Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
454/14.8TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
ACTIVIDADE BANCÁRIA
ATIVIDADE BANCÁRIA
PENHOR MERCANTIL
BANCO
CONTA BANCÁRIA
COISA MÓVEL
CRÉDITO
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
MORA
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES
CONTRATO DE MÚTUO
JUROS DE MORA
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS ( ATOS BANCÁRIOS ).
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / PENHOR / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES / COMPENSAÇÃO / CONTRATOS EM ESPECIAL / MÚTUO / DEPÓSITO.
DIREITO COMERCIAL - PENHOR MERCANTIL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Adriano Antero, Comentário ao Código Comercial Português, II, 2.ª edição, 460.
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição reelaborada, Almedina, 2006, 921, 923, 926, 927 e 932
- António Meneses Cordeiro, «Depósito Bancário e Compensação», CJ (STJ), Ano X (2002), T1, 6; Manual de Direito Bancário, 3.ª edição, 2008, 611, 612 e 629.
- Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros, Direito Europeu e Português, Tomo I; Parte Geral, 2.ª edição revista e aumentada, 2007, 18 e 19, 227 e 228.
- Fernando Conceição Nunes, «Depósito e Conta», nos Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Galvão Telles, II, Direito Bancário, 2002, 87 e 88.
- Gorla/Zanelli, Del Pegno.Delle Ipoteche. Art. 2784-2799, 4.ª edição, Bolonha e Roma, 1992, 1 e ss.
- Luís Poças, A Antecipação Bancária e Empréstimo Sobre Penhor no Âmbito das Operações Bancárias, 142.
- Meneses Leitão, Garantias das Obrigações, 2.ª edição, 2008, 288.
- Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 4.ª edição, Almedina, 2003, 181, 182.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, I, 4.ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, 685, 686, 687 e 695; “Código Civil” Anotado, II, 4.ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1997, 66 e 67.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 205.º, 483.º, N.º 1, 601.º, 602.º, 666.º, N.º1, 668.º, 669.º, 671.º, AL. B), 674.º, 675.º, N.º 1, 678.º, 680.º, 694.º, 798.º, 799.º, N.º 1, 805.º, N.º 2, B), 806.º, N.º 1, 847.º E SS., 1142.º, 1144.º, 1205.º, 1206.º.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGOS 397.º, 398.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º, N.º 1, 265.º, N.º 2, 552.º, N.º 1, E), 609.º, N.º 1, 615.º, N.º1, AL. E), 619.º, N.º1, 666.º, N.º1.
D.L. N.º 29833, DE 17 DE AGOSTO DE 1939: - ARTIGO 1.º.
D.L. N.º 32032, DE 22 DE MAIO DE 1942.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 07/05/2009, PROCESSO N.º 3116/06.6TVLSB.S1, 1.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 14/05/2015, PROCESSO N.° 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, IA SÉRIE, DE 24 DE JUNHO DE 2015.
Sumário :
I - O penhor de direitos ou, dito de outro modo, a natureza dos direitos empenháveis não se basta com a existência de créditos ou de outros direitos insuscetíveis de hipoteca, exigindo-se, igualmente, para a sua admissão, que os mesmos tenham por objeto coisas móveis e sejam transmissíveis.

II - O que importa, no penhor de coisas, para além da entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro, é que o autor do penhor fique privado da sua disposição material, independentemente da faculdade de o credor pignoratício adquirir, de igual modo, o poder de disposição do objeto empenhado, sob pena de não ficar constituído um penhor de tipo comum, mas antes um penhor submetido aos regimes específicos, ressalvados pelo artigo 668.º, ambos do CC, como acontece com o penhor mercantil.

III - No penhor sem desapossamento, o credor pignoratício não tem a guarda da coisa, dispensando-se a entrega efetiva da mesma, sendo a sua entrega, meramente, simbólica, como acontece, v. g.,  no penhor mercantil.

IV - O penhor de aplicações financeiras, modalidade do penhor mercantil, pode revestir a modalidade de penhor de direitos, que a terminologia específica extra-legislativa resultante da prática bancária designa por «penhor bancário», constitui uma garantia revestida de solidez, na medida em que a sua disponibilidade pertence, inteiramente, ao banco credor, sem que, por outro lado, se afete a rentabilidade, para o devedor cliente, da aplicação financeira em causa, que só será mobilizada, antecipadamente, pelo banco credor, em caso de incumprimento.

V - O penhor de aplicações financeiras traduz-se num penhor de créditos, uma vez que o objeto do penhor é o crédito do depositante sobre o banco, ou seja, numa garantia especial sobre direitos, porquanto incide sobre documentos e não sobre o saldo da conta e, portanto, sobre o dinheiro depositado, que é propriedade do banco credor, que adquire a sua disponibilidade e, simultaneamente, se constitui devedor da restituição do valor correspondente, vinculando-se, por seu turno, o depositante a manter subsistente o provisionamento da conta.

VI - A especialidade desta figura do penhor de aplicações financeiras está, assim, no empenhamento de um direito de crédito sobre um quantitativo monetário que se encontra depositado e em poder do credor pignoratício, depósito esse que vai ser, posteriormente, transformado num determinado produto bancário, nos termos do acordo estabelecido entre o depositante e o depositário, criando-se na esfera jurídica do depositante o correspondente direito de crédito sobre o montante em causa.

VII - O penhor de conta bancária é uma figura derivada do penhor bancário, que se caracteriza pela circunstância de determinados depósitos bancários ficarem afectos ao pagamento de certas dívidas, através da cativação do saldo em conta, pelo facto de os depositantes se obrigarem a não os movimentar, enquanto subsistirem as dívidas garantidas e, finalmente, por autorizarem o banco a debitar, na conta dos depósitos em causa, as dívidas garantidas vencidas.

VIII - A protecção do prestador da garantia e de terceiros sujeita a realização ou execução da garantia pelo beneficiário a prévia notificação ao garante da intenção de a ela proceder.

IX - O mandato que os autores do penhor outorgaram ao banco, credor pignoratício, para a realização do valor dos títulos dados em garantia, apenas, decorre do incumprimento do devedor mutuário, não constituindo o próprio pagamento e, portanto, as transferências dos valores depositados nas contas empenhadas não representam o objeto mediato do contrato, mas, tão-só, a execução de uma garantia.

X - O penhor de conta bancária passou a ser considerado como um penhor financeiro, podendo ser conferido ao beneficiário da garantia o direito de disposição sobre o objeto desta, não com carácter automático, mas antes na sequência do clausulado pelas partes no competente contrato, pelo que, acontecendo o não cumprimento da obrigação pelo devedor, o credor pode fazer seu o depósito bancário empenhado, no sentido de se cobrar pelo valor deste, não com base na existência de um pacto comissório, atendendo à sua manifesta nulidade, mas antes pela via da compensação.

XI - A compensação convencional bancária, previamente, acordada em qualquer negócio, de que possam resultar créditos do banqueiro sobre o seu cliente, é compatível com a possibilidade de o banco cobrar as importâncias que lhe sejam devidas, em quaisquer contas de que o mutuário ou os garantes sejam titulares, únicos ou no regime de solidariedade, fazendo seu o depósito bancário empenhado.

XII - Vencendo-se a obrigação do penhor, a cargo dos garantes, quando o mutuário-devedor se encontrasse em mora no pagamento de qualquer das prestações do contrato de mútuo celebrado com o banco, ou se verificasse qualquer alteração, vinculando-se o banco a comunicar aos garantes essa situação, no prazo máximo de trinta dias, e tornando-se os penhores, imediatamente, exigíveis, logo que, notificados os garantes, nessas circunstâncias, não propusessem o pagamento ou novas garantias, no prazo referido, ou o banco viesse a recusar a proposta ou as garantias apresentadas, sem embargo de o mutuário-devedor não ter efetuado o pagamento de uma prestação mensal vencida do contrato de mútuo, não pode o banco, sem, previamente, haver realizado as notificações aludidas, não dando conhecimento aos garantes que o mutuário-devedor havia deixado de pagar, nem comunicado o que o se propunha fazer, sem o consentimento dos garantes, proceder à transferência de quantias monetárias das contas dos garantes, para a titularidade exclusiva do banco, uma vez que quando este procedeu às mencionadas transferências, apesar de já se encontrar vencida a prestação mensal do contrato de mútuo, a cargo do mutuário-devedor, ainda não se encontrava vencida a obrigação da garantia do penhor assumida pelos garantes.

XIII - Não se tornando ainda exigíveis as prestações dos devedores da obrigação de garantia dos penhores, foram intempestivas as transferências das aludidas quantias das contas dos mesmos, como garantia do cumprimento da obrigação resultante do mútuo, sem fundamento legal e, portanto, ilícitas, e, presumivelmente, culposas, ocasionando os correspondentes danos da falta de disponibilidade imediata desses montantes nos patrimónios dos autores, com a inerente privação do rendimento do dinheiro, que resultara, necessária, adequada e, imediatamente, da sua retirada das mesmas contas, com a consequente responsabilidade civil contratual do Banco para com os autores, a quem deverão restituir a quantia, prematuramente, embolsada.

XIV - Não tendo os autores formulado o pedido de condenação em juros de mora, o tribunal não poderia, oficiosamente, condenar nesses juros, pois tal traduz uma condenação, para além do pedido apresentado, com o conteúdo delimitado pelos autores, isto é, em quantidade superior ao que foi pedido, com violação do princípio do pedido, não podendo ser decretado um efeito, apesar de, legalmente, previsto, que não estivesse abrangido por esse pedido, sendo certo, outrossim, que estavam em causa interesses, meramente, patrimoniais dos autores e, por isso, na inteira disponibilidade destes.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

AA e BB propuseram a presente ação declarativa, com processo comum, contra o “BANCO CC, S.A.”, todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a restituir-lhes a quantia de €2.335.845,80 (dois milhões trezentos e trinta e cinco mil e oitocentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos), por ele, indevida e, ilicitamente, movimentada, de forma unilateral, das suas contas bancárias e a pagar-lhes uma indemnização, no montante global de €353.678,08, correspondente aos lucros financeiros que deixaram de auferir, por não terem podido investir em obrigações do tesouro, sendo a quantia, acima referida, desde Janeiro de 2011 a Março de 2014 [a], ou, se assim se não entender, a restituir-lhes a quantia de €183.389,20, de que se apropriou, ilícita e, indevidamente, acrescida de juros, vencidos e vincendos, até integral pagamento [b], alegando, para o efeito, como fundamento do pedido, a transferência feita pelo réu da quantia global de €2.335.845,80 das suas contas, que não eram aquelas que estavam abrangidas pelos contratos celebrados entre as partes, sem autorização sua e sem que tivesse cumprido a obrigação assumida nos contratos de penhor (cláusulas sexta, nº 1 de cada um dos contratos), de lhes comunicar, no prazo máximo de 30 dias, a mora da “DD” no pagamento de prestações do contrato de mútuo celebrado entre esta sociedade e o réu, o que lhes causou os alegados prejuízos, e que, de qualquer modo, a quantia de €183.389,20 nunca seria devida, pois que só assumiram responsabilidade pelo pagamento de 60% do montante global da quantia em dívida pela “DD” ao réu, de €5400000,00, ou seja, €2.152.456,67.

Na contestação, o réu aceita que não fez a comunicação, a que alude o nº 1 de cada uma das cláusulas 6ªs dos contratos de penhor, esclarecendo, porém, que, em seu entendimento, não estava obrigado a fazê-lo, referindo que, mesmo que estivesse obrigado a tal, apenas teria de indemnizar os prejuízos causados, decorrentes do incumprimento do contrato e não de restituir a importância que lhe foi dada de penhor.

Impugnou ainda factos invocados pelos autores e alegou que efetuou uma comunicação a instar a “DD” a pagar as prestações vencidas e não pagas e uma outra a exigir-lhe o reembolso do capital emprestado e ainda não restituído, face à falta de pagamento das prestações de Setembro de 2010 a Janeiro de 2011, e que os autores tinham perfeito conhecimento da falta de pagamento das referidas prestações e das aludidas comunicações que o Banco efectuou à sociedade devedora.

A sentença julgou improcedente, por não provada, a ação, e absolveu o réu dos pedidos contra ele formulados.

Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação decidido «1. Alterar a decisão relativamente à matéria de facto, passando a ser o seguinte o teor do ponto 16º dos factos provados: “o Réu não efectuou as comunicações previstas nas cláusulas sextas dos contratos de penhor”.

2. Revogar a sentença recorrida que absolveu o Réu dos pedidos contra ele formulados pelos Autores;

3. Condenar, em consequência, o Réu a restituir aos Autores a quantia global de €2.335.845,80 (dois milhões trezentos e trinta e cinco mil e oitocentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros vencidos desde 28 de Janeiro de 2011, à taxa de 4% ao ano, e vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento.».

Do acórdão da Relação do ..., o réu interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por decisão que absolva inteiramente o BANCO CC, S.A. do pedido, conforme fez a sentença proferida no tribunal da primeira instância, sempre, em qualquer caso, absolvendo o mesmo Banco da condenação no pagamento de juros vencidos desde 28 de Janeiro de 2011, à taxa de 4% ao ano, e vincendos à mesma taxa, até integral pagamento”, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:

1ª - No dia 21 de Fevereiro de 2008 foi celebrado um contrato de mútuo entre o BANCO CC e a sociedade DD, S.A., com sede na Estrada ..., ..., em ..., através do qual, aquele concedeu a esta um empréstimo no montante de cinco milhões e quatrocentos mil euros (€5.400.000,00).

2ª - Para garantia deste mútuo, com o n° 000000092, o A., aqui Recorrido, AA, celebrou com o Banco, em 21 de Fevereiro de 2008, um contrato de penhor.

3ª - Identicamente, para garantia deste mútuo, com o n° 000000092, os AA., aqui Recorridos, AA e BB, celebraram com o Banco, em 25 de Fevereiro de 2008, um outro contrato de penhor.

4ª - Enfim, ainda para garantia das obrigações emergentes do mesmo contrato de mútuo com o n° 000000092, o A., aqui Recorrido, BB, celebrou com o Banco, em 21 de Fevereiro de 2008, um outro contrato de penhor.

5ª - De acordo com o número um da cláusula sexta de todos os contratos de penhor acima referidos, ficou estipulado que "o Banco obriga-se a comunicar ao segundo contraente no prazo máximo de trinta dias, sempre que qualquer das prestações do contrato de mútuo celebrado com a DD a que alude o número um da cláusula primeira, se encontre em mora, ou se verifique qualquer alteração".

6ª - Ficou estipulado, de acordo com n° 1 da cláusula sétima de todos os contratos de penhor acima referidos, que "o presente contrato de penhor torna-se imediatamente exigível logo que notificado nos termos e para os efeitos da cláusula anterior, o segundo contraente não proponha o pagamento ou novas garantias no prazo aí referido ou o Banco recuse a proposta ou garantias apresentadas.

7ª - A DD, S.A., não efectuou o pagamento da prestação mensal de reembolso do capital e dos juros do contrato de mútuo acima referido que se venceu em Janeiro de 2011, como já não tinha pago as prestações mensais de capital e de juros que se venceram em Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2010, apesar de ter sido instada a fazê-lo.

8ª - Por via disso, o Banco declarou vencidas todas as prestações mensais de capital ainda não reembolsado, no montante de €3.866.012,35 e deu conhecimento à DD de que tornava exigível e exigia, em face do descrito incumprimento, o reembolso do capital emprestado e ainda não restituído.

9ª - Como a DD, S.A, não lhe pagou o referido montante de €3.866.012,35, o Banco procedeu à execução dos penhores, sendo que as indicadas prestações em dívida só foram liquidadas em 28 de Janeiro de 2011 e foram-no mediante a aplicação que o Banco fez dos fundos provenientes da mobilização do objecto dos penhores.

10ª - O acórdão recorrido considerou que o Banco ao executar, no modo já dito, os penhores constituídos a seu favor pelos Autores, ora Recorridos, incorreu em responsabilidade civil por ter infringido o pactuado nos números uns das cláusulas sextas dos três contratos de penhor.

11ª - Esta convenção tem de ser conjugada com o acordado nos restantes números da mesma cláusula sexta dos contratos de penhor, números seguintes a esses números uns, nos termos dos quais o Banco sempre poderia recusar a substituição das garantias constituídas por esses penhores contratados, conforme foi mencionado em 21 e 25 de Fevereiro de 2008.

12ª - Acresce que esta específica convenção encontra complemento indispensável no acordado na cláusula seguinte, na cláusula sétima, de cada um dos falados contratos de penhor.

13ª - Daqui decorre, sem sombra para dúvidas, aliás não poderia deixar de ser assim, que o Banco se reservou o seu direito natural de recusar a substituição das garantias consistentes nos penhores constituídos por outras garantias quaisquer.

14ª - Assim resulta que no seu direito se contém a faculdade de se dispensar de notificar os dadores dos penhores.

15ª - As declarações de constituição dos penhores por parte dos Autores, aqui Recorridos, criaram legitimamente no Banco a convicção de que, em qualquer caso, nunca lhe ficava vedado proceder à execução dos penhores, verificado que fosse o incumprimento da sociedade mutuária, podendo optar, em circunstâncias de incumprimento definitivo por banda da devedora por se dispensar de observar o caminho estabelecido no n° 1 das cláusulas sextas dos contratos de penhor.

16ª - Entender doutro modo, como fez o douto acórdão recorrido, é desrespeitar o comando do art. 236°, n° 1, do Código Civil.

17ª - Mas há mais: ao entender, como entendeu, que na situação contratual dos autos trazida a juízo pelos Autores, ora Recorridos, o Banco estava sempre, em todos os casos, e em todas as circunstâncias, obrigado, como pressuposto indispensável do exercício do seu direito de executar os penhores, de notificar os respectivos Autores deles, nos termos previstos no n° 1 de cada uma das suas cláusulas sextas, o Tribunal da Relação do ... desrespeitou o preceito do art. 238°, n° 1, do Código Civil, na medida em que esse suposto sentido da declaração não tem correspondência, mínima que seja, no texto escrito do correspondente documento.

18ª - Para além de não ter ocorrido, conforme já se explicitou, qualquer facto ilícito, uma vez que o Banco não estava obrigado a fazer as comunicações, sempre e em todo e qualquer caso, também não se fez prova de ter havido nexo de casualidade entre a actuação do Banco e a ocorrência de dano patrimonial.

19ª - É que conforme resulta do elenco dos factos não provados, os Autores aqui recorridos, não lograram fazer prova da sua alegação de que, caso tivessem sido informados do incumprimento da DD teriam conseguido entregar garantias aceitáveis, nomeadamente na modalidade de garantia bancária autónoma e à primeira solicitação.

20ª - Efectivamente, tendo os Autores alegado no art. 42° da sua petição inicial que, caso tivessem sido informados de tal incumprimento, poderiam ter obtido a emissão de uma garantia bancária unicamente despendendo com isso a quantia global de € 97.990,58, desde Janeiro de 2011 a Março de 2014, não conseguiram fazer prova desta sua alegação.

21ª - Por outro lado, os Autores decaíram na sua reclamação do pagamento de uma indemnização de €353.678,08, correspondente aos alegados lucros financeiros que eles Autores teriam auferido se tivessem podido investir em obrigações do tesouro a quantia de € 2.3375.845,80, desde Janeiro de 2011 a Março de 2014, o Tribunal da Relação do ... ao condenar o Banco, além do mais, no pagamento de juros civis à taxa anual de 4%, sobre a mesma importância de €2.335.845,80, desde Janeiro de 2011 até integral pagamento, veio afinal a condenar o Banco em objecto diverso do pedido. É que os Autores não pediram nunca que o Banco Réu fosse condenado no pagamento destes juros.

22ª - Por ser assim, como é, o Acórdão da Relação de que se recorre está ferido de nulidade por infringir o preceituado no art. 615°, n.° 1, alínea e) do Código de Processo Civil. Ou seja, se não se considerou provado a fundamentação que determinaria a condenação na indemnização pedida de €353.678,08, então não poderá o Tribunal condenar em alternativa no pagamento dos juros civis, já que os Autores não os peticionaram.

23ª - Repetindo e concretizando: na sua petição inicial os Autores, para além de terem pedido a restituição da importância de €2.335.845,80, transferida das suas contas já identificadas, pediu mais, apenas e só, que o Réu BANCO CC fosse condenado a pagar aos Autores AA e BB uma indemnização no montante global de € 353.678,08 (trezentos e cinquenta e três mil, seiscentos e setenta e oito euros e oito cêntimos), correspondente aos lucros financeiros que os Autores deixaram de auferir se tivessem podido investir em obrigações do tesouro a quantia acima referida, desde Janeiro de 2011 a Março de 2014. Desta sorte, o douto Acórdão da Relação do ... de que se recorre condenou o Banco Réu, afinal, em objecto diverso do pedido, incorrendo por isso na nulidade prevista no já citado preceito do art. 615°, n.° 1, alínea e) do Código de Processo Civil. Conforme está hoje fixado em jurisprudência uniformizada - "Se o Autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o Tribunal não pode condenar o Réu no pagamento desses juros." - cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14/05/2015, processo n.° 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, publicado no Diário da República 1a série de 24 de Junho de 2015.

Nas suas contra-alegações, os autores defendem que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se, na íntegra, o acórdão recorrido.
O Tribunal da Relação entendeu declarar como provados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas que reproduz:

1 - No dia 21 de Fevereiro de 2008, foi celebrado um contrato de mútuo, entre o réu BANCO CC, S.A. e a DD, S.A., com sede na Estrada …, ..., em ..., através do qual, aquele concedeu a esta um empréstimo, no montante de cinco milhões e quatrocentos mil euros (€ 5.400.000,00) – Doc. de fls 23 a 28, cujo teor se dá por reproduzido;

2. Para garantia deste mútuo, com o n.º 000000092, o autor AA celebrou com o réu BANCO CC, S.A., em 21 de Fevereiro de 2008, um contrato de penhor, sendo que, de acordo com a cláusula primeira do mesmo, “o segundo contraente constitui formal e voluntariamente a favor do Banco, penhor das carteiras de títulos composta pelas importâncias e/ou activos financeiros existentes nas suas contas de investimento n.º 0000000.003.00 (Eur) e 0000000.004.00 (USD), abertas na Agência do “BANCO EE n.º 001, para garantia do bom cumprimento, até ao limite máximo de €810.000,00 (oitocentos e dez mil euros)” - doc. de fls. 29 a 34, cujo teor se dá por reproduzido;

3. Para garantia deste mútuo, com o n.º 000000092, os autores AA e BB celebraram com o réu BANCO CC, S.A., em 25 de Fevereiro de 2008, um contrato de penhor, sendo que, de acordo com a cláusula primeira deste contrato de penhor, “o segundo contraente constitui formal e voluntariamente a favor do Banco, penhor das carteiras de títulos composta pelas importâncias e/ou ativos financeiros existentes na sua conta de investimento n.º 000000000058 (000000000000000000027) (Eur), aberta na Agência do “BANCO EE n.º 001, para garantia do bom cumprimento, até ao limite máximo de €1.215.000,00 (um milhão e duzentos e quinze mil euros) – doc. de fls. 35 a 40, cujo teor se dá por reproduzido;

4. Para garantia deste mútuo, com o n.º 000000092, o autor BB celebrou com o réu BANCO CC, S.A., em 21 de Fevereiro de 2008, um contrato de penhor, sendo que, de acordo com a cláusula primeira deste contrato de penhor, “o segundo contraente constitui formal e voluntariamente a favor do Banco, penhor das carteiras de títulos composta pelas importâncias e/ou activos financeiros existentes nas suas contas de investimento n.º 0000000.000.02 (Eur) e 0000000.000.96 (USD), abertas na Agência do “BANCO EE n.º 001, para garantia do bom cumprimento, até ao limite máximo de €1.215.000,00 (um milhão duzentos e quinze mil euros)” – doc. de fls. 48 a 53, cujo teor se dá por reproduzido;

5. De acordo com nº 1 da cláusula SEXTA de todos os contratos de penhor, acima referidos, ficou estipulado que “O Banco obriga-se a comunicar ao segundo contraente, no prazo máximo de trinta dias, sempre que qualquer das prestações do contrato de mútuo celebrado com a DD e a que se alude no n.º 1 da cláusula primeira, se encontre em mora, ou se verifique qualquer alteração”.

6. Ficou ainda estipulado, de acordo com o n.º 1 da cláusula SÉTIMA de todos os contratos de penhor, acima referidos, que “O presente penhor torna-se imediatamente exigível logo que notificado nos termos e para os efeitos da cláusula anterior, o segundo contraente não proponha o pagamento ou novas garantias no prazo aí referido ou o Banco recuse a proposta ou garantias apresentadas”.

7. A DD, S.A., não efectuou o pagamento da prestação mensal do contrato de mútuo, acima referido, que se venceu em Janeiro de 2011;

8. Do montante global da quantia em dívida pela DD, os autores eram responsáveis pelo pagamento de 60%;

9. No dia 28 de Janeiro de 2011, o réu BANCO CC, S.A., procedeu à transferência da quantia de €939.249,16 (novecentos e trinta e nove mil e duzentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos), da conta n.º 0000- 0000 000-00027 (EUR), titulada pelo autor AA – Doc. 5;

10. Nesta mesma data, o réu BANCO CC, S.A., procedeu, igualmente, à transferência da quantia de €1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), da conta n.º 0000-0000 000-00086 (EUR), titulada pelos autores – Doc. 6;

11. Igualmente, na mesma data, o réu BANCO CC, S.A., procedeu à transferência da quantia de €146.596,73 (cento e quarenta e seis mil e quinhentos e noventa e seis euros e setenta e três cêntimos), da conta n.º 0000-0000 000-00024 (EUR), titulada pelo autor BB. – Doc. 7;

12. O réu procedeu à transferência das quantias acima descritas, sem que tivesse dado conhecimento aos autores que a DD havia deixado de pagar e sem que, em data anterior à das transferências, tivesse comunicado que o ia fazer, tendo-o feito, sem o consentimento dos autores;

13. Para além da prestação, referida em 7 (alegada pelos Autores), a DD não pagou as prestações mensais de capital e de juros, que se venceram em Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2010, apesar de instada a fazê-lo;

14. Por via disso, o Banco réu declarou vencidas todas as restantes prestações mensais de capital ainda não reembolsado, no montante de €3.866.012,35, e deu conhecimento à DD de que tornava exigível e exigia, em face do descrito incumprimento, o reembolso do capital emprestado e ainda não restituído;

15. Como a DD, S.A. não pagou ao Banco réu o referido montante de €3.866.012,35, respeitando uma parte desse montante às prestações não pagas, vencidas em 21/9/2010, no valor de €58.183,63, em 21/10/2010, no valor de €61.737,15, em 21/11/2010, no valor de €61.701,04, em 21/12/2010, no valor de €61.972,94, e, em 21/1/2011, no valor de €62.054,36, (cfr doc de fls 83, junto pelo Autor), o réu procedeu às referidas transferências, sendo que estas prestações em dívida e vencidas só foram liquidadas, em 28 de Janeiro de 2011, e foram-no, mediante a aplicação que o Banco réu fez dos fundos provenientes da mobilização dos depósitos a prazo que tinham sido dados em penhor, conforme referido;

16. O réu não efectuou as comunicações previstas nas cláusulas sextas dos contratos de penhor.

Foram julgados não provados quaisquer outros factos, quer da petição inicial, quer da contestação, com relevância para a decisão, nomeadamente que:

- A DD tivesse efetuado o pagamento das prestações mensais vencidas, entre Setembro de 2010 e Janeiro de 2011, nem que o montante por pagar pela mesma fosse apenas de €3.587.427,90;

- Os autores fossem utilizar as quantias que referem, em aplicações financeiras, designadamente, em obrigações do tesouro, com obtenção de dividendos e lucros económicos;

- Os autores lograssem obter a emissão de garantia bancária, nem que, unicamente, despendessem nessa emissão a quantia global de €97.990,58, desde Janeiro de 2011 até Março de 2014, nem, ainda, que tivessem o invocado prejuízo patrimonial;

- Os autores AA e BB, somente, tenham tomado conhecimento desta conduta, por parte do réu BANCO CC, SA, em meados do mês de Junho de 2011, mais, concretamente, na semana iniciada em 13 desse mesmo mês;

- Por circunstâncias inerentes à sua atividade empresarial, na semana acima referida, os autores tenham tido necessidade de se deslocar ao estrangeiro, onde já detinham investimentos imobiliários, para ampliarem essa atividade e que tivessem tido necessidade de movimentar quantias existentes nas contas bancárias, atrás identificadas, e ao procederem à consulta dos respetivos saldos bancários tivessem sido surpreendidos com falta dos mesmos, nem que as contas de onde os saldos foram retirados não fossem as abrangidas pelos contratos de penhor;

- Os autores tivessem conhecimento da falta de pagamento das prestações de Setembro de 2010 a Janeiro de 2011 do contrato de mútuo, referido em 1., nem que os autores tivessem conhecimento das comunicações do réu à DD a:

1- instá-la a pagar as referidas prestações vencidas e não pagas;

2- exigir o reembolso do capital emprestado e ainda não restituído, face à falta de pagamento das prestações de Setembro de 2010 a Janeiro de 2011.

                                                              *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão da responsabilidade contratual do garante, titular de aplicações financeiras.

II - A questão da condenação além do pedido.

I. DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO GARANTE, TITULAR DE APLICAÇÕES FINANCEIRAS

I.1. Sustenta o réu que as declarações de constituição dos penhores, por parte dos autores, criaram, legitimamente, no Banco a convicção de que, em qualquer caso, nunca lhe ficava vedado proceder à execução dos penhores, verificado que fosse o incumprimento da sociedade mutuária, podendo optar, em circunstâncias de incumprimento definitivo da devedora, por dispensar de notificar os dadores dos penhores, na medida em que esse suposto sentido da declaração não tem correspondência, mínima que seja, no texto escrito do correspondente documento, pelo que o Banco sempre se reservou o seu direito natural de recusar a substituição das garantias consistentes nos penhores constituídos, por outras garantias quaisquer, inexistindo responsabilidade civil da sua parte, por falta de verificação do facto ilícito, uma vez que o Banco não estava obrigado a fazer as comunicações, do dano, caso tivessem sido informados de tal incumprimento, poderiam ter obtido a emissão de uma garantia bancária, unicamente, despendendo com isso a quantia global de 97.990,58, e do nexo de casualidade entre a actuação do Banco e a ocorrência de dano patrimonial, sob pena de ser desrespeitado o comando dos artigos 236°, n° 1 e 238°, n° 1, do Código Civil.

I.2. Dispõe o artigo 1142º, do Código Civil (CC), que o contrato de mútuo consiste na operação pela qual “uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.

As garantias têm por função proteger os direitos de crédito, sendo certo que a garantia geral dos credores é constituída pelo património do devedor, nos termos do disposto pelo artigo 601º, do CC.
A esta garantia geral das obrigações pode acrescer um especial reforço qualitativo, através de garantia real dada pelo próprio devedor, ou quantitativo, mediante garantia pessoal ou real prestada por terceiro, da massa de bens respondível pela dívida.
Na hipótese de reforço quantitativo, tratando-se de garantia pessoal, o terceiro responde pelo devedor principal com todo o seu património, se não tiver limitado a sua responsabilidade a alguns dos seus bens, em conformidade com o disposto pelos artigos 601º e 602º, do CC, enquanto que, tratando-se de garantia real, o terceiro responde com a coisa, certa e determinada, objeto da garantia.      
I.3. O penhor é uma garantia real que confere ao credor, de acordo com o estatuído pelo artigo 666º, nº 1, do CC, “…o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro”, ou seja, é uma garantia real completa que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, pelo valor da coisa ou direito empenhado[2], podendo, assim, ser dados em penhor, tanto coisas móveis, como créditos ou outros direitos não hipotecáveis, ou seja, admitem-se duas modalidades fundamentais de penhor, que consistem no penhor de coisas e no penhor de direitos[3].
O penhor de direitos ou, dito de outro modo, a natureza dos direitos empenháveis não se basta, com efeito, com a existência de créditos ou de outros direitos insusceptíveis de hipoteca, exigindo-se, igualmente, para a sua admissão, que os mesmos tenham por objeto coisas móveis e sejam transmissíveis, atento o disposto pelos artigos 666º, nº 1, 680º e 205º, todos do CC[4].
A constituição do penhor de coisas só “produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro”, em conformidade com o disposto pelo artigo 669º, nº1, do CC.
Ainda que a entrega da coisa empenhada possa ser substituída pela simples atribuição da composse ao credor pignoratício, o que importa é que o autor do penhor fique privado da disposição material da coisa empenhada, consoante bem decorre do preceituado pelo artigo 669º, nº 2, independentemente da faculdade de o credor pignoratício adquirir, de igual modo, o poder de disposição do objeto empenhado, sob pena de não ficar constituído um penhor de tipo comum, mas antes um penhor submetido aos regimes específicos, ressalvados pelo artigo 668º, ambos do CC, como acontece com o penhor mercantil, a que aludem os artigos 397º e seguintes, do Código Comercial[5].
No penhor sem desapossamento, o credor pignoratício não tem a guarda da coisa, dispensando-se a entrega efetiva da mesma, sendo a sua entrega, meramente, simbólica, como acontece no penhor mercantil, nos termos do preceituado pelo artigo 398º, do Código Comercial, e no penhor constituído em garantia de créditos de estabelecimentos bancários, atento o disciplinado pelos artigos 1º, do DL nº 29833, de 17 de Agosto de 1939, e único do DL nº 32032, de 22 de Maio de 1942.
O penhor de coisas é objeto de regulação, pelos artigos 666º e seguintes, do CC, quanto ao penhor civil, e pelos artigos 397º e seguintes, do Código Comercial, quanto ao penhor mercantil, sem prejuízo das disposições específicas relativas ao penhor bancário, acabadas de mencionar.
O penhor mercantil é aquele em que a dívida que se cauciona procede de ato comercial, de acordo com o disposto pelo artigo 397º, do Código Comercial, não bastando que o seu objeto seja comercial[6], podendo assumir várias modalidades, em função do seu objeto, distinguindo-se, nomeadamente, o penhor de títulos representativos de mercadorias, o penhor de títulos de crédito e o penhor de aplicações financeiras.
O penhor de aplicações financeiras, frequentemente, utilizado pelas instituições de crédito, pode revestir a modalidade de penhor de direitos, a que se aplicam os artigos 679º e seguintes, do CC, e que a terminologia específica extra-legislativa resultante da prática bancária designa por «penhor bancário»[7], “constituindo-se uma garantia revestida de solidez, na medida em que a sua disponibilidade pertence inteiramente ao banco credor, sem que, por outro lado, se afete a rentabilidade, para o devedor cliente, da aplicação financeira em causa, que só será mobilizada antecipadamente pelo banco credor em caso de incumprimento”[8].
O penhor de aplicações financeiras traduz-se num penhor de créditos, uma vez que o objeto do penhor é o crédito do depositante sobre o banco, ou seja, numa garantia especial sobre direitos, porquanto incide sobre documentos e não sobre o saldo da conta e, portanto, sobre o dinheiro depositado, que é propriedade do banco credor, que adquire a sua disponibilidade e, simultaneamente, se constitui devedor da restituição do valor correspondente, vinculando-se, por seu turno, o depositante a manter subsistente o provisionamento da conta[9].
O penhor de aplicações financeiras pressupõe um depósito no banco, em virtude do qual se transfere para esta entidade a propriedade do dinheiro depositado, nos termos do disposto pelos artigos 1144º, 1205º e 1206º, todos do CC, que vai ser, posteriormente, transformado, num determinado produto bancário, nos termos do acordo estabelecido entre o depositante e o depositário, criando-se na esfera jurídica do depositante o correspondente direito de crédito sobre o montante em causa.
A especialidade desta figura do penhor de aplicações financeiras está, assim, no empenhamento de um direito de crédito sobre um quantitativo monetário que se encontra em poder do credor pignoratício[10].
I.4. O penhor de conta bancária é uma figura derivada do penhor bancário, que se caracteriza pela circunstância de determinados depósitos bancários ficarem afetos ao pagamento de certas dívidas, pelo facto de os depositantes se obrigarem a não os movimentar, enquanto subsistirem as dívidas garantidas e, finalmente, por autorizarem o banco a debitar, na conta dos depósitos em causa, as dívidas garantidas vencidas.
O penhor de conta bancária tem, no entanto, um regime específico de funcionamento, uma vez que é executado, através da cativação do saldo em conta[11], o que se justifica pelo facto de a conta bancária implicar uma representação escritural do crédito do depositante[12], servindo o saldo credor do cliente de moeda dos bancos, aceite pelos agentes económicos[13].
I.5. Porém, o credor pignoratício está obrigado a não usar a coisa empenhada, sem o consentimento do autor do penhor, exceto se esse uso for indispensável à conservação da mesma, atento o estipulado pelo artigo 671º, b), do CC, o que significa que, apenas, com o assentimento do prestador da garantia pode o credor usar ou onerar a coisa empenhada.
Por outro lado, estipula o artigo 694º, aplicável por força do disposto no artigo 678º, ambos do CC, que “é nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca [penhor], a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir”.
A razão de ser da proibição legal do pacto comissório, consagrada pelas disposições legais acabadas de citar, reside na tutela do devedor, colocado em estado de debilidade ou de necessidade, perante as pressões do credor e, igualmente, na proteção de terceiros credores, não se permitindo que o credor fique com a coisa empenhada, sem avaliação ou mediante uma avaliação por ele efectuada, mesmo que exista convenção nesse sentido[14].
A protecção do prestador da garantia e de terceiros, antes da entrada em vigor do DL nº 105/2004, de 8 de Maio[15], que, actualmente, disciplina os acordos de garantia financeira, por transposição da Directiva nº 2002/47/CE, como principal sustentáculo do não reconhecimento da validade do pacto comissório, em penhor financeiro, que, apenas, consente a sua venda, em conformidade com o estipulado pelas disposições cogentes dos artigos 675º, do CC, e 401º, do Código Comercial, sujeita a realização ou execução da garantia, pelo beneficiário, a prévia notificação ao garante da intenção de a ela proceder.
E, nem se diga, em contrário com a tese da proibição do pacto comissório, que do que se trata agora é de um depósito bancário com um valor objetivo indiscutível, dado pelo seu montante, por não haver perigo de o credor garante enriquecer à custa do dono do bem empenhado, pois que este é usado para assegurar as dívidas garantidas, pelo seu preciso valor nominal, não fazendo sentido vir exigir que o Tribunal fixasse o valor de uma conta bancária, universal e, definitivamente, expresso pelo valor nominal do seu montante[16].
A isto acresce que o credor pignoratício não tem, em princípio, a faculdade de dispor da coisa, porquanto só, em situação de incumprimento, pode desencadear os mecanismos de execução pecuniária, para receber o valor correspondente à obrigação garantida, o que, apenas, não aconteceria, caso em que o titular da garantia pode alienar ou onerar o respetivo objeto, independentemente de qualquer incumprimento, embora devendo entregar o equivalente, para quem defenda a natureza irregular do penhor de conta bancária[17].
Efetivamente, o mandato que os autores outorgaram ao Banco réu para a realização do valor dos títulos dados em garantia, apenas, decorre do incumprimento do devedor, não constituindo o próprio pagamento e, portanto, as transferências dos valores depositados nas contas empenhadas não representam o objeto mediato do contrato, mas, tão-só, a execução de uma garantia[18]
A natureza supletiva do artigo 671º, b), do CC, já transcrito, não permite ao prestador da garantia autorizar o credor a alienar a coisa empenhada, tendo em conta a faculdade que aquele, bem como o autor do penhor, têm de proceder à venda antecipada da coisa, mediante prévia autorização judicial, podendo o Tribunal ordenar que o preço seja depositado, gozando, por fim, o autor do penhor da faculdade de impedir a venda antecipada da coisa, oferecendo outra garantia real idónea, nos termos do preceituado pelo artigo 674º, nºs 1, 2 e 3, do CC.
I.6. O penhor de conta bancária passou a ser considerado como um penhor financeiro, regulado pelo DL nº 105/2004, de 8 de Maio, podendo ser conferido ao beneficiário da garantia o direito de disposição sobre o objeto desta, não com carácter automático, mas antes na sequência do clausulado pelas partes no competente contrato, em conformidade como o estipulado pelos artigos 5º, a), 9º e 10º, do aludido diploma legal.
Acontecendo o não cumprimento da obrigação pelo devedor, o credor pode fazer seu o depósito bancário empenhado, no sentido de se cobrar pelo valor deste, não com base na existência de um pacto comissório, atendendo à sua manifesta nulidade, como já se demonstrou, mas antes pela via da compensação.
A compensação convencional bancária, previamente, acordada em qualquer negócio, de que possam resultar créditos do banqueiro sobre o seu cliente, é compatível com a possibilidade de o banco debitar as importâncias que lhe sejam devidas, em quaisquer contas de que o mutuário ou os garantes sejam titulares, únicos ou no regime de solidariedade[19].
E, se as partes podem convencionar o cumprimento da obrigação vencida, em caso de inadimplemento do contrato, o credor faz seu o depósito bancário empenhado, no sentido de se cobrar pelo valor deste, com base em compensação, nos termos do disposto pelo artigo 847º e seguintes, do CC[20].

I.7. Regressando ao essencial da factualidade que ficou demonstrada, com vista à sua subsunção no Direito aplicável, importa reter que, no âmbito de um contrato de mútuo, celebrado entre o réu “BANCO CC, S.A.” e “DD, S.A.”, aquele concedeu a esta um empréstimo, no montante de €5.400.000,00, para garantia do qual o autor AA e o autor BB, individualmente, e ambos os autores, conjuntamente, celebraram com o mesmo réu três contratos de penhor, para garantia do seu bom cumprimento, até ao limite máximo de €810.000,00, um deles, para garantia do bom cumprimento, até ao limite máximo de €1.215.000,00, outro, e para garantia do bom cumprimento, até ao limite máximo de €1.215.000,00, ainda outro, respetivamente, da quantia mutuada à “DD, S.A.”, sendo que, de acordo com a cláusula primeira de todos eles, constituíram, a favor do Banco, penhor das carteiras de títulos, compostas pelas importâncias e/ou ativos financeiros existentes nas suas contas de investimento, abertas na Agência do “BANCO EE n.º 001.

Tendo ficado estipulado, em todos os aludidos três contratos de penhor, que o réu se obrigava a comunicar aos autores, no prazo máximo de trinta dias, sempre que qualquer das prestações do contrato de mútuo celebrado com a “DD, SA” se encontrasse em mora, ou se verificasse qualquer alteração, e ainda que os penhores se tornavam, imediatamente, exigíveis, logo que, notificados os autores, não propusessem o pagamento ou novas garantias, no prazo referido, ou o Banco recusasse a proposta ou as garantias apresentadas, pelo que, não tendo a “DD, SA” efetuado o pagamento da prestação mensal do contrato de mútuo, vencida em Janeiro de 2011, o réu, no dia 28 de janeiro de 2011, sem haver efetuado as supra-aludidas comunicações, previstas em todos os contratos de penhor, não dando conhecimento aos autores que a “DD, SA” havia deixado de pagar e sem que, em data anterior à das transferências, tivesse comunicado o que se propunha fazer, sem o consentimento dos autores, procedeu à transferência da quantia de €939.249,16, da conta n.º 0000- 0000 000-00027 (EUR), titulada pelo autor AA, à transferência da quantia de €1.250.000,00, da conta n.º 0000-0000 000-00086 (EUR), titulada por ambos os autores, e ainda à transferência da quantia de €146.596,73, da conta n.º 0000-0000 000-00024 (EUR), titulada pelo autor BB, para a sua titularidade exclusiva.

I.8. O principal direito do credor penhoratício, como já foi referido e decorre do preceituado pelo 666º, nº 1, do CC, consiste em poder obter a satisfação do seu crédito e eventuais juros, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa objeto do penhor, logo que vencida a obrigação a que serve de garantia, atento ainda o disposto pelo artigo 675º, nº 1, do mesmo diploma legal.

E a prestação torna-se exigível sempre que a obrigação se encontrar vencida ou o seu vencimento estiver dependente de simples interpelação ao devedor.

Ora, a obrigação de garantia do penhor, a cargo dos autores, para com o credor, vencia-se quando a mutuária “DD, SA” se encontrasse em mora no pagamento de qualquer das prestações do contrato de mútuo celebrado com o réu, ou se verificasse qualquer alteração, vinculando-se o réu a comunicar aos autores essa situação, no prazo máximo de trinta dias, e tornando-se os penhores, imediatamente, exigíveis, logo que, notificados os autores, nessas circunstâncias, não propusessem o pagamento ou novas garantias, no prazo referido, ou o Banco viesse a recusar a proposta ou as garantias apresentadas.

Porém, sem embargo de a “DD, SA” não ter efetuado o pagamento da prestação mensal do contrato de mútuo, vencida em Janeiro de 2011, o réu, no dia 28 de Janeiro de 2011, sem, previamente, haver realizado as notificações previstas, em todos os contratos de penhor, não deu conhecimento aos autores que a “DD, SA” havia deixado de pagar, nem comunicou o que o se propunha fazer, e, sem o consentimento dos autores, procedeu à transferência da quantia de €939.249,16, da conta n.º 0000- 0000 000-00027 (EUR), titulada pelo autor AA, à transferência da quantia de €1.250.000,00, da conta n.º 0000-0000 000-00086 (EUR), titulada por ambos os autores, e ainda à transferência da quantia de €146.596,73, da conta n.º 0000-0000 000-00024 (EUR), titulada pelo autor BB, para a sua titularidade exclusiva.

Com efeito, quando o réu procedeu às transferências das quantias das contas dos autores, apesar de já se encontrar vencida a prestação mensal do contrato de mútuo, a cargo da “DD, SA”, ainda não se mostrava vencida a obrigação da garantia do penhor assumida pelos autores, que dependia, sequencialmente, da notificação pelo réu aqueles do início da mora no pagamento de qualquer das prestações do contrato de mútuo celebrado, ou da verificação de qualquer alteração ocorrida, no prazo máximo de trinta dias, a contar de qualquer um desses eventos, sem que propusessem o pagamento ou novas garantias, no prazo referido, ou o Banco viesse a recusar a proposta ou as garantias apresentadas, hipótese em que os penhores se tornavam, imediatamente, exigíveis.

Deste modo, não se tornando ainda exigíveis as prestações dos devedores da obrigação de garantia dos penhores, foram intempestivas as transferências das aludidas quantias das contas dos autores, como garantia do cumprimento da obrigação resultante do mútuo, sem fundamento legal e, portanto, ilícitas, e, presumivelmente, culposas, ocasionando os correspondentes danos da falta de disponibilidade imediata desses montantes nos patrimónios dos autores, com a inerente privação do rendimento do dinheiro[21], que resultara, necessária, adequada e, imediatamente, da sua retirada das mesmas contas, com a consequente responsabilidade civil contratual do réu para com os autores, nos termos das disposições combinadas dos artigos 483º, nº 1, 798º, 799º, nº 1 e 806º, nº 1, todos do CC, a quem deverão restituir a quantia, no mínimo, prematuramente, embolsada de €2335845,80.

II – DA CONDENAÇÃO ALÉM DO PEDIDO

O réu invoca ainda a nulidade do acórdão recorrido, por ter condenado, em alternativa, no pagamento dos juros civis, sem que os autores o tenham peticionado, pois que, tendo decaído na sua reclamação do pagamento de uma indemnização de €353.678,08, correspondente aos alegados lucros financeiros que teriam auferido se tivessem podido investir em obrigações do tesouro a quantia de € 2.3375.845,80, ao condenar o réu, além do mais, no pagamento de juros civis, à taxa anual de 4%, sobre a importância de €2.335.845,80, desde Janeiro de 2011, até integral pagamento, veio, afinal, a condenar o Banco, em objeto diverso do pedido.

Preceitua o artigo 615°, n° 1, e), do CPC, que “é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso de pedido”.

No articulado inicial, os autores, a este propósito, solicitam a condenação do réu “a restituir-lhes a quantia de €2.335.845,80 (dois milhões trezentos e trinta e cinco mil e oitocentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos), que foi, por ele, indevida e, ilicitamente, movimentada, de forma unilateral, das suas contas bancárias”.

Porém, o acórdão recorrido, neste particular, condenou o réu “a restituir aos Autores a quantia global de €2.335.845,80 (dois milhões trezentos e trinta e cinco mil e oitocentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros vencidos desde 28 de Janeiro de 2011, à taxa de 4% ao ano, e vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento”.

Deste modo, não tendo os autores formulado o pedido de condenação do réu em juros de mora, o tribunal estava vinculado aos termos do mesmo, tal como foi apresentado, com o conteúdo delimitado por aqueles, não podendo decretar um efeito, apesar de, legalmente, previsto, que não estivesse abrangido por esse pedido, sendo certo, outrossim, que estavam em causa interesses, meramente, patrimoniais dos autores e, por isso, na inteira disponibilidade destes.

Sendo certo que o pedido de condenação em juros constitui um desenvolvimento do pedido de condenação na indemnização por equivalente, os autores, mesmo sem o acordo do réu, poderiam ter ampliado o pedido, até ao encerramento da discussão na 1ª instância, de acordo com o disposto pelo artigo 273º, nº 2, do CPC [hoje, o artigo 265º, nº 2], então, em vigor, contemplando aqueles juros, pelo que, não o tendo feito, em tempo oportuno, como lhes era exigido, fica-lhes vedado requerer a ampliação, depois do referido encerramento, razão pela qual, consequentemente, não o podendo fazer, a partir desse momento, essa omissão não pode, também, ser, depois, sanada, oficiosamente, na decisão final.

De todo o modo, essa omissão não é definitiva, uma vez que não implica a perda do direito do lesado aos juros não pedidos, porquanto, não tendo sido pedidos, não se forma caso julgado sobre essa questão, atento o disposto pelo artigo 619º, nº 1, do CPC, podendo o lesado, se o entender, peticionar esses juros em nova acção.

Efetivamente, conforme está hoje fixado em jurisprudência uniformizada, "Se o Autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o Tribunal não pode condenar o Réu no pagamento desses juros."[22].

Na verdade, sendo certo, como afirmam os autores, em sede de contra-alegações, que “estando como no caso dos autos perante obrigações provenientes de factos ilícitos, o devedor constitui-se em mora sem necessidade de interpelação”, constituem realidades jurídicas diferentes a constituição do devedor em mora, independentemente de interpelação, quando a obrigação provier de facto ilícito, por força do estipulado pelo artigo 805º, nº 2, b), do CC, e a condenação nos correspondentes juros de mora, sem necessidade do pedido, expressamente, formulado, a que aludem os artigos 3º, nº 1, 552º, nº 1, e), 609º, nº 1 e 615º, nº 1, e), todos do CPC.

Como assim, não tendo sido formulado pedido de condenação em juros de mora, o tribunal não poderia, oficiosamente, condenar nesses juros, pois tal traduz uma condenação para além do pedido, isto é, em quantidade superior ao que foi pedido, com violação do princípio do pedido, incorrendo, consequentemente, o acórdão recorrido na nulidade a que se reportam os artigos 3º, nº 1, 552º, nº 1, e), 609º, nº 1 e 615º, nº 1, e) e 666º, nº 1, todos do CPC.

Procedem, assim, nesta parte, as conclusões constantes das alegações da revista do réu.

CONCLUSÕES:

I - O penhor de direitos ou, dito de outro modo, a natureza dos direitos empenháveis não se basta com a existência de créditos ou de outros direitos insusceptíveis de hipoteca, exigindo-se, igualmente, para a sua admissão, que os mesmos tenham por objeto coisas móveis e sejam transmissíveis.
II - O que importa, no penhor de coisas, para além da entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro, é que o autor do penhor fique privado da sua disposição material, independentemente da faculdade de o credor pignoratício adquirir, de igual modo, o poder de disposição do objeto empenhado, sob pena de não ficar constituído um penhor de tipo comum, mas antes um penhor submetido aos regimes específicos, ressalvados pelo artigo 668º, ambos do CC, como acontece com o penhor mercantil.
III - No penhor sem desapossamento, o credor pignoratício não tem a guarda da coisa, dispensando-se a entrega efetiva da mesma, sendo a sua entrega, meramente, simbólica, como acontece, v. g.,  no penhor mercantil.
IV - O penhor de aplicações financeiras, modalidade do penhor mercantil, pode revestir a modalidade de penhor de direitos, que a terminologia específica extra-legislativa resultante da prática bancária designa por «penhor bancário», constitui uma garantia revestida de solidez, na medida em que a sua disponibilidade pertence, inteiramente, ao banco credor, sem que, por outro lado, se afete a rentabilidade, para o devedor cliente, da aplicação financeira em causa, que só será mobilizada, antecipadamente, pelo banco credor, em caso de incumprimento.
V - O penhor de aplicações financeiras traduz-se num penhor de créditos, uma vez que o objeto do penhor é o crédito do depositante sobre o banco, ou seja, numa garantia especial sobre direitos, porquanto incide sobre documentos e não sobre o saldo da conta e, portanto, sobre o dinheiro depositado, que é propriedade do banco credor, que adquire a sua disponibilidade e, simultaneamente, se constitui devedor da restituição do valor correspondente, vinculando-se, por seu turno, o depositante a manter subsistente o provisionamento da conta.
VI - A especialidade desta figura do penhor de aplicações financeiras está, assim, no empenhamento de um direito de crédito sobre um quantitativo monetário que se encontra depositado e em poder do credor pignoratício, depósito esse que vai ser, posteriormente, transformado num determinado produto bancário, nos termos do acordo estabelecido entre o depositante e o depositário, criando-se na esfera jurídica do depositante o correspondente direito de crédito sobre o montante em causa.
VII - O penhor de conta bancária é uma figura derivada do penhor bancário, que se caracteriza pela circunstância de determinados depósitos bancários ficarem afectos ao pagamento de certas dívidas, através da cativação do saldo em conta, pelo facto de os depositantes se obrigarem a não os movimentar, enquanto subsistirem as dívidas garantidas e, finalmente, por autorizarem o banco a debitar, na conta dos depósitos em causa, as dívidas garantidas vencidas.
VIII - A protecção do prestador da garantia e de terceiros sujeita a realização ou execução da garantia pelo beneficiário a prévia notificação ao garante da intenção de a ela proceder.
IX – O mandato que os autores do penhor outorgaram ao Banco, credor pignoratício, para a realização do valor dos títulos dados em garantia, apenas, decorre do incumprimento do devedor mutuário, não constituindo o próprio pagamento e, portanto, as transferências dos valores depositados nas contas empenhadas não representam o objeto mediato do contrato, mas, tão-só, a execução de uma garantia.
X - O penhor de conta bancária passou a ser considerado como um penhor financeiro, podendo ser conferido ao beneficiário da garantia o direito de disposição sobre o objeto desta, não com carácter automático, mas antes na sequência do clausulado pelas partes no competente contrato, pelo que, acontecendo o não cumprimento da obrigação pelo devedor, o credor pode fazer seu o depósito bancário empenhado, no sentido de se cobrar pelo valor deste, não com base na existência de um pacto comissório, atendendo à sua manifesta nulidade, mas antes pela via da compensação.
XI - A compensação convencional bancária, previamente, acordada em qualquer negócio, de que possam resultar créditos do banqueiro sobre o seu cliente, é compatível com a possibilidade de o banco cobrar as importâncias que lhe sejam devidas, em quaisquer contas de que o mutuário ou os garantes sejam titulares, únicos ou no regime de solidariedade, fazendo seu o depósito bancário empenhado.
XII - Vencendo-se a obrigação do penhor, a cargo dos garantes, quando o mutuário-devedor se encontrasse em mora no pagamento de qualquer das prestações do contrato de mútuo celebrado com o Banco, ou se verificasse qualquer alteração, vinculando-se o Banco a comunicar aos garantes essa situação, no prazo máximo de trinta dias, e tornando-se os penhores, imediatamente, exigíveis, logo que, notificados os garantes, nessas circunstâncias, não propusessem o pagamento ou novas garantias, no prazo referido, ou o Banco viesse a recusar a proposta ou as garantias apresentadas, sem embargo de o mutuário-devedor não ter efetuado o pagamento de uma prestação mensal vencida do contrato de mútuo, não pode o Banco, sem, previamente, haver realizado as notificações aludidas, não dando conhecimento aos garantes que o mutuário-devedor havia deixado de pagar, nem comunicado o que o se propunha fazer, sem o consentimento dos garantes, proceder à transferência de quantias monetárias das contas dos garantes, para a titularidade exclusiva do Banco, uma vez que quando este procedeu às mencionadas transferências, apesar de já se encontrar vencida a prestação mensal do contrato de mútuo, a cargo do mutuário-devedor, ainda não se encontrava vencida a obrigação da garantia do penhor assumida pelos garantes.
XIII - Não se tornando ainda exigíveis as prestações dos devedores da obrigação de garantia dos penhores, foram intempestivas as transferências das aludidas quantias das contas dos mesmos, como garantia do cumprimento da obrigação resultante do mútuo, sem fundamento legal e, portanto, ilícitas, e, presumivelmente, culposas, ocasionando os correspondentes danos da falta de disponibilidade imediata desses montantes nos patrimónios dos autores, com a inerente privação do rendimento do dinheiro, que resultara, necessária, adequada e, imediatamente, da sua retirada das mesmas contas, com a consequente responsabilidade civil contratual do Banco para com os autores, a quem deverão restituir a quantia, prematuramente, embolsada.
XIV - Não tendo os autores formulado o pedido de condenação em juros de mora, o tribunal não poderia, oficiosamente, condenar nesses juros, pois tal traduz uma condenação, para além do pedido apresentado, com o conteúdo delimitado pelos autores, isto é, em quantidade superior ao que foi pedido, com violação do princípio do pedido, não podendo ser decretado um efeito, apesar de, legalmente, previsto, que não estivesse abrangido por esse pedido, sendo certo, outrossim, que estavam em causa interesses, meramente, patrimoniais dos autores e, por isso, na inteira disponibilidade destes.

DECISÃO[23]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em conceder, em parte, a revista do réu “BANCO CC, S.A.”, e, em consequência, condenam o réu “a restituir aos autores a quantia global de € 2.335.845,80 (dois milhões trezentos e trinta e cinco mil e oitocentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos)”, confirmando, quanto a tudo o mais, excetuando a condenação em juros, o douto acórdão recorrido.

                                                               *

Custas da revista, a cargo do réu e dos autores, na proporção de 9/10 e de 1/10, respetivamente.

                                                               *

Notifique.

Lisboa, 22 de novembro de 2016

Hélder Roque - Relator

Gabriel Catarino

Roque Nogueira

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[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gabriel Catarino; 2º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, 685.
[3] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição reelaborada, Almedina, 2006, 921.
[4] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição reelaborada, Almedina, 2006, 923 e 932.
[5] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição reelaborada, Almedina, 2006, 926 e 927; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, 686 e 687.
[6] Adriano Antero, Comentário ao Código Comercial Português, II, 2ª edição, 460.
[7] Em que se associa a vantagem da garantia real com a flexibilidade da garantia pessoal, Gorla/Zanelli, Del Pegno.Delle Ipoteche. Art. 2784-2799, 4ª edição, Bolonha e Roma, 1992, 1 e ss.
[8] Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 4ª edição, Almedina,2003, 181.
[9] Meneses Leitão, Garantias das Obrigações, 2ª edição, 2008, 288; STJ, de 07-05-2009, Revista nº 3116/06.6TVLSB.S1, 1ª secção, do mesmo relator deste acórdão, www.dgsi.pt
[10] Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 4ª edição, 2003, 182.
[11] António Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª edição, 2008, 612, que qualifica o penhor de conta bancária como uma garantia pessoal, justificada pela necessidade de debitar, na conta garante, determinadas importâncias.
[12] Fernando Conceição Nunes, Depósito e Conta, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Galvão Telles, II, Direito Bancário, 2002, 87 e 88.
[13] Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros, Direito Europeu e Português, Tomo I; Parte Geral, 2ª edição revista e aumentada, 2007, 18 e 19.
[14] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 4ª edição, revista e actualizada, 695.
[15] O artigo 24º, do DL nº 105/2004, de 8 de Maio, determina que este diploma legal “entra em vigor 30 dias após a sua publicação”, enquanto que o respetivo artigo 23º preceitua que “se aplica aos contratos de garantia financeira celebrados após a sua entrada em vigor”.
[16] António Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª edição, 2008, 611 e 612.
[17] António Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª edição, 2008, 629.
[18] Luís Poças, A Antecipação Bancária e Empréstimo Sobre Penhor no Âmbito das Operações Bancárias, 142.
[19] António Meneses Cordeiro, Depósito Bancário e Compensação, CJ (STJ), Ano X (2002), T1, 6.
[20] Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros, Direito Europeu e Português, Tomo I, Parte Geral, 2ª edição, revista e aumentada, 2007, 227 e 228.
[21] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1997, 66 e 67.
[22] Supremo Tribunal de Justiça, de 14/05/2015, Processo n.° 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, publicado no Diário da República, Ia série, de 24 de Junho de 2015.
[23] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gabriel Catarino; 2º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira.