade mas de anulabilidade.

Vejamos então se, no caso, o pretendido efeito anulatório se produz.

Estabelece o art. 163º, nº 5 do CPA:

“Não se produz o efeito anulatório quando:

a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;

b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;

c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”

Importa desde logo ter em consideração que, nos termos do art. 166º do EMJ, o despacho do Sr. Vice-Presidente do CSM era passível, como foi, de reclamação para o Plenário do CSM, sendo certo que apenas as deliberações deste órgão são impugnáveis contenciosamente (art. 168º, nº 1 do EMJ).

Temos assim que, o ato administrativo apenas se torna definitivo com a deliberação do Plenário do CSM, caso tenha havido reclamação.

Ora, quando a ora recorrente é notificada daquele despacho e apresenta a reclamação, tem a oportunidade de se pronunciar e de contrapor as suas razões invalidantes, na sua perspetiva, dos fundamentos que conduziram ao indeferimento.

Como resulta dos arts. 153º, nº 1, al. b), 154º, nº 1 e 158º, do EMJ, o Vice-‑Presidente do Conselho Superior da Magistratura exerce as funções que, por subdelegação do Presidente, o CSM tenha delegado neste.

Estabelece o art. 49º, nº 2, do CPA que [o] órgão delegante ou subdelegante tem o poder de avocar, bem como o de anular, revogar ou substituir o ato praticado pelo delegado ou subdelegado ao abrigo da delegação ou subdelegação.”  

Assim, tendo a ora recorrente reclamado para o órgão delegante visando a substituição do ato reclamado e sendo a deliberação o ato administrativo definitivo, concluímos que se mostra preenchida a situação prevista na al. b) do transcrito nº 5, do art. 163º, ou seja, a exigência procedimental de audiência prévia foi alcançada com a reclamação.

Mas, ainda que assim se não entendesse, o efeito anulatório não se produziria.

Está provado que a recorrente foi colocada como auxiliar ao conjunto das instâncias locais da comarca de ... e assim, nos termos do nº 2, do art. 183º, da Lei 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ), auferindo, por força do estabelecido no art. 184º, nº 2, da LOSJ, a remuneração pelo índice 175.

É certo que, por determinação da Srª Presidente da Comarca, homologada pelo CSM, passou também a exercer funções na Secção Criminal da Instância Central Criminal de ... e na Secção de Execuções da Instância Central de ..., em acumulação com as exercidas na Secção de Competência Genérica da Instância local de ... e na Secção Criminal da Instância Local de ....

Porém, o facto de exercer algumas funções nas referidas instâncias centrais, não lhe confere o direito a ser remunerada pelo índice 220 como previsto no art. 184º, nº 1, da LOSJ.

Como referido, a recorrente foi colocada como auxiliar nas instâncias locais e não como auxiliar nas instâncias centrais, sendo certo que o art. 184º, por referência ao art. 183º, da LOSJ confere o índice remuneratório à colocação e não ao exercício de funções.

Por outro lado, as funções exercidas pela recorrente nas referidas instâncias centrais eram deveras limitadas. Confinavam-se à intervenção como juíza-adjunta nos coletivos criminais, sem presidir a qualquer deles e, consequentemente, sem ter que elaborar qualquer acórdão, e a proferir decisões no âmbito de embargos de executado e de terceiro, não contestados.

Por conseguinte, não tendo a recorrente sido colocada em lugar a que coubesse o índice remuneratório 220, nem mesmo tendo exercido em pleno as funções que competem a tais lugares, é claro que a decisão do CSM não poderia ser outra que a do indeferimento do requerido.

É certo que a recorrente invocou ainda que a sua antecessora foi remunerada pelo índice 220.

O CSM na deliberação impugnada interpretou tal referência como reportando-se à Srª Juíza que substituiu a recorrente enquanto esteve ausente referindo que a mesma estava colocada no Quadro Complementar de Juízes de ....

Neste recurso contrapõe a recorrente que ao referir “antecessora” não pretendia referir-se à sua substituta Drª FF, mas à Drª GG.

Ora, ambas as Srªs Juízas antecederam a recorrente naqueles lugares, sendo por isso suas antecessoras.

Mas, como é referido pelo CSM na sua resposta e foi aceite pela recorrente nas suas alegações, tanto a Drª FF como a Drª GG estavam colocadas no Quadro Complementar de Juízes de ..., a quem cabia, nos termos do art. 10º, nº 1, do Regulamento do Quadro Complementar de Juízes ([6]), a remuneração correspondente ao lugar a que estivessem afetadas.

Valem, por isso, relativamente à Drª GG as considerações tecidas na deliberação relativamente à Drª FF.

Mas ainda que se considerasse que a antecessora (Drª FF) fora remunerada pelo índice 220, esse facto não conferia à recorrente o direito a ser remunerada em igual medida.

Como se refere no Ac. do STA de 4.09.2014, proc. n.º 1117/13 [7] «o princípio da igualdade, na sua vertente de ”trabalho igual, salário igual”, não poderá servir de fonte à ilegalidade… O princípio da igualdade (...) “não garante a igualdade ao não direito” (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Teoria da Constituição, 7ª edição, página 427)».

