Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1986/06.7TVLSB-C.L1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
NOTIFICAÇÃO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
REPRESENTANTE
PESSOA COLECTIVA
PESSOA COLETIVA
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / MULTAS E INDEMNIZAÇÃO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC/2013): - ARTIGOS 542.º E SEGUINTES, 635.º, N.º 4 E 671.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC/1961): - ARTIGOS 456.º E 458.º.
Sumário :
I. De acordo com o despacho proferido nos autos, no presente caso em que a decisão de condenação por litigância de má-fé integra a decisão que põe termo ao processo, não está em causa uma decisão interlocutória, mas antes uma parte ou extensão da decisão de mérito; assim, e ainda que não se ignore existirem, a esse respeito, divergências na jurisprudência do STJ, considerou-se ser a decisão recorrível nos termos gerais do nº 1 do art. 671º do CPC.

II. Incindindo a decisão de condenação por litigância de má-fé sobre os “representantes legais da autora”, os actos de notificação da própria sociedade autora não podem valer como notificação pessoal dos seus representantes legais; nem tampouco o conhecimento pessoal que estes possam ter dos factos provados relevantes, nos quais a sobredita condenação se fundou, pode suprir a falta de notificação pessoal, se tal falta tiver ocorrido.

III. Assim, comprovando-se que um dos recorrentes (i) não foi nominalmente notificado; (ii) à data da notificação dos despachos em causa, não era já representante legal da autora; (iii) não veio aos autos apresentar resposta aos despachos da 1ª instância que ordenaram a notificação do “representante legal” da autora; forçoso é concluir não ter o mesmo recorrente sido pessoal e devidamente notificado.

IV. Compulsado o processo, verifica-se que, por acórdão anterior da Relação, foi definida – e não impugnada – a aplicação do regime da condenação por litigância de má-fé anterior à reforma do CPC (introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26/06), de acordo com o qual, quando a parte for uma pessoa colectiva, a responsabilidade pelas custas, multa e indemnização inerentes à condenação recai sobre o representante legal da mesma; na medida em que os ora recorrentes, na primeira vez que vieram ao processo, não invocaram qualquer nulidade processual – designadamente pelo facto de o direito aplicável ter sido definido antes de terem sido pessoalmente notificados, não lhes tendo sido dada oportunidade de se pronunciarem sobre a questão da própria determinação de tal regime – formou-se a esse respeito caso julgado formal.

V. Quanto à alegada inconstitucionalidade da interpretação e aplicação do regime dos arts. 456º e ss do CPC antigo, por violação do princípio da retroactividade das normas sancionatórias de conteúdo mais favorável, mostra-se evidente, a partir da conclusão do ponto IV, que o acórdão recorrido não interpretou nem aplicou as normas em causa, antes se limitou a considerar ter-se formado caso julgado formal a respeito da aplicação de tais normas. Pelo que não padece o acórdão recorrido da invocada inconstitucionalidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA - Administração de Propriedades, Lda. intentou, em 26 de Março de 2006, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB, CC e DD.

Os RR. contestaram, pugnando pela absolvição do pedido e pela condenação da A. como litigante de má-fé.

Por sentença de 30 de Maio de 2011 a acção foi julgada improcedente, absolvendo-se os RR. do pedido e condenando-se a A. como litigante de má-fé em 5 UCs de multa.  

Na sequência do pedido de aclaração/rectificação da decisão, na parte em que condenou a A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor dos RR., foi proferida decisão que condenou a A. a pagar aos RR. BB e aos RR. CC e DD, indemnização, a cada grupo de RR., no valor de € 9.862,26 acrescida de IVA sobre € 8.000,00, sendo a importância referente aos honorários satisfeita aos respectivos mandatários.

A A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 20 de Junho de 2013, manteve a decisão de absolvição dos RR. do pedido e julgou parcialmente procedente a apelação na parte respeitante à condenação da A. em multa e indemnização, a título de litigância de má-fé, entendendo que, de acordo com o regime do art. 458º do Código de Processo Civil anterior a 2013 (em vigor à data da prolação do acórdão), na decisão de condenação por litigância de má-fé, quando a parte for uma pessoa colectiva, a responsabilidade pelas custas, multa e indemnização inerentes à condenação recai sobre o representante legal da mesma. Em conformidade, ordenou que, na 1ª instância, se procedesse à notificação do legal representante da A. para, querendo, se pronunciar, após o que se deveria conhecer de novo da existência de litigância de má-fé e respectivas consequências.

Desta decisão interpôs a A. recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça sem impugnar a parte decisória do acórdão da Relação de 20 de Junho de 2013 relativa à condenação por litigância de má-fé.

Por acórdão de 27 de Fevereiro de 2014, o Supremo Tribunal confirmou, na íntegra, o acórdão do Tribunal da Relação, mais decidindo indeferir o pedido de condenação da A. como litigante de má-fé pela interposição daquela revista.

Tendo a 1ª instância, no que ora importa, proferido decisão, datada de 20 de Abril de 2018 (com esclarecimento de 21 de Junho de 2018), que condenou os legais representantes da A., EE, FF e GG, como litigantes de má-fé, em multa de 5UCs e em indemnização no valor de €25.000,00 devida solidariamente, a título de honorários, a cada defesa dos RR. (os réus CC e o réu BB) “na parte que exceda apenas o item do reembolso dos honorários de mandatários das notas de custas de parte apresentadas, sem que se considerem os demais valores das respetivas notas”.


2. Inconformados, EE, FF e GG interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 11 de Dezembro de 2018, julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão da 1ª instância.   


3. Vieram EE, FF e GG interpor recurso de revista, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça. Por acórdão (de fls. 303) da Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do Código de Processo Civil, considerando-se estar em causa acção anterior a 1 de Janeiro de 2008 à qual não é aplicável o obstáculo da dupla conforme, determinou-se a distribuição do recurso como revista normal.


4. A fls. 316, foi proferido o seguinte despacho da relatora:

“1. Tendo sido interposto recurso de revista, por via excepcional, com fundamento em contradição de julgados, por acórdão de fls. 303, a Formação a que alude o nº 3 do art. 671º do Código de Processo Civil determinou a distribuição do recurso por via normal, atendendo a que, tendo a decisão recorrida sido proferida em acção instaurada antes de 01/01/2008, não é aplicável o obstáculo da dupla conforme.

2. A admissibilidade do recurso, por via normal, com fundamento em contradição de julgados (art. 629º, nº 1, alínea d), ex vi art. 671º, nº 2, alínea a), ambos do CPC) apenas é de considerar se a decisão não for recorrível nos termos gerais do nº 1 do art. 671º do CPC.

         Vejamos.

No caso dos autos em que a decisão de condenação por litigância de má-fé integra a decisão que pôr [rectius: põe] termo ao processo, não está em causa uma decisão interlocutória, mas antes uma parte ou extensão da decisão de mérito.

Assim, e ainda que não se ignore existirem divergências na jurisprudência deste Supremo Tribunal, considera-se ser a decisão recorrível nos termos do referido nº 1 do art. 671º do CPC.

Deste modo, considerando também:

- Que estão verificados os pressupostos do valor da acção e do valor da sucumbência previstos no nº 1 do art. 629º do CPC;

- Que se entende que a norma do nº 3 do art. 542º do CPC se destina a garantir um grau de recurso, mas não a impedir um segundo grau de recurso se este, nos termos gerais, for admissível, como é o caso;

Admite-se o recurso.”


5. A respeito do objecto do processo, formularam os Recorrentes as seguintes conclusões:

“B - DA PROCEDÊNCIA DO RECURSO BA - DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

5ª. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, a condenação do ora recorrente EE como litigante de má fé integra verdadeira decisão-surpresa, pois, como resulta dos presentes autos e nunca foi infirmado pelo aresto recorrido, o referido recorrente não é representante legal da sociedade AA, S.A., desde 2008.11.26 (v. Doc. 1, junto com as alegações de recurso dos ora recorrentes, de 2018.05.09) e nunca foi pessoalmente notificado para se pronunciar sobre a sua alegada, mas inexistente, litigância de má fé (v. fls. 2333, 2721 e 2725 a 2745 dos autos) - cfr. texto n.°s 7 a 10;

6ª. A condenação do ora recorrente EE como litigante de má fé viola assim frontalmente os princípios do contraditório, da igualdade processual das partes e da proibição de indefesa (v. arts. 3º e 4º do NCPC), bem como o seu direito de acesso aos Tribunais (v. art. 20º da CRP), conforme bem se decidiu no douto acórdão fundamento, pois mesmo considerando que “o ora recorrente (poderia) ter tido conhecimento (acidental) do pedido da sua condenação como litigante de má fé”, o Tribunal sempre “teria ele mesmo (…) de notificar a parte para, ante a possibilidade de ser condenada como litigante de má fé, se pronunciar antes da decisão” (v. Doc. 1, adiante junto) - cfr. texto n.° 11;

7ª. O sentido normativo atribuído no acórdão recorrido aos arts. 456º e 458º do anterior CPC é claramente inconstitucional, por violação do direito de acesso aos Tribunais e do princípio da proibição da indefesa consagrados no art. 20º da CRP (v. Ac. TC n.º 498/2011, de 2011.10.26; cfr. Acs. TC n.º 200/09, n.º 209/2004 e n.º 259/00, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt) - cfr. texto n.°s 11 e 112;

BB - DA INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 456º E 458º DO ANTERIOR CPC

8ª. Os arts. 456º e segs. do anterior CPC são inaplicáveis ao presente processo, face à entrada em vigor e aplicação imediata aos processos pendentes do novo regime da litigância de má-fé, consagrado nos arts. 542º e segs. do NCPC, a partir de 2013.09.01, ex vi do art. 5º/1 do DL 41/2013, de 26 de Junho (cfr. arts. 4º/a) e 8º do DL 41/2013; Ac. Rel. do Porto de 2013.09.26 - Doc. 2, adiante junto; Ac. RG de 2015.10.15, Proc. 3030/11.3 TJVNF.G1; Ac. RC de 2015.05.27, Proc. 165107/13.2YIPRT.C1; Ac. RL de 2013.11.21, Proc. 1063/11.9 TVLSB.L1.8, todos in www.dgsi.pt) - cfr. texto n.°s 13 e 14;

9ª. Os arts. 456º e segs. do anterior CPC, com o sentido e alcance normativo que lhes foi atribuído pelo douto acórdão recorrido, sempre seriam claramente inconstitucionais, devendo ser recusada a sua aplicação in casu (v. art. 204º da CRP), pois violam frontalmente o princípio da retroactividade das leis sancionatórias de conteúdo mais favorável, previsto no art. 29º/4 da CRP, como se decidiu - e bem -, no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2013.09.26, proferido no Proc. 4351/08.8TBVNG.P2, que integra fundamento do presente recurso (v. Doc. 2, adiante junto), sendo certo que, "não estabelecendo a Constituição qualquer excepção, a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (despenalização, penalização menor, etc.) há-de valer, ao menos em princípio, mesmo para os casos julgados" (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 4ª edição, Vol. I, p.p. 496; cfr. Ac. RL de 2008.02.06, Proc. 799/2008-3, in www.dgsi.pt) - cfr. texto n.°s 15 a 17.”

Terminam pedindo que se dê provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e recusando a aplicação dos arts. 456º e 458º do anterior CPC com o sentido normativo que lhes foi atribuído por violação do disposto nos arts. 20º e 29º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.

Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

        

6. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões. Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

- A decisão de condenação dos representantes da A. como litigantes de má-fé padece de ilegalidade e de inconstitucionalidade por violação do princípio do contraditório, ao ter sido proferida sem prévia notificação de um dos representantes legais da A. (EE), tendo-se bastado com a possibilidade de conhecimento acidental do pedido de condenação por litigância de má-fé;

- Erro de julgamento na aplicação do regime dos arts. 456º e 458º do anterior Código de Processo Civil, em vez de se aplicar o novo regime de litigância de má-fé, consagrado nos arts. 542º e segs. do Código de Processo Civil de 2013;

- Inconstitucionalidade da decisão de interpretar e aplicar o regime dos arts. 456º e segs. do CPC anterior, por violação do princípio da retroactividade das normas sancionatórias de conteúdo mais favorável.


7. Quanto à questão da alegada violação do princípio do contraditório por falta de notificação do Recorrente EE, consideremos os termos em que o acórdão recorrido apreciou a questão:

“Relativamente à invocada nulidade da decisão, e salvo novamente o devido respeito, se há direito que foi respeitado em todo este processado foi o do contraditório, conhecendo as partes as decisões proferidas pelos Tribunais de recurso quanto a este particular aspeto e tendo, nessa sequência, sido notificadas, mais do que uma vez, para se pronunciarem sobre essa mesma litigância de má-fé

Acresce que a matéria de facto fixada nas decisões acima mencionadas e que fundam a condenação como litigantes de má-fé dos aqui Apelantes, não foram objeto de alteração, nem em sede dos recursos anteriormente suscitados, nem no presente, mantendo-se, assim, inalterados e sendo também incontornável que foi sobre essa mesma materialidade que o Tribunal de 1ª Instância, na decisão aqui sob recurso, sustentou a respetiva condenação.

Neste contexto, a simples invocação pelos Apelantes de estarem perante uma decisão surpresa – a que foi proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e está aqui em apreciação -, constitui, só por si, um comportamento que não é compatível com o da lisura processual que se impõe às partes no processo.

Com efeito, a presente ação foi instaurada em 23 de Março de 2006 sendo certo que a procuração mencionada nos autos foi outorgada pelo aqui Apelante EE, com data de 16 de Maio de 2000, na qualidade de sócio e gerente da A. e com poderes para o acto e em representação da A. – alínea B) dos Factos Provados.

A factualidade com interesse para a compreensão da ação está basicamente contida nas alíneas H), I), N), O), P), U), Y) e Z) dos Factos Provados, dali se aferindo o papel preponderante que o Apelante Vítor Santos sempre teve na condução dos factos que precederam a instauração desta ação, quer como sócio maioritário e único gerente da A., enquanto sociedade por quotas, obrigando sozinho esta sociedade, quer depois da sua transformação em sociedade anónima, quando passa a ocupar o lugar de Presidente do Conselho de Administração e onde os demais Apelantes ocupam o lugar de vogais.  Estes, por sua vez, ocupavam o lugar de gerentes da A. em 16 de Maio de 2000, quando aquela era uma sociedade por quotas, intervindo nessa qualidade na escritura pública mencionada sob a alínea K).

    Podemos facilmente concluir pela leitura de toda a materialidade dada como provada que todos os Apelantes intervieram nos actos em que a A. fundou a presente ação tendo, assim, pleno conhecimento dos mesmos e que exerceram as suas funções na realização dos interesses daquela e dos mesmos, confundindo-se em ambos o prosseguimento de toda asta atividade que, objetivamente, tem lançado os Apelados num verdadeiro “calvário” jurídico que perdura há mais de sete anos, apenas para apuramento da má-fé processual dos Apelantes.  

Improcede, pois, a invocada nulidade da decisão.”


    Constata-se que, efectivamente, a Relação entendeu não ter ocorrido desrespeito do princípio do contraditório na condenação dos Recorrentes, enquanto representantes legais da A., atendendo, por um lado, a que, ao longo das múltiplas vicissitudes do processado, as partes foram por diversas vezes notificadas para se pronunciarem sobre a possibilidade de condenação por litigância de má-fé; e, por outro lado, a que os Recorrentes têm conhecimento pessoal dos factos que conduziram à condenação por litigância de má-fé.

     Não pode acompanhar-se este entendimento que se afigura padecer de ilegalidade e de inconstitucionalidade.

      Com efeito, incindindo a decisão de condenação por litigância de má-fé sobre os “representantes legais da A.” (a sociedade AA - Administração de Propriedades, Lda.), os actos de notificação da própria autora não podem valer como notificação pessoal dos seus representantes legais. Nem tampouco o conhecimento pessoal que estes possam ter dos factos provados relevantes, nos quais a sobredita condenação se fundou, pode suprir a falta de notificação pessoal, se tal falta tiver ocorrido.

    Assim, importa verificar se o aqui Recorrente EE foi ou não pessoalmente notificado para se pronunciar sobre a possibilidade de condenação por litigância de má-fé.

     Compulsados os autos, verifica-se que, por despachos da 1ª instância de fls. 2333 e de fls. 2721 (do processo principal), foi determinada a notificação do “legal representante” da A. para se pronunciar sobre a existência de má-fé e consequências respectivas, sem se identificar a pessoa ou pessoas em causa, e sem se especificar que se tratava dos representantes legais da A. à data da propositura da acção.

GG e FF vieram aos autos apresentar resposta a cada um dos referidos despachos, respectivamente, a fls. 2359 e a fls. 2726 (do processo principal).

      Comprovando-se que EE: (i) não foi nominalmente notificado; (ii) à data da notificação dos despachos em causa, não era já representante legal da A. (cfr. certidão do registo comercial junta com o recurso de apelação); (iii) não veio aos autos apresentar resposta aos despachos da 1ª instância de fls. 2333 e de fls. 2721 (do processo principal); forçoso é concluir não ter este sido pessoal e devidamente notificado.

Conclui-se, assim, ter sido desrespeitado o princípio do contraditório por falta de notificação pessoal do Recorrente EE.


8. Quanto à questão do alegado erro de julgamento na aplicação do regime dos arts. 456º e 458º do anterior Código de Processo Civil, em vez de se aplicar o novo regime da litigância de má fé, consagrado nos arts. 542º e segs. do Código de Processo Civil de 2013, consideremos, também aqui, os termos em que o acórdão recorrido apreciou a questão:

“Como muito bem é referido na decisão sob apreciação, estamos desde o ano de 2011 a apreciar uma única questão nestes autos: a da condenação da A. e/ou dos aqui Apelantes, enquanto legais representantes daquela, como litigantes de má-fé.

A questão de fundo tinha já sido objeto de decisão a 30 de Maio de 2011 e viria a transitar em julgado, após ter sido proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça a 27 de Fevereiro de 2013, que confirmando a decisão da 1:ª Instância, julgou a ação interposta pela A. contra os aqui RR. como improcedente.

No que se reporta à questão da apreciação da litigância de má-fé – única que ainda subsiste, desde então - entendemos, com o devido respeito, que se trata de uma questão que não tem qualquer justificação legal para continuar a ser debatida, mormente nos termos em que os aqui Apelantes o fazem, porque as decisões desde então [2011] proferidas [seja pelo Tribunal de 1.ª Instância, pelo Tribunal da Relação, seja pelo Supremo Tribunal de Justiça], são claras e percetíveis quanto a este ponto, como podemos aferir pela matéria de facto dada como Provada na decisão sob apreciação e que aqui não foi posta em causa.

Temos, assim, que a primeira condenação proferida sobre esta matéria data de 30 de Maio de 2011, em que o Tribunal de 1.ª Instância condena a A. como litigante de má-fé.

Posteriormente, a 20 de Junho de 2013 – data do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 2014 -, é proferida decisão, com trânsito em julgado, em que se determina que a apreciação quanto ao pedido de condenação da parte como litigante de má-fé deve ser precedida de notificação ao legal representante da A. [AA - Administração de Propriedades, Lda], “caso se verifique na pessoa do representante legal da A.”, para se pronunciar sobre essa matéria. Esta decisão transitou em julgado, ou seja, fez caso julgado formal.

Cumprido esse procedimento quanto à notificação, entendeu o Tribunal de 1.ª Instância, por decisão de 26 de Janeiro de 2015, complementada por decisão de 25 de Maio de 2015, condenar a A. como litigante de má-fé em multa e indemnização, nos termos exarados sob o Ponto 6 dos Factos Provados.

Interposto recurso dessa decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 28 de Abril de 2016, determinou que fosse dado cumprimento ao decidido pelo Acórdão daquela mesma Relação, de 20 de Junho de 2013, confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 2014 – já acima mencionados.

Interposto recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, veio a parte desistir deste mesmo recurso.

     E assim, voltou o Tribunal da 1.ª Instância, por decisão de 29 de Janeiro de 2018, a determinar a notificação do legal representante da A. para “se pronunciar, no prazo de dez dias, sobre a existência da litigância de má-fé e consequências respetivas”.

Após, foi proferida a decisão aqui em apreciação, que condenou os aqui Apelantes como litigantes de má-fé nos termos ali exarados.

Por pertinente, cumpre ter presente a súmula apresentada na decisão em apreciação relativamente ao determinado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de Junho de 2013 (confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 2014), súmula que consta da decisão acima transcrita sob os Factos Provados.

Retenha-se que neste acórdão proferido pelo STJ foi expressamente conhecida e decidida a questão da aplicação, à situação aqui em apreciação, do Código de Processo Civil anterior à reforma operada pela Lei n.º 41/2013 [CPC Revisto], decisão que transitou em julgado.

     Aqui chegados, entendemos que estamos perante duas realidades que nos aprecem ser inatacáveis e que fazem claudicar o recurso apresentado pelos Apelantes:

1.º Estão já transitadas em julgado as decisões que determinaram a notificação dos aqui Apelantes para, querendo, pronunciarem-se sobre a litigância de má-fé na situação dos autos e que abarcaram o período temporal até 2011, sendo que estes (os aqui Apelantes), notificados, puderam exercer esse direito de defesa e do contraditório nos termos que entenderam ser o da sua melhor defesa, seja pronunciando-se, seja nada dizendo a esse respeito;

2.º Está definitivamente definida a aplicação à presente situação das disposições contidas no Código de Processo Civil anterior à Reforma operada pela Lei n.º 41/2013.

Neste quadro, apresentam-se como inócuos os argumentos novamente sustentados pelos Apelantes nas suas conclusões de recurso para sustentarem a inaplicabilidade dos artigos 456.º/ss do Código de Processo Civil anterior à Reforma, uma vez que não podem ser novamente apreciados em face de se ter formado caso julgado formal sobre esta temática.”


    Compulsado o processo, verifica-se que o juízo da Relação carece de ser precisado. Assim, e em conformidade com o que consta do relatório supra do presente acórdão, a tramitação processual, na parte que ora importa, foi a seguinte:

- No acórdão de 20 de Junho de 2013 a Relação manteve a decisão de absolvição dos RR. do pedido e julgou parcialmente procedente a apelação na parte respeitante à condenação da A. em multa e indemnização, a título de litigância de má-fé, entendendo que, de acordo com o regime do art. 458º do Código de Processo Civil (anterior a 2013) em vigor à data da prolação do acórdão, na decisão de condenação por litigância de má-fé, quando a parte for uma pessoa colectiva, a responsabilidade pelas custas, multa e indemnização inerentes à condenação recai sobre o representante legal da mesma. Em conformidade, ordenou que, na 1ª instância, se procedesse à notificação do legal representante da A. para, querendo, se pronunciar, após o que se deveria conhecer de novo da existência de litigância de má-fé e respectivas consequências;

- Da decisão de mérito do acórdão da Relação de 20 de Junho de 2013 interpôs a A. recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça;

- Por acórdão de 27 de Fevereiro de 2014, o Supremo Tribunal confirmou a decisão do acórdão do Tribunal da Relação, e – quanto à interposição do recurso de revista – julgou improcedente o pedido de condenação da A. como litigante de má-fé.


Resulta desta tramitação que, com o acórdão da Relação de 20 de Junho de 2013, foi definida – e não impugnada – a aplicação do regime da condenação por litigância de má-fé anterior à reforma do CPC (introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), de acordo com o qual, quando a parte for uma pessoa colectiva, a responsabilidade pelas custas, multa e indemnização inerentes à condenação recai sobre o representante legal da mesma.

Ora, na medida em que os ora Recorrentes, na primeira vez que vieram ao processo (os Recorrentes GG e FF nos requerimentos de fls. 2359 e de fls. 2776; o Recorrente EE aquando da interposição do recurso de apelação que veio a ser apreciado pelo acórdão ora recorrido, de 11 de Dezembro de 2018), não invocaram qualquer nulidade processual – designadamente pelo facto de o direito aplicável ter sido definido antes de terem sido pessoalmente notificados, não lhes tendo sido dada oportunidade de se pronunciarem sobre a questão da própria determinação de tal regime – formou-se a esse respeito caso julgado formal.

Deste modo, e uma vez que a decisão do acórdão ora recorrido se fundou no respeito pelo caso julgado formal, efectivamente formado, não padece a mesma decisão do invocado erro de julgamento.


9. Por fim, quanto à questão da alegada inconstitucionalidade da decisão de interpretar e aplicar o regime dos arts. 456º e segs. do CPC anterior, por violação do princípio da retroactividade das normas sancionatórias de conteúdo mais favorável,  mostra-se evidente, a partir da conclusão do número anterior do presente acórdão, que o acórdão recorrido não interpretou nem aplicou as normas em causa, antes se limitou a considerar ter-se formado caso julgado formal a respeito da aplicação de tais normas.

      Assim sendo, não padece o acórdão recorrido da invocada inconstitucionalidade.


10. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente:

a) Determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância para notificação do Recorrente EE para se pronunciar acerca da existência de litigância de má-fé e respectivas consequências;

b) Após o que deverá ser proferida nova decisão relativa à litigância de má-fé no que respeita ao Recorrente EE.


Custas pelos Recorrentes e pelos Recorridos na proporção de 2/3 e de 1/3, respectivamente.


Lisboa, 21 de Novembro de 2019


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho