Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
177/15.0T8CPV-A.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
LIMITES DO CASO JULGADO
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
PROPOSITURA DA ACÇÃO
PROPOSITURA DA AÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA / ALCANCE E EFEITOS DA ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / REQUISITOS DA LITISPENDÊNCIA E DO CASO JULGADO.
Doutrina:
- Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, I, reimpressão, Almedina, 1970, p. 347;
- F. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 2015, Almedina, p. 601 e 602;
- Miguel Teixeira Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, 2.ª Edição, Lisboa, 1997, p. 178 a 180;
- Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 6.ª Edição, 2013, p. 95 e 96.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 279.º, N.ºS 1 E 2 E 581.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 298/2005, DE 07-06-2005, IN DR, II, DE 28-07-2005, P. 10871.
Sumário :

I - A decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspetivavam de decisões que já eram esperadas.
II - A decisão surpresa não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter perspetivado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento.
III - No âmbito dos limites subjetivos do caso julgado, vigora o princípio da sua eficácia relativa, ou seja, o caso julgado apenas vincula as partes da ação, isto é, os sujeitos que nela intervieram, inicial, ou, sucessivamente, como litigantes no processo, sendo o art. 581.º, n.os 1 e 2, do CPC, um afloramento da regra geral da tríplice identidade pela qual se afere a verificação do caso julgado, onde se inclui a identidade de sujeitos.
IV - O chamado em incidente de intervenção acessória provocada não é sujeito da relação jurídica material controvertida, não é parte principal na causa, já que não é contra ele, mas contra o réu, requerente do chamamento, que é formulado o pedido da ação, razão pela qual, a proceder, é o réu e não o chamado, que deve ser condenado, circunscrevendo-se a intervenção do chamado à discussão das questões com repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento, com vista a ajudar a defender o réu e não a defender-se do réu.
V - A extinção da instância, consequente à inutilidade superveniente da lide, é um instituto distinto da absolvição da instância, e, portanto, a interposição de uma segunda ação, nos trinta dias seguintes, por motivo processual não imputável aos autores, não beneficia dos efeitos civis derivados da propositura da primeira causa, em conformidade com o disposto pelo artigo 279.º, n.os 1 e 2, do CPC.
VI - A faculdade do produtor se poder opor ao exercício dos direitos pelo consumidor, desde que tenham decorrido mais de dez anos sobre a colocação da coisa em circulação, não significa que, durante este prazo, o consumidor não veja precludida a possibilidade da propositura da ação se, por exemplo, deixar de efetuar a denúncia dos defeitos da mesma, dentro do prazo estabelecido por lei.

Decisão Texto Integral:

         ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

      AA e BB propuseram a presente ação, com processo comum, contra “CC, Lda.”, e “DD, Lda.”, todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, as rés sejam condenadas, nos termos da Lei nº 24/96, de 31 de julho, e do DL nº 67/2003, de 8 de abril, ou, quando assim se não entenda, o que não se concede, no âmbito do regime da venda de coisas defeituosas, a proceder à eliminação dos defeitos, por substituição integral da tijoleira do imóvel dos autores, ou, em alternativa, a pagar o montante correspondente a essa substituição, no valor de, pelo menos, €29998,00, acrescido de IVA, à taxa legal, a pagar as despesas inerentes à ausência dos autores e respetivo agregado familiar do imóvel dos autos, para efeitos da realização das obras necessárias à eliminação dos defeitos, e a pagar, a título de danos não patrimoniais, quantia nunca inferior a €5000,00, alegando, para tanto, e, em síntese, que celebraram um contrato de empreitada com a empresa “EE, Lda.”, tendo por objeto a construção de uma casa de habitação, que lhes foi entregue, em abril de 2009, mas os autores, um ano depois, verificaram que o pavimento cerâmico apresentava manchas, em algumas zonas, e tinha empolado, e, não obstante esse pavimento fazer parte do contrato de empreitada, porquanto a empreiteira “EE, Lda.” fornecia a mão-de-obra e os materiais, os autores haviam decidido escolher as tijoleiras que vieram a ser utilizadas e que apresentam os problemas referidos.

Deslocaram-se, para o efeito, às instalações da ré “CC, Lda.”, onde tinham escolhido as tijoleiras, pagando a diferença à empreiteira “EE, Lda”, por serem mais caras do que as previstas no contrato de empreitada, sendo certo que a ré “DD, Lda.” forneceu as tijoleiras à ré “CC, Lda”.

Os autores já havia interposto uma ação, com base nos defeitos acabados de discriminar, contra a empreiteira “EE, Lda.”, no âmbito da qual esta chamou a intervir a ré “CC, Lda.”, e esta, por sua vez, chamou a intervir a ré “DD, Lda.”, tendo ambas aí sido admitidas como partes acessórias.

Decidindo no saneador, o Tribunal de 1ª instância julgou que os autores gozavam de legitimidade ativa, que a ré “CC, Ldª” gozava de legitimidade passiva, e que a exceção da caducidade invocada pelas rés se não verificava.

Desta decisão, as rés interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação “julgado indevidamente instaurado o recurso interposto pela Ré DD, Lda., relativo à questão da ilegitimidade dos Autores, e decidiu não conhecer do mesmo, julgado os recursos procedentes e declarado a caducidade da acção dirigida contra as Rés, pelo que se absolvem do pedido”.

Do acórdão da Relação do Porto, os autores interpuseram, em seguida, recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que o mesmo seja julgado, totalmente, procedente, e, por via disso, aquele seja revogado.

Por despacho do relator, na sequência das alegações da revista dos autores, considerou-se que “os autores, nas conclusões das alegações da revista, invocam, além do mais, a nulidade do acórdão de folhas 333 e seguintes, por omissão de pronúncia, relativamente à arguida extemporaneidade do recurso de apelação, no que concerne à questão da caducidade.

Certo que o douto acórdão recorrido se pronunciou, expressamente, quanto à extemporaneidade da apelação, em relação à ilegitimidade ativa, mas, tão-só, implicitamente, quanto à questão da caducidade.

Considerando que esta invocada omissão de pronúncia gera uma nulidade insuprível pelo STJ, e por não ter suporte legal a figura da apreciação tácita, impõe-se, até por uma questão de economia processual, determinar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação, a fim de que se possa, eventualmente, superar essa omissão, sob pena de, por outra via, poder ter já lugar a anulação do acórdão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 615º, nºs 1, d) e 4, 617º, nº 1, 666º, nº 1 e 684º, nºs 1, 2 e 2, todos do CPC.”.

O Tribunal da Relação, em novo acórdão que produziu, decidiu, “anulando-se o acórdão anteriormente proferido e em apreciação dos recursos, julga-se indevidamente instaurado o recurso interposto pela Ré DD, Lda., relativo à questão da ilegitimidade dos Autores, e decide-se não conhecer do mesmo [1], julgam-se os recursos procedentes e declara-se a caducidade da ação dirigida contra as Rés, pelo que se absolvem do pedido”.

Deste acórdão da Relação do Porto, os autores interpuseram, novamente, recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que o mesmo seja julgado, totalmente, procedente, e, por via disso, seja revogada a douta decisão proferida, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente, na parte ainda considerada útil:

1ª - Por Acórdão proferido em 7 de Março de 2018, no Tribunal da Relação do Porto, julgou-se procedente o recurso de apelação interposto pelas Recorridas e, em consequência, declarou-se a caducidade da acção dirigida contra si, absolvendo-as do pedido.

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3ª - Os Meritíssimos Juízes a quo não andaram bem.

4ª - Os Recorrentes, na sequência de interposição de recurso de apelação, quanto à caducidade, formularam a sua resposta, alegando, entre o mais, a questão de a Recorrente CC não poder suscitar a caducidade por, em sede de contestação, não o haver mencionado.

5ª – O douto Acórdão não se pronunciou sobre tal assunto.

6ª - Existe nulidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615º C. P. C., que expressamente se argui para todos os legais e devidos efeitos, devendo ser a decisão ora sob recurso ser revogada.

7ª - Por não ter sido descrita na decisão de 1ª Instância posta em crise pelas Recorridas, o Acórdão sob recurso fixou matéria de facto relativa à caducidade, tendo-se socorrido, entende-se, das peças que instruíram esse recurso de apelação.

8ª - O Tribunal da Relação a quo andou além das suas competências.

9ª - Os Tribunais da Relação têm a possibilidade de alterar a decisão proferida, "... se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa" devendo "... ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados",

10ª - Quando os Recorrentes impugnarem a decisão sobre a matéria de facto e especificarem, obrigatoriamente, "...sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas";

11ª - O Tribunal da Relação a quo não atendeu, para fixar esta matéria de facto, a factos tidos como assentes, a prova produzida ou a documento superveniente que impusessem decisão diversa.

12ª - Debruçou-se em peças processuais e documentos que constam dos autos que comportam, em si, factos que ainda se deverão considerar controvertidos e sujeitos a produção de prova, uma vez que os Recorrentes, atempada e especificadamente, em sede própria, os impugnaram.

13ª – Tal produção de prova não foi proporcionada.

14º - O recurso das Recorrentes não reveste impugnação de matéria de facto, por não ter verificado e preenchido os pressupostos do art. 640º C. P. C.

15ª - Não se poderia o Tribunal da Relação a quo ter pronunciado sobre tal matéria de facto.

16ª - 0 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Abril de 2014, disponível em www.dgsi.pt, refere que "o Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto fixada dentro do respeito pelo princípio da livre apreciação das provas, atribuído ao julgador em 1ª instância e dentro do restrito papel da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto, aos casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto".

17ª - Existe nulidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615º C. P. C,

18ª - Que poderá comportar a violação de direitos constitucionalmente garantidos aos Recorrentes, entre o mais, o da igualdade e o de acesso aos tribunais - arts. 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa (C. R. P.), por condicionar o exercício do contraditório e o da produção de prova quanto aos factos ora fixados,

19ª - Nulidade que expressamente se argui para todos os legais e devidos efeitos, devendo a decisão ora sob recurso ser revogada.

20ª - O Tribunal da Relação a quo não atendeu a todos os elementos constantes dos autos para a fixação dessa matéria de facto.

21ª - Os Recorrentes, nas suas peças processuais, P.I. e resposta às excepções deduzidas, referiram que as Recorridas, quanto à tijoleira dos autos, adoptaram comportamentos e atitudes que visaram a limpeza e reparação dos defeitos da mesma, questão controvertida que deveria ser objecto de produção de prova, que não aconteceu.

22ª - No âmbito da primeira acção judicial intentada, tomaram os Recorrentes conhecimento, na sequência de exames e estudos realizados, que os defeitos que a tijoleira dos autos apresentava não se deviam à irregular ou defeituosa aplicação da mesma mas, antes, à própria tijoleira, devido às suas características, proveniência e composição.

23ª - A tijoleira dos autos foi vendida pela Recorrida CC, Lda. e representada em Portugal pela Recorrida DD -, Lda., o que justificou a segunda acção judicial intentada, factualidade que não foi impugnado por estas.

24ª - Estes factos implicariam decisão diversa quanto à caducidade.

25ª - O reconhecimento daqueles defeitos, pelas Recorridas, equivale a denúncia dos mesmos, o que impede a caducidade - art. 331º, nº 2 C. C. – e entende-se que a presente acção foi instaurada estando a caducidade já impedida, em tempo.

26ª – Refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de Maio de 2013, consultável em www.dgsi.pt:

4 - Estando em causa direitos disponíveis, o reconhecimento dos defeitos/vícios, por parte da ré, constitui causa de impedimento da caducidade.

5 - Reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, tal como se tratasse do exercício da acção judicial.

6 - Se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade.

7 - Estando em causa direitos disponíveis, o reconhecimento dos defeitos/vícios, por parte da ré, constitui causa de impedimento da caducidade.

27ª – E o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23 de Junho de 2016, consultável em www.dgsi.pt:

“3- Equivale, no entanto, à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito.

8- O reconhecimento do defeito pelo empreiteiro, com a concretização de iniciativas sérias para o solucionar, deve ser havido também como impeditivo da caducidade do direito de ação do dono de obra”.

28ª – É pertinente a qualidade de produtor da Recorrida DD - ..., Lda., nos termos descritos nos arts. 1º- B do D. L. nº 67/2003 de 8 de Abril e 22, n.º 2 do D. L. n.º 383/89 de 6 de Novembro,

29ª - Que assume uma responsabilidade objectiva, atento o disposto no art. 1º do D. L. n.º 383/89 de 6 de Novembro, e que só se poderá opor ao exercício dos direitos pelo consumidor se tiverem decorrido mais de 10 (dez) anos sobre a colocação da coisa em circulação,

30ª - Para além de "decorridos 10 anos sobre a data em que o produtor pôs em circulação o produto causador do dano, caduca o direito ao ressarcimento" - art. 12º do D. L. n.º 383/89 de 6 de Novembro.

31ª - Fica afastada e impedida, assim, a possibilidade de caducidade do direito.

32ª - Pelo que nunca poderia a mesma ser declarada, deverá a decisão ora sob recurso ser revogada.

33ª - Os Recorrentes descreveram a relação desenvolvida com a Recorrida CC -..., Lda. como de consumo,

34ª - No âmbito da qual escolheram e pagaram a tijoleira dos autos.

35ª - A tijoleira dos autos encontra-se em imóvel propriedade dos Recorrentes, sendo estes que padecem da sua falta de conformidade e sofrem as consequências dos seus defeitos.

36ª - Dever-se-á considerar, também, essa Recorrida como responsável e como podendo ser demandada pelos Recorrentes, assumindo a qualidade de vendedor em sentido amplo, no sentido de fornecedor do bem de consumo.

As rés não apresentaram contra-alegações.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. Os autores celebraram um contrato de empreitada com a empresa “EE, Lda.”, tendo por objeto a construção de uma casa de habitação, a qual lhes foi entregue, em abril de 2009.

2. A Cláusula 2.ª do contrato tem este teor: «O segundo outorgante [que é a empresa “EE, Lda.”] compromete-se a executar a obra do presente contrato (construção), sendo da sua responsabilidade o fornecimento de materiais e mão-de-obra, efetuando as seguintes tarefas: (…) As tijoleiras terão um custo de 10€ m2 (…)» (contrato de fls. 157-1161).

3. Os autores escolheram as tijoleiras aplicadas, nas instalações comerciais da ré “CC, Lda.”, que as vendeu à empreiteira “EE, Lda.” (p.i.).

4. A escolha recaiu sobre a tijoleira «HL 6007 Venus 60x60venus 1.ª», ao preço de 18,73 euros/m2, tendo os autores pago a diferença de preço à empreiteira, a qual foi aplicada (p.i.).

5. A ré “DD, Lda.” forneceu as referidas tijoleiras à ré “CC, Lda”.

6. A ré “CC, Lda.” emitiu as faturas ao comprador “EE, Lda.” (faturas juntas – fls. 86-90 – ao «Relatório Vistoria Técnica», junto pelos autores, em 22-12-2015) ([2]).

7. Estas tijoleiras foram fabricadas, na Malásia (p.i) e a representante, em Portugal, deste produto é a ré “DD, Lda.” (artigo 4º da resposta, fls. 207).

8. Em abril de 2009, a empreiteira entregou a casa aos autores (p.i.).

9. Passado cerca de um ano, a tijoleira aplicada exibia manchas de humidade e gordura, em diversos sítios da casa, que não desaparecem com a lavagem, tendo algumas áreas de tijoleira descolado e levantado (p.i.).

10. Os autores reclamaram, de imediato, estes factos, junto da empreiteira, solicitando a reparação e eliminação destes defeitos (p.i.).

11. Os autores, pelo menos, em 4 de abril de 2011, conheciam a causa dos defeitos (A convicção resulta de, nesta data, ter sido elaborado, a pedido dos autores, um orçamento, no montante de €30.498,00, mais IVA, destinado a retirar e substituir todos os mosaicos da habitação).

12. A autora já interpôs uma ação, com base nestes defeitos, contra a empreiteira “EE, Lda.” (Proc. n.º 110/11.9TBCPV) e, no âmbito desta ação, a empreiteira chamou a intervir a ré “CC, Lda.” e esta, por sua vez, chamou a ré “DD, Lda.”, tendo sido ambas admitidas a intervir como partes acessórias (cfr. pág. 198 destes autos de recurso).

13. A ré “CC, Lda.” foi citada, no Proc. n.º 110/11.9TBCPV, por carta remetida, em 26 de janeiro de 2012 (fls. 181).

14. A instância, nesta ação, foi julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide (artigo 98.º da Resposta, fls. 224).

15. A presente ação entrou em juízo, no dia 22 de dezembro de 2015 (fls. 51).

                                                                  *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia.

II – A questão da nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia.

III – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.

IV – A questão da caducidade do direito à propositura da ação.

   I. DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

       Sustentam os autores, em primeiro lugar, que o acórdão é nulo, por omissão de pronúncia, porquanto, tendo, nas contra-alegações da apelação, invocado a extemporaneidade do recurso interposto pelas rés, quanto à ilegitimidade ativa e à caducidade, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre essa exceção, nem fundamentou, expressamente, porque concluiu “que este recurso só pode ser interposto com o recurso que venha a ser interposto da decisão final, pelo que não se conhece do mesmo”.

No recurso de apelação interposto pelas rés, em sede de contra-alegações, os autores defendem que “deverá ser o presente recurso julgado extemporâneo, por se considerar tratar-se de decisão que seria, somente, impugnada no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no nº 1 do artigo 644º, do CPC”.

O acórdão impugnado, apreciando, expressamente, a questão da tempestividade do recurso de apelação interposto pela ré “Grestipas, Ldª”, relativo à ilegitimidade dos autores, conclui no sentido de “que este recurso só pode ser interposto com o recurso que venha a ser interposto da decisão final”, pelo que não conheceu do mesmo.

Por outro lado, quanto à invocada “nulidade do acórdão de folhas 333 e seguintes, por omissão de pronúncia, relativamente à arguida extemporaneidade do recurso de apelação [interpostos por ambas as rés], no que concerne à questão da caducidade”, concluiu-se agora, no novo acórdão proferido, que “não há fundamento para a rejeição do recurso, relativamente à decisão proferida em relação à exceção perentória de caducidade, por intempestividade, ainda que a norma legal pertinente, em prejuízo daquela que é afirmada pela recorrente CC, Ldª, e que consta no despacho de admissão do recurso, proferido em primeira instância, seja o artigo 466º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil”.

Assim sendo, porque a Relação conheceu da questão suscitada, não ocorre a arguida nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, atento o disposto pelos artigos 615º, nº 1, d), 1ª parte, e 666º, nº 1, ambos do CPC.

  II. DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA

 

II.1. Defendem os autores, em segundo lugar, que o acórdão é nulo, por excesso de pronúncia, porquanto fixou matéria de facto relativa à caducidade que não se encontrava elencada na decisão de 1ª instância, mas antes se mostrava controvertida e sujeita a produção de prova, não se baseando em factos tidos como assentes, na prova produzida ou em documento superveniente que a impusesse.

 O acórdão recorrido fixou a matéria de facto que entendeu necessária com vista a decidir a exceção perentória da caducidade, o que ainda não tinha acontecido, em sede de 1ª instância, que a não elencou, exaustivamente, pois que, no despacho saneador, julgou-a improcedente, considerando, para o efeito, encontrar-se provado que “a acção foi instaurada em 19/12/2015 e as vendas ocorreram em Outubro e Novembro de 2008”.  

A factualidade que o acórdão consagrou tem subjacente a matéria que resulta do acordo das partes e do teor da prova documental existente nos autos, em conformidade com a previsão dos artigos 607º, nº 4 e 663º, nº 2, ambos do CPC.

Por outro lado, os autores não especificam qual a matéria de facto fixada pelo acórdão que se encontra “controvertida e sujeita a produção de prova”.

Não se verifica, assim, qualquer vício processual na aquisição da matéria de facto realizada pela Relação, que não se reconduziria, aliás, à “nulidade por excesso de pronúncia”, a qual contende com o conhecimento de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de apreciação oficiosa, o que aqui, manifestamente, e com o respeito devido, não ocorre.

Deste modo, não se mostra preenchida a arguida nulidade, a que se reportam os artigos 615º, nº 1, d), 2ª parte, e 666º, nº 1, ambos do CPC.

II.2. A este propósito, alegam ainda os autores que, não versando o recurso de apelação sobre a impugnação da matéria de facto, por não se ter verificado o preenchimento dos pressupostos constantes do artigo 640º, do CPC, não poderia o acórdão recorrido ter-se pronunciado sobre a factualidade, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e do acesso aos tribunais, com assento nos artigos 13º e 20º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), com a consequente inviabilização do exercício do contraditório e da produção de prova quanto aos factos ora fixados.

Sobre o princípio da igualdade, preceitua, desde logo, o artigo 13º, nº 1, da CRP, que “todos os cidadãos…são iguais perante a lei”, o que o artigo 4º, do CPC, concretiza, no âmbito judiciário, ao afirmar que “o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.

Por outro lado, o princípio do acesso ao direito e aos tribunais vem proclamado, no artigo 20º, nº 1, da CPR, ao consagrar que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos,…”, com expressão concreta, no artigo 2º, nº 1, do CPC, segundo o qual “a proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”.

Por fim, o princípio do contraditório, que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, implica, nos termos do estipulado pelo artigo 3º, nº 1, do CPC, que “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, por não lhe ser lícito, continua o respetivo nº 3, “salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Do princípio do contraditório decorre a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar[3].

 Porém, a decisão-surpresa que a lei pretende afastar, afoitamente, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar e não com os fundamentos não expectáveis de decisões que já eram previsíveis, não se confundindo a decisão-surpresa com a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento.

Não se mostram, pois, violados os princípios constitucionais da igualdade e do acesso aos tribunais, com reflexo no exercício do contraditório e na produção de prova.

 III. DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

III.1. Os autores defendem, em terceiro lugar, uma diferente consagração da matéria de facto, que implicaria decisão diversa quanto à caducidade, sustentando que o acórdão recorrido não atendeu a todos os elementos constantes dos autos para a sua fixação, sendo certo que, nas suas peças processuais, referiram que as rés, quanto à tijoleira em questão, adotaram comportamentos e atitudes que visaram a limpeza e reparação dos defeitos da mesma, e que, no âmbito da primeira ação judicial intentada, tomaram conhecimento, na sequência de exames e estudos realizados, que os defeitos que a tijoleira apresentava não se deviam à irregular ou defeituosa aplicação da mesma, mas, antes, à própria tijoleira, em virtude das suas características, proveniência e composição.

Com esta alegação, os autores defendem que o direito à propositura da presente ação não caducou, por se ter verificado, no decurso do respetivo prazo de caducidade, o seu reconhecimento, por parte das rés, que constituiria uma causa impeditiva da respetiva caducidade, nos termos do preceituado pelo artigo 331°, n° 2, do CC.

Dispõe o artigo 331°, n° 2, do CC, que “quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido”.

Na petição inicial, os autores alegaram, neste particular, que “…por diversas e sucessivas vezes, a sociedade de construções contratada pelos AA., a pedido destes, solicitou junto da 1ª R., que resolvesse e eliminasse os defeitos da tijoleira” (36º), “sem, no entanto, qualquer sucesso” (37º), e, “não obstante ter a 1ª R. feito deslocar os seus funcionários ao imóvel dos autos para constatar tal circunstancionalismo e providenciar pela reparação” (38º), “não lograram estes conseguir, nessa altura, com a sua intervenção, solucionar e/ou eliminar as referidas manchas e resolver a questão do levantamento da tijoleira” (39º), “nem, tão pouco, nas diversas deslocações e intervenções subsequentes, designadamente, durante o resto do ano de 2010 e inícios de 2011, com a mesma finalidade” (40º).

Contudo, esta alegada factualidade, mesmo a demonstrar-se, não traduziria o reconhecimento, pela ré “CC, Ldª”, do direito invocado pelos autores, com a consequente verificação da causa impeditiva da caducidade da propositura da ação, como tal justificativa da ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do disposto pelo artigo 682º, nº 3, do CPC.

III.2. Estipula o artigo 5º, nº 1, da Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com a alteração introduzida pelo DL nº 84/2008, de 21 de maio, aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, em que se enquadram as rés e os autores, respetivamente [artigos 1º-A, nº 1 e 1º-B, a), c) e d)], que “o consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respetivamente, de coisa móvel ou imóvel”, continuando o correspondente artigo 5º-A, nº 1, ao estatuir que “os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”, que aqui não interessa considerar, acrescentando o seu nº 2 que, “para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado”.  

Os autores não denunciaram os alegados defeitos das peças de tijoleira que, pelo menos, desde 4 de abril de 2011, já conheciam, sendo certo que tinham um ano para o fazer, face à natureza do bem imóvel em causa, porque as peças de tijoleira, ligadas, materialmente, ao prédio, com caráter de permanência, nele se incorporam como sua parte integrante, em consonância com o estipulado pelos artigos 5º-A, nº 2, da Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com a alteração introduzida pelo DL nº 84/2008, de 21 de maio, e 204º, nºs 1, e), e 3, do CC, e a citação para os termos desta ação, instaurada a 22 de dezembro de 2015, não é meio tempestivo para efetivar a denúncia.

Porém, ainda que, em sede de argumentação retórica, se pudesse aceitar que o reconhecimento, pela ré “CC, Ldª”, do direito dos autores constituía uma causa impeditiva da caducidade da propositura da respetiva ação, esta deveria ter sido instaurada, no prazo de três anos, imediatamente subsequente ao prazo da denúncia de um ano, a contar da data desse hipotético reconhecimento invocado, que teria acontecido, nos inícios de 2011, e cujo termo final se verificaria, então, nos princípios de 2015, e não no final deste ano, data em que a ação deu entrada em juízo, com a consequente caducidade da sua propositura, de acordo com o disposto pelos artigos 5º-A, nº 1 e 5º, nº 1, ambos da Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com a alteração introduzida pelo DL nº 84/2008, de 21 de maio.

IV. DA CADUCIDADE DO DIREITO À PROPOSITURA DA AÇÃO

IV.1. Entendem, por fim, os autores que se encontra afastada e impedida a possibilidade da caducidade do direito, porquanto, na primeira ação, os réus assumiram a posição de intervenientes acessórios, tomando efetivo conhecimento da pretensão dos autores de reparação e substituição da tijoleira, como seus vendedores e representantes, em Portugal.

Ficou demonstrado que os autores propuseram uma ação, com base nos defeitos ora controvertidos, contra a empreiteira da obra, “EE, Lda.” (Proc. n.º 110/11.9TBCPV), no âmbito da qual esta chamou a ora ré “CC, Lda.”, e esta, por sua vez, chamou a aqui ré “DD, Lda.”, tendo ambas passado a intervir nos autos como parte acessória, nos termos previstos pelo atual artigo 321º, do CPC.

Dispõe, então, este artigo 321º, do CPC, a propósito da intervenção acessória provocada, no seu nº 1, que “o réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal”, acrescentando o respetivo nº 2 que “a intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento”.

No âmbito dos limites subjetivos do caso julgado, vigora o princípio da sua eficácia relativa, ou seja, o caso julgado apenas vincula as partes da ação, isto é, os sujeitos que nela intervieram, inicial, ou, sucessivamente, como litigantes no processo, sendo o artigo 581º, nºs 1 e 2, do CPC, um afloramento da regra geral da tríplice identidade pela qual se afere a verificação do caso julgado, onde se inclui a identidade dos sujeitos[4].

Com efeito, “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, conforme decorre do já citado nº 2, do artigo 581º, do CPC.

O conceito de “parte” designa o sujeito da relação jurídica em causa, sendo, assim, partes no processo os sujeitos do contraditório, ou melhor, as pessoas por quem (autor) e contra quem (réu), em nome próprio, o pedido é formulado[5].

A intervenção acessória provocada tem subjacente um interesse indireto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, na consideração da posição processual que deve corresponder ao titular de uma relação de regresso, meramente, conexa com a relação jurídica material controvertida, objeto da causa principal, simples auxiliar na defesa[6], destinando-se a estender ao chamado o efeito do caso julgado sobre os pressupostos do direito de indemnização, a fazer valer em ação posterior, no exercício do direito de regresso.

Com efeito, o chamado em incidente de intervenção acessória provocada não é sujeito da relação jurídica material controvertida, não é parte principal na causa, já que não é contra ele, mas contra o réu, requerente do chamamento, que é formulado o pedido da ação, razão pela qual, a proceder, é o réu e não o chamado, que deve ser condenado, circunscrevendo-se a intervenção do chamado à discussão das questões com repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento, com vista a ajudar a defender o réu e não a defender-se do réu.

Assim sendo, os autores não deduziram qualquer pedido contra as ora rés, então, chamadas naquela ação, sendo certo, outrossim, que, notificados pelo tribunal no sentido de esclarecerem se pretendiam a intervenção principal das chamadas, com fundamento na pluralidade subjetiva subsidiária, nos termos e para os efeitos do preceituado pelos artigos 39º e 316º, nº 2, do CPC, nada disseram.

Deste modo, inexistindo identidade jurídica de litigantes, porque as partes não são as mesmas, nas duas ações em confronto, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, não se verifica o requisito da identidade de sujeitos, pressuposto da exceção dilatória do caso julgado, não podendo, portanto, por esta via, ser afastada a exceção da caducidade.

IV.2. Mais sustentam os autores que se encontra, igualmente, afastada e impedida a possibilidade de caducidade do direito, porquanto a primeira ação foi instaurada, dentro dos três anos a contar da denúncia, enquanto que a interposição da presente ação ocorreu, nos trinta dias seguintes à absolvição da instância, por motivo processual não imputável aos autores.

A primeira ação, já identificada, foi julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide, relativamente aos pedidos condenatórios formulados pelos autores.

Pretendem, porém, os autores equiparar esta decisão proferida, na primeira ação, em que foi julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, a uma decisão de absolvição da instância para, consequentemente, em virtude da interposição da presente ação, nos trinta dias seguintes, por motivo processual não imputável aos autores, beneficiarem dos efeitos civis derivados da propositura da primeira causa, em conformidade com o disposto pelo artigo 279º, nºs 1 e 2, do CPC.

Porém, a extinção da instância, consequente à inutilidade superveniente da lide, é um instituto distinto da absolvição da instância, que não beneficia, obviamente, do regime constante do artigo 279º, do CPC.

Não podem, pois, os autores, também, por esta via, ver afastada a caducidade do seu direito à propositura da presente ação.

IV.3. Alegam, igualmente, os autores, sempre no sentido de ver afastada a exceção perentória da caducidade, que a qualidade de produtor da ré “DD, Lda.”, que assume uma responsabilidade objetiva, só consente a oposição ao exercício dos direitos do consumidor se tiverem decorrido mais de dez anos sobre a colocação da coisa em circulação, nos termos descritos nos artigos 1º-B, do DL nº 67/2003, de 8 de abril, e 1º, 12º e 22º, n.º 2, do DL n.º 383/89, de 6 de novembro.

Relativamente à ré “DD, Lda.”, ao contrário do que aconteceu quanto à ré “CC, Ldª”, os autores não lhe associam, no articulado inicial, qualquer comportamento denunciador de um hipotético reconhecimento dos defeitos invocados pelos mesmos, sendo certo que aquela ré “DD, Lda.” declina, totalmente, essa aceitação, no artigo 81º da sua contestação.

Como já se disse e ficou demonstrado, os autores não denunciaram os alegados defeitos nas peças de tijoleira que adquiriram e que já conheciam, pelo menos, desde 4 de abril de 2011, sendo certo que tinham um ano para o fazer, em consonância com o estipulado pelo artigo 5º-A, nº 2, da Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com a alteração introduzida pelo DL nº 84/2008, de 21 de maio, e a citação para os termos desta ação, instaurada a 22 de dezembro de 2015, não é meio tempestivo para a efetivação da denúncia.

Ora, sem a denúncia dos defeitos, tempestivamente, efetuada, o exercício dos direitos que os autores fizeram valer em juízo, com a presente ação, caducou a 4 de abril de 2015, termo do prazo de quatro anos para a sua propositura, que inclui um ano para a denúncia e três anos para a instauração da ação, em conformidade com o preceituado pelos artigos 5º-A, nº 1 e 5º, nº 1, ambos da Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com a alteração introduzida pelo DL nº 84/2008, de 21 de maio, sendo irrelevante, para efeitos de inviabilizar a exceção da caducidade, o disposto pelo artigo 6º, nºs 1 e 2, e), do aludido diploma legal, segundo o qual “decorridos 10 anos sobre a data em que o produtor pôs em circulação o produto causador do dano, caduca o direito ao ressarcimento, salvo se estiver pendente ação intentada pelo lesado”.

Com efeito, a faculdade de o produtor se poder opor ao exercício dos direitos pelo consumidor, desde que tenham decorrido mais de 10 anos sobre o momento da colocação da coisa em circulação, não significa que, durante este prazo, o consumidor não veja precludida a possibilidade da propositura da ação se, por exemplo, tal como aconteceu, na hipótese em apreço, deixar de efetuar a denúncia dos defeitos, dentro do prazo estabelecido por lei.

CONCLUSÕES:

 I - A decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspetivavam de decisões que já eram esperadas.

II – A decisão surpresa não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter perspetivado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento.

III - No âmbito dos limites subjetivos do caso julgado, vigora o princípio da sua eficácia relativa, ou seja, o caso julgado apenas vincula as partes da ação, isto é, os sujeitos que nela intervieram, inicial, ou, sucessivamente, como litigantes no processo, sendo o artigo 581º, nºs 1 e 2, do CPC, um afloramento da regra geral da tríplice identidade pela qual se afere a verificação do caso julgado, onde se inclui a identidade de sujeitos.

IV – O chamado em incidente de intervenção acessória provocada não é sujeito da relação jurídica material controvertida, não é parte principal na causa, já que não é contra ele, mas contra o réu, requerente do chamamento, que é formulado o pedido da ação, razão pela qual, a proceder, é o réu e não o chamado, que deve ser condenado, circunscrevendo-se a intervenção do chamado à discussão das questões com repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento, com vista a ajudar a defender o réu e não a defender-se do réu.

V - A extinção da instância, consequente à inutilidade superveniente da lide, é um instituto distinto da absolvição da instância, e, portanto, a interposição de uma segunda ação, nos trinta dias seguintes, por motivo processual não imputável aos autores, não beneficia dos efeitos civis derivados da propositura da primeira causa, em conformidade com o disposto pelo artigo 279º, nºs 1 e 2, do CPC.

VI - A faculdade do produtor se poder opor ao exercício dos direitos pelo consumidor, desde que tenham decorrido mais de dez anos sobre a colocação da coisa em circulação, não significa que, durante este prazo, o consumidor não veja precludida a possibilidade da propositura da ação se, por exemplo, deixar de efetuar a denúncia dos defeitos da mesma, dentro do prazo estabelecido por lei.

DECISÃO[7]:


Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista dos autores, e, em consequência, confirmam o douto acórdão recorrido.

                                                                                *

 Custas da revista, a cargo dos autores.

                                                                   *

Notifique.

    Helder Roque (Relator) *
Roque Nogueira
Alexandre Reis
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)
                                                                              

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[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira; 2º Adjunto: Conselheiro Alexandre Reis.
[2] Os autores afirmaram na petição que compraram e adquiriram os mosaicos (artigos 5 e 8 da p.i.), mas se fizeram estas afirmações no sentido de que celebraram um contrato de compra e venda com a empresa “CC, Lda.”, estão produziram afirmações que não correspondem à realidade (falsas); se as afirmações foram feitas com um sentido não técnico, livre, então têm de ser interpretadas no sentido que consta dos factos agora descritos, ou seja, limitaram-se a escolher o material, no âmbito de um contrato existente entre a empreiteira e a “CC, Lda”.

[3] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 298/2005, de 7-6-2005, DR, II, de 28-7-2005, 10871.
[4] F. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 2015, Almedina, 601 e 602.
[5] Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, I, reimpressão, Almedina, 1970, 347.
[6] Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 6ª edição, 2013, 95 e 96; Miguel Teixeira Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, 1997, 178 a 180.
[7] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira; 2º Adjunto: Conselheiro Alexandre Reis.