Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23/23.1YREVR-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO DIAS
Descritores: HABEAS CORPUS
EXTRADIÇÃO
DETENÇÃO
PRAZO
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
I. A detenção provisória prevista no art. 38.º da LCJIMP integra-se no processo de extradição, sendo sujeita a curtos prazos, atenta a sua natureza e finalidade e, por isso, também, constitui uma das exceções ao direito à liberdade, que está consagrada constitucionalmente no art. 27.º, n.º 3, al. c), da CRP.

II. Neste caso o aqui peticionante foi detido provisoriamente em 9.02.2023, de forma antecipada e prévia a um pedido formal de extradição, o que é lícito como se viu e ainda nem sequer se esgotou o prazo de 40 dias aludido no art. 21.º, n.º 4, da Convenção da Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008 de 15/08).

III. As questões suscitadas na petição deste habeas corpus quanto ao mandado de detenção e condução emitido pela PJ, pelos diferentes motivos que alega, deveriam ser colocadas (tempestivamente) no processo de extradição a correr termos na Relação (de que este habeas é apenso), arguindo o respetivo vício (que sustenta constituir uma nulidade), e não neste habeas que é providência inadequada para esse efeito (uma vez que essa matéria não integra qualquer dos fundamentos do art. 222.º do CPP, que são taxativos).

IV. De resto, se não concordava com o entendimento dos Magistrados Judiciais que validaram e mantiveram a detenção provisória a que ficou sujeito, deveria ter recorrido das respetivas decisões, não sendo a providência de habeas corpus o meio próprio para discutir essas questões ou o mérito daquelas decisões.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - Relatório

1. O arguido AA, através da sua Advogada, requereu esta providência de habeas corpus (ao abrigo do art. 222.º, n.º 2, al. b), do CPP), por, na sua perspetiva, ter sido detido ilegalmente, em 9.02.2023, pedindo, em consequência, a sua libertação imediata.

Para tanto, invoca, em síntese, no que aqui interessa, o seguinte:

1.º A 09/02/2023 o requerente foi detido, na sequência de mandado de detenção internacional por suspeita da prática do crime de homicídio, emitido pelas autoridades judiciárias brasileiras, conforme a Interpol Red Notice Control n.º A-5...0/6-2022 e Interpol File n.º 2022/40...6 com vista à extradição do ora requerente, conforme cópia do mandado de detenção datado de 05 de Dezembro de 2022 que se junta como doc. N.º 1

2.º O requerente fica inibido de juntar a certificação da sua captura porque, nunca a recebeu

3.º O requerente invoca a nulidade do mandado de detenção datado de 05 de Dezembro de 2022 já que

4.º O referido mandado não vem acompanhado do Mandado de detenção Internacional, o que é obrigatório por lei e

5.º O mandado, datado de 05 de Dezembro de 2022, já tinha a validade expirada, na medida em que apenas a 09/02/2023 o requerente foi detido

6.º Por outro lado, o mandado de detenção não contem a assinatura da autoridade judiciária competente

7.º Os mandados obedecem aos requisitos enunciados nos art 257 e 258 ambos do CPP, tendo este última a seguinte redação:

«1 - Os mandados de detenção são passados em triplicado e contém, sob pena de nulidade:

1. A assinatura da autoridade judiciária ou de polícia criminal competentes»

8.º Conforme já referido, não consta o requisito exigido na alínea a) do n.º 1 do art. 258 do CPP pelo que, a Polícia Judiciária, violou tal norma

9.º A violação de tal disposição legal, constitui nulidade do mandado em causa.

10.º Pelo que, o requerente, com base nesta nulidade vem requerer que de imediato seja ordenada a sua libertação

11.º Caso não seja assim, colocar-se-á em crise o direito á liberdade e segurança que todo o cidadão tem nos termos do disposto no art.27 da CRP

12.º Sendo a detenção do ora requerente ilegal consequentemente a sua prisão também o é!

13.º Tudo porque, deste acto concreto - a detenção - deste procedimento, há afectação directa da prisão

14.º Nos termos do disposto no art.122.º do CPP «As nulidades tornam invalido acto em que se verificam, bem como os que dele dependerem....»

