Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
106/11.0TBCPV.P2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS
CONTRATO DE SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
ÂMBITO DE COBERTURA DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO DE DEVERES PROFISSIONAIS
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FALTA DE CUMPRIMENTO IMPUTÁVEL AO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / CASO JULGADO.
Doutrina:
- Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. II, 2.ª ed., 354.
- Teixeira de Sousa, «O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material», BMJ 325º, 49 e ss..
Legislação Nacional:
CIRC: - ARTIGO 53.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 798.º, 1154.º E SS., 1157.º E SS.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 581.º, N.º1, 621.º,
DEC. LEI N.º 452/99, DE 5-11: - ARTIGOS 6.º, 11.º, 52.º, N.º4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 3-3-2009; DE 15-12-2011; DE 10-7-2012 (DE TEOR SEMELHANTE AO DE 21-6-11, DO MESMO RELATOR); DE 21-3-2013.
-DE 23-11-2011; DE 10-10-2012; DE 26-6-2012.
-DE 13-12-2007; DE 6-3-2008 E DE 23-11-2011.
-DE 12-7-2011.

( ACESSÍVEIS ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT )
Sumário : I. Julgada improcedente determinada pretensão por falta de verificação de um facto (o efectivo desembolso de uma quantia), o caso julgado formado pela sentença não obsta a que seja interposta nova acção na qual seja alegada a verificação ulterior desse facto para sustentação da mesma pretensão material (art. 621º do CPC).
II. Ainda que em tal situação não seja configurada a excepção de caso julgado (art. 581º, nº 1, do CPC), aquela sentença projecta-se na segunda acção através da autoridade de caso julgado relativamente às demais questões que nela tenham sido especificamente apreciadas.

III. Assim acontece com a questão relacionada com o âmbito de um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de técnico oficial de contas e com o reconhecimento do incumprimento de deveres profissionais perante clientes prejudicados.

IV. O seguro de responsabilidade civil profissional outorgado por técnico oficial de contas cobre a actuação deste relacionada com a informação aos seus clientes/contribuintes acerca das opções de natureza fiscal perante a Autoridade Tributária.

V. O simples facto de ser assumida pelo técnico oficial de contas uma determinada interpretação do regime respeitante ao IRC devido pela actividade desenvolvida pelos seus clientes não o dispensava de informar ou de prevenir tais clientes relativamente a um entendimento diverso assumido pela Autoridade Tributária que se revelava mais oneroso para os contribuintes.

VI. É responsável perante os seus clientes/contribuintes o técnico oficial de contas pelo facto de não os ter informado da necessidade de efectuarem uma declaração sobre o regime de tributação em IRC, o que determinou a sujeição dos mesmos a um determinado regime quando lhes teria sido mais favorável outro regime de tributação.

VII. Tendo o TOC, na sequência da detecção dessa situação, ressarcido os seus clientes/contribuintes pelos prejuízos correspondentes aos diferenciais entre a liquidação de IRC ao abrigo de um ou de outro dos regimes fiscais pode reclamar da Seguradora, ao abrigo do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, o reembolso das quantias pagas.

Decisão Texto Integral:
I - AA intentou contra Companhia de Seguros BB, SA, acção declarativa com processo comum pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 37.608,27, com juros de mora a contar da citação.

Alegou para o efeito que exerce a actividade profissional de Técnico Oficial de Contas (TOC), encontrando-se inscrito na Câmara dos TOC (CTOC) com o n° …, e que esta celebrou com a R., em 7-11-2000, um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, que se regia pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares.

De acordo com as “Condições Particulares” desse seguro obrigatório, previsto pelo n° 4 do art. 52° do Dec. Lei n° 452/99, de 5-11, era tomador “A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas” e segurado o “Técnico Oficial de Contas, inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas”.

No âmbito da sua actividade profissional o A. cometeu falhas profissionais para com alguns dos clientes relacionadas com a opção pelo regime de tributação em IRC ao abrigo do regime comum ou do regime simplificado cuja responsabilidade assumiu e que estava coberta pelo referido contrato de seguro.

Por força das exigências feitas pelos clientes do A. que ficaram prejudicados, o A. teve de suportar as quantias correspondentes ao diferencial entre a tributação que foi aplicada aos clientes aquela que teria existido se o A. tivesse optado pela aplicação de outro regime que era consentido.

A R. contestou por excepção, com invocação do caso julgado material sustentado no facto de o A. já ter anteriormente instaurado uma acção contra a R., a qual foi julgada improcedente.

Por impugnação, alegou o desconhecimento da alegada omissão e danos por ela causados e defendeu que tais factos eram insusceptíveis de constituir o específico risco garantido pela apólice e nunca constituíram fundamento para o accionamento das coberturas, tanto mais que das funções atribuídas a um TOC não cabe a opção pelo regime da contabilidade organizada.

O A. replicou.

A excepção dilatória de caso julgado arguida pela R. foi julgada improcedente por acórdão final deste Supremo Tribunal, com fundamento em que a improcedência do pedido declarada na anterior acção foi motivada unicamente pelo facto de o A. não ter demonstrado nessa acção a efectivação do pagamento das quantias correspondentes aos prejuízos dos seus clientes decorrentes das falhas profissionais imputadas ao A.

Efectuado o julgamento no âmbito desta segunda acção em que tal facto foi alegado e demonstrado, foi proferida sentença de absolvição da R. do pedido.

O A. apelou e a Relação revogou a sentença, julgando parcialmente procedente a acção e condenou a R. no pagamento de € 33.818,72, com juros de mora à taxa de 4%, a partir da citação.

A R. interpôs recurso de revista em que suscitou essencialmente a ausência de incumprimento por parte do A. de algum dever profissional cuja existência era determinante para a responsabilização da R. ao abrigo do contrato de seguro.

Pelo ora relator foi oficiosamente suscitada a questão da autoridade de caso julgado emergente da anterior sentença ou da preclusão dos fundamentos da responsabilidade que nela foram apreciados, tendo em conta que já anteriormente foi interposta outra acção cujo resultado reflectiu apenas a falta de prova do desembolso das quantias que o A. agora veio reclamar da R.

Relativamente a tal questão foram ouvidas as partes, a fim de exercerem o contraditório previsto no art. 3º, nº 3, do CPC.