Concluímos assim que a decisão a incidir sobre o requerido pela recorrente não poderia ser outra que a do indeferimento, motivo pelo qual sempre ficaria afastado o efeito anulatório, nos termos da alínea a) do nº 5 do art. 163º do CPA.

Mas o caso em apreço cabe igualmente na previsão da alínea c) do mesmo preceito.

Refere a recorrente nas suas alegações que «aceita que o requerimento que dirigiu ao Ex.mo Senhor Vice-Presidente expunha toda a factualidade e materialidade subjacente à situação que pretendia ver reconhecida (cfr. artigo 25º da Resposta), mas poderia, em audiência prévia, ter dito, nomeadamente, que (i) o pedido formulado no requerimento não se resolve com a leitura conjugada dos artigos 81º, 183º e 184º da LOSJ, por - ao menos, no seu entender - eles não regularem a questão de saber qual é o índice remuneratório que corresponde a um juiz a que se refere o nº 2 do referido artigo 183º mas a exercer essencialmente funções correspondentes a juiz referido no nº 1 do mesmo artigo, e que (ii) quando referia a sua antecessora não queria dizer a sua substituta.

Ou seja, ao contrário do que se diz na Resposta, a A. em audiência prévia poderia esgrimir algum novo argumento ou esclarecer algum aspeto.»

Porém, na reclamação que formulou para o Plenário do CSM, a recorrente não aduziu qualquer fundamento suscetível de conduzir a decisão diversa do indeferimento, sendo certo que, nesse momento estava já na posse de todos os fundamentos que motivaram o indeferimento.

Mas, ainda que por mera hipótese tivesse invocado o que agora refere, a decisão não poderia ser diversa do indeferimento.

Na verdade é a própria LOSJ a estabelecer qual o índice remuneratório dos juízes colocados nas instâncias locais, sendo omissa quanto ao índice devido aos juízes do quadro complementar. Quanto a estes a remuneração foi, nos termos do art. 88º, nº 5, da LOSJ, determinada pelo Regulamento atrás referido.

Acresce que, como também já referimos, a recorrente apenas desempenhou algumas das funções das atribuídas aos juízes das instâncias centrais, sendo certo ainda que o tribunal coletivo pode ser integrado por juízes não privativos (art. 133º da LOSJ), ou seja, por juízes colocados na instância local e sem que daí resulte o direito a remuneração por índice superior.

Concluímos assim que, mesmo que a recorrente tivesse sido ouvida antes do despacho de indeferimento, este teria, sem margem para qualquer dúvida, o mesmo conteúdo.

Invoca a recorrente que a deliberação não cumpriu o estabelecido no art. 124º, nº 2, do CPA uma vez que é omissa quanto às razões da não audição prévia da recorrente.

Relembre-se que o que está em causa neste recurso é a deliberação e não o despacho do Sr. Vice-Presidente do CSM.

Como resulta do estabelecido no art. 166º do EMJ, as decisões do Vice-‑Presidente não são passíveis de impugnação contenciosa mas de reclamação para o Plenário do CSM, motivo pelo qual o ato administrativo só se torna definitivo com a deliberação do Plenário, caso tenha havido reclamação.

Assim sendo e como referimos, a recorrente, ao reclamar, exerceu o seu direito de audição prévia, motivo pelo qual na deliberação não havia que observar o sobredito preceito, bem como não haveria que proceder a nova audiência prévia antes da deliberação, uma vez que, repetimos, a recorrente exercera já o seu direito ao arguir na reclamação todas as razões que se lhe ofereciam para infirmar o despacho reclamado de moldes a obter decisão diversa.

Pelo referido, o recurso improcede nesta parte.

4.3 – Se a deliberação recorrida enferma do vício de falta de fundamentação.

Estabelece o art. 152º, nº 1, al. b) do CPA que devem ser fundamentados os atos administrativos que decidam reclamação ou recurso.

Nos termos do art. 153º, nº 1 do mesmo diploma:

“1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.”

Como é referido no acórdão do TCA do Norte, no acórdão de 11.01.2013 desta Secção, proc. n.º 1772/07.7BEPRT ([8]) «a fundamentação do acto administrativo deverá ser suficiente, clara, congruente e contextual. É suficiente se, no contexto em que o acto foi praticado, permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão tomada. Será clara se permitir compreender, sem incertezas e perplexidades, o sentido e motivação dessa decisão, e congruente se ela surge como conclusão lógica das razões apresentadas. É contextual quando se integra no texto do próprio acto, que a inclui ou para ela remete, ou dele é, pelo menos, contemporânea».

E como ensina Freitas do Amaral ([9]), o objetivo essencial e imediato da fundamentação é esclarecer concretamente a motivação do ato, permitir a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a adoção de um ato com determinado conteúdo.

Vejamos então se a fundamentação exarada era suficiente e suscetível de permitir a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão tomada.

Invoca a recorrente ter aduzido na reclamação dois fundamentos: estar a exercer funções na instância central apesar de ter sido colocada como auxiliar na instância local, e ter a antecessora sido remunerada pelo índice 220, sendo a deliberação omissa quanto a este último fundamento.

Quanto à questão da omissão importa esclarecer que não podem ser confundidos os fundamentos com os argumentos.

Ora, a invocação de que a antecessora fora remunerada por um índice superior ao da recorrente não constitui fundamento para que fosse remunerada de forma idêntica, como já dissemos.

Trata-se de um argumento e não de um fundamento.

A recorrente limitou-se a “aventar” o argumento sem ela própria o fundamentar, designadamente demonstrando que estavam em igual situação em termos de lugar de colocação e de funções exercidas.

A fundamentação não tem que apreciar todos os argumentos. Terá que apreciar todas as questões e conter as suficientes razões que subjazeram à decisão.

Depois de tecer diversas considerações doutrinais e jurisprudenciais a propósito dos requisitos da fundamentação, nomeadamente que pode ser feita por declaração de concordância com anterior informação dos serviços, consignou-se na deliberação impugnada: “No caso dos autos, a decisão ora reclamada consiste em mera declaração de concordância com anterior informação/parecer que constitui parte integrante do respectivo acto sendo que tal fundamentação está legalmente prevista como já referido pelo que inexiste qualquer omissão de fundamentação.”

Está assim claramente fundamentada a deliberação na parte em considerou ter sido o despacho devidamente fundamentado, na medida em que aderiu ao parecer prévio dos serviços, de cujas conclusões foi a recorrente devidamente notificada.

A falta de fundamentação não pode nem se confunde com a discordância relativamente aos fundamentos ou mesmo com o erro da decisão.

Donde concluímos que nem o despacho do Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura nem a deliberação impugnada enfermam do vício de falta de fundamentação.

Pelo referido, o recurso improcede também nesta parte.

4.4 - Se a deliberação recorrida violou os princípios da igualdade e da justa remuneração.

Quanto a esta questão já nos debruçámos na apreciação do item 4.2.

É certo que tanto a Srª Juíza antecessora (nas palavras da recorrente) como a Srª Juíza substituta, estavam colocadas no Quadro Complementar de Juízes de ... e não, como a recorrente, como auxiliar na instância local.

A recorrente não exerceu as funções que exerceria se estivesse colocada na instância central, mas apenas algumas delas e, ainda assim, as que podiam ser exercidas por juízes colocados na instância local.

Como estabelecem os arts. 183º e 184º da LOSJ, a remuneração é fixada de acordo com o lugar da colocação e não com as funções concretamente exercidas, caso em que a questão se poderia colocar em termos de acumulação. Mas não é este o fundamento aduzido pela recorrente.

Não está em causa saber se a remuneração das antecessoras foi ou não a legalmente devida. Como dissemos, ainda que tivessem sido indevidamente remuneradas pelo índice 220, esse facto não conferia à recorrente o direito a ser remunerada pelo mesmo índice.

O princípio da igualdade e da justa remuneração não confere o direito a um não direito.

Termos em que, concluímos que a deliberação impugnada ao manter o despacho reclamado não violou os princípios da igualdade e da justa remuneração.

5 – DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Julgar improcedente o recurso interposto e, consequentemente, manter a deliberação impugnada.

2 – Condenar a recorrente nas custas que se fixam em 6 Ucs.

Lisboa, 28.02.2018

Ribeiro Cardoso ( Relator)

Roque Nogueira

Abrantes Geraldes

Raul Borges

Isabel São Marcos

José Raínho

Olindo Geraldes

Salazar Casanova (Presidente)

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[1] No texto é adotado o acordo ortográfico, exceto nas transcrições (texto em itálico) em que é mantida a versão original.
[2] Alterado pelo DL n.º 342/88, de 28/09 e pelas Leis n.º 2/1990, de 20/01, n.º 10/94, de 05/05, n.º 44/96, de 03/09, n.º 81/98, de 03/12, n.º 143/99, de 31/08, n.º 42/2005, de 29/08, n.º 26/2008, de 27/06, n.º 52/2008, de 28/08, n.º 63/2008, de 18/11, n.º 37/2009, de 20/07, n.º 55-A/2010, de 31/12 e 9/2011, de 12/04.
[3] Neste sentido, entre outros, o ac. do STA de 22.01.2014, proc. 441/13, o ac. do TCAN de 18.10.2007, proc. 00032/05.2, o ac. do TCAS de 24.02.2016, proc. 12747/15
[4] Diogo Freitas do Amaral, CURSO DE DIREITO ADMJINISTRATIVO, Vol. II, Almedina, 3ª reimpressão, pág. 389.
[5] CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO Anotado, 2ª Edição, 2017, pág. 375.
[6] Publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 174 — 7 de setembro de 2015.
[7] In www.dgsi.pt.
[8] Citado no acórdão desta Secção de 18.12.2013, pro. 106/12.3YFLSB.
[9] Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2001, pág. 351.