15.º Por outro lado o mandatário do requerente não foi notificado, o que viola a lei .

16.º Pelo que, também o requerente ficou impedido de se defender.

17.º No Estado Português de Direito Democrático, o sistema em processo penal visa fundamentalmente promover a defesa da dignidade do Ser Humano da PESSOA!

18.º Por isso A Liberdade da Pessoa é um dos direitos constitucionalmente consagrada.

19.º Por outro lado nos termos do art.32 CRP o juiz terá intrinsecamente de cumprir o princípio da imparcialidade

20.º Por isso, a função da Polícia Judiciária, é de executar a Justiça de acordo com as fontes de direito e da lei que todos conhecem, tudo para fazer executar as decisões judiciais

21.º Assim e, salvo melhor opinião, o Mandado de 05 de Dezembro de 2022 sem qualquer assinatura em estando acompanhado do Mandado de Detenção internacional devidamente assinado, conduz á pratica de um acto que, é NULO!

22.º Mais acresce que, a ilegalidade da prisão ora invocada é actual conforme jurisprudência portuguesa.

2. A Sr. Juíza Desembargadora titular do processo prestou a informação a que se refere o art. 223.º, n.º 1, do CPP, nos seguintes termos:

Procedimento de habeas corpus:

O Requerido AA foi privado de liberdade, à ordem dos presentes autos de extradição, pelas 20H00 do dia 9 de fevereiro de 2023.

Submetido a interrogatório, nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, foi determinado que o mesmo aguardasse os ulteriores termos do processo na situação de detenção.

O processo aguarda, agora, o pedido formal de extradição, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 21.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15 de setembro.

Os factos relevantes para a privação da liberdade do Requerido constam da decisão proferida na sequência do interrogatório judicial do extraditando, e para a qual se remete.

Para melhor esclarecimento, envia-se certidão de todo o processado.


*


Crie o competente apenso de Habeas Corpus, o qual, depois de devidamente instruído há-de ser remetido para o Supremo Tribunal de Justiça.


3. Tendo entrado a petição neste Supremo Tribunal, após distribuição, teve lugar a audiência aludida no art. 223.º, n.º 3, do CPP, pelo que cumpre conhecer e decidir.


II Fundamentação

1. Factos

1.1. Com interesse para a decisão deste habeas corpus, extrai-se da certidão junta aos autos, o seguinte:

- No âmbito de um pedido de detenção provisória com vista à extradição, inserido no Sistema de Informação Interpol n.º ...46, emitido pelas Autoridades Judiciais da República Federativa do Brasil, foi detido por elementos da Polícia Judiciária Portuguesa, em ..., pelas 20 horas de 9.02.2023, AA;

-O pedido de detenção foi feito com base na Red Notice Control n.º A-5...0/6-2022, para efeitos de procedimento criminal, na sequência de decisão judicial n.º ...17-00 de 13 de Maio de 2022, proferida pela ... Vara Criminal de .../... (que emitiu o respetivo mandado de detenção);

- Da mesma Red Notice resulta que o fugitivo a deter é o AA, aí melhor identificado, sendo procurado para efeitos de procedimento penal por homicídio qualificado p. e p. nos arts. 8.º e 121.º § 2, pontos I, III e IV, do Código Penal Brasileiro, sendo a pena máxima aplicável de 30 anos e o prazo de prescrição ou de validade do mandado de detenção até 22 de Maio de 2042, tendo sido emitidos mandados de detenção com o n.º ...17-00, na sequência de decisão judicial de 13 de Maio de 2022, da autoridade judiciária da ... Vara Criminal de .../..., Brasil, sendo assinado por BB, estando a cópia do mandado de detenção disponível no Secretariado-Geral, na língua do país requerente, que é o Brasil, estando indiciado/acusado no respetivo processo, pela prática, em resumo, dos seguintes factos: No dia 30 de janeiro de 2022, cerca das 4:30 da manhã, na Avenida ..., no bairro ..., em frente da padaria e cafetaria ..., no município .../..., AA, com outros cúmplices (CC, .../02/2000; DD, .../.../2001; EE, .../.../2000; FF, .../.../1997; GG, .../.../1999), todos membros duma associação criminosa, foram responsáveis por duplo homicídio, com tiros de arma de fogo, pedradas e agressão física contra as vítimas HH e II, causando-lhes a morte como consequência dos ferimentos causados.

- Consta ainda dessa Red Notice o seguinte:

“3. Medidas a tomar em caso de localização

Localização e prisão com vista à extradição

Garante-se que a extradição será solicitada após a detenção do indivíduo em causa, em conformidade com a legislação nacional e/ou com os tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis.

Detenção provisória

Esta notícia deve ser considerada como um pedido formal de detenção provisória em conformidade com a legislação nacional e/ou tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis.

Em caso de localização deste indivíduo, informar imediatamente Interpol, Brasília (referência de Interpol Brasília: 011700/2022-43 de 10 de junho de 2022) e o Secretariado Geral da Interpol.

- O aqui requerente/peticionante AA, melhor identificado nos autos, depois de detido em 9.02.2023, pelas 20 horas, foi ouvido no Serviço de Turno da comarca ... em 11.02.2023, pelas 10h59 e, após o MP e a defensora se pronunciarem (tendo o primeiro promovido não só a validação e manutenção da detenção, como a apresentação do detido no TR... no primeiro dia útil seguinte e a segunda declarado nada ter a requerer), foi pelo Sr. Juiz de turno validada a sua detenção, “por ter sido realizada ao abrigo do Mandado de Detenção Internacional emitido por entidade competente e foi observado o prazo a que alude o art. 53.º da Lei 144/99, de 31/08”, sendo que em 13.02.2023, pelas 15:00 horas, foi ouvido no processo de extradição n.º 23/23.1YREVR (de que este habeas corpus é apenso), nos termos que constam do respetivo auto, que aqui se dá por reproduzido, tendo sido decidido pelo Senhor Juiz Desembargador respetivo, após o Ministério Público e a defesa se pronunciarem (tendo o primeiro promovido, além do mais, que o detido se mantivesse nessa situação nos termos do art. 21.º, n.º 4, da Lei da Convenção da Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e a segunda apenas pedido que o requerido aguardasse os ulteriores termos do processo em liberdade mediante aplicação de medida de coação não detentiva), o seguinte:

Conforme resulta dos autos encontra-se pendente na República Federativa do Brasil processo para procedimento criminal relativamente a dois crimes de homicídio qualificado p. e p. nos arts. 8.º e 121.º parágrafo 2, pontos I, III e IV, do Código Penal Brasileiro, com pena máxima de 30 anos de prisão, os factos que integram aqueles dois crimes estão também p. e p. nos artigos 131.º e 132.º nºs 1 e 2 h) do Código Penal Português, com pena de prisão de dozes a vinte e cinco anos.

O requerido é estrangeiro e, tendo em atenção os factos que lhe são imputados e sua dosimetria penal, existe sério risco de que se exima à acção da justiça, a fim de evitar a extradição.

Assim sendo, tendo em conta os fins que com o mesmo se visam, bem assim em face no disposto nos art. 27.º da Constituição da República Portuguesa e art. 202.º n.º 1 al. f) e 204.º al. a) do Código Processo Penal, com referência ao disposto no art. 38.º da Lei 144/99 de 31/Agosto e art. 21.º n.º 4 da Lei da Convenção da Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008 de 15/08, determino que aguarde os ulteriores termos do processo na situação de detenção, que se mantém.

Passem-se os competentes Mandados de Condução ao Estabelecimento Prisional ....

Proceda às competentes comunicações, conforme promovido pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto.

Aguardem os autos conforme o promovido o pedido formal de extradição, sem prejuízo do disposto no art. 21.º n.º 4 da mencionada Convenção.

2. Direito

2.1. Invoca o peticionante, em resumo, a nulidade do mandado de detenção de 5.12.2022 por, não vir acompanhado do Mandado de detenção internacional (que, na sua perspetiva, seria obrigatório), considerando, além disso, que já tinha a validade expirada por apenas ter sido detido em 9.02.2023, não constando a assinatura da autoridade judiciária competente, o que violaria o disposto do art. 258, n.º 1, al. a), do CPP, pelo que tal nulidade conduziria, nos termos do art. 122.º do CPP, a que a sua detenção fosse ilegal, o que associado ao facto de ter ficado impedido de se defender (por o seu advogado não ter sido notificado), deveria levar à sua libertação imediata.

  Pois bem.


2.2. Dispõe o artigo 222.º (habeas corpus em virtude de prisão ilegal) do CPP:

1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

São taxativos os pressupostos do habeas corpus (que também tem assento no art. 31.º da CRP), o qual não se confunde com o recurso, nem com os fundamentos deste.

Aliás, como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Lisboa: Editorial Verbo, 1993, p. 260, o habeas corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”.

Convém ter presente, como se refere no art. 31.º, n.º 1 CRP, que “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.” Ou seja, esta providência, que inclusivamente pode ser interposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (art. 31.º, n.º 2, CRP), tem apenas por finalidade libertar quem está preso ou detido ilegalmente e, por isso, é uma medida excecional e muito célere.

 De resto, quando se aprecia a providência de habeas corpus não se vai analisar o mérito da decisão que determina a prisão, aqui o mérito da decisão que determinou a detenção para extradição, nem tão pouco eventuais erros procedimentais ou meros lapsos (cometidos v.g. pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede de recurso, mas tão só incumbe decidir se ocorrem quaisquer dos fundamentos indicados no art. 222.º, n.º 2, do CPP.

3. Apreciação

E, o que é que se passa neste caso concreto?

O peticionante deste habeas corpus foi detido em 9.02.2023, pelas 20:00 horas, por elementos da Polícia Judiciária Portuguesa, em ..., nos termos do art. 38.º da Lei nº 149/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, doravante designada LCJIMP), no âmbito da Red Notice supra referida, emitida pelas autoridades judiciárias brasileiras, com vista à sua extradição para o Brasil, para efeitos de procedimento criminal, estando indiciado pela prática dos factos acima descritos, que integram a co-autoria de dois crimes de homicídio qualificado p. e p. nos arts. 8.º e 121.º parágrafo 2, pontos I, III e IV, do Código Penal Brasileiro, com pena máxima de 30 anos de prisão, crimes esses que em Portugal estão p. e p. nos artigos 131.º e 132.º nºs 1 e 2 h) do Código Penal Português, com pena de prisão de dozes a vinte e cinco anos.

Resulta ainda da mesma Red Notice que o prazo de prescrição ou de validade do mandado de detenção é até 22 de Maio de 2042, tendo sido emitidos mandados de detenção com o n.º ...17-00, na sequência de decisão judicial de 13 de Maio de 2022, da autoridade judiciária da ... Vara Criminal de .../..., Brasil, sendo assinado por BB, estando a cópia do mandado de detenção disponível no Secretariado-Geral, na língua do país requerente, que é o ....

Ora, tendo sido apresentado detido no Serviço de Turno da comarca ... em 11.02.2023, pelas 10h59, foi validada a sua detenção provisória pelo Sr. Juiz de turno, sendo observado o prazo aludido no art. 53.º da Lei 144/99, de 31/08, pelo que depois, em 13.02.2023, pelas 15:00 horas, foi ouvido no processo de extradição n.º 23/23.1YREVR, tendo sido decidido pelo Sr. Juiz Desembargador respetivo, em face no disposto nos art. 27.º da CRP e arts. 202.º n.º 1 al. f) e 204.º al. a) do CPP, com referência ao disposto no art. 38.º da Lei 144/99, de 31.08 e art. 21.º n.º 4 da Convenção da Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008 de 15/08, determinar que o mesmo aguardasse os ulteriores termos do processo naquela situação de detenção, a qual se mantinha, aguardando os autos conforme o promovido, o pedido formal de extradição, sem prejuízo do disposto no art. 21.º n.º 4 da mencionada Convenção[1].

Portanto, para além de ter sido validada e confirmada a detenção provisória do peticionante pela autoridade judiciária competente, foi determinado que os autos aguardassem o pedido formal de extradição, sem prejuízo do disposto no art. 21.º n.º 4 da mencionada Convenção.

Ora, como sabido, essa detenção provisória prevista no art. 38.º da LCJIMP integra-se no processo de extradição, sendo sujeita a curtos prazos, atenta a sua natureza e finalidade e, por isso, também, constitui uma das exceções ao direito à liberdade, que está consagrada constitucionalmente no art. 27.º, n.º 3, al. c), da CRP.

No caso dos autos o aqui peticionante foi detido provisoriamente em 9.02.2023, de forma antecipada e prévia a um pedido formal de extradição, o que é lícito como se viu e ainda nem sequer se esgotou o prazo de 40 dias aludido no art. 21.º, n.º 4 da referida Convenção da Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

As questões que invoca na petição deste habeas corpus quanto ao mandado de detenção e condução de 5.12.2022, emitido pela PJ, pelos diferentes motivos que alega (não vir acompanhado do Mandado de detenção internacional, ter a validade expirada, não constar a assinatura da autoridade judiciária competente e também por o seu advogado não ter sido notificado, não se poder defender, o que tudo integraria nulidade dos mandados de detenção e conduziria, nos termos do art. 122.º do CPP, à sua detenção ilegal e deveria levar à sua libertação imediata), deveriam ser colocadas (tempestivamente) no processo de extradição a correr termos no TR... (de que este habeas é apenso), arguindo o respetivo vício (que sustenta constituir uma nulidade), e não neste habeas que é providência inadequada para esse efeito (uma vez que essa matéria não integra qualquer dos fundamentos do art. 222.º do CPP, que são taxativos).

De resto, se não concordava com o entendimento dos Magistrados Judiciais que validaram e mantiveram a detenção provisória a que ficou sujeito, deveria ter recorrido das respetivas decisões, não sendo a providência de habeas corpus o meio próprio para discutir essas questões ou o mérito daquelas decisões.

O peticionante não pode utilizar indevidamente este habeas corpus (que não é um recurso) nem pretender que através dele o STJ se pronuncie sobre matérias que extravasam os seus fundamentos, que são taxativos.

De resto, como acima já se viu, a detenção do aqui peticionante foi motivada por facto que a lei permite (detenção provisória para extradição) mantendo-se dentro do prazo legal (na sequência de decisão judicial, proferida nos termos legais).

Assim, não foram violados os princípios e as disposições legais invocados pelo peticionante deste habeas corpus.


III - Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus formulado por AA.

Custas pelo peticionante, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC`s.


Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente da Secção.


Supremo Tribunal de Justiça, 08.03.2023

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Pedro Branquinho Dias (Adjunto)

Teresa Almeida (Adjunta)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

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[1] Artigo 21.º(Detenção provisória) da Convenção da Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
1 - As autoridades competentes do Estado requerente podem solicitar a detenção provisória para assegurar o procedimento de extradição da pessoa reclamada, a qual será cumprida com a máxima urgência pelo Estado requerido de acordo com a sua legislação.
2 - O pedido de detenção provisória deve indicar que tal pessoa é objecto de procedimento criminal, de uma sentença condenatória ou de ordem de detenção judicial, devendo consignar a data e os factos que motivem o pedido, o tempo e o local da sua ocorrência, além dos dados que permitam a identificação da pessoa cuja detenção se requer. Também deverá constar do pedido a intenção de se proceder a um pedido formal de extradição.
3 - O pedido de detenção provisória poderá ser apresentado pelas autoridades competentes do Estado requerente pelas vias estabelecidas na presente Convenção, bem como pela Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL), devendo ser transmitido por correio, fax ou qualquer outro meio que permita a comunicação por escrito.
4 - A pessoa detida em virtude do referido pedido de detenção provisória é imediatamente posta em liberdade se, ao cabo de 40 dias seguidos, a contar da data de notificação da sua detenção ao Estado requerente, este não tiver formalizado um pedido de extradição.
5 - O disposto no número anterior não prejudica nova detenção da pessoa reclamada caso venha a ser apresentado o pedido de extradição.