Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
613/13.0TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CONVENÇÃO CMR
TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR
TRANSITÁRIO
PERDA DAS MERCADORIAS
CONTRATO DE SEGURO
SUB-ROGAÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
DOLO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
LIMITE DA INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO À REVISTA DA AUTORA. NÃO CONHECIMENTO DA AMPLIAÇÃO DO RECURSO. CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA DA RÉ. DETERMINAÇÃO QUE O PROCESSO REGRESSE À RELAÇÃO PARA CONHECIMENTO ?? . REVOGAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACTOS EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / INTERVENÇÃO DE TERCEIROS / INTERVENÇÃO ACESSÓRIA / INTERVENÇÃO PROVOCADA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., Coimbra, 1999, p. 97, 99, 335-336;
- Mónica Alexandra Soares Pereira, O Contrato de Transporte de Mercadorias Rodoviário, A Responsabilidade do Transportador, in http://repositorioaberto.up.pt/bitstream/10216/63916/2/TESE%20%20MESTRADO%20EM%20DIREITO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 494.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 321.º, 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 666.º, N.º 1, 679.º E 684.º, N.º 2.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO (RJCS), APROVADO PEL DL N.º 72/2008, DE 16-04: - ARTIGO 136.º.
CONVENÇÃO RELATIVA AO CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA (CMR): - ARTIGOS 17.º, N.º 1, 18.º, N.º 1, 23.º, N.ºS 1 E 3, 27.º, N.º 1 E 32.º, N.º 1.
DL N.º 255/99, DE 07-07-1999: - ARTIGOS 1.º, N.º 2 E 15.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-01-2003, PROCESSO N.º 02A4110;
- DE 13-01-2010, PROCESSO N.º 982/07.1TVPRT.P1.S1;
- DE 05-06-2010, PROCESSO N.º 286/04.8TBSTB.L1.S1;
- DE 30-09-2010, PROCESSO N.º 414/06.2TBPBL.C1.S1;
- DE 14-06-2011, PROCESSO N.º 437/05.9TBANG.C1.S1;
- DE 05-06-2012, PROCESSO N.º 3303/05.4TBVIS,C2.S1;
- DE 15-05-2013, PROCESSO N.º 9268/07.0TBMAI.P1.S1;
- DE 12-10-2017, PROCESSO N.º 4858/12.2TBMAI.P1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Pretendendo a seguradora de mercadorias transportadas e perdidas subrogar-se nos direitos do segurado contra o responsável pelo sinistro, o prazo de prescrição do seu direito só começa a contar a partir da data em que procedeu ao pagamento do valor seguro: quer porque resulta expressamente do art. 136.º do RJCS (aprovado pela DL n.º 72/2008, de 16-04); quer porque, sendo a sub-rogação – diferentemente do direito de regresso – uma substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor, o pagamento é um pressuposto necessária da transferência, para o que cumpre, dos direitos do sub-rogado.

II - A responsabilidade do transitário mede-se pela do transportador, razão pela qual é aplicável, em matéria de prescrição, o art. 32.º, n.º 1, da CMR (Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada), segundo o qual o prazo é, em regra, de um ano, sendo, no entanto, de três anos “no caso de dolo ou de falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo”.

III - É na esfera jurídica da empresa transitária – que contratou uma outra empresa para efectuar o transporte de mercadorias desde Lisboa até à Polónia – que recai a responsabilidade pelo incumprimento das obrigações daquela empresa com quem contratou, sem prejuízo do direito de regresso, tal como sucede num caso como o presente em que as mercadorias nunca chegaram ao destino, por terem sido roubadas durante a viagem (arts. 1.º, n.º 2, e 15.º, n.º 1, do DL n.º 255/99).

IV - Sendo a obrigação assumida pelo transportador uma obrigação de resultado (e não apenas de meios), o transitário garante, perante o seu cliente e em caso de perda total ou parcial da mercadoria transportada, o pagamento da indemnização que venha a ser devida pelo transportador que não cumpriu, ou não cumpriu integral e correctamente, a obrigação de transportar a mercadoria, tendo depois direito de regresso da indemnização que tiver pago.

V - O transportador responde pelo valor da mercadoria transportada (arts. 17.º, n.º 1, e 23, n.º 1, da CMR), salvo se ocorrer alguma das excepções definidas no art. 17.º, n.º 2, ou se estiver preenchida a previsão do art. 23.º, n.º 3, ambos da CMR, excepções essas cujo ónus da prova cabe ao transportador (art. 18.º, n.º 1, da CMR).

VI - Resultando dos factos provados que a conduta do motorista/transportador foi “grosseiramente negligente ou temerária”, é inaplicável ao caso a limitação de responsabilidade constante do art. 23.º, n.º 3, da CMR, dado que, mesmo considerando que a lei portuguesa não equipara necessariamente o dolo e a negligência para efeitos de cálculo de indemnização na responsabilidade contratual, o carácter “grosseiramente (…) temerário” da conduta (grau de culpabilidade) exclui a possibilidade de redução da indemnização (art. 494.º do CC).

VII - Em consequência, medindo-se a responsabilidade do transitário perante o seu cliente, como garante, pela responsabilidade da transportadora e não havendo possibilidade de reduzir a indemnização face ao grau de culpabilidade, a empresa transitária responde, no caso, pelo valor pago pela seguradora à sua segurada (€ 250 000), independentemente de o mesmo ser inferior ao valor comercial da mercadoria roubada (€ 390 000).

VIII - Chegando a esta equiparação entre dolo e negligência, da mesma forma se deve interpretar o art. 32.º, n.º 1, da CMR, sendo, portanto, de três anos o prazo de prescrição do direito que a autora vem exercer nesta acção, em sub-rogação da sua cliente.

IX - A omissão do conhecimento da questão atinente ao direito de regresso invocado pela empresa transitária contra as outras rés, transportadora e seguradora, provoca a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, devendo, como tal, o processo voltar à Relação a fim de tal nulidade ser suprida, o que não obsta a que o STJ aprecie já todas as questões que não dependem do julgamento sobre o direito de regresso (arts. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, 679.º, e 684.º, n.º 2, do CPC).

X - A possibilidade de um réu exercer sobre terceiro o direito de regresso quanto ao que vier, eventualmente, a ser condenado numa acção apenas permite que aquele provoque a intervenção deste como parte acessória e somente para apreciação das questões relativas ao direito de regresso e já não obter a condenação solidária desse terceiro juntamente com o réu (art. 321.º do CPC).

XI - Os juros da indemnização a pedir ao abrigo da CMR são de 5% ao ano contados “desde o dia em que a reclamação for dirigida por escrito ao transportador”, pelo que, tendo ficado provado que tal reclamação foi enviada, mas não se tendo provado a data em que foi emitida, vale o disposto no art. 27.º, n.º 1, da CMR, sendo os juros devidos desde a data em que a acção foi intentada.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA (2003) LTD instaurou uma acção contra BB, Lda, CC, Lda. e DD, pedindo a condenação solidária das rés no pagamento de € 250.000,00, com juros de mora vencidos desde 28/2/2013 (8.277,74) e vincendos, calculados à taxa dos juros comerciais, até integral pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou ter celebrado um contrato de seguro “para cobertura dos riscos inerentes à perda ou avaria das mercadorias transportadas, vulgarmente designado por seguro de mercadorias ou de carga” com as empresas EE, Ltd., FF e GG (...); que em Dezembro de 2011 GG (...), sua segurada, celebrou com a primeira ré (BB, Lda), que subcontratou com a segunda ré (CC, Lda.), um contrato de transporte de mercadorias suas de Lisboa até ... (...); mercadorias que a segunda ré transportou, por camião com atrelado, mas cuja “perda total” veio a ocorrer, enquanto se encontravam à sua guarda, por terem sido roubadas, tal como o veículo que as transportava, que depois apareceu vazio; que o roubo se verificou estando o camião parado num local ermo, “sem qualquer vigilância”, tendo havido, portanto, culpa do motorista – “negligência grosseira e consciente e até (…) dolo eventual”; que “pagou à sua segurada a quantia de € 250.000,00” e pretende “exercer o seu direito de regresso contra os responsáveis (…), designadamente as 1ª ré e 2ª ré”, pois, por ter pago, ficou “sub-rogada nos direitos da segurada”; que a responsabilidade da terceira ré resulta da transferência da responsabilidade da segunda; que notificou as rés (por notificação judicial avulsa, reclamando o pagamento, sem êxito.

As rés contestaram separadamente.

A 3ª ré, DD, reconheceu a 2ª ré como sua segurada (seguro de responsabilidade civil resultante da actividade de transportadora de mercadorias), e afirmou, por entre o mais, que a apólice excluía expressamente situações de dolo ou de negligência grosseira, e que o limite máximo de indemnização por sinistro era de €250.000,00, com uma franquia de €250,00.

Todas recordaram que estava em causa um “transporte internacional de mercadorias por via rodoviária sujeito à Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada” (Convenção CMR, assinada em Genebra em 19 de Maio de 1956, aprovada pelo Decreto-Lei nº 46235, de 18 de Março de 1965, e modificada pelo Protocolo de Genebra de 5 de Junho de 1978, aprovado, para adesão, pelo Decreto n.º 28/88, de 6 de Setembro); opuseram a prescrição do direito invocado pela autora (nº 1 do artigo 32º CMR), alegando que a mercadoria deveria ter sido entregue a 21 de Dezembro de 2011, que o prazo de prescrição se iniciaria a 21 de Janeiro de 2012 e que receberam as notificações judiciais avulsas que lhes foram dirigidas em data posterior ao termo do prazo de prescrição; sustentaram que, de qualquer forma, a segunda ré não podia ser considerada responsável pela perda das mercadorias (nº 2 do artigo 17º CMR) e que, ainda que fosse responsável, a indemnização deveria ser calculada de acordo com o artigo 23º da Convenção CMR. Defenderam-se também por impugnação.

A sentença de fls. 684 veio a considerar procedente a prescrição do direito de regresso invocado pela autora e, consequentemente, absolveu todas as rés do pedido.

Entendeu a sentença que o prazo de prescrição era de um ano (al. b) do nº 1 do artigo 32º da CMR), contado da data prevista para a entrega da mercadoria”, 21 de Dezembro de 2011; que, de qualquer forma, sempre as “concretas circunstâncias do caso, que se podem considerar extraordinárias”, eximiriam “o transportador da responsabilidade pela perda das mercadorias, por verificação de uma situação de força maior excludente da responsabilidade das transportadoras aqui RR., nos termos do disposto no artº 17º nº 2 da CMR e consequentemente da 3ª R.”

Pelo acórdão de fls. 877, o Tribunal da Relação do Porto manteve “a decisão absolutória (…) relativamente às rés CC, Lda., (…) e DD, seguradora daquela”, mas porque CC, Lda. não tinha contratado com a segurada da autora e, quanto à ré DD, porque era a seguradora da ré CC, Lda.; e condenou a ré BB, Lda. a pagar à autora a quantia de € 91.870,95, com juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento.

Para assim decidir, o Tribunal da Relação do Porto considerou que a pretensão da autora se devia qualificar como de sub-rogação e não como direito de regresso; e que a sub-rogação pressupõe o pagamento: “É por isso que, pressupondo a sub-rogação o pagamento por parte do terceiro, não pode deixar de entender-se que antes dele não há sub-rogação. Ou seja, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento – enquanto o não fizer não é sub-rogado e, consequentemente, não pode exercer os direitos do credor”, escreveu-se no acórdão.

 Logo, o prazo de prescrição só pode iniciar-se após o pagamento (nº 1 do artigo 306º do Código Civil), não tendo decorrido, nem quando a acção foi instaurada ou quando se realizou a citação, nem sequer “quando as rés receberam a notificação judicial avulsa remetida pela autora”. Julgou portanto improcedente a excepção de prescrição.

Entendeu ainda a Relação que a ré BB, Lda. interveio no contrato como transitária contratada pela proprietária da mercadoria, GG (...) e, portanto, que é responsável perante a sua cliente pelo incumprimento do contrato de transporte nos termos do disposto no nº 1 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 255/99, de 7 de Julho; valendo a limitação do montante indemnizatório prevista no nº 3 do artigo 23º da CMR para a respectiva segurada e, portanto, para a seguradora.


2. A autora e a ré BB, Lda, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça

Nas alegações que apresentou, e na parte que relevam para o presente recurso, a autora formulou as conclusões seguintes:

«(…) VIII. Inconformada com essa decisão, veio a Recorrente apresentar recurso de apelação, para o Tribunal da Relação Porto, que veio pronunciar-se sobre as questões levantadas pela ora Recorrente, embora com fundamentos substancialmente diversos da sentença recorrida, mantido a decisão absolutória ali proferida relativamente às rés HH e DD; julgado improcedente a exceção de prescrição invocada, revogando a sentença recorrida na parte em que absolve do pedido a Recorrida BB e, condenando esta no pagamento à Recorrente da quantia de €91.870,95 euros (9.400 Kg X 8,33 DSE X € 1,17329), acrescida de juros desde a citação até integrai pagamento.

IX. A ora Recorrida [recorrente], diversamente, entende que a indemnização arbitrada pelo douto acórdão deveria ter sido no sentido da reparação integral dos danos, nos termos do disposto no art. 29° da Convenção CMR e já não limitada à quantia de 8,33 DSE, estipulados pelo art. 23°, n°3 da mesma Convenção.

X. Contrariamente ao estipulado no nosso ordenamento jurídico, que equipara o dolo e a mera culpa, para efeitos de responsabilidade civil contratual, no douto acórdão da Relação do Porto, veio a entender-se que apesar da Recorrida HH, quem executou de facto o transporte das mercadorias não ter efetivamente tomado todas as medidas para evitar eventos do género daquele que veio a ocorrer, mesmo assim veio a entender que a mera culpa não seria suficiente para a aplicação do disposto no art. 29° da Convenção CMR.

XI. Este Supremo Tribunal de Justiça, já por diversas vezes, se pronunciou sobre o que deve entender-se por falta equivalente ao dolo, para os efeitos do disposto no art. 29° da Convenção CMR, concluindo, nos mais recentes acórdãos, que essa falta não pode deixar de ser, manifestamente, face à legislação nacional, enquanto elemento do nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa lato sensu.

XII. E, atentas as disposições conjugadas dos artigos 483°, n° 1, 487°, n° 2, 798° e 799°, n° 2, do Código Civil, na ordem jurídica portuguesa, a equiparação entre o dolo e a mera culpa estende-se à responsabilidade contratual.

XIII. A questão está, assim, em saber se os terceiros a quem a Recorrida BB se socorreu para efetuar a prestação a que estava adstrita, ou seja, a Recorrida HH atuou com negligência ou mera culpa ou se, pelo contrário, tomou todas as cautelas que, nas exatas circunstâncias do caso concreto, lhe eram exigíveis para que o evento não ocorresse, com vista a afastar o disposto no art. 29° da Convenção CMR.

XIV. Dúvidas não restam que a segurada da Recorrente acordou com a Recorrida BB, o transporte internacional de mercadorias a si pertencentes desde Lisboa, Portugal até ... (ponto 10 dos factos provados).

XV. A Recorrida BB, por sua vez recorreu à Recorrida HH para a execução material do transporte que havia celebrado com a segurada da Recorrente (ponto 11 dos factos provados).

XVI. A 14 de Dezembro de 2011, foi emitido o documento de transporte, com o n° ..., tendo nessa mesma data a Recorrida HH, por instruções da Recorrida BB, levantado as mercadorias da segurada da Recorrente, as quais ficaram à sua guarda (pontos 3 e 14 dos factos provados).

XVII. Ficou igualmente provado que as mercadorias não chegaram a ser entregues no destino, por perda total destas enquanto se encontravam à guarda da Recorrida HH (pontos 3 e 5 dos factos provados).

XVIII. Todas as partes aceitaram que o contrato de transporte celebrado entre a segurada da Recorrente e a Recorrida BB, está sujeito ao estipulado na Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra e aprovada pelo DL 46.235 de 18.03.1965, vulgarmente designada por Convenção CMR.

XIX. Sendo que, e apesar de o Tribunal da Relação ter entendido que o contrato celebrado entre a segurada da Recorrente e a Recorrida BB, configure um contrato de comissão de transporte, sujeito ao regime constante do DL 255/99 de 7.7, por via do art. 15°, n° 1 do referido diploma legal, é remetido para a Convenção CMR, aplicável à Recorrida HH, enquanto transportador de facto, no caso dos presentes autos.

XX. Na verdade e, apesar, de em sentido lato, se aderir à tese de que o contrato de trânsito é um contrato de prestação de serviços, que poderá abranger quer operações materiais, quer atos jurídicos, ligados a um contrato de transporte.

XXI. Para além deste contrato de expedição ou de trânsito, não raras vezes, as empresas transitárias ultrapassarem a apontada prestação típica e acabam por atuar como transportadoras, o que parece ter sido o caso dos presentes autos, já que esta apenas se vinculou perante a segurada da Recorrente a fazer transportar a mercadoria desde Portugal até à Polónia, sem a prestação de quaisquer serviços conexos ou acessórios, vinculando-se apenas como transportador, tendo incumbido um terceiro para a execução material do transporte em si, o que não lhe está vedado por lei.

XXII. Sem prescindir, sem prejuízo da qualificação jurídica do contrato celebrado entre a segurada da Recorrente e a Recorrida BB, em ambos os casos, quer direta, quer indiretamente, nos remetem para a Convenção CMR.


XXIII. Segundo o art. 29° n° 1 da Convenção CMR, o transportador não tem o direito de se aproveitar das disposições da presente Convenção que excluem ou diminuam a sua responsabilidade nos termos do art. 23°, ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerável equivalente ao dolo.

XXIV. No contrato de transporte, cabe ao transportador definir, executar, controlar e dirigir a execução do transporte, gozando este de autonomia na execução da sua prestação, na determinação dos meios a afetar à mesma, na eleição do percurso a realizar, ainda que a execução material possa ser realizada por terceiros.

XXV. O transportador não está apenas vinculado a fazer a deslocação das mercadorias contratadas, mas sim de fazê-la em condições de conservação e segurança, de modo a que as coisas não se percam, extraviem ou deteriorem na deslocação, para o que o transportador está onerado com deveres de cuidado, zelo, vigilância, segurança, conservação e guarda adequados ao transporte em si e à deslocação da mercadoria e entrega no local de destino nas mesmas condições em que a recebeu, decorrendo a sua prestação de uma obrigação de resultado.

XXVI. A execução material da prestação de facto a que o Transportador se obrigou perante o expedidor inclui três operações materiais: a receção da mercadoria, a sua deslocação (ou transporte, em sentido estrito) e a sua entrega ao destinatário no local de destino.

XXVII. Para alcançar o cumprimento perfeito do contrato, há assim um conjunto de deveres laterais ou acessórios que devem ser observados pelo transportador: o dever de proteção da mercadoria, que obriga a velar pela sua segurança de forma a prevenir a ocorrência de qualquer dano, perda ou avaria; o dever de custódia da mercadoria, quando ocorre a "transferência material das mercadorias" para o transportador, entre outros.

XXVIII. Todos estes deveres decorrem do princípio da boa-fé, que deve estar presente em todas as fases contratuais, na fase pré-contratual, nos termos do art. 227° do Código Civil e na fase contratual e pós-contratual, nos termos do art. 762°, n.° 2 do Código Civil.

XXIX. O conteúdo destes deveres varia consoante o conteúdo da relação obrigacional, pelo que só perante o caso concreto é possível observar quais as condutas que o transportador deveria ter adotado para que se verificasse o Integral cumprimento do contrato.

XXX.  No caso dos autos, não só ficou demonstrado que o motorista e a Recorrida HH poderiam ter organizado a viagem de forma a que o motorista tivesse efectuado o seu descanso diário na última área de serviço em que parou antes da AS24, como nas imediações de ..., existiam outros parques vigiados e fechados para veículos pesados, seguramente mais apropriados ao estacionamento para cumprimento do período de repouso diário.

XXXI.  O motorista tinha horário mais que suficiente para fazer o desvio em ... e abastecer o camião, sem necessidade de aí pernoitar (Reg. (CE) n° 561/2006 de 15.03, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores de transporte rodoviário).

XXXII. A própria área de serviço da AS24, situa-se num local ermo, rodeado por bosques, com acesso por estradas locais, cerca de 3,5km da auto-estrada A4, não está aberta ao público em geral, só podendo ser utilizada por quem seja cliente da rede. É uma área de auto-abstecimento, sem necessidade da presença de qualquer funcionário, sem quaisquer outras instalações próximas, designadamente café, restaurante, hotel, supermercado, apenas possuindo uma WC amovível.

XXXIII. Sendo que o local escolhido pelo motorista para estacionar o veículo pesado não era sequer pavimentado, fechado, ou estava assinalado como parque, porquanto se tratava de um local descampado, utilizado ocasionalmente para estacionamento de camiões, provavelmente clientes da AS24.

XXXIV. Não oferecia quaisquer condições de segurança.

XXXV. O próprio motorista sabia que por razões de segurança devia procurar parques em sítios iluminados e frequentados por outras pessoas, como de resto o fez nos parques anteriores em que pernoitou ou parou para efectuar os descansos obrigatórios.

XXXVI. O motorista confessou que tinha instruções expressas para abastecer gasóleo nessa AS24.

XXXVII. Conclui-se assim que a escolha do local para aparcar em ... foi ditada única e exclusivamente por questões economicistas da Recorrida HH, já que aí o gasóleo era mais barato e o motorista só poderia abastecer em locais expressamente autorizados pela sua entidade patronal.

XXXVIII. Apesar de o motorista parecer não ter conhecimento do exacto valor da carga, o próprio motorista confessou que pelo facto de a carga estar selada, apesar de não saber o seu conteúdo, tinha noção que tinha que ter mais atenção. Sendo que estamos a falar de um camião completo, em que o motorista assistiu à carga, sabia que transportava 2000 peças de componentes eléctricos, com dimensão para ocupar 33 paletes (um camião completo) e que, portanto, teria necessariamente que ser uma carga valiosa.

XXXIX. Tendo em conta as características do local, por comparação com outros locais em que o motorista pernoitava habitualmente, e de na imediação existirem outros locais mais apropriados, aliado ao facto de ser um motorista experiente e do grande risco de furto ou roubo nos transportes internacionais de mercadorias, deveriam ter levado o motorista a não equacionar sequer uma paragem nesse local, assim como da sua entidade patronal não autorizar tal paragem.

XL. Ora, tais circunstâncias aliadas ao facto de o local se encontrar na Polónia, um país com um elevado risco de furto e roubo das mercadorias, constituem por si só condição adequada para o resultado que se veio a verificar, o roubo da mercadoria, que no modesto entendimento da Recorrente era mais do que óbvio e expectável que a carga viesse a ser furtada ou roubada naquele local, sem que o motorista tivesse meios para o evitar.

XLI. As circunstâncias do roubo foram potenciadas pela facilidade em que os assaltantes tiveram, dado o local em que o camião se encontrava estacionado, um local afastado da circulação, sem quaisquer instalações por perto, escuro, rodeado por árvores, permitindo todas as movimentações de terceiros, como se veio a revelar.

XLII. Não aceitando a Recorrente que tal episódio pudesse suceder desde logo num parque fechado e vigiado, com iluminação e segurança e outras instalações e pessoas.

XLIII. Em face do exposto, a indevida planificação da viagem, o modo como foi transportada a mercadoria, o facto de o veículo ter parado, para repouso do motorista, num local não vigiado, e a inexistência de qualquer meio eficaz de protecção da mercadoria, são circunstâncias que fazem pesar sobre a transportadora um claro juízo de censura, a título de negligência consciente, afastando-se assim do exigível ao bonus pater familiae, em clara violação dos deveres de vigilância e guarda da mercadoria – art 487.º, n.° 2 do Código Civil

XLIV. No âmbito do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, a actuação por parte do transportador quanto à ausência dos procedimentos adequados à guarda e vigilância da mercadoria é enquadrável no conceito de falta a que alude art° 29°, n° l, da Convenção relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR).

XLV. Em face do exposto, o douto acórdão da Relação do Porto, ao arbitrar uma indemnização nos termos do disposto no art. 23°, n° 3 da Convenção CMR, violou o disposto nos art.s 17, n° 1, 2, 18, n° l, 29 e 32° da Convenção CMR, art. 799º, n° 1 do CC e art. 383° do CComercial.

TERMOS EM QUE, COM O DOUTO SUPRIMENTO QUE SE INVOCA DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SUBSTITUÍDA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, O QUE DEVERÁ SER EXPRESSÃO DE JUSTIÇA.»

A recorrente BB, Lda, apresentou as seguintes conclusões da sua alegação:

«(…)

V. Não se conformando com o mesmo, vem a presente revista proposta com fundamento na nulidade a que se refere a alínea d) do n° 1 do art. 615° CPC (ex vi a al. c) do n° 1 do art. 674° CPC), porquanto, no entender da Recorrente, o Acórdão não se pronuncia sobre o direito de regresso a que se refere o n° 1 do art. 15° do Decreto-Lei n° 255/99, de 07.07, não obstante existir matéria factual assente nos autos que permitiria desde já uma pronúncia quanto ao referido direito;

VI. Em segundo lugar, com fundamento em violação de normas substantivas que consiste não só no erro da determinação das normas aplicáveis mas também no erro de interpretação e aplicação de normas efetivamente aplicáveis à relação contratual subjacente ao litígio que opõe a Autora a todas as Rés, designadamente as normas constantes dos arts. 17°, n° 1, art. 32° da CMR, arts. 136° do Decreto-Lei n° 72/2008, de 16.04 e dos arts. 585° e 800° do CC;

VII. E, finalmente, com fundamento em violação e errada aplicação da lei de processo, designadamente os princípios da economia processual e da uniforme interpretação e aplicação do Direito.

VIII. O Acórdão objeto do presente recurso, para apreciar da prescrição do direito da Recorrida, parte pois do enquadramento jurídico do exercício do seu direito qualificando-o como uma sub-rogação, nos termos do disposto no art. 136° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto Lei n° 72/2008, de 16 de Abril, concluindo que tal direito se mantém exatamente o mesmo de que era titular o expedidor da mercadoria perdida, por aplicação analógica da norma constante do art. 585° do Código Civil (CC) à sub-rogação, uma vez que nenhuma referência lhe é feita pela que consta do art. 594° CC.

IX A sub-rogação da Recorrida nos direitos do credor operar-se-ia através do pagamento, já que só a partir deste momento poderia exercer os direitos do credor perante terceiros e assim, o prazo de prescrição em relação à seguradora sub­rogada no direito do segurado, apenas se começa a contar após a efetivação do pagamento.

X. A este propósito o Acórdão da Relação de Coimbra de 24-01-2012 proferido no âmbito do processo 644/10.2TBCBR-A.C1 já havia distinguido o direito de regresso da sub-rogação no caso da seguradora que efetua o pagamento da indemnização ao lesado, concluindo que ainda que no plano teórico parecesse mais ajustado o enquadramento a situação na categoria técnica da sub-rogação, o caso deve, ter-se, ex-vi legis, como de verdadeiro direito de regresso e que o direito de regresso deve ser exercido em prazo igual ao previsto para o exercício do direito de indemnização.

XI. Qualificando o exercício do direito da Recorrida enquanto sub rogação e não direito de regresso, a sentença proferida pelo Tribunal a quo embora não violando diretamente as normas dos arts. 136°, n° 1 da LCS, 524° e 592° CC, delas faz uma interpretação que conduz à violação das normas aplicáveis ao caso sub judice da Convenção CMR, designadamente as que constam dos artigos 3o, 17°, n° 1 e 32°, bem como a que consta do art. 800° do CC.

XII. No entanto, a relação material controvertida, tal como configurada pela Recorrida, é o transporte internacional de mercadorias, relativamente ao qual se aplicam as normas constantes da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), assinada em Genebra em 19/05/1956, aprovada em Portugal pelo Decreto - Lei n.° 46235, de 18/03/1965, entrou em vigor em 21/12/1969 e foi objeto de alteração através do Protocolo de Emenda, aprovado pelo Decreto n.° 28/88, de 6 de Setembro.

XIII. A Convenção CMR, no seu § 1 do art. 32°, estipula que as ações com fundamento nos contratos de transporte sujeitos à presente Convenção prescrevem no prazo de um ano.

XIV. E a sua alínea b) estipula que o prazo referido começa a contar-se, no caso de perda total, a partir do 30° dia após a expiração do prazo convencionado, ou, se não tiver sido convencionado prazo, a partir do 60° dia após a entrega da mercadoria ao cuidado do transportador.

XV. A aplicação da regra do n° 1 do art. 306° CC, à contagem do prazo de prescrição do exercício dos direitos resultantes do incumprimento dum contrato de transporte internacional de mercadorias, em casos em que exista um contrato de seguro de transporte de mercadorias, a partir do momento em que a seguradora efetua o pagamento da indemnização ao segurado/expedidor, por aplicação das regras da sub-rogação resultantes do disposto nos arts. 136° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e por aplicação analógica do disposto no art. 585° do CC, viola a garantia que resulta para o transportador do prazo de prescrição que em seu benefício é estabelecido no art. 32° CMR.

XVI. Ao estipular prazos de prescrição para o exercício de determinados direitos, o legislador quis tutelar a situação jurídica do devedor, garantindo que, após o decurso de um prazo de prescrição, contra ele não pudessem ser exercidos determinados direitos, com vista a garantir a segurança das relações jurídicas emergentes das relações contratuais estabelecidas entre as partes.

XVII. Permitir-se que, por via da sub-rogação de uma seguradora na posição do credor/expedidor dos bens, comece a contar-se um novo prazo de prescrição de um ano, nos precisos termos do art. 32° CMR, desta feita a partir do pagamento da indemnização que esta eventualmente vier a pagar, permite subverter o prazo previsto na norma do art. 32° CMR violando, em consequência, a garantia que do mesmo resulta para o transportador.

XVIII. A faculdade do transportador em opor ou excecionar com o decurso de um prazo de prescrição estabelecido em seu benefício, para tutelar a sua situação jurídica e garantir a segurança do tráfego jurídico em sede do transporte internacional de mercadorias fica deste modo anulada, o que subverte o regime aplicável ao transporte internacional de mercadorias e viola o art.32º da Convenção CMR.

XIX. Deste modo, as empresas do ramo dos seguros estariam, mediante o raciocínio da aplicação do mecanismo da sub-rogação, sempre à margem das normas que determinam a favor de determinados sujeitos de relações jurídicas prazos de prescrição para o exercício dos direitos, e em especial aquele a que se refere o do art. 32º da Convenção CMR, passando a co-existir dois prazos de prescrição.

XX. O caso dos autos, por se tratar de uma perda total da mercadoria, é aplicável a alínea b) do nº 1 do art. 32º da CMR, ou seja, o prazo de prescrição contar-se-ia a partir do 30º dia após a data convencionada (no sentido de data prevista) para a entrega da mercadoria.

XXI. No acórdão objecto do presente recurso, entenderam os Venerandos Desembargadores, não se encontrar suficientemente demonstrado nos autos ser o dia 21 de Dezembro a data convencionada para a entrega da mercadoria no destinatário, não obstante a segurada da recorrida ter acordado na realização do transporte de mercadorias de Lisboa com destino à Polónia, após a solicitação do transporte em Dezembro de 2011 (facto provado nº 10), tendo sido acordado uma data de saída, desconsiderando em absoluto o facto de se encontrar expresso no documento instruções despacho transporte de fls. 193 e na fatura, emitida pela recorrente em 19.12.2011, como data de chegada ao destino o dia 21.12.2011.

XXII. Ora, por e-mail datado de 09.11.2011, expedido pela segurada da recorrida à recorrente, foi solicitado à recorrente o transporte de 33 paletes de Portugal para a Polónia, sendo que a partida de Alverca deverá ocorrer entre terça e quinta feira, as quais, em 2011, a terça e a quinta feira imediatamente seguintes ao dia 9.11.2011, foram exactamente os dias 13.12.2011 e 15.12.2011, resultando da matéria de facto dada como provada que a mercadoria foi carregada exactamente no dia 14.12.2011.

XXIII. O camião começou a viagem com destino à Polónia no dia 16.12.2011 (facto provado sob o nº 37), logo, deveria, e atento todo o percurso e tempos de paragens que resultaram provados sob os nºs 37 a 51, outra conclusão não se pode retirar senão a de que a mercadoria chegaria inevitavelmente ao seu destino no dia 21.12.2011.

XXIV. A presunção de que inexistiu entre as partes qualquer acordo relativo à data de entrega da mercadoria no destino não resulta da factualidade que fundamenta a decisão, a qual desconsidera igualmente o tempo normal e razoável para a realização de uma viagem entre Lisboa e a Polónia, é que se a data da entrega da mercadoria ao transportador ocorreu em 14.12.2011, não é possível presumir que, na ausência de acordo quanto à data da entrega no destinatário, aquela fosse além do dia 21.12.2011.
XXV. Bem esteve, pois, o Tribunal da Primeira Instância ao considerar o 30° dia após o dia 21.12.2011 como o data do início da contagem do prazo de prescrição para efeitos da aplicação do art. 32°, 1, alínea b) da Convenção da CMR, assim Na data em que a Recorrente foi citada para a presente ação, esta intentada em 06.08.2013, já o prazo de um ano da prescrição havia decorrido, a outra conclusão não se poderia ter chegado sob pena da decisão em crise consubstanciar uma interpretação que conduz à violação da previsão normativa da alínea b) do n° 1 do art. 32° da CMR.

XXVI. «O regime jurídico do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada é regulado pela Convenção CMR, que se trata de direito internacional e que, como tal, se sobrepõe ao direito interno. O regime da CMR ê específico e prevê regras únicas, de aplicação obrigatória.»

XXVII. Não está prevista qualquer exceção para seguradoras sub-rogadas nos direitos dos seus segurados, a quem pagaram a indemnização nos termos contratualmente previstos, e que estarão a exercer não um direito próprio, mas sim um direito do seu segurado, no qual ficaram sub-rogadas. E o direito do seu segurado tem prazos para ser exercidos, ficando a Seguradora sub-rogada nos mesmos exatos termos.

XXVIII. A decisão a proferir nos presentes autos não pode pois entrar em contradição com os princípios e regras de direito internacional aplicáveis na ordem jurídica interna e que se sobrepõem às mesmas, como é o caso da decisão objeto do presente recurso.

XXIX. O prazo de prescrição de um ano a contar do 30° dia após o dia 21.12.2011, que se refere a alínea b) do n° 1 do art. 32° da CMR não foi objeto de qualquer suspensão.

XXX. A questão prendia-se com a prova da receção dos anexos aos e-mails que constam de fls. 43 e 47 dos autos, que permitiria apurar a data precisa em que eventualmente teria existido uma suspensão do prazo de prescrição a que se refere o n° 2 do art. 32° da Convenção CMR, defendendo a Recorrida terem tais e-mails eficácia suspensiva da contagem do prazo prescricional.

XXXI. Atento o teor do correio eletrónico e respetivo anexo, ainda que a Recorrida tivesse logrado, como lhe competiria, provar a receção de tal correio eletrónico pela Recorrente, a mesma nunca poderia consubstanciar uma reclamação para os efeitos previstos no parágrafo 2o do art. 32° da CMR, já que no mesmo nada se reclama da Recorrente, trata-se apenas de um documento a informar que terá sido furtada uma carga de consolas PS3, cujo transporte se encontra titulado como sendo partes ou componentes eléctricas.

XXXII. A pretensa comunicação recebida não consubstanciou qualquer reclamação para os efeitos previstos no parágrafo 2o do art. 32° da Convenção CMR, sempre se dirá que o Tribunal de Primeira Instância fez uma correta apreciação dos factos e aplicação do direito que fundamentaram a procedência da exceção de prescrição.

XXXIII. Sendo sobre a aqui Recorrida impendia o ónus de provar a receção por parte da Recorrente do correio eletrónico remetido no dia 27.12.2011, não se operou qualquer inversão do ónus da prova pelo facto de não ter a Recorrente junto aos autos dos registos dos arquivos dos logs dos servidores de email dos dias 26, 27 e 28 de Dezembro de 2011.

XXXIV. Efetivamente a Recorrente justificou a impossibilidade de junção aos autos de tais registos, tendo respondido ao despacho proferido ao abrigo do n° 1 do art. 429° do CPC, não lhe sendo aplicável a consequência que consta do art. 430º, que manda aplicar o disposto no nº 2 do art. 417º do CPC.

XXXV. Não existiu qualquer recusa ou falta de colaboração imputável à Recorrente, pelo que a situação nunca poderia sequer ser subsumível na previsão da norma que consta do n° 2 do art. 417° CPC, pelo que não se pode sequer conceber ter existido a inversão do ónus da prova a que se refere o n° 2 do art. 344° do Código Civil.

XXXVI. A inversão do ónus de prova resultante do n° 2 do art. 344° do Código Civil é apenas aplicável aos casos em que existe uma recusa da parte em colaborar com o Tribunal recusando a junção aos autos de elementos probatórios em seu poder, não se aplica à situação dos presentes autos, em que essa colaboração existiu, simplesmente a junção do solicitado pela Recorrida simplesmente já não era tecnicamente possível.

XXXVII. A inversão do ónus da prova não se operou automaticamente, esta apenas existe quando se verificam cumulativamente dois pressupostos: que a prova de determinada factualidade se tenha tornado impossível de fazer e que o comportamento seja imputável a título doloso (cf. o art. 417°, n° 2 e o art. 344°, n° 2, ambos do CC), situação que seria aliás subsumível na previsão do art. 432° do CPC.

XXXVIII. O Acórdão objecto do presente recurso, ao proceder à interpretação e aplicação das normas constantes nos arts. 136° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, à aplicação analógica do disposto no art. 585° à sub-rogação, viola as normas vertidas nos arts. 306°, n° 1 e 32°, n° 1, em especial a alínea b), da Convenção CMR.

XXXIX. O Acórdão de que ora se recorre procede a uma errada aplicação da lei do processo já que, tal como configurada pela Recorrida, os presentes autos foram
propostos não apenas contra a aqui Recorrente, enquanto transitária, mas também contra a transportadora que procedeu à execução material do contrato de transporte e respectiva seguradora, em termos de solidariedade.


XL. A Recorrida demandou em coligação vários réus, a aqui Recorrente, a transportadora efetiva da mercadoria e a seguradora da transportadora, com fundamento no incumprimento do contrato de transporte e não no incumprimento do contrato de comissão de transporte de expedição ou de trânsito.

XLI. A causa de pedir foi apenas uma, a do incumprimento do contrato de transporte, mesmo que se considerasse existir diferença quanto à causa de pedir no pedido formulado contra a Recorrente e contra a transportadora HH, a procedência do pedido sempre dependeria da apreciação dos mesmos factos e da aplicação das mesmas regras de direito, ou seja, as contidas na Convenção CMR porque aplicáveis ao contrato de transporte internacional de mercadorias.

XLII. Da matéria de facto que fundamenta o Acórdão objeto do presente recurso resulta que a existência do incumprimento do contrato de transporte internacional de mercadorias ocorreu por factos exclusivamente imputáveis à transportadora HH (2a R.) e não à aqui Recorrente que não tinha sequer o controlo efetivo do transporte, toda a factualidade que serve de fundamento à decisão não é imputável à Recorrente, nem tão pouco a mesma teve qualquer domínio sobre tais factos.

XLIII. A procedência do pedido contra a transportadora HH e, eventualmente contra a sua seguradora, depende essencialmente da apreciação da mesma matéria factual e da interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas e enquanto subcontratada é responsável pelo incumprimento do contrato de transporte em apreciação conforme dispõem os arts. 17°, n° 1 e 3o da Convenção CMR e 800° CC.

XLIV. A própria decisão objeto do presente recurso reconhece existir uma clara responsabilidade do transportador no incumprimento do contrato por não se encontrar preenchida nenhuma causa de exclusão da responsabilidade do transportador prevista no nº 2 do art. 17º da CMR.

XLV. Sobre a recorrente impendem apenas as obrigações de que resultam do Regime Jurídico que regulamenta a actividade transitária constante do Decreto-Lei nº 255/99, de 7/7, sendo que a obrigação assumida pela Recorrente é a que resulta do art. 1º, nº 1 daquele regime jurídico, a prestação de serviços de natureza logística e operacional relacionadas com o transporte de mercadorias e não a execução do próprio transporte, trata-se da execução de um serviço específico que não a execução do transporte em si, e não tendo sido o incumprimento da prestação deste serviço que esteve em causa nos presentes autos.

XLVI. O acórdão cuja revista aqui se vem requerer fundamenta a responsabilidade da ora Recorrente da norma do art. 15º do Decreto-Lei 255/99, de 7/7, contudo não se pronuncia sobre o direito de regresso de que é titular sobre as absolvidas, o qual encontra fundamento no art. 800º do CC.

XLVII. A decisão a proferir depender da mesma causa de pedir, da apreciação da mesma factualidade, aliás de factualidade relativamente à qual apenas e só em bom rigor poderia a transportadora HH pronunciar-se, sempre deveria ter sido julgado procedente o pedido de indemnização formulado também contra as demais Rés, atenta a existência do direito de regresso que se salvaguarda na previsão da norma do nº1 do art. 15º do Decreto-Lei 255/99, de 7/7,tal omissão de pronúncia consubstancia uma violação da referida previsão e uma causa de nulidade do acórdão nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 615º ex vi a alínea c) do nº 1 do art. 647º do CPC.

XLVIII. A pronúncia sobre o direito de regresso previsto na parte final do nº 1 do art. 15º do Decreto-Lei 255/99, de 07.07, impunha-se face aos princípios da economia processual e da uniforme interpretação e aplicação do Direito que norteiam o processo civil, sendo redundante submeter a apreciação dos mesmos factos, ocorridos em 2011, num novo processo judicial, com vista  a dar cumprimento a um direito de regresso com fundamento em factos já alegados, objecto de prova, apreciação e valoração judicial, procedendo assim a uma errónea aplicação dos princípios gerais norteadores do processo.
Face ao exposto, e nos demais de Direito que serão doutamente supridos por V. Exas, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente e, em consequência, ser o Acórdão recorrido revogado e substituído por outro que absolva a Recorrente do pedido. Assim fazendo V. Exas a costumada JUSTIÇA1»

Apresentaram contra-alegações a autora, AA (2003) LTD e a ré DD, sustentando o acórdão recorrido.

Nas contra-alegações ao recurso interposto pela ré BB, Lda., a autora veio requerer, subsidiariamente, a ampliação do objecto do recurso, nos termos previstos no artigo 636º do Código de Processo Civil, desta forma (conclusão (XXIX):

“XXIX. Em face do exposto e por mera cautela de patrocínio, desde já requer a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do disposto no art. 636°, n° 1 do CPC, quanto à questão da interrupção da prescrição, prazo e contagem do prazo de prescrição, conforme o art. 32°, n° 1, 2a parte, n° 1, alínea b) 2a parte, caso se venha a entender que à Recorrida, não se deverá aplicar o início da contagem do prazo, a partir do cumprimento.”

A fls. 1103, o Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão desatendendo a nulidade por omissão de pronúncia arguida pela ré BB, Lda,, por não ter sido deduzido qualquer pedido reconvencional de que cumprisse conhecer, relativo ao invocado direito de regresso.


3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

«1 - A 1ª Ré é uma sociedade comercial que exerce, com fins lucrativos, a atividade transitária;

2 - A 2ª Ré é uma sociedade comercial que exerce, com fins lucrativos, o transporte nacional e internacional rodoviário de mercadorias;

3 - A 14 de Dezembro de 2011, a 2ª Ré "CC, L.DA" (que utiliza o nome comercial de "HH TRANSPORTES") procedeu ao levantamento e receção das mercadorias dos autos nas instalações da empresa "II, L.da", sitas na E.N. ... – Km ..., ... ....;

4 - Sem que tenha oposto qualquer reserva às mesmas no documento de transporte;

5 - Estas mercadorias não chegaram a ser entregues do destino acordado;

6 - O motorista da 2ª Ré tinha de abastecer gasóleo e de efetuar o descanso obrigatório a que estão sujeitos os motoristas profissionais;

7 - A Autora endereçou às Rés "BB, L.DA" e "CC, L.DA" notificações judiciais avulsas, com os teores de fls. 60 e ss., que aqui se dão por reproduzidos, e que foram recebidas por estas no dia 07/02/2013.

8 - A Autora é uma agência de subscrição de certos sindicatos do mercado ...;

9 - No exercício da sua atividade, a Autora celebrou com as empresas: "1 EE, LTD, FF S.R.O.", "GG LTD (...)" e "JJ INC.", um contrato para cobertura dos riscos inerentes à perda ou avaria das mercadorias transportadas, titulado pela apólice com o nº 8277/M11062, com o teor de fls. 30 e ss., que aqui se dá por reproduzido;         

10 - Em Dezembro de 2011, a "GG LTD (...)" acordou com a 1ª Ré "BB, L.DA" o transporte de mercadorias, a si pertencentes, desde Lisboa - Portugal até - ...;

11 - Por sua vez, a 1ª Ré incumbiu o transporte das mesmas mercadorias à 2ª Ré "CC, L.DA" (que utiliza o nome comercial "HH TRANSPORTES").

12 - As referidas mercadorias destinavam-se ao importador "LL.", com domicílio na ...;

13 - As mercadorias eram compostas por 2000 unidades de consolas, da marca Sony – PS3 /160 GB, devidamente embaladas e acondicionadas em 33 paletes, com o valor comercial de € 390.0000,00;

14 - As mercadoras vieram a ser transportadas por camião da 2ª Ré, com a matrícula n.º ...-EP-... e o atrelado ..., com o selo nº ..., ao abrigo do documento de transporte CMR com o nº .., com início a 14 de Dezembro de 2011, com o teor de fls. 39;

15 - A "GG LTD (...)", emitiu em data não apurada, as declarações com os teores de fls. 43 e 47, que aqui se dão por reproduzidos dirigida às Rés, BB e HH e veio a participar os factos à Autora, sua seguradora;

16 - Esta mesma sociedade, enviou um e-mail à Ré BB, no dia 27/12/2011, pelas 2h.14m., com o teor de fls. 339, que aqui se dá por reproduzido;

17 - Esta mesma sociedade, enviou um e-mail à Ré HH no dia 19/01/2012, pelas 12h.39m., com o teor de fls. 340, que aqui se dá por reproduzido;

18 - A Autora pagou à "GG LTD (...)" a quantia de € 250 000,00, mediante pagamento bancário internacional, através do Bank ..., via SWIFT, em 31.12.2012;

19 - A distância entre o local de receção das mercadorias em ..., Portugal e ..., Polónia é de aproximadamente 2.470 Km;

20 - O camião da 2ª Ré, contendo as mercadorias dos autos, era conduzido por um único motorista, de nacionalidade ucraniana, residente em Portugal, de nome MM;

“21 – No dia 20 de Dezembro de 2011, pelas 13h55, este condutor estacionou o camião na área de terreno adjacente à estação de gasolina, Wykrot, Poland Petrol Station, para efetuar o seu período de descanso de 9 horas;”

22 - Esta estação de gasolina situa-se a cerca de 3,5 Km da autoestrada mais próxima, (A4) com acesso através de estradas locais, assinaladas a roxo, no mapa de fls. 660, num local ermo, rodeado de árvores, visível nas fotografias de fls. 661 e 662;

23 - No referido local, existe uma estação de auto abastecimento de combustível, com pagamento por cartão de crédito e um WC, um pequeno armazém, e um pequeno “quiosque” ocupado pelo vigilante/segurança, sem quaisquer outras instalações próximas;

24 - Existem parques vigiados e fechados para veículos pesados na proximidade das grandes cidades por onde passa a Autoestrada A4, tais como em Bolestawiec (a cerca de 20Km de Wykrot); Legnica (a cerca de 80Km de Wykrot), sendo estas as mais próximas do local onde aparcou o veiculo da ora Ré;

25 - Existe ainda um parque vigiado e pago, perto da cidade de ..., ao Km 67 da A4 e a 60Km de Wykrot, e outro parque vigiado perto de ..., a cerca de 40Km de Wykrot;

26 - Cerca das 19h00, quando se encontrava dentro do camião a ver um filme, o condutor do camião MM foi abordado por um homem com farda de segurança, que o informou ter as portas do reboque abertas;

“27 - Em consequência, abriu a porta do camião, tendo subido a bordo dois indivíduos, que o ameaçaram e furtaram o camião e reboque com todas as mercadorias que se encontravam a bordo, designadamente as mercadorias em referência nos autos;”

28 - O condutor do veículo participou o furto das mercadorias e do veículo às autoridades polacas;

29 - O veículo veio a aparecer dias mais tarde, vazio, em local não apurado;

30 - O motorista da 2ª Ré sabia que por razões de segurança devia procurar para descanso parques em sítios iluminados e frequentados por outras pessoas;

31 - Entre a 2ª Ré e a 3ª Ré "DD" foi celebrado um contrato de transferência do risco decorrente da atividade daquela, enquanto transportadora de mercadorias quer a nível nacional, quer a nível internacional, com o teor de fls. 142 e ss., que aqui se dá por reproduzido;

32 - O motorista da 2ª Ré não sabia qual a carga que era transportada, uma vez que as paletes estavam cobertas com plástico preto;

33 - O peso bruto da mercadoria transportada ascendia a 9.400 Kg;

34 - Eliminado;

35 - No âmbito das relações comerciais existentes entre a 1ª e a 2ª Rés, aquela solicitou a esta, no dia 13/12/2011, um “CAMIÃO COMPLETO POR CONTA DA GG”, sem ADR e sem 2º motorista, com as demais "Instruções de Transporte" constantes de fls. 216, que aqui se dão por reproduzidas;

36 - No dia 14/12/2011, às 10h55m, o motorista, regressou à sede da 2ª Ré, tendo o identificado supra veículo pesado de mercadorias ficado aparcado, às 19h45m, nas instalações desta e o motorista gozado o seu período de repouso;

37 - No dia 16/12/2011, às 17h30m, o motorista da 2ª Ré, ao volante do veículo pesado de mercadorias, iniciou, a partir da sede da 2ª Ré, a viagem com destino à Sociedade Comercial NN, sita em ul. ...., Polónia;

38 - Efectuou, nesse mesmo dia, o seu período de repouso diário na Estação de Serviço de Benavente, Espanha.

39 - No dia seguinte, ou seja, 17/12/2011, às 09h40m, iniciou novo período de condução, desta feita, em direção a Quintana del Puente, Espanha, mais propriamente à Área de Serviço do Suco, onde chegou às 12h20m, para almoçar;

40 - Saiu da Área de Serviço do Suco, em Quintana del Puente, Espanha às 13h30m em direção a Vitória, Espanha onde abasteceu, o veículo pesado de mercadorias, de gasóleo na Área de Serviço AS24 de Vitória às 15h34m;

41 - Da Área de Serviço AS24 de Vitória seguiu em direção a Saubion, França onde meteu, no veículo pesado de mercadorias, água e efetuou a sua pausa de 45 minutos;

42 - De Saubion, França, dirigiu-se a Barbazieux, França, onde chegou às 21h40m, aí efetuando o seu período de repouso semanal reduzido (30 horas e 20 minutos).

43 - Às 04h00m do dia 19/12/2011 saiu de Barbazieux, França com destino a Parsac, França onde dormiu cerca de 1h45m;

44 - De Parsac, França seguiu para Montmarault, França onde abasteceu, o veículo pesado de mercadorias, de Ad-Blue, na Área de Serviço AS24 de Montmarault às 09h49m;

45 - Da Área de Serviço AS24 de Montmarault dirigiu-se à Área de L’Ecote, França, onde efetuou a sua pausa de 45 minutos;

46 - Da Área de L’Ecote, França seguiu para a Área de Serviço de L’Eclerc Orschwiller, Alemanha onde chegou às 17h58m, aí efetuando o seu período de repouso diário e bem assim a compra da vinheta que lhe permite circular na Alemanha;

47 - Às 02h00m, do dia 20/12/2011, saiu da Área de Serviço de L’Eclerc Orschwiller, Alemanha em direção a Aral em Shattenof, Alemanha onde efetuou a sua pausa de 45 minutos;

48 - De Aral em Shattenof, Alemanha seguiu para Aral em Wilsdruff, Alemanha;

49 - De Aral em Wilsdruff, Alemanha seguiu para Wykroty, Polónia, onde abasteceu, o veículo pesado de mercadorias, de gasóleo, na Área de Serviço AS24 de Wykroty às 13h55m e efetuaria o seu período de repouso diário.

50 - A sociedade comercial "NN LTD.", sita em ul. .... 2, ...., Polónia, situava-se a cerca de 145 Km., onde o motorista da 2ª Ré contava proceder à descarga da mercadoria na manhã do dia 21/12/2011;

51 - No dia 20/12/2011, por volta das 19h00m locais, na área de terreno adjacente à estação de Serviço AS24 de Wykroty, o motorista da 2ª Ré encontrava-se no interior do veículo pesado de mercadorias a efetuar o seu período de repouso diário.

52 - Foi interrompido por uma batida na porta do veículo pesado de mercadorias efectuada por um indivíduo do sexo masculino, envergando uma farda de Segurança;

53 - Acto contínuo, baixa o vidro do veículo pesado de mercadorias e pergunta o que é que o mesmo pretendia, quando aquele lhe diz que é Segurança e que o queria informar que as portas do semi-reboque estavam abertas.

54 - Em consequência, abre a porta do veículo pesado de mercadorias, altura em que dois indivíduos do sexo masculino entram no seu interior, não deixando sair o motorista da 2ª Ré, obrigando-o, para que nenhum mal lhe acontecesse, a permanecer quieto e calado;

55 - De seguida, um dos indivíduos pôs em marcha o veículo pesado de mercadorias, para, a alguns metros após a Área de Serviço AS24 de Wykroty, já na Estrada Nacional 94, numa berma, parar o veículo pesado de mercadorias e fazer sair o motorista da 2ª Ré e bem assim o 2º individuo que também se encontrava no interior do veículo pesado de mercadorias;

56 - Um vez fora do veículo pesado de mercadorias, o motorista da 2ª Ré foi forçado a entrar num veículo automóvel;

57 - Assim que o motorista da 2º Ré, e bem assim o 2º individuo que também se encontrava no interior do veículo pesado de mercadorias entram no veículo automóvel, saí um dos seus ocupantes que entra no veículo pesado de mercadorias e ao motorista da 2ª Ré são-lhe colocadas braçadeiras de plástico nos pulsos e amarrado ao banco do veículo automóvel;

58 - Seguidamente, iniciam a marcha do veículo automóvel, mantendo o motorista da 2ª Ré preso e privado da sua liberdade até a manhã do dia 21/12/2011;

59 - Cerca das 06h10m, do dia 21/12/2011, o motorista da 2ª Ré é largado num descampado, a cerca de 260 Km da Área de Serviço AS24 de Wykroty, através do qual caminhou até encontrar uma localidade, aí solicitando que lhe chamassem a Polícia;

60 - Chegada a Polícia, foi levado para o Posto de Wielun onde foi interrogado e apresentada a competente queixa crime;

61 - A Área de Serviço AS24 de Wykroty é área de Serviço propriedade da Sociedade Comercial AS24, na Polónia denominada “OO.” – Al. Jana Pawla II, 80/12 A, Babka Tower – 00 – 175 Warzawa, sita em Ulica Kolejowa, 59-960 Wykroty;

62 “Está situada a cerca de 200 metros da Estrada Nacional 94 e a cerca de 3,5 quilómetros da Auto-Estrada A4, sendo a área de terreno adjacente à mesma usada como parque de estacionamento existindo na mesma Instalações Sanitárias amovíveis, e uma cabine para um vigilante.”

63 - A Sociedade Comercial OO, em Portugal denominada “OO, S.A.”, com sede na Estrada de ..., n.º ... – .... em Paço de Arcos (....) é uma filial do Grupo ..., especializada no fornecimento de combustível e serviços associados, tais como o pagamento de portagens, multas, pronto-socorro, lavagens e manutenções, para os profissionais do transporte rodoviário;

64 - É fornecedora da 2ª Ré há mais de 12 anos;

65 - O motorista 2ª Ré, portador do Cartão AS24 n.º 6094-2, abasteceu através desse cartão o veículo pesado de mercadorias, de gasóleo e de Ad-Blue em respetivamente, 17.12.2011 (Área de Serviço AS24 de Vitória) e 19.12.2011 (na Área de Serviço AS24 de Montmarault) e pagou as portagens em, também respetivamente, 17.12.2011 (ASF Biriatou/St J. Luz – ASF Benesse/St Geours –ASF Negresse/Bayonne), 19.12.2011 (Saprr Montlucon/Montmaraul – Saprr Chalon S/St Maurice – Sprr Systeme Ou/Fontaine-L – Station Service E Lec Orschwi) e 20.12.2011 (Gorlitz);

66 - A área de Serviço AS24 de Wykroty que foi a opção de paragem feita pelo motorista, encontrava localizada a cerca de 3,5 Km de uma das autoestradas (A4) utilizada para a circulação dos transportes rodoviários de mercadorias, e era uma das áreas assinalada pela sua entidade patronal para abastecer e para observação dos períodos obrigatórios de descanso.


4. Tendo em conta as alegações de recurso de ambas as recorrentes, estão em causa as questões seguintes:

– Recurso da autora: Reembolso do montante que pagou à sua segurada; eventualmente, ampliação do objecto do recurso  interposto pela ré BB, Lda.

– Recurso da ré BB, Lda.: Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia sobre o direito de regresso “a que se refere o nº 1 do art. 15º do Decreto-Lei nº 255/99”; prescrição do direito invocado pela autora; a ser julgado procedente o pedido da autora, responsabilidade das demais rés.


5. Cumpre começar por apreciar a questão da prescrição do direito da autora, por preceder logicamente as demais.
Com esta acção, a autora pretende obter a condenação solidária das rés no reembolso do que pagou à sua segurada (€250.000,00, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, até integral pagamento).
Como se viu, entendeu-se em 1ª Instância estar em causa o exercício do direito de regresso por parte da autora e encontrar-se tal direito extinto por prescrição, nos termos do previsto no nº 1 do artigo 32º CMR, uma vez que “o prazo [de um ano] da alínea b) [do nº 1] do art. 32º da CMR deve contar-se da data prevista para a entrega da mercadoria, que tal como se provou, devia ter ocorrido no dia 21.12.2011”.
A Relação, porém, considerou que se tratava antes de sub-rogação nos direitos da segurada e que o prazo de prescrição de um ano só se iniciaria com o pagamento pela autora à mesma segurada, pois que só com esse pagamento a autora estaria em condições de exercer o seu direito (ao reembolso) – artigos 136º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008 e nº 1 do artigo 306º do Código Civil.
A autora, nas contra-alegações, sustenta que, a não ser assim, então dever-se-á considerar de três anos o prazo de prescrição, aplicando a parte do nº 1 do artigo 32º da CMR que fixa esse prazo para o “caso de dolo ou de falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo”.
A ré BB, Lda., sustenta que contar o prazo de prescrição apenas a partir do pagamento equivale a tornar o referido prazo mais longo, em contradição com a CMR e com a finalidade de segurança que preside ao referido instituto.
Tem-se entendido neste Supremo Tribunal, porém, que, caso a seguradora venha pretender subrogar-se nos direitos do segurado contra o responsável pelo sinistro, o prazo de prescrição do seu direito só começa a contar com o pagamento (ver, por todos, o recente acórdão de 5/6/2010, www.dgsi.pt, proc. nº 286/04.8TBSTB.L1.S1 – “O prazo de prescrição do direito invocado pela seguradora de mercadorias transportadas e perdidas, que tinha pago o seu valor ao respectivo dono, só se deve contar a partir do cumprimento, ou seja, a partir da data em que procedeu ao pagamento do valor seguro”. Por um lado, porque resulta expressamente do citado artigo 136º do RJCS que o segurador que paga a indemnização ao seu segurado fica sub-rogado nos seus direitos perante o responsável pelo sinistro, como, aliás, já previa o artigo 441º do Código Comercial; e, por outro, porque, sendo a sub-rogação, diferentemente do direito de regresso, uma “substituição do credor, na titularidade, do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar o devedor (…)” (Antunes varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., Coimbra, 1999, págs. 335-336), o pagamento é um pressuposto necessário da sub-rogação e da transferência, para o que cumpre, dos direitos do sub-rogado.
No mesmo sentido, cfr. o acórdão de uniformização de jurisprudência aprovado em 27 de Abril de 2018 pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: “O prazo de prescrição do direito da sub-rogada companhia de seguros só começa depois de ter pago os danos sofridos pelo seu segurado, em consequência de acidente de viação, visto que só depois deste pagamento o seu direito pode ser exercido, nos termos do artigo 498º, nºs 1 e 2 do Código Civil”.
O direito de regresso é antes um direito novo, que se constitui na esfera jurídica de quem paga e que provoca a extinção total ou parcial da relação jurídica que estiver em causa, e não a transmissão da posição de credor. O acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Janeiro de 2003, www.dgsi.pt, proc. nº 02A4110 explica claramente a diferença entre os dois institutos: “Com efeito, o direito de regresso assiste ao devedor solidário que houver satisfeito o direito do credor, além da parte que lhe competia no crédito comum, contra cada um dos condevedores pela quota respectiva – artigo 524º do Código Civil (…). Por sua vez, a sub-rogação pode ser definida como a transmissão do crédito em favor daquele que, substituindo-se ao devedor, cumpre a obrigação a que este se encontrava adstrito – artigo 589º. Supõe sempre um pagamento feito por terceiro ao originário credor, ingressando esse terceiro na posição jurídica que o primitivo credor ocupava na relação obrigacional. Ou seja, a sub-rogação é uma forma de transmissão do crédito, enquanto o direito de regresso constitui um crédito novo, que nem sequer tem o mesmo objecto do direito extinto.».
     
O prazo de prescrição é de um ano ou de três anos, “no caso de dolo ou de falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo”, nº 1 do artigo 32º CMR, contado das datas indicadas nas respectivas alíneas.
Ora o “levantamento e recepção das mercadorias” pelo transportador ocorreu no dia 14 de Dezembro de 2011; e a presente acção foi instaurada em 3 de Agosto de 2013, tendo a ré BB, Lda. sido citada em 24 de Setembro de 2013 e recebido uma notificação judicial avulsa para interromper o prazo de prescrição em 7 de Fevereiro de 2013 (ponto 7 dos factos provados), através da qual a autora desta acção lhe concedia o prazo de 20 dias para lhe pagar a quantia que pagara à sua segurada, GG LTD (...). O pagamento efectuado pela autora à sua cliente GG Ltd (...) ocorreu em 31 de Dezembro de 2012.
Ver-se-á, adiante, se vale um ou outro dos prazos de prescrição (1 ou 3 anos), em função do que se concluir sobre o título da imputação subjectiva do dano ocorrido ao transportador; se for de três anos, nem interessa estar a saber se o prazo que já tinha passado quando ocorreu o pagamento deve ou não ser descontado no prazo de prescrição, ou se este prazo deve ser contado apenas a partir do pagamento.
De todo o modo, não tinha passado um ano sobre o pagamento quando a ré BB, Lda. foi citada nesta acção – cfr. nº 1 do artigo 323º do Código Civil, segundo o qual é a citação que interrompe a prescrição, e, ainda, a salvaguarda constante do nº 2 do mesmo artigo; ou, naturalmente, quando, em 7 de Fevereiro de 2003, recebeu a já referida notificação judicial avulsa.
Apenas se acrescenta que, como adiante se explicitará, a responsabilidade do transitário se mede pela do transportador (artigo 15º do Decreto-Lei nº 255/99), razão pela qual se citou o nº 1 do artigo 32º da CMR, estando a tratar-se da responsabilidade da empresa transitária.


6. A autora discorda da limitação da indemnização por perda da mercadoria transportada, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 23º da Convenção CMR); mas o acórdão recorrido, interpretando os factos provados, entendeu que a conduta da transportadora ou do condutor do camião roubado com a mercadoria não deveria ser tratada como dolo mas apenas como uma “conduta grosseiramente negligente ou temerária” e aplicou esse limite.

Assim, considerou valer, no caso, o tecto da indemnização fixado pelo nº 3 do artigo 23º CMR, que se aplica à responsabilidade do transitário para com os seus clientes por força do nº 2 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 255/99, no que respeita à actuação dos terceiros com quem tenha contratado. Consequentemente, condenou a ré BB, Lda. no pagamento à autora do montante indemnizatório de € 91.870,95, quando a autora pedia o que pagara à sua segurada, proprietária da mercadoria transportada e roubada.
Ora vem provado que a ré BB, Lda. exerce “a actividade transitária” (facto nº 1) e que uma segurada da autora, GG Ltd. (...), acordou com BB, Lda. “o transporte de mercadorias desde Lisboa até ..., Polónia; BB, Lda., por sua vez, “incumbiu o transporte das mesmas mercadorias à 2ª ré ‘CC Lda.” ou HH PP (pontos 9, 10 e 11). E vem provado ainda que as mercadorias nunca chegaram ao destino (ponto 5), tendo sido roubadas durante a viagem, nos termos que vêm apurados.
Não obstante a prova não revelar que a ré BB, Lda. tenha materialmente efectuado qualquer actividade de transporte, uma vez que se dedica à actividade transitária – “prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclua o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias”, como o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 255/99 define a actividade transitária – e que contratou a empresa HH PP para esse efeito, o nº 1 do artigo 15º deste Decreto-Lei faz recair na sua esfera jurídica a responsabilidade pelo incumprimento das “obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso”. São aplicáveis eventuais limites, legais ou convencionais, que valham para a responsabilidade do transportador que materialmente tenha executado o transporte – no caso, relevaria o que vem fixado no nº 3 do artigo 23º CMR.
Resulta assim deste quadro legal que, perante o seu cliente e em caso de perda total ou parcial da mercadoria transportada – a obrigação assumida pelo transportador é uma obrigação de resultado, não apenas de meios, incluindo portanto a chegada e entrega da mercadoria ao destino que estiver convencionado –, o transitário garante o pagamento da indemnização que venha a ser devida pelo transportador material que não cumpriu, ou não cumpriu integral e correctamente, a obrigação de transportar a mercadoria, uma vez que, caso tenha sido o transportador que efectivamente deu causa ao incumprimento, o transitário tem direito de regresso da indemnização que tiver pago ao cliente.
Não tendo as mercadorias chegado ao destino – mais concretamente, ao importador a que se destinavam, na Polónia (facto 12) –, o transportador HH PP não cumpriu a obrigação assumida perante a ré BB, Lda., pois que, como veremos e vem decidido, o transportador responde pelos actos e omissões dos terceiros “a cujos serviços recorre para a execução do transporte, quando esses agentes ou essas pessoas actuam no exercício das suas funções” (artigo 3º da CMR e 800º do Código Civil). Neste âmbito, é objectiva a responsabilidade do transportador.
Nesta acção, e deixando por agora de lado a questão da prescrição, não está em dúvida a responsabilidade do motorista e, consequentemente, do transportador material e da empresa transitária. A divergência da autora em relação ao acórdão recorrido encontra-se antes na medida da indemnização devida; ou, mais concretamente, em saber se, apesar da regra de que o transportador responde pelo valor da mercadoria perdida (nº 1 do artigo 17º e nº 1 do artigo 23º da CMR), ocorre alguma das excepções definidas no nº 2 do artigo 17º ou se encontra preenchida a previsão do nº 3 do artigo 23º, de modo a que o transportador possa beneficiar da exclusão ou da limitação ali previstas para a obrigação de indemnizar e para o montante indemnizatório.
Nada na prova permite concluir pela ocorrência de alguma das excepções do nº 2 do artigo 17º; nem sequer da excepção de caso fortuito ou de força maior (“circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar”); excepções essas cujo ónus da prova caberia ao transportador (assim, expressamente, nº 1 do artigo 18º da CMR).
É certo que a mercadoria foi roubada, quando o motorista se encontrava num período de repouso, estacionado junto a um posto de abastecimento de combustível (ponto 21); e que o motorista foi vítima de dois indivíduos que o imobilizaram e se apossaram do camião, quando abriu a porta por ter sido avisado por um homem vestido como um segurança de que as portas do reboque estariam abertas (pontos 26 e 27 e 51 e segs.). Poder-se-ia ser levado a pensar tratar-se de um acontecimento enquadrável no nº 2 do artigo 17º citado (“circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar”).
Mas é igualmente certo: que o local escolhido para parar o camião era ermo, junto a um posto de abastecimento de combustível que funcionava em regime de auto-abastecimento, e que apenas tinha um pequeno quiosque para um segurança e um WC amovível (pontos 22 e 62); que existem “parques vigiados e fechados para veículos pesados na proximidade das grandes cidades onde passa a A4” – o local onde o motorista estacionou situa-se a 3,5 Km desta auto-estrada “com acesso através de estradas nacionais” (pontos 24 e 22) – e outros “parques fechados e pagos” perto (ponto 25); que o motorista “sabia que por razões de segurança devia procurar para descanso parques em sítios iluminados e frequentados por outras pessoas” (ponto 30); e que a área de serviço que o motorista escolheu para a paragem de descanso “era uma das áreas assinaladas pela sua entidade patronal para abastecer e para observação dos períodos obrigatórios de descanso” (ponto 66).
O acórdão recorrido considera que esta actuação do motorista/transportador configura “uma conduta grosseiramente negligente ou temerária”, mas que não deve ser equiparada a dolo, para efeitos de exclusão da limitação da responsabilidade (nº 3 do artigo 23º e nº 1 do artigo 29º da CMR).
Na verdade, nada na prova permite concluir pela existência de dolo. Seguindo o critério explicado por Antunes Varela, Das Obrigações em Geral. Vol. II, 7ª ed., pág.97, no caso de dolo (incumprimento doloso) “há uma adesão da vontade ao comportamento ilícito, que é a falta de cumprimento da obrigação. O devedor tem conhecimento do efeito da sua conduta, da falta de cumprimento da obrigação, sabe que ela é ilícita, e, apesar disso, quer ou aceita esse resultado” (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Janeiro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 982/07.1TVPRT.P1.S1).
O facto mais forte encontra-se no ponto 30 (“O motorista da 2ª Ré sabia que por razões de segurança devia procurar para descanso parques em sítios iluminados e frequentados por outras pessoas”); mas não é suficiente para se poder concluir que o motorista aceitou que, com a sua conduta, a mercadoria fosse roubada e não a pudesse entregar no destino, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, como se tem afirmado consistentemente, retirar presunções dos factos que vêm provados – no caso, presumir tal aceitação (Cfr., apenas a título de exemplo, o acórdão de 30/9/2010, www.dgsi.pt, proc. nº 414/06.2TBPBL.C1.S1).
O nº 1 do artigo 29º da CMR dispõe que o transportador não pode beneficiar das limitações de responsabilidade “se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”.
De forma expressa e genérica – artigo 494º do Código Civil –, a lei portuguesa apenas prevê no âmbito da responsabilidade extra-contratual que o julgador possa fixar uma indemnização em montante inferior aos danos causados, segundo a equidade e atendendo a certos critérios que enumera – entre os quais se encontra o grau de culpabilidade do lesante –, quando a responsabilidade se fundar em mera culpa; mas não se pode ignorar que o mesmo Código Civil considera relevante a distinção entre dolo e negligência em outros casos de responsabilidade contratual (cfr. os exemplos indicados por Antunes Varela, op. e vol. cits., pág. 99: “artigos 814º e 815º (mora do credor); 835º, 1, al. a) (exclusão da compensação); 956º e 957º (responsabilidade do doador); 1134º (responsabilidade do comodante); 1151º (responsabilidade do mutuante), sendo naturalmente de responsabilidade contratual que estamos a falar, no caso; nem que o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado por diversas vezes que a possibilidade de redução da indemnização, prevista no artigo 494º do Código Civil, é também aplicável no domínio da responsabilidade contratual.
No entanto, e a propósito do nº 1 do artigo 29º da CMR, escreveu-se, por exemplo, no acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Junho de 2011, www.dsgi.pt, proc. nº 437/05.9TBANG.C1.S1, que “uma falta que segundo a lei da jurisdição que julgar o caso seja considerada equivalente ao dolo, como acontece com a jurisdição nacional, não pode deixar de ser, manifestamente, face à legislação nacional, enquanto elemento do nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa lato sensu”. No mesmo sentido, decidiu-se nos acórdãos de 5 de Junho de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 3303/05.4TBVIS,C2.S1, ou nos acórdãos desta secção de 15 de Maio de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 9268/07.0TBMAI.P1.S1 e de 12/10/2017, www.dgsi.pt, proc. nº 4858/12.2TBMAI.P1.S1 e Mónica Alexandra Soares Pereira, O Contrato de Transporte de Mercadorias Rodoviário, A Responsabilidade do Transportador, http://repositorioaberto.up.pt/bitstream/10216/63916/2/TESE%20%20MESTRADO%20EM%20DIREITO).
Entende-se que, no caso, é inaplicável a limitação de responsabilidade constante do nº 3 do artigo 23º da CMR. E chega-se a esta conclusão, quer seguindo a doutrina dos acórdãos acabados de citar, quer analisando os factos que vêm provados e que configuram da parte do motorista/transportador “uma conduta grosseiramente negligente ou temerária” (acórdão recorrido). Concorda-se assim com o acórdão recorrido na apreciação da culpa; mas discorda-se da possibilidade de, com esta apreciação, se reduzir a indemnização, uma vez que o seu carácter “grosseiramente (…) temerário” sempre impediria a sua distinção do dolo, mesmo aplicando o disposto no artigo 494º do Código Civil; ou seja, mesmo considerando que a lei portuguesa não equipara necessariamente o dolo e a negligência para efeitos de cálculo da indemnização, em caso de responsabilidade contratual.
Assim, concede-se provimento ao recurso da autora, julgando que a ré transitária responde pelo valor pago pela autora à sua segurada, € 250.000,00, valor esse inferior ao valor comercial da mercadoria roubada, € 390.000.00 (pontos 13 e 18 dos factos provados).
Recorde-se que o regime legal é o de responsabilidade pelo valor da mercadoria transportada (nº 1 do artigo 23º da CMR), que a responsabilidade do transitário perante o seu cliente, como garante, se mede pela responsabilidade da transportadora (nº 1 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 255/99) mas que, sendo inferior o valor efectivamente pago, é esse que releva.
Esta decisão não significa que se tenha concluído ter sido dolosa a actuação do motorista e, consequentemente, que a responsabilidade da Transportadora HH assente em dolo; antes quer dizer que, mesmo que se entenda que a lei portuguesa permite distinguir o dolo e a negligência para efeitos de cálculo da indemnização, também na responsabilidade contratual, o grau de culpabilidade, no caso, exclui essa possibilidade.


7. Chegando a esta equiparação entre dolo e negligência,da mesma forma se deve interpretar o nº 1 do artigo 32º da CMR (“no caso de dolo ou de falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo”) e considerar de três anos o prazo de prescrição do direito que a autora vem exercer nesta acção, em sub-rogação da sua cliente. O que significa que, ainda que o prazo de prescrição se não contasse a partir do pagamento, o mesmo não teria decorrido; e que se torna inútil conhecer da ampliação do objecto do recurso feita subsidiariamente pela autora, nas contra-alegações à revista interposta pela ré BB, Lda.

8. No seu recurso, a ré BB, Lda. arguiu a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia sobre o direito de regresso “a que se refere o nº 1 do art. 15º do Decreto-Lei nº 255/99” sobre “as absolvidas”– al. d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, conjugado com o disposto no nº 1 do artigo 666º e no artigo 679º do mesmo Código.
Como se viu, o Tribunal da Relação do Porto, no seu acórdão de fls. 1103, entendeu não haver nulidade por não se poder considerar que a ré BB, Lda, tenha formulado um pedido reconvencional de que cumprisse conhecer, relativo ao direito de regresso; e, na verdade, apenas afirmou não prescindir de tal direito. 
No entanto, não se vê como poderia a ré Agility, Transitários, Lda. ter formulado um pedido reconvencional contra outra (ou outras) rés, para que fosse judicialmente declarado o seu direito de regresso.

 Ora sucede que a ré BB, Transitários, Lda., invocou na contestação ter direito de regresso – e dele não prescindir – relativamente à indemnização que eventualmente viesse a ser condenada pagar e que esse direito vem expressamente consagrado no nº 1 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 155/99 e resulta do disposto no artigo 800º do Código Civil, tendo as rés Transportadora HH e DD disposto de toda a possibilidade para o discutir, justamente por terem sido demandadas nesta acção.

 Acresce que, se a ré CC, Lda. não tivesse sido demandada pela autora, a ré BB, Lda podia provocar a sua intervenção na acção como parte acessória, para discutir o direito de regresso (nº 1 do artigo 321º do Código de Processo Civil), obtendo a sua vinculação pelo caso julgado que o declarasse. Já não é tão certo que o mesmo se possa dizer quanto à ré DD, a não ser que se entenda que tal possibilidade resultaria da natureza de contrato a favor de terceiro do contrato de seguro.

      E acresce ainda que é certo que a aferição da responsabilidade da ré BB, Lda., pressupôs a indagação da responsabilidade da transportadora HH.

       De todo o modo, cumpria à Relação ter apreciado a questão do direito de regresso que a ré BB, Lda. pudesse eventualmente exercer, seja contra a ré Transportadora HH, seja também contra a ré DD, por ter sido suficientemente invocado. A omissão de conhecimento dessa questão provoca nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (citados artigos 615º, nº 1, d), 666º, nº 1 e 679º, do Código de Processo Civil).

 Ora o Supremo Tribunal de Justiça não pode suprir esta nulidade, como decorre do disposto no nº 2 do artigo 684º do Código de Processo Civil; o processo tem de voltar ao Tribunal da Relação do Porto para esse suprimento, pelos juízes que proferiram o acórdão recorrido, se for possível.

Esta conclusão não impede que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie todas as questões que não dependem do julgamento sobre o direito de regresso, razão pela qual delas se conhece já neste acórdão; tal como a absolvição das rés transportadora HH e DD em 1ª e em 2ª instância não impede este julgamento. Em primeiro lugar, porque a ré BB, Lda. impugnou o acórdão recorrido por não ter conhecido do direito de regresso; em segundo lugar, porque, apreciando agora a coincidência de absolvições relativamente à ré transportadora HH e à ré DD, sempre teria de se concluir pela inexistência de dupla conforme impeditiva da revista, por diferença essencial de fundamentação (nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil).

   9. Da existência de direito de regresso retira a ré BB, Lda. a consequência de que, a ser condenada, deviam ser condenadas todas as rés que também foram demandadas.

No entanto, a possibilidade de um réu exercer sobre terceiro o direito de regresso quanto ao que vier eventualmente a ser condenado numa acção apenas permite que provoque a respectiva intervenção como parte acessória, e somente para apreciação das questões relativas ao direito de regresso (citado artigo 321º do Código Civil). Sem prejuízo do que a Relação vier a decidir sobre a nulidade arguida, pode aproveitar-se, no caso, a presença da transportadora HH e eventualmente de DD, nos termos já referidos; mas a justificação não vale para condenar as rés, solidariamente, no pagamento da quantia em que a ré BB, Lda. vai ser condenada.


10. A autora pediu a condenação no pagamento de juros moratórios, calculados segundo a DD dos juros comerciais, desde que passou o prazo concedido para o pagamento voluntário na notificação recebida pela ré BB, Lda, em 7 de Fevereiro de 2013 (ponto 7 dos factos provados), 20 dias; ou seja, desde 28 de Fevereiro de 2013.
No entanto, segundo o nº 1 do artigo 27º da CMR, os juros da indemnização a pedir ao abrigo desta CMR são de 5% ao ano e contados “desde o dia em que a reclamação for dirigida por escrito ao transportador”. No caso presente, a autora dirigiu também ao transportador uma notificação judicial avulsa a exigir o pagamento, igualmente recebido em 7 de Fevereiro de 2013 e igualmente concedendo o prazo de 20 dias para o pagamento.
Na verdade, vem provado no ponto 15 que GG (...) enviou uma reclamação à transportadora; mas não se provou a data em que foi emitida (cfr. ponto 15 dos factos provados). Não se apurando tal data, tem de valer o disposto no citado nº  1 do artigo 27º da CMR e os juros são devidos desde que esta acção foi intentada.


11. Nestes termos, decide-se:

a) Conceder provimento à revista da autora AA (2003) LTD. e condenar a ré BB, Lda, no pagamento de € 250.000,00, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à tDD de 5%, contados desde a data da propositura desta acção até integral pagamento;

b) Não conhecer da ampliação do objecto do recurso interposto pela ré BB, Lda., efectuada pela autora AA (2003) LTD, a título subsidiário;

c) Conceder provimento parcial à revista da ré BB, Lda,, no que respeita à arguição de nulidade por omissão de pronúncia;

d) Determinar que o processo volte ao tribunal recorrido para que seja apreciada a nulidade por omissão de pronúncia que foi arguida pela ré BB, Lda., pelos mesmos juízes que subscreveram o acórdão recorrido, se possível, devendo a Relação retirar dessa apreciação os efeitos que couberem;

f) Consequentemente, revogar o acórdão recorrido.

Custas conforme o vencimento que vier a valer a final.

Lisboa, 30 de Abril de 2019

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Olindo dos Santos Geraldes

Maria do Rosário Morgado