A R. pronunciou-se e alegou que não teve a efectiva possibilidade de impugnar a sentença proferida na primeira acção, uma vez que o segmento decisório não implicava para si um prejuízo superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância, não podendo ser invocada contra si a “autoridade do caso julgado” formado por tal sentença cuja aplicação afecta o seu direito de defesa e o direito a um processo equitativo. Alegou ainda que do segmento decisório da aludida sentença nada de útil se retira com implicações na presente acção, tanto mais que o próprio A. instaurou esta segunda acção sem extrair da sentença proferida na anterior acção esse efeito de autoridade de caso julgado e sem ter impugnado o despacho saneador e o despacho que fixou os temas da prova.

O A. respondeu de modo concordante com o entendimento que foi exposto no despacho sobre a aplicação dos efeitos da autoridade do caso julgado.

Colhidos os vistos, importa apreciar o recurso de revista, cujo objecto é definido pelas alegações e pelo teor do antecedente despacho do ora relator.


II - Factos provados:

1 – O A. exerce a actividade profissional de Técnico Oficial de Contas (TOC), encontrando-se inscrito na Câmara dos TOC (CTOC) com o nº …, conforme doc. de fls. 25.

2 – A CTOC celebrou com a R., em 7-11-2000, um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice nº 87/…, que se regia pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares, constantes do doc. de fls. 143-144 e 145 e ss.

3 – De acordo com as “Condições Particulares” do referido contrato, é tomador do seguro “A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas” e segurado é o “Técnico Oficial de Contas, inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas”, cuja obrigação de subscrição deste seguro se encontra estabelecida pelo nº 4 do art. 52º do Dec. Lei n.º 452/99, de 5-11 – Estatuto da Câmara dos TOC.

4 – De acordo com o art. 2º das Condições Gerais do contrato aludido em 2.:

O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da Lei Civil, seja imputável ao Segurado, na qualidade ou exercício da actividade referidas nas respectivas condições Especiais e Particulares”.

5 – De acordo com o ponto 3º das Condições Particulares do contrato mencionado em 3., o âmbito de cobertura, compreende, entre outras:

As indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, em consequência de danos patrimoniais causados a clientes e/ou terceiros, desde que resultem de actos ou omissões cometidas durante o exercício da actividade de Técnico Oficial de Contas”.

6 - É o A. quem prepara, elabora e recolhe a assinatura dos seus clientes nas declarações fiscais que estes submetem à Administração Fiscal.

8 – No ano fiscal de 2002, ano seguinte ao do início da actividade dos clientes/contribuintes a seguir mencionados, o A. não lhes comunicou para exercerem a opção pelo regime geral ou serem tributados pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável.

9 – Sendo que no sobredito ano de início de actividade aqueles contribuintes, nas respectivas declarações de IRC, haviam colocado uma cruz na quadrícula da opção pelo regime geral.

10 – Omissão que decorreu do convencimento do A. de que aqueles seus clientes continuariam a ser tributados pelo regime geral durante, pelo menos, os três primeiros exercícios.

11 – Por não ter sido exercida a opção referida em 8., alguns contribuintes/clientes do A. foram tributados pela Administração Fiscal em montantes de IRC superiores àqueles que resultariam da aplicação do regime geral.

12 – Os quais vieram a exigir do A. o pagamento das quantias resultantes da diferença entre o imposto a pagar se tributados pelo regime geral e o imposto efectivamente pago pelo regime simplificado, em virtude de não ter ocorrido declaração atempada de opção pelo regime geral.

13 - Com referência ao exercício fiscal de 2002, Construções CC, Lda, NIF …, com sede em …, Tarouquela, Cinfães, foi tributada pelo regime simplificado, tendo a pagar aos Serviços Fiscais € 10.726,46, no pressuposto de que a firma obteve um lucro de € 53.632,31, quando, se tributada pelo regime geral o lucro real seria de € 3.746,30 e teria a pagar € 1.123,89, conf. doc. de fls. 16 e ss.

14 – Assim ascendeu a € 9.602,57 (€ 10.726,46 - € 1.123,89) o excesso de imposto imputado à dita firma em consequência do erro do A.

15 – Por não ter pago aos Serviços de Finanças os montantes devidos pelo exercício de 2002, devido a dificuldades financeiras, à firma em causa, foi instaurado processo de execução, n.º 253…, conf. doc. de fls. 26 e ss., com os encargos daí advenientes.

16 – Uma vez que a firma executada, devedora principal, não dispunha de bens suficientes para o pagamento da dívida, os Serviços Fiscais accionaram subsidiariamente os sócios-gerentes daquela, DD e marido EE, nos termos do disposto na Lei Geral Tributária, conf. doc. de fls. 26 e ss. e de fls. 29 e ss.

17 – Em 12-10-09, DD, NIF … procedeu ao pagamento por reversão do processo de execução fiscal identificado em 16., de € 9.039,32, montante respeitante ao exercício de 2002, conf. doc. de fls. 26.

18 – Em 19-10-09, EE, NIF …, procedeu ao pagamento por reversão do processo de execução fiscal identificado em 16., de € 6.000,00, conf. doc. de fls. 27, fls. 2, sendo que daquela quantia apenas € 1.218,16 (€ 781,22€+€ 436,94€) se reportavam ao exercício de 2002.

19 – A mencionada cliente/contribuinte foi tributada, a final, em € 10.257,48 (€ 9.039,32 + € 1.218,16), quantia suportada por aqueles seus sócios-gerentes, montante que aqueles, na sobredita qualidade de sócios-gerentes da Construções CC, Lda, exigiram ao A. e que este lhes entregou, em numerário, aos 9-10-09, conf. doc. de fls. 31.

20 – Com referência ao exercício fiscal de 2002, Construções FF, Lda, NIF …, com sede em …, Sobrado, Castelo de Paiva, foi tributada pelo regime simplificado, tendo pago aos SF, aos 8-8-05, € 5.309,56, no pressuposto de que a firma obteve um lucro de € 36.559,15, quando, se tributada pelo regime geral o lucro real seria de € 2.426,84 e teria a pagar € 728,05, conf. doc. de fls. 32 e ss.

21 – E ascendeu a € 4.581,51 (€ 5.309,56 - € 728,05) o excesso de imposto pago pela firma, montante que o referido contribuinte/cliente exigiu ao A., e que este entregou em numerário, em 1-9-08, a GG, na qualidade de sócio-gerente daquela sociedade, conf. doc. de fls. 42.

22 – Com referência ao exercício fiscal de 2002, HH, Ldª NIF …, com sede em …, Sobrado, Castelo de Paiva, foi tributada pelo regime simplificado, tendo pago aos SF, em 10-8-05, € 1.764,85, no pressuposto de que a firma obteve um lucro de € 10.624,35, quando, se tributada pelo regime geral, teria um prejuízo de € 8.066,23 e ficaria isento de imposto, conf. doc. de fls. 43 e ss.

23 – Ascendendo a € 1.764,85 o excesso de imposto pago pela firma, montante que o referido contribuinte/cliente exigiu ao A., e que este entregou em numerário, aos 30-8-08, a II, na qualidade de sócio-gerente daquela referida Firma, conf. doc. a fls. 53.

24 – Com referência ao exercício fiscal de 2002, Construções A. V. Nunes, Ldª, NIF 505667622, com sede em Curvite, Sobrado, Castelo de Paiva, foi tributada pelo regime simplificado, tendo pago aos SF, aos 28-10-05, € 4.239,23, conf. fls. 54 e ss., no pressuposto de que a firma obteve um lucro de € 26.488,81, quando se tributada pelo regime geral o lucro real seria de € 2.722,80 e teria a pagar € 816,84, conf. doc. de fls. 56 e ss.

25 – E ascendeu a € 3.422,39 (€ 4.239,23 - € 816,84) o excesso de imposto imputado à firma.

26 – Contudo, face às más relações decorrentes do erro do A., o cliente exigiu que aquele pagasse integral e directamente aos SF o valor apurado de € 4.239,23 (€ 3.615,85 + € 623,38), cfr. doc. 12, o que foi feito, já em sede de execução fiscal, através do cheque do A. nº 94… do BANCO JJ, em 29-10-05, conf. doc. de fls. 67.

27 – Com referência ao exercício fiscal de 2002, Construções KK, Ldª NIF …, com sede em …, Bairros, Castelo de Paiva, foi tributada pelo regime simplificado, tendo pago aos SF, em 2-5-06, já em sede de execução fiscal, € 8.693,05, cfr. doc. nº 15, no pressuposto de que a firma obteve um lucro de € 58.176,20, quando, se tributada pelo regime geral, o lucro real seria de € 5.281,40 e teria a pagar € 1.584,42, conf. doc. de fls. 69 e ss.

28 – E ascendeu a € 7.108,63 (€ 8.693,05 - € 1.584,42) o excesso de imposto pago pela firma, montante que o contribuinte/cliente viria a exigir ao A., e que este entregou em numerário, aos 22-12-08, a LL, na qualidade de sócia-gerente daquela firma, conf. declaração por aquela emitida e datada aos 3-12-10, doc. de fls. 78.

29 – Com referência ao exercício fiscal de 2002, Construções MM, Lda, Ldª, NIF …, com sede em Quinta …, nº …, …, Sobrado, Castelo de Paiva, foi tributada pelo regime simplificado, tendo a pagar aos SF € 7.765,95, no pressuposto de que a firma obteve um lucro de € 38.829,75, quando se tributada pelo regime geral o lucro real seria de € 1.423,93 e teria a pagar € 427,18, conf. doc. de fls. 79 e ss.

30 – E ascendeu a € 7.338,77 (€ 7.765,95 - € 427,18) o excesso de imposto imputado àquela Firma.

31 – Por não ter sido pago aos SF os montantes referentes ao exercício de 2002, à firma em causa foram instaurados processos de execução fiscal, com os encargos daí advenientes, conf. doc. de fls. 82 e ss.

32 – Dado que a Firma executada, devedora principal, não dispunha de bens suficientes para o pagamento da dívida, os Serviços Fiscais, nos termos do disposto na LGT, accionaram subsidiariamente NN e OO, sócios-gerentes daquela, conf. doc. de fls. 84 e 82 e ss.

33 – Face às más relações decorrentes do erro do A., o cliente/contribuinte exigiu que aquele pagasse integral e directamente aos SF o montante total decorrente do exercício de 2002, que, por não pago atempadamente, deu origem a dois processos de Execução Fiscal, nº 00602…, conf. doc. de fls. 86 e ss., e nº 00602…, conf. doc. de fls. 82 e ss.

34 – O A., em 31-12-08, pagou em nome do referido OO, já na fase de pagamento por reversão fiscal, doc. nº 8102100607721710000055, a quantia de € 9.189,81, conf. doc. de fls. 88-89, tendo procedido, na mesma data, em nome do mencionado NN, já na fase de pagamento por reversão fiscal, ao pagamento de € 140,61, doc. 08102100607221719900056, conf. doc. de fls. 90, e a quantia de € 326,15, doc. 08102100607021410000297, conf. doc. de fls. 86-87.

35 – Decorrendo do acima vertido que a mencionada cliente/contribuinte foi tributada, a final em € 9.656,57 (€ 9.189,81+€ 140,61+€ 326,15), quantia paga pelo A., no interesse e em nome daqueles, através do cheque nº 32…, sacado sobre o BANCO PP, aos 31-12-08, conf. doc. de fls. 91.

36 – E uma vez que foi a referida cliente/contribuinte a beneficiar daquele pagamento, aos 31-12-08, NN declarou, na qualidade de sócio-gerente da Construções MM, Lda, o recebimento daquela quantia, conf. doc. de fls. 92 dos autos, titulada pelo supra referido cheque bancário.


III – Decidindo:

1. Das múltiplas conclusões formuladas pela R. recorrente resulta que a mesma considera que o A. não incumpriu qualquer dever de diligência para com os seus clientes, dado que, ao invés do que entendera a Autoridade Tributária, os mesmos não estavam onerados com a apresentação de qualquer declaração de alterações referente ao ano fiscal de 2002 no sentido da opção entre o regime geral de tributação em IRC e o regime simplificado, por já terem exercido a opção pelo regime geral aquando da declaração de início da actividade.

A única questão que verdadeiramente resulta das alegações de recurso respeita ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil profissional que para a R. Seguradora foi transferida mediante contrato de seguro de grupo.

Considera a R. que o A. não incorreu esmo em qualquer erro quanto à interpretação que fez do art. 53º do CIRC susceptível de o responsabilizar perante os seus clientes pelo facto de não ter exercido ou de não ter aconselhado os seus clientes a exercer a opção de tributação pelo regime geral de tributação em IRC, o que afastaria a responsabilidade da R. Seguradora.

Neste Supremo foi oficiosamente suscitada a questão, de natureza prejudicial, da aplicação ao caso dos efeitos da autoridade de caso julgado emanados da sentença proferida numa anterior acção que o A. instaurou contra a R., na qual veio a ser declarado o incumprimento dos referidos deveres profissionais, improcedendo o pedido de condenação que perlo A. fora formulado pelo simples facto de não ter comprovado nessa acção o efectivo pagamento das quantias que foram liquidadas a mais pela Autoridade Tributária aos seus clientes.

A apreciação da revista, segue, assim, duas vias alternativas:

a) Em primeiro lugar, pela via adjectiva, analisando a sentença proferida na anterior acção, na parte em que considerou verificados os pressupostos da responsabilidade da Seguradora, para ponderar se a demonstração na presente acção do pagamento dos quantitativos por parte do A. implica a condenação da R. Seguradora por via da autoridade do caso julgado ou da preclusão dos fundamentos da responsabilidade apreciados na anterior sentença, atento o disposto no art. 621º do CPC,

b) Em segundo lugar, independentemente dos referidos efeitos da autoridade de caso julgado, apreciar se a matéria de facto permite confirmar o incumprimento de dever profissional por parte do A., legitimando o accionamento do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional que celebrou com a R. Seguradora.


2. Antes, porém, importa enquadrar juridicamente o presente litígio.

O art. 52º, nº 4, do Dec. Lei nº 452/99, de 5-11, em vigor na data a que os factos se reportam, determinava a obrigatoriedade de os técnicos oficiais de contas (TOC) com a inscrição em vigor contratarem um “seguro de responsabilidade civil profissional”, pelo capital mínimo de € 50.000,00.

Desse modo se acautelou a transferência para uma Seguradora da responsabilidade civil decorrente do exercício da profissão de TOC, permitindo-se repercutir na Seguradora a responsabilidade perante os respectivos clientes.

Tal diploma é parco na enunciação das condições em que poderia ser exigida da Seguradora a responsabilidade, relevando o teor da apólice de seguro, no segmento das cláusulas gerais e especiais. Ainda assim, o âmbito da cobertura de tal contrato de seguro a que o A. aderiu foi objecto de divergência, como o revelam diversos arestos deste Supremo Tribunal de Justiça acessíveis através de www.dgsi.pt.

No processo de que emanou o Ac. do STJ, de 3-3-09 (www.dgsi.pt), discutiu-se a interpretação do clausulado contratual geral, numa iniciativa da CTOC, para valer relativamente a todos os associados que outorgaram o contrato de seguro.

Já o Ac. do STJ, de 15-12-11, tem o seguinte sumário:

1. Cabe no âmbito das funções do técnico oficial de contas informar as entidades suas clientes acerca das opções legais de que dispõem, no que concerne aos regimes de tributação a que poderão sujeitar-se, pelo que os danos causados pela omissão do cumprimento de tal obrigação se encontram cobertos pelo seguro de responsabilidade profissional celebrado.

2. Como profissional tecnicamente habilitado, compete ao TOC zelar pela regularidade da contabilidade dos seus clientes, responsabilizando-se por ela com inteiro acatamento das normas legais em vigor (art. 6º, nº 1, als. a) e b), do DL nº 452/99, de 05-11, que aprovou o Estatuto da CTOC), exercendo a responsabilidade que assume simultaneamente no interesse do contribuinte e no interesse geral.

3. Numa situação em que a lei ordinária dê a escolher aos interessados o regime de tributação a que queiram submeter-se, autorizando-os, implicitamente, a organizar e planificar a sua contabilidade em função disso, não está fora das atribuições do técnico oficial de contas informar os clientes acerca do alcance de tal opção, quando é certo ser ele o único responsável legal pela regularidade técnica da empresa na área contabilística e na área fiscal.
4. Competindo aos técnicos oficiais de contas o exercício de “funções de consultadoria, nas áreas da respectiva formação” (al. a), do nº 2, do citado preceito), e incidindo esta, necessariamente, nas áreas da contabilidade e da fiscalidade, o aconselhamento das respectivas clientes acerca do regime de tributação está incluído nas suas funções profissionais
”.

Por seu lado, o Ac. do STJ de 10-7-12 (de teor semelhante ao do Ac. de 21-6-11, do mesmo relator), tem o seguinte sumário:

3. Uma das principais funções do TOC é assegurar o cumprimento das boas regras contabilísticas e o cumprimento das regras fiscais, assumindo a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada.

4. Quando um TOC informa a entidade para que presta serviço acerca de qual o regime tributário que deve ser seguido – simplificado de tributação ou regime normal assente na contabilidade organizada –, está a exercer uma actividade que se enquadra na planificação da execução da contabilidade para a qual tem competência funcional.

5. A informação prestada pelo TOC para opção do regime tributário insere-se na sua actividade de consultadoria.

6. Quando os clientes, as entidades sujeitas aos impostos, contratam um TOC esperam dele competência e diligência no exercício das respectivas funções, que passam pelo pagamento ao Estado dos impostos sobre o rendimento que têm de pagar, por uma aplicação judiciosa e consciente das normas fiscais e contabilísticas, e por deles exigirem um especial dever de informação sobre a forma como as suas obrigações fiscais devem ser cumpridas”.

Do exposto resulta que se encontra clarificado o âmbito de aplicação do contrato de seguro de que o A. era parte, abarcando o incumprimento de deveres profissionais, entre os quais o de informar ou alertar os clientes para a necessidade ou conveniência na efectivação de uma declaração de opção relativamente à aplicação do regime geral de IRC.

Aliás, esta solução não é questionada no presente recurso pela R. que, para afastar a sua responsabilidade, se limita a defender que não existiu qualquer erro profissional imputável ao A., pelo facto de os seus clientes não terem necessidade de efectuar aquela opção, já que a mesma teria sido efectuada aquando do início da actividade empresarial sujeita a IRC.


3. Autoridade do caso julgado associado à demonstração do desembolso das quantias por parte do A.;

3.1. Elementos a ponderar:

- O A. instaurou contra a R. uma acção declarativa de condenação, formulando um pedido de natureza pecuniária em que se contém o pedido formulado na presente acção, sendo sustentada nos mesmos factos, com a única diferença de que em tal acção não se provou a efectivação do pagamento por parte do A. aos respectivos clientes do diferencial entre a liquidação do IRC pelo regime geral e pelo regime simplificado;

- Na sentença proferida em tal acção concluiu-se “pela necessidade de ser feita a opção a que alude a parte final do nº 1 do art. 53º do CIRC no prazo legal, ou seja, até ao final do mês de Março de 2002” (certidão de fls. 295);

- Afirmou-se “que a conduta ajuizada imputável ao A. estava abrangida pelo âmbito da cobertura do predito contrato de seguro de responsabilidade civil” (fls. 298);

- Considerou-se “a formalização da opção pelo regime geral de tributação incluída no âmbito de funções legais dos técnicos oficiais de contas” (fls. 299);

- E considerou-se também que:

Verificados se encontram os pressupostos da responsabilidade civil contratual do A. para com os seus clientes em causa, ao nível da existência de uma conduta inadimplente culposa por banda daquele”;

Não tendo actuado de modo competente e diligente, é responsável pela omissão praticada no exercício das suas funções”;

 “No caso vertente, provou-se que os contribuintes/clientes do A., como consequência directa e necessária do lapso culposo daquele, sofreram prejuízos consubstanciados no facto de terem sido tributados pelo regime simplificado em quantias superiores àquelas que resultariam da tributação pelo regime geral, montantes esses que liquidaram”;

Mas também se refere que “sucede que não se provou que algum dos mencionados clientes do A. tivesse exigido deste o pagamento da respectiva indemnização pelo dano sofrido e, muito menos, que o demandante tivesse suportado qualquer daqueles prejuízos” (fls. 300);

- Concluiu que, “embora proceda o primeiro pedido do A – meramente instrumental – não pode merecer acolhimento o pedido de condenação da R. a pagar ao A. a quantia correspondente a danos causados por este a clientes seus, e por si suportados” (fls. 300).

- Consequentemente, no segmento decisório, foi julgada parcialmente procedente a pretensão nos seguintes termos:

Considerar incluídos no “Âmbito da Cobertura” do seguro de responsabilidade civil profissional entre a CTOC e a R. os danos patrimoniais causados a clientes do A. (associado da CTOC), por este não ter alertado os seus referidos clientes para a opção pelo regime geral como forma de evitar a sua tributação pelo regime simplificado;

- Absolver a R. do pedido formulado na al. b)” (ou seja, pedido de condenação no pagamento da quantia de € 44.787,79, por danos causados pelo A. aos seus clientes e que teve de suportar);

- Tal sentença transitou em julgado em 5-5-2008 (certidão de fls. 277).

- Na sequência do trânsito em julgado de tal acção, o A. instaurou a presente acção, em 8-4-2011, em que alegou e demonstrou a efectivação do referido pagamento posteriormente ao trânsito em julgado daquela sentença nos valores que decorrem da matéria de facto apurada;

- A R. suscitou na contestação a excepção de caso julgado, mas, depois de controvérsia estabelecida nas instâncias, tal excepção veio a ser julgada improcedente por este Supremo que no Ac. de 28-11-13 concluiu não se verificar a excepção de caso julgado, sendo dele o seguinte sumário:


4. A verificação, posterior ao encerramento da discussão de facto da 1ª instância, de facto em cuja falta se tenha fundado a absolvição do pedido não impede a ulterior propositura de nova acção: os factos ocorridos após o encerramento da discussão são factos novos para efeitos de preencherem uma nova causa de pedir”.

Da motivação de tal aresto decorre, além do mais, o seguinte:

“ … tais pagamentos integram a noção de um facto novo … em cuja falta se fundou a absolvição do pedido na primeira acção, sendo-o por não poder ser conhecido do tribunal do julgamento no momento da decisão” e rematou “podendo ser invocados … como uma nova causa de pedir numa acção posterior” (fls. 433).


3.2. Como decorre do exposto, a sentença proferida na anterior acção não reunia as características determinantes da procedência da excepção de caso julgado que na presente acção foi julgada improcedente. Mas tal não significa que se reabra a discussão na presente acção relativamente a tudo quanto já foi alegado e apreciado na anterior acção.

Tendo em conta que a pretensão formulada pelo A. nesta primeira acção improcedeu unicamente pelo facto de não terem sido demonstrados os pagamentos cuja existência era imprescindível para a responsabilização da Seguradora, na presente acção deverão considerar-se verificados os demais pressupostos da responsabilidade, sendo a actividade judicativa circunscrita aos efeitos emergentes da demonstração daquele pagamento.

É o que decorre explicitamente do art. 621º do CPC, no segmento reportado à inverificação de um determinado facto considerado determinante para a procedência da acção. Sendo em tais circunstâncias permitida a instauração de nova acção sem que o A. corra o risco da excepção de caso julgado, nesta segunda acção devem ser dados como adquiridos os pressupostos do direito cuja verificação já tenha sido apreciada na primeira acção. De outro modo correr-se-ia o risco de obter julgados contraditórios, com o rol de consequências negativas em termos de eficácia dos instrumentos processuais e no que concerne à certeza do direito e valor jurídico das sentenças.

Tratando-se de acção que visa o accionamento do contrato de seguro de responsabilidade civil respeitante ao risco profissional do A., assim acontece com a cobertura deste risco profissional pela apólice de seguro, pois que no segmento decisório da primeira sentença foi decidido “considerar incluídos no «Âmbito da Cobertura» do seguro de responsabilidade civil profissional entre a CTOC e a R. os danos patrimoniais causados a clientes do A. (associado da CTOC), por este não ter alertado os seus referidos clientes para a opção pelo regime geral como forma de evitar a sua tributação pelo regime simplificado”.

O mesmo se verifica relativamente à admissibilidade de repercutir na Seguradora a responsabilidade que os clientes do A. lhe imputaram com base no incumprimento de deveres profissionais, ante a afirmação que consta da referida sentença de que “verificados se encontram os pressupostos da responsabilidade civil contratual do A. para com os seus clientes em causa, ao nível da existência de uma conduta inadimplente culposa por banda daquele” e que “não tendo actuado de modo competente e diligente, é responsável pela omissão praticada no exercício das suas funções”.

Embora, como já foi afirmado por este Supremo no anterior acórdão, não se deva considerar verificada a excepção dilatória de caso julgado, impõe-se, sem qualquer dúvida, relevar a força ou autoridade de caso julgado que emerge da sentença transitada em julgado na primeira acção, ou, com o mesmo efeito, considerar precludida a discussão dos pressupostos da responsabilidade que em tal sentença já foram reconhecidos, maxime a cobertura pela apólice do risco profissional e a verificação de incumprimento culposo de deveres profissionais que impendiam sobre o A.

Por conseguinte, o objecto da discussão está circunscrito à existência ou não do pagamento das quantias aos clientes do A. que ficaram prejudicados pela sua actuação.


3.3. É neste sentido a jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal de Justiça, de que daremos alguns exemplos.

- Ac. do STJ, 21-3-13:

Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado, pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta”.

Efectivamente, como se refere em tal aresto, o instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. E se a função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a fim de evitar a repetição de causas, a função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado.

- O Ac. do STJ de 23-11-11 tem o seguinte sumário:

1. A força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário da predita parte do julgado.

2. A função negativa do caso julgado é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (art. 497º, nºs 1 e 2, do CPC), implicando a tríplice identidade a que se reporta o art. 498º, nº 1, do CPC.

3. A autoridade do caso julgado, por via da qual é exercida a função positiva do caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da aludida tríplice identidade, pressupondo, todavia, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida”.

- Semelhante entendimento já foi expresso no Ac. do STJ, de 10-10-12, relatado pelo ora relator, ainda que a respeito de uma questão de direito de propriedade, nele se sumariando que:

1. A autoridade de caso julgado inerente a uma decisão que reconheceu ao autor o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno e condenou o réu na sua restituição e na demolição da construção que na mesma foi erigida impede que este, em nova acção, peça o reconhecimento do direito de propriedade sobre a mesma parcela, ainda que com fundamento na acessão industrial imobiliária.

2. Apesar de em tal situação não se verificar a excepção de caso julgado, atenta a diversidade da causa de pedir, a segurança e a certeza jurídica decorrentes do trânsito em julgado da decisão obstam a que em posterior acção se questione o direito de propriedade e as obrigações de restituição e de demolição reconhecidas na primeira acção com base numa realidade que naquela ocasião já se verificava e que aí poderia ter sido invocada quer para impedir a procedência da acção, quer para sustentar, em sede de reconvenção, o direito potestativo de acessão imobiliária”.

- O Ac. do STJ, de 26-6-12, vai no mesmo sentido:

1. A figura jurídico-processual do caso julgado pressupõe a existência de uma decisão que resolveu uma questão que entronca na relação material controvertida ou que versa sobre a relação processual, e visa evitar que essa mesma questão venha a ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal.

2. Na análise do caso julgado há que ter em conta duas vertentes que não se confundem: uma, que se reporta à excepção dilatória do caso julgado, cuja verificação pressupõe o confronto de duas acções – contendo uma delas decisão já transitada – e uma tríplice identidade entre ambas: de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; a outra, respeitante à força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, que se prende com a sua força vinculativa.

3. A força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado”.

- Outrossim o Ac. do STJ, de 12-7-11:

“…

2. Para além do caso julgado, que constitui um obstáculo a uma nova decisão de mérito, há igualmente que atender à autoridade do caso julgado, a qual tem antes o efeito positivo de impor a decisão.

3. A expressão “limites e termos em que julga”, constante do art. 673º do CPC, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção.

4. Tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado.

5. Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – problema dos limites objectivos do caso julgado –, tem de reconhecer-se que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.

6. A autoridade do caso julgado caracteriza-se pela insusceptibilidade de impugnação de uma decisão em consequência do carácter definitivo decorrente do respectivo trânsito, designadamente por via de recurso. Se essa autoridade vem a ser posteriormente colocada numa situação de incerteza, pelas mesmas partes, seja em processos diferentes, seja no mesmo processo, então será possível ocorrer ofensa do caso julgado formado na acção anterior.

7. Definido em acção anterior entre as mesmas partes quem fora o responsável pelo acidente de viação, a questão, uma vez decidida, ficou a ter força obrigatória dentro e fora do processo, não podendo contrariar-se a autoridade do caso julgado”.


3.4. A autoridade de caso julgado que emerge da sentença que transitou em julgado e a excepção de caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica, referindo Lebre de Freitas que “pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida” (CPC anot., vol. II, 2ª ed., pág. 354).

Também Teixeira de Sousa discorre que “a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior” (O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325º, pág. 49 e segs.).

Enfim, a autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art. 498º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida (cfr. os Acs do STJ, de 13-12-07, de 6-3-08 e de 23-11-11 (www.dgsi.pt).

Acresce que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado (Ac. do STJ de 12-7-11, em www.dgsi.pt).

Como refere Lebre de Freitas, na anot. ao art. 673º do anterior CPC, a admissibilidade de instauração de nova acção, malgrado a improcedência da anterior, por falta de preenchimento de uma condição e, o necessário respeito pelos pressupostos que na primeira acção já tenham sido apreciados, é de aplicar também aos casos de “verificação, posterior ao encerramento da discussão de facto em 1ª instância, de facto em cuja falta se tenha fundado a absolvição do pedido”.


3.5. Não procedem contra esta via decisória os argumentos empregues pela R.

Em primeiro lugar, não há dúvida alguma de que na sentença que foi proferida na primeira acção foi inscrito no segmento decisório “considerar incluídos no “Âmbito da Cobertura” do seguro de responsabilidade civil profissional entre a CTOC e a R. os danos patrimoniais causados a clientes do A. (associado da CTOC), por este não ter alertado os seus referidos clientes para a opção pelo regime geral como forma de evitar a sua tributação pelo regime simplificado.

O mesmo se verifica relativamente ao outro pressuposto da transferência da responsabilidade para a R. Seguradora, isto é, à afirmação inequívoca da existência de incumprimento de deveres profissionais, ante a afirmação que consta da referida sentença da “existência de uma conduta inadimplente culposa por banda daquele” (do A.) e de este “não ter actuado de modo competente e diligente”, sendo “responsável pela omissão praticada no exercício das suas funções”.

Afinal, tal acção apenas não procedeu na sua totalidade, ou seja, quanto ao pedido de condenação no montante que foi peticionado pelo A., por não se ter apurado que o mesmo já tivesse suportado efectivamente os prejuízos que foram causados aos respectivos clientes por força do incumprimento de deveres profissionais ligados ao regime de IRC.

Nessa medida não faria sentido algum que, transitada em julgado a referida sentença, com aquele segmento e com esta fundamentação incisiva sobre os pressupostos da responsabilidade da R. Seguradora, pudesse ser renovada na presente acção a discussão em torno dessa questão que ficou definitivamente coberta pelo autoridade de caso julgado formado no preciso momento em que aquela sentença transitou em julgado.

Em segundo lugar, não obsta à aplicação da referida autoridade do caso julgado formado o facto de a R. não ter recorrido da sentença.

Como decorre da certidão judicial de fls. 277, a sentença proferida em 10-3-08 transitou em julgado em 5-5-08, mas tal só aconteceu pelo facto de que nem a R. nem o A. (ambos parcialmente vencidos) interpuseram recurso de apelação, como o legitimava o que então se dispunha no art. 678º do CPC anterior que era aplicável ao caso.

Neste aspecto, não merece qualquer crédito o argumento apresentado pela R. de que não tinha condições para recorrer. Além de tal circunstância irrelevar por completo para efeitos de aplicação da autoridade de caso julgado, o certo é que, estando em causa em tal acção uma pretensão cujo valor económico era de € 44.787,79 (muito superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância), cuja procedência dependia não apenas da prova do pagamento desse valor como ainda da cobertura do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a R., esta reunia condições para impugnar a sentença, na parte em que nela se considerou abarcado pelo contrato de seguro a responsabilidade profissional que era imputada ao A. pelos seus clientes e se afirmou a efectiva existência de responsabilidade civil profissional do A. Afinal, como se disse, o resultado apenas não foi totalmente favorável ao A. (e totalmente desfavorável à R., com a sua condenação imediata nos quantitativos peticionados) pelo simples facto de não se ter apurado que o A. já tivesse desembolsado efectivamente a favor de tais clientes alguma quantia correspondente aos prejuízos causados e cobertos pelo referido contrato de seguro.

Deste modo decai também por completo o argumento em torno da alegada violação do direito de defesa ou do direito a um processo equitativo.

Também não apresenta qualquer relevo para o caso o facto de o A. não ter reagido na presente acção quanto ao despacho em que foram enunciados os temas de prova que, pressupondo um entendimento diverso da 1ª instância, acabaram por envolver todas as questões que foram suscitadas nos articulados, sem excepção das que até já estavam cobertas pela aludida autoridade de caso julgado.

Com efeito, o relevo a atribuir à autoridade de caso julgado é independente da actuação de qualquer das partes, constituindo um aspecto que visa evitar quer a contradição de julgados, quer a repetição de decisões ou de segmentos decisórios, pondo em causa o prestígio dos tribunais ou os valores da eficácia processual. Ademais, a elaboração dos temas de prova constitui uma tarefa de natureza meramente instrumental da qual não podem ser extraídos efeitos definitivos em qualquer dos sentidos.


3.6. Como se referiu, na primeira acção o pedido de condenação foi julgado improcedente unicamente por falta de demonstração da realização dos pagamentos aos clientes do A. prejudicados pelo seu desempenho profissional.

Simultaneamente foi reconhecida pela sentença a “necessidade de ser feita a opção a que alude a parte final do nº 1 do art. 53º do CIRC no prazo legal, ou seja, até ao final do mês de Março de 2002” (certidão de fls. 295) e foi nela afirmado “que a conduta ajuizada imputável ao A. estava abrangida pelo âmbito da cobertura do predito contrato de seguro de responsabilidade civil” (fls. 298).

Ora, estando agora demonstrados nesta acção aqueles pagamentos, mais não resta a este Supremo do que relevar o que na anterior acção se decidiu por sentença transitada em julgado sobre os demais pressupostos da responsabilidade e confirmar a condenação da R. nos termos declarados pelo acórdão recorrido.


4. Accionamento do seguro de responsabilidade civil profissional:

4.1. Mas ainda que não houvesse que respeitar na presente acção a autoridade do caso julgado que emana da sentença proferida na anterior acção, ainda assim seria de confirmar o acórdão recorrido.

No caso concreto, foi o próprio A. que assumiu que no exercício da sua actividade contratada com a algumas empresas tributadas em IRC não efectuou uma diligência que a Autoridade Tributária considerou exigível. Malgrado no início da actividade empresarial os referidos clientes terem declarado que optavam pelo regime geral, o A. não os instruiu no sentido de fazer a opção específica relativamente ao ano fiscal de 2002, de que resultou, tendo em conta o entendimento adoptado pela Administração Fiscal, a integração dos mesmos no regime simplificado que afinal se revelou mais gravoso em termos de tributação do que aquele que emergiria do regime geral.

Está provado que:

8. No ano fiscal de 2002, ano seguinte ao do início da actividade dos clientes/contribuintes a seguir mencionados, o A. não lhes comunicou para exercerem a opção pelo regime geral ou serem tributados pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável.

9. Sendo que no sobredito ano de início de actividade aqueles contribuintes, nas respectivas declarações de IRC, haviam colocado uma cruz na quadrícula da opção pelo regime geral.

10. Omissão que decorreu do convencimento do A. de que aqueles seus clientes continuariam a ser tributados pelo regime geral durante, pelo menos, os três primeiros exercícios.

11. Por não ter sido exercida a opção referida em 8., alguns contribuintes/clientes do A. foram tributados pela Administração Fiscal em montantes de IRC superiores àqueles que resultariam da aplicação do regime geral.

12. Os quais vieram a exigir do A. o pagamento das quantias resultantes da diferença entre o imposto a pagar, se tributados pelo regime geral, e o imposto efectivamente pago pelo regime simplificado, em virtude de não ter ocorrido declaração atempada de opção pelo regime geral”.


4.2. As instâncias – malgrado o que já fora decidido na primeira acção - divergiram quanto à verdadeira interpretação do preceituado no art. 53º do CIRC, na redacção aplicável ao caso.

A 1ª instância concluiu que não existiu, afinal, qualquer falha profissional da parte do A. que interpretou devidamente o normativo em causa, sendo o erro de imputar à Autoridade Tributária que, sem motivo, considerou exigível a referida declaração de cuja falta extraiu as consequência diversas para os contribuintes que haviam confiado ao A. os assuntos de natureza fiscal.

Já a Relação considerou que, na ocasião em que ocorreram os factos, a interpretação da norma fiscal não era líquida, existindo divergências que só vieram a ser resolvidas posteriormente pelo STA. Nessa medida, não tendo o A. confrontado os seus clientes com a necessidade ou com a conveniência de efectuarem a declaração de opção pelo regime de tributação, tal corresponderia ao incumprimento de deveres profissionais, sendo as suas consequências repercutíveis na Seguradora que assumira a responsabilidade pelo risco profissional da actividade desenvolvida pelo A. através do contrato de seguro.


4.3. Houve efectivamente uma divergência relativamente à interpretação da norma do art. 53º do IRC na redacção vigente no ano de 2002.

A Autoridade Tributária considerou que teria sido necessária a declaração de opção pela tributação segundo o regime geral que era mais favorável, sendo insuficiente a indicação dessa opção aquando do início da actividade empresarial. Já o A. e outros associados da CTOC, exercendo a actividade de técnicos oficiais de contas, terão considerado que tal opção não seria necessária para que os respectivos clientes/contribuintes pudessem beneficiar do regime tributário mais favorável.

Recusando a Seguradora assumir a responsabilidade emergente do contrato de seguro, essa divergência interpretativa, assim como a cobertura do contrato de seguro, que constituíiam questões de natureza instrumental relativamente aos pressupostos da responsabilidade da seguradora, foram debatidas em diversas acções judiciais (designadamente naquelas de que emanaram os arestos deste Supremo anteriormente enunciados) em que precisamente se discutiram e apreciaram os pressupostos da aplicação do regime mais benéfico para os contribuintes.

A jurisprudência dos tribunais tributários que foi enunciada pelas instâncias e que também é indicada pela recorrente revela que a divergência interpretativa terá sido resolvida, noutras acções que correram termos nos tribunais fiscais, no sentido que o A. defendia e defende e que esteve subjacente ao facto de não ter efectuado a diligência que era reclamada pela AT.

Simplesmente tal definição apenas veio a ocorrer muitos anos depois de a AT ter apurado e liquidado a responsabilidade fiscal dos clientes tributados em IRC, sendo certo que entre as funções que cabem ao TOC se inscrevem também as de aconselhar os contribuintes seus clientes relativamente aos caminhos que devem ser percorridos e alertar para os riscos inerentes a determinadas opções.

Afinal, como se prevê no art. 6º do Dec. Lei nº 452/99, de 5-11, compete ao TOC, além do mais, “planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades sujeitas aos impostos sobre rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada …” e “exercer funções de consultadoria nas áreas da respectiva formação”. Por seu lado, decorre do art. 11º do Cód. Deontológico que o TOC tem o dever de “informar as entidades onde prestam funções, a pedido delas ou por iniciativa própriadas suas obrigações contabilísticas, fiscais e legais relacionadas exclusivamente com o exercício das suas funções” e “dos condicionalismos de ordem legal susceptíveis de as afectar relacionados exclusivamente com o exercício da profissão”.


4.4. O simples facto de o A. estar convencido de que não era necessária a declaração de opção pelo regime geral de tributação em IRC (ou o simples facto de a Seguradora entender que também não seria necessária essa declaração) não o isenta totalmente de responsabilidade em face do dever complementar de informação e de precaução, uma vez que, como o revela a litigiosidade gerada em torno dessa questão, a solução não era líquida. Na verdade, independentemente de ter ou não ter razão, a AT assumia um entendimento contrário segundo o qual, para obstar aos efeitos de uma tributação mais gravosa, era necessária uma actuação do contribuinte no sentido de fazer a opção pelo regime de tributação geral para que este lhe fosse aplicável no ano fiscal de 2002.

Cumpria, assim, ao A., dentro da sua actividade de aconselhamento fiscal, indicar aos clientes a necessidade de fazer tal opção ou, ao menos, preveni-los relativamente a tal exigência dos serviços tributários ou, ainda, alertá-los para a possibilidade de impugnação da liquidação pelo regime simplificado de IRC em lugar da liquidação mais favorável aos contribuintes pelo regime geral de IRC

Com efeito, a contratação de TOC também tem essa finalidade de prevenir eventuais efeitos fiscais decorrentes de uma actuação que não corresponda à interpretação que é feita pela AT ou, como sucede com muita frequência, que não condiga com as interpretações (circulares) que internamente são adoptadas para serem acolhidas pelas estruturas da AT (o que na gíria dá pelo nome de “direito circulatório”).

Em face da actuação do A. e das consequências adversas que foram extraídas pela AT, não poderemos deixar de concluir que houve incumprimento de deveres profissionais de aconselhamento que, implicando, como aconteceu, a responsabilidade civil profissional do A. perante os seus clientes, estavam cobertas pelo contrato de seguro celebrado com a R. que, assim, deve efectuar o pagamento das quantias que o A. suportou.

Essa responsabilidade contratual perante os clientes do A. decorre do contrato de prestação de serviços que os unia, regulado supletivamente pelos arts. 1154º e segs. do CC, com remissão para as regras do mandato submetido ao regime dos arts. 1157º e segs. e em conjugação com a regra geral constante do art. 798º do CC sobre a responsabilidade pelo incumprimento presumivelmente culposo da obrigação assumida pelo A.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista e ainda que por via não inteiramente coincidente, confirmar o acórdão recorrido.

Custas da revista e nas instâncias a cargo da R.

Notifique.

Lisboa, 22-9-16


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo