Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1111/13.8T4AVR.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
CONTRATO DE TRABALHO COM ENTIDADE PÚBLICA
NULIDADE
CESSAÇÃO DO CONTRATO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 10/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PUBLICAS.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / INVALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO / PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS DO TRABALHADOR.
Doutrina:
- Antunes Varela & Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, p. 686.
- Romano Martinez e Maria do Rosário Palma Ramalho, locs. cits. na anotação de Pedro Madeira de Brito, in ‘Código do Trabalho’, 9.ª Edição, 2013, pg. 327.
- Rosário Ramalho, ‘O Contrato de Trabalho na Reforma da Administração Pública’, In ‘Questões Laborais’, Ano XI, n.º 24, pg. 121/ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º1, AL. C).
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 77.º, N.º1.
CÓDIGO DE TRABALHO (CT) /2009: - ARTIGOS 122.º, N.º 1, 337.º.
DECRETO-LEI N.º 427/89.
LEI N.º 12-A/2008, DE 27 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 1.º, 3.º, 9.º, 21.º, 81.º, 83.º, N.º1.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS (RCTFP), APROVADO PELA LEI N.º 59/2008, DE 11 DE SETEMBRO.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 25.11.2009, PROC. N.º 1846/06.1YRCBR.S1, DE 22.09.2011, PROC. N.º 528/08.4; DE 03.02.2010, PROC. N.º 387/09.0; DE 25.11.2009, PROC. N.º 1846/06.1; E DE 03.10.2007, PROC. N.º 177/07, TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O distinguo entre as figuras próximas do contrato de trabalho e de prestação de serviço objectiva-se na existência ou não de uma situação de subordinação jurídica, típica daquele.

Daí que, não obstante a denominação formal utilizada (‘contrato de prestação de serviços em regime de avença’), a prestação de funções – com carácter de permanência e regularidade, integradas no organismo onde se exerce a actividade contratada, em período correspondente a uma carga horária, com férias remuneradas, prévia destinação de tarefas e sujeição a instruções – subsume-se no regime do contrato de trabalho.

II – É nulo o contrato celebrado (qualificável como de trabalho) sem que tenham sido observadas as condições estabelecidas no Decreto-Lei n.º 427/89, por afrontar o disposto em normas imperativas.

III – O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado, sendo que os créditos dele emergentes, da sua violação ou cessação, prescrevem decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

IV – Cessado o contrato inicial (de trabalho, nulo), a imediata celebração, validamente outorgada, de um contrato de trabalho em funções públicas constitui – não obstante a similitude das funções materiais contratadas com as antes exercidas – uma realidade jurídica diversa, com regime próprio.

Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 1111/13.8T4AVR.S1

Revista – 4.ª Secção[1].

FS (GR/LD).

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

             I –

      Relatório

1.

AA, BB, EE, DD, EE e FF instauraram a presente acção, com processo comum, contra o «Estado Português» (Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas – Direcção Geral de Veterinária), pedindo a condenação deste a:

- Reconhecer que os AA. se encontraram vinculados por contratos de trabalho subordinado, desde as datas indicadas, quanto à celebração dos contratos iniciais ditos de “avença”, para cada um deles na PI, e até 31.03.2010, vínculos que se prolongaram para todos os AA. para além de Março de 2010, com a celebração do contrato de trabalho em funções públicas;

- Pagar a cada um dos AA., os valores, não pagos e nos montantes que concretamente indicaram para cada um deles, a título de retribuição de férias, subsídios de férias e dos subsídios de Natal;

- Pagar a cada um dos AA. os juros de mora legais, sobre as importâncias antes mencionadas, que se venceram desde as datas dos vencimentos de cada um dos valores e até ao integral pagamento, concretizando o montante dos já vencidos.

Para tanto, alegaram, em breve escorço, que:

- Foram admitidos ao serviço do Estado Português, através da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, por contratos que foram celebrados de 2000 a 2005, os quais foram denominados de “contratos de avença” e tinham duração inicial previsível de 1 ano;

- Esses contratos foram-se renovando até 31.03.2010, altura em que foram celebrados, com cada um dos AA., contratos de trabalho em funções públicas, na modalidade de contrato por tempo indeterminado, tendo continuado a executar os mesmos serviços que antes desempenhavam.

- Apesar de os contratos inicialmente celebrados terem sido denominados de “avença”, a relação que existiu entre AA. e R. era de natureza laboral, tratando-se, materialmente, de “contratos de trabalho” sendo que, no ano de início daqueles contratos, o R. não concedeu férias aos AA. nem lhes pagou remuneração correspondente a essas férias e nunca pagou aos mesmos o subsídio de férias correspondentes às férias remuneradas de cada ano, nem qualquer valor a título de subsídio de Natal.

- Em 2010, quando foi celebrado contrato de trabalho em funções públicas, o R. não concedeu aos AA. as férias relativas aos 3 meses de contrato anterior a esse contrato de trabalho em funções públicas, nem pagou subsídios de férias e de Natal proporcional a esse período.

2.

O Réu, representado pelo Ministério Público, contestou, por excepção e por impugnação, alegando, em síntese útil, que se verifica a excepção peremptória da prescrição porquanto os AA. celebraram com o R. contratos de trabalho em funções públicas que produziram efeitos a partir de 01.04.2010, tendo, nessa data, cessado o vínculo que anteriormente ligou cada um dos AA. ao R., pelo que, desde essa data e até à data da instauração da presente acção, já se mostra decorrido o prazo estabelecido no art. 381.º do CT/2003 e 337.º do CT/2009 para a prescrição dos créditos do trabalhador decorrentes daqueles primeiros vínculos.

Por outro lado, aduziu que o valor da remuneração paga mensalmente aos AA. incluía duodécimos de subsídios de férias e de Natal, acrescendo também subsídio de refeição.

Impugnando os factos alegados para a existência de contratos de trabalho, sustentou o R. que as funções desempenhadas pelos AA. correspondiam a serviços necessários ao desempenho das atribuições da Direcção-Geral de Veterinária, que, antes da reestruturação orgânica da mesma, eram contratados “externamente” com os aludidos vínculos de “avença”.

Concluiu no sentido de deverem ser julgadas procedentes as excepções de prescrição e de pagamento, com a inerente absolvição do pedido ou, se assim não se entender, dever a acção ser julgada improcedente, com a inerente absolvição do pedido.

Os AA. responderam à contestação, concluindo pela improcedência das excepções invocadas.

3.

Discutida a causa, proferiu-se sentença, em que se concluiu que os vínculos celebrados por cada um dos AA. com o R., denominados de “avença”, e que vigoraram até 31 de Março de 2010, consubstanciaram contratos de trabalho, que são nulos por não ter sido observado o procedimento imperativo para a selecção dos trabalhadores em funções públicas, sendo-lhes aplicável, até à declaração da sua nulidade, o regime do contrato de trabalho.

 Considerou-se e concluiu-se ainda, que, não estando demonstrado o pagamento de subsídios de férias e de natal reclamados pelos AA., era de equacionar a determinação do seu pagamento; porém, como tais contratos de trabalho cessaram com a celebração, em 01 de Abril de 2010, dos contratos de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, esses créditos já se encontravam prescritos, atento o disposto no art. 337.º do CT.

Decidiu-se julgar procedente a excepção da prescrição e, consequentemente, julgou-se a acção totalmente improcedente e absolveu-se o R. de todos os pedidos formulados pelos AA.

4.

Irresignados com o assim decidido, os AA. interpuseram recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, circunscrevendo o respectivo objecto a duas questões: a da (im)procedência da excepção de prescrição e a do pretenso erro de julgamento por não ter sido considerado procedente o pedido de reconhecimento da natureza laboral que uniu AA. e R. até Março de 2010.

Nas contra-alegações apresentadas, o R., sustentando que as duas questões suscitadas na apelação são exclusivamente relativas a “matéria de direito”, requereu que, verificados que se mostram os requisitos contidos no n.º 1 do art. 678.º do CPC, «a apelação subisse directamente ao Supremo Tribunal de Justiça (recurso per saltum)».

Notificados do assim requerido, os AA. nada opuseram.

                                                    ___

O recurso foi assim admitido directamente neste Supremo Tribunal de Justiça, como Revista (per saltum).

A motivação recursória, oportunamente deduzida pelos AA./recorrentes, encerra com a formulação das seguintes proposições conclusivas:

«I - PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS.

1 - Enquanto no Código Civil o prazo prescricional se inicia quando o direito puder ser exercido, no direito laboral esse prazo só se inicia quando cessa a relação contratual.

2 - A razão de ser deste regime especial de prescrição de créditos está no facto de o legislador reconhecer que o trabalhador, enquanto permanece vinculado por contrato de trabalho subordinado, está afectado de uma capitis diminutio, "presumindo que ele não goza de plena liberdade psicológica para reclamar o que lhe é devido" – vide Monteiro Fernandes, in ‘Direito do Trabalho’, Almedina, Ed. 12ª.

3 - E "o que importa para o início da contagem é o momento da ruptura da relação de dependência, não o momento da cessação efectiva do vínculo jurídico" – página 481 da mesma obra.

4 - Em 31/03/2010 não se dá a ruptura das relações de dependência, na medida em que os Recorrentes continuaram a trabalhar para o Estado a partir de 1/04/2010, de forma subordinada.

5 - A relação de trabalho e de subordinação manteve-se inalterada entre o momento anterior a 31/3/2010 e o posterior a esta data.

6 - A única alteração ocorrida reside no facto de o Estado ter procedido à regularização de uma situação ilegal, que se verificava até 31/3/2010, formalizando a celebração de contratos de trabalho em funções públicas.

7 - Portanto, contrariamente ao que defende a douta decisão recorrida, não ocorreu em 31/3/2010 a cessação do contrato de trabalho, mantendo-se depois desta data o mesmo tipo de relação de dependência, o mesmo tipo de subordinação e com mesmo conteúdo funcional da prestação de trabalho que se verificava anteriormente.

8 - Por outro lado, sem prescindir do anteriormente defendido, sendo nulos os contratos de trabalho que vigoraram, entre cada um dos Recorrentes e o Réu, até 31/3/2010, essa declaração de nulidade não pode ter como consequência a prescrição dos créditos.

9 - Como se sustenta no douto acórdão recorrido:

Os efeitos do contrato nulo, como se fosse válido, em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, limitam-se à obrigação da entidade empregadora pagar as retribuições vencidas correspondentes ao tempo em que o contrato esteve em execução, designadamente os subsídios de férias e de Natal reclamados. Mais nenhum efeito jurídico é legítimo extrair dessa invalidade.” E…

Sendo esse o único efeito jurídico da declaração de nulidade do contrato, ficam excluídos quaisquer outros, designadamente os efeitos prescricionais decorrentes do decurso do prazo previsto no art.º 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho”.

10 - Por isso, não ocorreu a prescrição dos créditos reclamados pela Recorrente, já que nem sequer esse prazo teve início.

11 - Devendo o Estado ser condenado a pagar aos Recorrentes os créditos reclamados, bem como os respectivos juros de mora peticionados.

12 - Ao decidir de forma diversa, a douta decisão recorrida violou, em nosso entender, o disposto no artigo 337.º do Código do Trabalho.

II - ERRO DE JULGAMENTO, NA PARTE DECISÓRIA.

13 - O primeiro pedido formulado pelos Recorrentes na sua petição foi o de ser o Réu condenado a reconhecer que "os AA. se encontraram vinculados por contratos de trabalho subordinado, desde as datas indicadas, quanto à celebração dos contratos iniciais ditos de "avença", para cada um deles neste articulado, e até 31/3/2010... ".

14 - Apesar de ter reconhecido, na sua fundamentação, que existiu entre os Recorrentes e o Estado uma relação de trabalho subordinado durante aquele período, a douta sentença acabou por não condenar o Réu a reconhecer a existência desses mesmos vínculos.

15 - Esta omissão deve-se a mero lapso do julgador, tratando-se assim de um erro de julgamento.

16 - "Daí que se entenda que pode e deve este Tribunal de recurso corrigir esse erro de julgamento e condenar o Réu nos precisos termos peticionados pelos Autores."».

Terminam perorando que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-‑se a douta decisão recorrida, (que julgou procedente a excepção de prescrição e extinto o direito dos Recorrentes), e condenando-se o Réu a pagar a cada um deles, a título de retribuição de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, as importâncias que discriminam, acrescidas estas dos juros de mora, vencidos e vincendos até ao integral pagamento.

Mais: deve ainda corrigir-se o erro de julgamento, condenando-se o Réu a reconhecer que os Autores se encontravam vinculados por contratos de trabalho subordinado, desde as datas indicadas na petição inicial quanto à celebração dos contratos iniciais ditos de "avença", e até 31/3/2010.

                                                    ___

O recorrido apresentou resposta, concluindo:

«I - Não tendo havido qualquer interrupção ou hiato entre a cessação dos contratos que se reconheceu serem de trabalho e a celebração dos contratos de trabalho em funções públicas, continuando os AA. a executar os mesmos serviços que antes desempenhavam, não poderá considerar-se todo o período desde o início como de execução de um mesmo contrato de trabalho de modo a dizer-se que não cessou ainda a relação contratual.

II - Mau grado não ter cessado a prestação efectiva de actividade pelos AA., no caso dos autos verifica-se uma assinalável diferença que não se pode dizer meramente formal: existia uma situação de facto correspondente a um contrato de trabalho subordinado nos termos previstos na LCT e Código do Trabalho, mas um contrato de trabalho nulo por contrariar o previsto pelo legislador, e essa situação deu lugar a contratos de trabalho válidos (contratos de trabalho em funções públicas), havendo duas situações de facto que se autonomizam entre si, sem se confundirem.

III - Tendo sido celebrados contratos de trabalho inválidos, que necessariamente (por imposição legal até) cessaram, foram depois celebrados novos contratos (de natureza e qualidade diversas, porque em funções públicas).

IV - Por via disso, os AA. passaram a estar vinculados através de contratos de trabalho em funções públicas porque, em 1.04.2010, os mesmos foram por si celebrados, e não porque seja admissível considerar que desde o início estamos perante contratos válidos ou por qualquer "conversão” dos contratos iniciais.

V - Tendo a citação do R. para a acção ocorrido a 8 de Janeiro de 2014 e os contratos de trabalho iniciais findado em Março de 2010, como tal, os créditos laborais dos AA., relativos a esses contratos iniciais, mostram-se há muito prescritos.

VI - Na sentença ora recorrida não foram violadas quaisquer normas legais, designadamente as contidas nos art. 337.°, n.º 1, do Código do Trabalho e 323.°, n.º 1, do Código Civil.».

Deve o recurso dos AA. ser julgado improcedente, termina, confirmando-se, na íntegra, a douta sentença.

                                               ____

Os Autos não foram presentes ao Exm.º Procurador-Geral Adjunto para emissão do respectivo Parecer, porquanto, como se consignou supra, a fls. 364, o Ministério Público representa o R./Estado, não havendo, assim, que dar cumprimento ao disposto no art. 87.º, n.º 3, do CPT.

                                                  __

5.

Do objecto da Revista.

Com flui das asserções conclusivas – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito da impugnação, inexistindo temáticas de conhecimento oficioso de que cumpra conhecer –, as questões a dilucidar e resolver reconduzem-se (i) à prescrição dos créditos reclamados pelos AA., decorrentes do contrato de trabalho nulo, mantido com o R. até 31 de Março de 2010, e (ii) ao pretenso erro de julgamento, consistente na omissão de condenação do R. a reconhecer a natureza laboral desse vínculo.

    ____

           

Visando a preparação da deliberação, entregou-se previamente cópia do projecto de solução aos Exm.ºs Adjuntos.

 Cumpre ora decidir.

                                                  ____

     II –

 Dos Fundamentos

A – De Facto.

O Tribunal recorrido estabeleceu como assente a seguinte factualidade:

A) - A Direcção Geral de Veterinária (DGV), agora designada de DGAV – Direcção Geral de Alimentação e Veterinária –, é um organismo do Estado Português, integrado no Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas (agora designado Ministério da Agricultura e do Mar), tendo como objectivos, entre outros, o de assegurar a inspecção sanitária das carnes frescas de animais.

À DGAV cabe executar o controlo dos animais, dos produtos de origem animal bem como dos alimentos para animais.

B) - Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 209/2006 existia a Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral (DRABL), que abrangia os Distritos da Viseu, Aveiro, Coimbra e Leiria, com sede em Coimbra, cujas atribuições incluíam, entre outras, a execução das políticas emanadas pela DGV.

Este diploma determinou a extinção da DRABL e a integração das suas atribuições na agora criada Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC).

C) - O Decreto Regulamentar 11/2007, de 27 de Fevereiro, reformulou a estrutura da DGV, consagrando o princípio da verticalização dos serviços veterinários, com o objectivo de integrar numa unidade hierárquica todas as actividades relacionadas com a produção animal, a protecção e promoção da saúde dos animais e a segurança sanitária dos géneros alimentícios de origem animal produzidos ou introduzidos no espaço da Comunidade Europeia. Resulta, assim, que o exercício de funções da competência da DGV na Beira Litoral, iniciadas antes de 2006 e mantidas até aos dias de hoje, tenha sido feito sob a tutela de três entidades distintas: DRABL, DRAPC e DGV.

D) - Cada um dos AA. foi contratado pela DRABL para trabalhar como médico veterinário nos vários serviços dependentes desta entidade, exercendo funções no Distrito de Aveiro.

E) - A todos os AA. foram apresentados pela DRABL contratos escritos que subscreveram, denominados de avença, como consta de fls. 61/62, 101/102, 103/104, 105/106, 107 e 108/109, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Estes contratos tinham a duração prevista, inicial, de um ano; contratos estes que foram sendo sucessivamente renovados até 31.03.2010, por conveniência da DGV, porque esta não dispunha de funcionários públicos, nos seus quadros, para exercer as mesmas funções, indispensáveis à realização das competências próprias desta Divisão da DGV.

F) - Nessa data (31.03.2010) o R. apresentou a cada um dos AA., que os subscreveram, contratos de trabalho em funções públicas, na modalidade de contrato por tempo indeterminado, celebrados pela DGV, em representação do Estado, com cada um dos AA., como consta de fls. 81/84, 85/88, 89/92, 93/96 e 97/100, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

G) - Os AA. continuaram a executar os mesmos serviços que antes desempenhavam; subordinados às mesmas orientações e instruções emanadas da DGV, na dependência directa da DIV de Aveiro; usando os mesmos instrumentos de trabalho de que já dispunham anteriormente; integrados nas mesmas equipas de inspecção sanitária e cumprindo o mesmo regime de horários, dos matadouros ou o horário da DIV, quando não havia serviço nos matadouros.

Não houve qualquer interrupção ou hiato entre o trabalho prestado pelos autores até 31.03.2010 e o prestado a partir de 01.04.2010, mantendo-se todos os AA. ainda hoje no exercício das mesmas funções.

H) - A A. AA foi contratada em 01.01.2000 para desempenho de funções na área da inspecção sanitária, mediante a celebração de contrato denominado de Avença – como consta de fls. 101/102 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido –, mediante a retribuição mensal de PTE 279.633$00 (€ 1.394,80), em 12 meses no ano; contrato celebrado com a DRABL (Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral).

 Desde a admissão e até 30.04.2005 as suas funções de inspectora sanitária foram exercidas em centros de abate de aves e salas de desmancha, na DIV de Viseu, e de 01.05.2005 e até hoje em centro de abate de ungulados, aves e lagomorfos, afectos à DIV de Aveiro.

I) - A A. BB foi contratada em 01.10.2003 para desempenho de funções na área da inspecção sanitária, mediante a celebração de um contrato denominado de Avença – como consta de fls. 103/104 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido –, mediante a retribuição mensal de € 1.524,99, em 12 meses no ano; contrato celebrado com a DRABL (Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral).

Para exercer funções como Inspector Sanitário em matadouros de leitões e matadouros de suínos adultos, na área de influência da DIV de Aveiro.

J) - A A. CC foi contratada em 01.02.2001 para desempenho de funções na área da inspecção sanitária, mediante a celebração de um contrato denominado de Avença – como consta de fls.105/106 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido –, mediante a retribuição mensal de PTE 286.833$00 (€ 1.430,72), em 12 meses no ano; contrato celebrado com a DRABL (Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral).

Para exercer funções como Inspector Sanitário em centros de abate de reses, aves e salas de desmancha, na área de influência da Divisão de Intervenção Veterinária de centro de abate de ungulados, aves e lagomorfos, afectos à DIV de Aveiro.

L)- O A. DD foi contratado em 01.02.2001 para desempenho de funções na área da inspecção sanitária, mediante a celebração de um contrato denominado de Avença – como consta de fls. 107 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido –, mediante a retribuição mensal de PTE 286.833$00 (€ 1.430,72), em 12 meses no ano; contrato celebrado com a DRABL (Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral).

Para exercer funções como Inspector Sanitário em centros de abate de reses, aves e salas de desmancha, na área de influência da Divisão de Intervenção Veterinária, afectos à DIV de Aveiro; ultimamente passou a exercer funções de inspecção sanitária em matadouros de leitões na região da Bairrada.

M) - A A. EE foi contratada em 01.02.2001 para desempenho de funções na área da inspecção sanitária, mediante a celebração de um contrato denominado de Avença – como consta de fls. 108/109 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido –, mediante a retribuição mensal de PTE 286.833$00 (€ 1.430,72), em 12 meses no ano; contrato celebrado com a DRABL (Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral).

Para exercer funções como Inspector Sanitário em centros de abate de reses, aves e salas de desmancha, na área de influência da Divisão de Intervenção Veterinária de centro de abate de ungulados, aves e lagomorfos, afectos à DIV de Aveiro.

N) - O A. FF foi contratado em 01.10.2003 para desempenho de funções na área da inspecção sanitária, mediante a celebração de um contrato denominado de Avença – como consta de fls. 61/62 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido –, mediante a retribuição mensal de € 1.524,99, em 12 meses no ano; contrato celebrado com a DRABL (Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral).

Para exercer funções como Inspector Sanitário em matadouros de leitões, rezes, aves e coelhos, na área de influência da DIV de Aveiro.

O) - Os AA., como “Médicos Veterinários”, executavam todo o serviço de inspecção sanitária de carnes frescas de animais de talho, capoeira e caça, no âmbito das Directivas Comunitárias e sob a jurisdição da DRABL.

P) - O local de trabalho dos AA. situava-se na área de actuação da DIV de Aveiro, sendo colocados a realizar os serviços de Inspecção Sanitária nos vários matadouros de carnes desta Divisão, correspondente ao Distrito de Aveiro.

Q) - Até final de 2007 os AA. estavam administrativamente afectos à DRABL, mas eram considerados Inspectores Higio-Sanitários da DGV, dependendo directamente do Chefe da Divisão de Intervenção Veterinária.

R) - Para o exercício das suas funções o R. atribuiu aos AA. um carimbo de tinta, em que constava como «Inspector Sanitário n.º …, da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral» e o código de Inspector Sanitário, destinando-se este a ser usado para carimbar documentos oficiais da inspecção.

S) - A celebração dos referidos contratos visara responder às necessidades de o Estado Português assegurar uma eficaz inspecção sanitária; tendo em vista garantir, de forma rigorosa, desempenhos adequados neste sector de inspecção sanitária, como meio de prevenção e de protecção da saúde pública, em obediência escrupulosa das normas nacionais e das directivas comunitárias que regulam este sector económico.

Os controlos realizados para assegurar a verificação do cumprimento da legislação relativa aos géneros alimentícios, à saúde e ao bem-estar dos animais destinam-se a prevenir, eliminar ou reduzir para níveis aceitáveis os riscos para os seres humanos e garantir práticas leais no comércio bem como os interesses dos consumidores.

T) - Até 2007 a DRABL, através da direcção da DIV de Aveiro, dava aos AA. orientações para cumprimento da legalidade e tratamento uniforme das situações, visando a prossecução do interesse público, designadamente a defesa da saúde pública, da saúde dos consumidores.

Sendo que as instruções de serviço para a inspecção sanitária eram emanadas da DGV para a DRABL, que depois as encaminhava para os Inspectores.

U) - Para que pudessem cumprir as suas funções com rigor, e para dar cumprimento ao Regulamento CE, a DGV ministrou aos AA. formação, promovendo a realização de cursos de formação profissional, seminários e Workshops, que os AA. eram obrigados a frequentar, tendo os mesmos frequentados os seguintes:

      - A A. AA aqueles a que se referem fls. 110 a 116;

      - A A. BB aqueles a que se referem fls. 117 e 118;

      - A A. CC aqueles a que se referem fls. 119 a 125;

      - O A. DD aqueles a que se referem fls. 126 a 131;

      - A A. EE aqueles a que se referem fls. 132 a 134;

      - O A. FF aqueles a que se referem fls. 63 a 65…

Os quais serviam para actualizar os conhecimentos técnicos e científicos dos AA. e para lhes serem transmitidas instruções sobre a uniformização de procedimentos e critérios de inspecção sanitária; orientações que os AA. deviam, depois, respeitar no exercício das suas funções.

V) - Quando em serviço nos matadouros, os AA. estavam adstritos ao cumprimento dos horários de início de abates praticados nos mesmos, sendo incertas as horas de termo de tais abates, que tinham de acompanhar e fiscalizar.

No entanto, quando nos matadouros em que estavam colocados não havia serviço de abate, ou o número de animais era muito reduzido, os AA. tinham que dar conhecimento desse facto à coordenação da DIV Aveiro, sendo depois orientados pela coordenação dessa DIV para a execução de outras funções ou para comparecerem nos serviços da DIV para aí realizarem outras tarefas. Com efeito, para além da inspecção sanitária em matadouros e salas de desmancha, os AA. foram incumbidos pelos serviços do R., a partir de 2007, de fazerem vistorias aos estabelecimentos de preparação de carnes (leitão assado, salsicharias, etc., no âmbito do PACE (Plano de Aprovação e Controlo de Estabelecimentos).

No âmbito destes serviços elaboravam Autos de Vistoria que, no final, eram assinados pelo Chefe de Divisão.

X) -As vistorias a estabelecimentos eram determinados pela coordenação da DIV, que determinava quando e onde os AA. deveriam executar tais serviços.

Z) - No exercício das suas funções competia aos AA. proceder à inspecção das carnes que eram abatidas nos matadouros, assim como verificar as condições hígio-sanitárias dos estabelecimentos em causa, procedendo ao levantamento de autos sempre que eram detectadas irregularidades. Autos que eram assinados pelos AA. e pelos Auxiliares de Inspecção que os acompanhavam.

AA) - No desempenho das funções de Inspector Higio-sanitário os AA. estavam obrigados ao cumprimento de um horário de trabalho, o qual era determinado pelos serviços de que dependiam directamente; horário que variava em função das necessidades de cada estabelecimento onde estavam colocados a fazer a respectiva inspecção; estando definido que deveriam, em média, cumprir um horário semanal de 35 horas.

Nessa medida, quando não havia serviço nos matadouros onde estavam colocados, ou este era reduzido, os AA. tinham que se dirigir à sede da DIV, onde cumpriam o restante horário, ou eram encaminhados para outros serviços por indicação da Chefe de Divisão.

BB) - Quando afectos à DIV, os AA. trabalhavam de 2.ª a 6.ª feira, descansando sábado e domingo, cumprindo o seguinte horário: 9:00 às 12:30 e 14:00 às 17:30.

Sendo que era desses mesmos serviços da DGV, a quem estavam organicamente ligados, que recebiam as instruções quanto ao local onde deviam desempenhar a sua missão e qual o horário que deviam cumprir.

A Coordenadora da DIV, com regularidade mensal, organizava Mapas de Colocações dos Inspectores Sanitários em cada um dos estabelecimentos, nos quais estavam atribuídos a cada um dos Inspectores os dias e os estabelecimentos em que tinham que se apresentar para trabalhar, bem como os períodos de férias que cada um estava a gozar.

CC) - No caso do trabalho nos matadouros de leitões, o trabalho era realizado todos os dias da semana, com dois dias de descanso, variáveis; quando havia abates ao sábado em algum matadouro, os serviços da DGV, de quem dependiam, ordenavam aos AA. que trabalhassem nesse dia.

O trabalho prestado nesses sábados era compensado com um dia de descanso durante a semana.

DD) - Os AA. entregavam mensalmente o mapa de assiduidade, onde eram lançados os estabelecimentos onde prestavam serviço de inspecção, bem como as horas de entrada e saída, os quais eram entregues na DIV de que dependiam. Para além de que o controlo do cumprimento dos horários e serviços prestados era feito através do «livro de ocorrências», que diariamente era preenchido pelos AA. nos estabelecimentos onde realizavam a inspecção sanitária.

EE) - Quando necessitavam de faltar ao serviço, por razões pessoais, os AA. tinham que pedir autorização para gozar esse dia como dia semelhante a férias.

FF) - Todos os anos eram concedidas férias aos AA., com o mesmo tempo correspondente aos funcionários do quadro, denominando os serviços da DGV esses períodos como semelhantes a férias.

Os mapas anuais de férias eram organizados em conjunto com todos os Inspectores e a coordenação da DIV, durante o mês de Março de cada ano, habitualmente.

Sendo, a partir dessa reunião, elaborado o mapa de férias pelos próprios serviços da DIV, o qual ficava afixado nas respectivas instalações.

De acordo com as conveniências do serviço eram os AA. autorizados, ou não, pelo Chefe de Divisão a gozar os referidos dias como de férias.

GG) - Os AA. recebiam ordens e instruções da DGV, através do Chefe de Divisão ou de outros responsáveis, quanto ao modo como as funções deviam ser desempenhadas e as actividades inspectivas que deviam ser realizadas em cada momento.

HH) - Os AA. estavam na dependência hierárquica do Chefe dessa Divisão, o qual, por sua vez, estava na dependência directa do Director da Direcção de Serviços de Higiene Pública Veterinária e este, por sua vez, na dependência do Director Geral da Direcção Geral de Veterinária.

II) - Sendo que os autores e os demais trabalhadores desta Divisão estavam obrigados a respeitar as orientações emanadas da referida cadeia hierárquica, nomeadamente devendo respeitar as normas procedimentais no que concerne à realização das vistorias.

Recebendo, com regularidade, instruções como deveriam actuar e regras que deveriam respeitar e cumprir na sua actuação.

Devendo encaminhar os autos levantados para os serviços da Divisão.

JJ) - Eram os serviços da DGV quem ordenava aos AA. quando estes deviam realizar as visitas inspectivas e em que locais deviam realizar esses trabalhos.

LL) - Os AA. trabalhavam com os meios técnicos postos à disposição pela DGV, nomeadamente os meios informáticos e todo o tipo de suporte administrativo; dispondo de um gabinete próprio na DIV, com secretária e demais equipamentos necessários para a realização dos seus trabalhos, fornecidos pelo R.

 Para além disso, eram os serviços do R. que forneciam aos AA. todo o equipamento para estes realizarem a inspecção sanitária, nomeadamente batas, galochas, luvas e outros equipamentos necessários.

Quando não eram os serviços do R. a fornecer estes equipamentos eram os matadouros onde trabalhavam que os forneciam, sendo essas entidades compensadas pelo R. com a redução do valor das taxas que tinham de pagar pelo serviço de inspecção sanitária.

MM) - Quando se deslocavam para os vários matadouros onde deveriam exercer as suas funções, os AA. utilizavam as suas viaturas próprias, sem receberem ajudas de custo.

Em visitas inspectivas utilizavam “viatura de serviço”.

NN) - Durante o tempo que trabalharam para a DGV, esta pagou aos AA. as seguintes prestações mensais:

- À autora AA:

2000    - PTE 279.633,00 (€ 1.394,80)

2001    - PTE 286.833,00 (€ 1.430,72)

2002    -           € 1.524,29

2003    -           € 1.526,97

2004    -           € 1.529,61

2005    -           € 1.564,34

2006    -           € 1.589,19

2007    -           € 1.613,49

2008    -           € 1.647,37

2009    -           € 1.695,14

2010    -           € 1.695,14

- Aos autores BB e FF:

2003    -          € 1.524,99

2004    -          € 1.529,61

2005    -          € 1.564,34

2006    -          € 1.589,19

2007    -          € 1.613,49

2008    -          € 1.647,37

2009    -          € 1.695,14

2010    -          € 1.695,14

- Aos autores DD, CC e EE:

2001    -          € 1.430,72

2002    -          € 1.524,29

2003    -          € 1.526,97

2004    -          € 1.529,61

2005    -          € 1.564,34

2006    -          € 1.589,19

2007    -          € 1.613,49

2008    -          € 1.647,37

2009    -          € 1.695,14

2010-     € 1.695,14.

OO) - A A. BB esteve de baixa médica nos seguintes períodos: de 13.07.2004 a 17.08.2004; de 25.11.2004 a 12.12.2004 e de 19.10.2006 a 17.11.2006, períodos durante os quais não auferiu qualquer prestação monetária do R.

PP) - No ano de início do contrato, o R. não concedeu férias a nenhum dos AA., nem lhes pagou compensação monetária correspondente às férias em falta.

QQ) - Em 12 de Março de 2010 os AA. assinaram as declarações juntas de fls. 258 a 263 – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – em que referem «… declaro que vou ocupar o posto de trabalho decorrente de recrutamento do procedimento concursal aberto pelo Aviso …, através de contrato de trabalho por tempo indeterminado e que à data de produção de efeitos deste último, cesso o contrato de trabalho de avença que tinha anteriormente celebrado em…»

                                               ____

            O quadro factual estabelecido não foi objecto de impugnação, nem se vislumbra justificação para fazer uso do disposto no art. 682.º/3 do CPC, razão por que a questão proposta há-de dilucidar-se e resolver-se com base nos factos assim elencados.

                                               ___

            BOs Factos e o Direito.

Ante o já delineado thema decidendum, são duas as questões que cumpre dilucidar e resolver.               

1. - Da prescrição dos créditos reclamados.

Não se questionando a materialidade fixada, nem vindo posta em crise a identificada hipótese legal de subsunção, os recorrentes insurgem-se, primeiro, contra a solução alcançada relativamente à prescrição dos créditos peticionados, reportados aos vínculos que mantiveram com o recorrido até Março de 2010, propugnando, em suma, no sentido de que as relações de trabalho e subordinação em causa se mantiveram inalteradas imediatamente antes e depois de 31.3.2010, pelo que, face à continuação dos vínculos, não ocorreu a prescrição prevista no art. 337.º/1 do Código do Trabalho.

(A esta temática se dirigem as primeiras doze proposições conclusivas do respectivo alinhamento).

Vejamos então.

1.1

É premissa da deliberação revidenda, não questionada – consigna-se tal circunstância, desde já, com a única preocupação de facilitar a compreensão e enquadramento subsequentes –, que os vínculos contratuais entre os AA. e o R., mantidos sob diversa designação, em sucessivas renovações, até 31 de Março de 2010, assumiram natureza juslaboral, não obstante feridos de nulidade por violação de normas procedimentais imperativas que disciplinam/condicionam a vinculação a entidades da Administração Pública.

Avançaremos, pois, tendo por adquirido que foi oportunamente outorgado entre cada um dos AA. e o R., um contrato de trabalho subordinado, embora nulo, que perdurou até 31 de Março de 2010, sucedendo-se-lhe imediatamente um contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, iniciado a 1 de Abril de 2010.

A dissensão das partes entronca na pretensa “interligação” ou continuidade desses dois vínculos: para os AA. o contrato celebrado com o R. a partir de 1 de Abril de 2010 mais não é que uma continuação do vínculo que até essa data mantiveram com o R.; para este trata-se de dois vínculos juridicamente distintos, não tendo o contrato de trabalho nulo, que vigorou até àquela data, (…e então cessado), a virtualidade de se “converter” no contrato de trabalho em funções públicas que passou a vincular os AA. ao R. desde Abril de 2010.

 

Sustentam, pois, os AA., como primum movens, que ‘em 31/03/2010 não se dá a ruptura das relações de dependência, na medida em que os Recorrentes continuaram a trabalhar para o Estado a partir de 1.4.2010, de forma subordinada’ – cfr., v.g., a conclusão 4. do seu acervo de síntese.

E, assim – concluem – …’[a] única alteração ocorrida reside no facto de o Estado ter procedido à regularização de uma situação, ilegal, que se verificava até 31/03/2010, formalizando a celebração de contratos de trabalho em funções públicas’, não tendo, por isso, ocorrido a cessação do contrato de trabalho naquela data.

Equacionada a problemática que ora nos (pre)ocupa, nos seus contornos basilares, importa reter, complementarmente, de modo breve, as seguintes considerações de enquadramento.

1.2

É entendimento unânime e pacífico desta Secção do Supremo Tribunal que os vínculos jurídicos de natureza laboral, que se tenham formado com Entidades Públicas sem a observância das regras legais imperativas estabelecidas para a contratação em funções públicas, são nulos[2], sendo, por isso, insusceptíveis de “conversão” em contratos de trabalho com a Administração Pública[3].

Contudo, por aplicação do disposto no art. 122.º/1 do CT/2009, [previsão homóloga da antes constante no art. 115.º/1 do CT/2003, com antecedentes no art. 15.º da LCT, originalmente erigida visando, segundo tese sustentada na nossa doutrina, a protecção do trabalhador nas situações da chamada ‘relação contratual de facto’[4]], a nulidade destes contratos não impede que os mesmos produzam efeitos, como se fossem válidos, durante o período de tempo em que estiveram a ser executados.

Nos termos deste regime, a Lei reconhece expressamente – …ao contrário do que decorreria do regime geral referente à nulidade estabelecida nos arts. 286.º e 289.º do Cód. Civil – a produção de efeitos a um negócio jurídico inválido.

Como já firmado em precedente Jurisprudência desta Secção (cfr., v.g., por todos, neste sentido, o Acórdão de 25.11.2009, Proc. n.º 1846/06.1YRCBR.S1), a determinação legal no sentido de “ficcionar” a validade do contrato de trabalho nulo como se válido fosse, enquanto se encontra em execução, estende-se aos próprios actos extintivos, remetendo‑nos, assim, para a aplicação do regime geral relativo a todo o conteúdo do contrato e créditos dele emanados, como se o mesmo não estivesse ferido de nulidade.

Deste modo, e em consequência, tal significa que, atento o disposto no art. 122.º/1 do CT/2009 (também no art. 115.º do CT/2003), o reconhecimento dos deveres e direitos decorrentes do contrato de trabalho nulo têm de ser definidos e exercitados, por referência ao período em que o mesmo foi objecto de execução, nos moldes legalmente estabelecidos para o seu exercício, referidos ao contrato de trabalho em que não se colocam questões sobre a respectiva validade.

Concretizando, no que aqui importa, diremos que, se para a afirmação de créditos reclamados, decorrentes da execução do contrato de trabalho declarado nulo, se tem de atender à verificação dos pressupostos da sua existência, medida e forma de cálculo, (com abstracção do vício de que padece, ou seja, como se fosse o contrato sempre fosse válido), igual raciocínio há-de impor-se relativamente às condicionantes e prazos legalmente estabelecidos para o seu exercício.

Dito de outro modo, que se pretende mais claro: se para se afirmar a existência do crédito tem de se pressupor que o contrato é válido – e, nesse pressuposto, apreciar o seu âmbito e conteúdo –, igual critério tem de usar-se para sindicar do tempo e modo do exercício da reclamação desse crédito.

Daí a incontornável conclusão de que as regras estabelecidas no Código do Trabalho sobre o prazo para o exercício dos direitos decorrentes do contrato de trabalho válido têm, também, de ser aplicadas no exercício de iguais direitos decorrentes do contrato de trabalho nulo, reportados ao período em que o mesmo se manteve em execução.

Isto posto.

1.3

Os AA. formalizaram e mantêm com o R., a partir de 01.04.2010, um contrato de trabalho para exercício de funções públicas, por tempo indeterminado.

 Sustentam, contudo, que esse vínculo traduz uma «continuidade» da relação que anteriormente existia, para concluir que os créditos que reclamaram, reportados ao período anterior, não prescreveram.

Vejamos…

… não sem antes fazer um breve excurso sobre o regime legalmente estabelecido para o contrato de trabalho em funções públicas e o seu confronto com o regime geral do contrato de trabalho.

Assim:

Na data (10.03.2010) em que foram celebrados os contratos de trabalho em funções públicas entre cada um dos AA. e o R. vigorava o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, abreviadamente designado por RCTFP, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, ao abrigo do qual foram, aliás, subscritos tais contratos, como expressamente consagrado na alínea a) dos respectivos considerandos[5].

O RCTFP, aprovado pela Lei n.º 59/2008, surge no desenvolvimento da restruturação da Administração Pública e da definição dos modos de acesso à Função Pública, sucedendo ao RCTFP aprovado pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que, por sua vez, acolheu, no seu âmbito, parte do regime já estabelecido pelo DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro, de molde a ultrapassar questões, então colocadas, de constitucionalidade de identificados preceitos seus e formas da respectiva interpretação, concretamente no âmbito dos contratos a termo, bem como da transparência e do direito ao acesso à Função Pública.

Por outro lado, o RCTFP foi aprovado na decorrência da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, definindo o regime jurídico-funcional aplicável a cada modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público (art. 1.º).

Este regime revestiu as modalidades previstas no art. 9.º (nomeação e contrato de trabalho em funções públicas), podendo este ser por tempo indeterminado ou a termo resolutivo, certo ou incerto (art. 21.º).

                                                             

O contrato de trabalho, no âmbito deste diploma, é definido como «o acto bilateral celebrado entre a entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa» (n.º 3 do art. 9.º).

 Fica, desde logo, consignada a natureza (administrativa) deste contrato…

 …Natureza essa que não lhe advém tão-só por uma das partes ser um ente público, mas, essencialmente, da circunstância de estar sujeito a um complexo normativo intrínseco de Direito Público.

Efectivamente, seja qual for a concreta modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público, a mesma está sempre sujeita à observância das normas expressamente estabelecidas relativas à prévia planificação da actividade e das necessidades correspondentes, inerentes à identificação dos postos de trabalho necessários e integrados nas respectivas carreiras da Entidade Pública (arts. 4.º a 6.º e 49.º); à selecção do trabalhador mediante procedimento concursal próprio (arts. 50.º a 57.º); à publicitação dos vínculos (arts. 37.º e 38.º); à fixação do regime remuneratório correspondente (arts. 66.º a 73.º); a formas de cessação próprias (arts. 31.º a 34.º) e a um regime jurídico-funcional próprio (arts. 80.º a 82.º).

Para os contratos de trabalho em funções públicas a fonte normativa que o rege é, para além das restantes elencadas no art. 81.º desta Lei 12-A/2008, o RCTFP, que tem como âmbito de aplicação objectivo o definido no art. 3.º daquela Lei, como expressamente consigna no seu art. 3.º, n.º 1.

Resulta, assim, claro que as relações jurídicas de trabalho constituídas com a Administração Pública, no âmbito do RCTFP, ficam sujeitas ao regime próprio estabelecido no mesmo, bem como aos princípios e pressupostos definidos na Lei 12-‑A/2008, não se reconduzindo às regras de contratação dos funcionários públicos, nem às regras gerais estabelecidas para o contrato de trabalho (CT).

 Os contratos de trabalho em funções públicas, ao contrário dos restantes contratos de trabalho, assumem natureza pública, submetidos à jurisdição Administrativa (arts. 9.º, n.º 3, e 83.º, n.º 1, da Lei 12-A/2008).

Densificando a noção acima delineada, nos seus traços mais característicos, salienta a Prof. Rosário Ramalho[6], a propósito da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho (reflexão com inteiro cabimento, por óbvias razões, relativamente à Lei 59/2008, que lhe sucedeu), que… “as grandes tendências e os aspectos do actual regime da função pública, que constituíram o ponto de partida para a Reforma empreendida e que pesaram especialmente no regime do contrato de trabalho na Administração Pública, recentemente aprovado, são essencialmente três: a tendência geral para a denominada privatização do emprego público; a imposição formal de limites apertados no acesso à função pública e seus efeitos perversos; a indefinição do regime aplicável aos trabalhadores laborais no âmbito da Administração Pública e os problemas colocados pela coexistência deste regime com o regime da função pública”.

Como decorre de tudo o que acima se consignou, esquematicamente, em relação ao RCTFP, conclui-se tratar-se de um regime próprio e específico que, pese embora consagre, no seu seio, normas similares às existentes no regime geral do contrato de trabalho (CT), com ele não se confunde, contudo, nem, sequer, se “interliga”.

Estamos, pois, perante regimes legais distintos, regulamentando situações de natureza diversa, quer ao nível da formação do próprio vínculo, quer ao nível do seu conteúdo, seja ainda no que tange ao âmbito dos fins prosseguidos por cada um deles (fins de natureza pública vs. natureza privada).

Prosseguindo:

1.4

Na sentença sub specie, depois de se apreciar da natureza do vínculo que uniu AA. e R. até 31 de Março de 2010, considerou-se, no essencial (transcrevemos):

«Concluindo que foram celebrados contratos de trabalho (com início entre Janeiro de 2000 e Outubro de 2003), será de ver se são devidos os créditos peticionados pelos autores tendo por base a celebração desse tipo de contratos.

Sucede que, não resultando que tivessem sido observadas as condições estabelecidas no DL n.º 427/89 para preenchimento de um quadro de pessoal, não resultando que tivesse sido observado o procedimento de selecção, esses contratos são nulos, pois contrariaram o disposto em normas imperativas (no caso normas do DL n.º 427/89) – art. 294º do Código Civil –, sendo a nulidade de conhecimento oficioso (cfr. art. 286º do Código Civil).

Os contratos são nulos porque a contratação de pessoal pela Administração Pública sem cumprimento do legalmente previsto não pode levar a constituir uma situação definitiva (irregular), sendo que a cessação de um contrato nulo pode ser promovida a qualquer momento.

Todavia, é de admitir a protecção da “relação contratual de facto”, ficcionando que os contratos vigoraram como contratos de trabalho, conforme o disposto no art. 122.º do Código do Trabalho/2009 [tal como o n.º 6 do art. 10.º do DL n.º 184/89 para a “prestação de serviços”].

Assim, não estando demonstrado o pagamento de subsídios de férias e de natal, era de equacionar a determinação do seu pagamento.

Importa, porém, ver se se verifica a prescrição desses créditos que existam.

A alegação do réu na contestação de que se verifica a prescrição tem pressuposto que os contratos de trabalho (e já se concluiu serem contratos de trabalho) cessaram em 2010, iniciando-se então novos contratos (contratos de trabalho em funções públicas).

Está em causa o decurso de um ano desde a data da cessação do contrato de trabalho, sendo para análise desta questão de ter presente a legislação vigente nessa data, ou seja, em 2010.

O n.º 1 do art. 337.º do Código do Trabalho estabelece que o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescrevem decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

A extinção do direito na prescrição radica na inércia do titular do mesmo durante um certo período, tido em abstracto como razoável, em promover o seu exercício.

Estabelece o art. 323.º, n.º 1, do Código Civil que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

Pode dizer-se pacífico que a data relevante para a contagem do prazo de prescrição dos créditos laborais é a data em que efetivamente cessou a relação laboral, a data em que deixou de haver de facto prestação de trabalho.

In casu, os autores, em 2010, celebraram contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, tendo os autores, pessoas esclarecidas, assinado declarações em que aceitam que os contratos anteriores (que eram denominados de avença, mas eram de trabalho como se viu) cessavam (cfr. supra ponto QQ).

Sendo manifesto que de 2010 até à data da citação decorreu mais que um ano, para saber se se verifica a prescrição a pergunta a fazer é se a relação contratual denominada pelas partes de “avença” (que acima se concluiu ser uma relação de trabalho subordinado, e por tempo indeterminado) cessou em 2010 ou antes se prolongou com a celebração de contrato de trabalho em funções públicas.

Ou, perguntado de outra forma: não tendo havido qualquer interrupção ou hiato entre a cessação dos contratos que supra se reconheceu serem de trabalho e a celebração dos contratos de trabalho em funções públicas, continuando os autores a executar os mesmos serviços que antes desempenhavam (supra pontos F e G), pode considerar-se todo o período desde o início como de execução de um mesmo contrato de trabalho, de modo a dizer-se que não cessou ainda a relação contratual e como tal não se verifica prescrição?

Como se disse já, a prestação efectiva de actividade pelos autores não cessou, mantendo-se, e, note-se, em termos idênticos.

Todavia, verifica-se uma assinalável diferença que não se pode dizer meramente formal: existia uma situação de facto correspondente a um contrato de trabalho subordinado nos termos previstos na LCT e Código do Trabalho, mas um contrato de trabalho nulo, por contrariar o previsto pelo legislador, e essa situação deu lugar a contratos de trabalho válidos (contratos de trabalho em funções públicas), havendo duas situações de facto que se autonomizam entre si, sem se confundirem.

Ou seja, afigura-se-nos que não se pode arredar o facto de os contratos iniciais serem contratos de natureza diversa daqueles que foram depois validamente celebrados (estes, contratos de trabalho em funções públicas) e que esses contratos iniciais são nulos, havendo que ter presente que a cessação desses contratos iniciais (nulos) é reclamada/imposta por Lei, não se podendo afastar a especificidade de que os contratos são com a Administração Pública.

Com efeito, a protecção da relação contratual vigente até Março de 2010 pode ter lugar, mas admitindo uma “relação contratual de facto”, ficcionando que o contrato vigorou, conforme o disposto no art. 122.º do Código do Trabalho/2009 [tal como o n.º 6 do art. 10.º do DL n.º 184/89 para a “prestação de serviços”].

Todavia, se se admite ficcionar que os contratos vigoraram como contratos de trabalho (não em funções públicas, repete-se, porque caso contrário este Tribunal do Trabalho nem sequer teria competência em razão da matéria), a realidade é que o legislador não quer a consolidação desse vínculo constituído com preterição das regras de contratação com o Estado.

Isto é, os autores passaram a estar vinculados através de contratos de trabalho em funções públicas porque em 31.10.2010[7] os mesmos foram celebrados (cfr. supra ponto F) e não porque seja admissível considerar que desde o início estamos perante contratos válidos ou por qualquer “conversão” dos contratos iniciais.

A realidade é pois esta: foram celebrados contratos de trabalho inválidos que necessariamente (por imposição legal até) cessaram, sendo depois celebrados novos contratos (de natureza diversa, porque em funções públicas).

É inquestionável que não tem este Tribunal do Trabalho competência em razão da matéria para apreciar e reconhecer que o início dos contratos de trabalho em funções públicas se reporta às datas da celebração dos contratos iniciais, nem para dizer que os contratos de trabalho em funções públicas são a continuidade daqueles, sendo que seguramente um contrato de trabalho em funções públicas não é a continuidade de um contrato de trabalho sujeito ao regime da LCT/Código do Trabalho.

Sendo assim, salvo o devido respeito por opinião diversa, a conclusão a retirar só pode ser a de que os contratos de trabalho iniciais findaram em Março de 2010, e como tal os créditos dos autores relativos a esses contratos iniciais se encontram há muito prescritos.

Verificada a prescrição, improcede, sem necessidade de outras considerações, a acção.»

                                                       __

Sufragamos, no essencial, as judiciosas considerações que antecedem, suporte da solução eleita, que igualmente se ratifica.

Nelas se fez uma criteriosa análise e interpretação dos factos, na perspectiva axiológica relevante, à luz da dilucidada dimensão normativa ínsita na hipótese legal de subsunção.

Resumindo, para depois concluir:

- Os AA. mantiveram com o R., até 31 de Março de 2010, vínculos formalizados em documentos escritos que denominaram de “avença”, os quais vieram a ser considerados contratos de trabalho, mas feridos de nulidade, por, na sua formação, não terem sido observadas as regras e procedimentos legais exigíveis para o efeito;

- Esses contratos, atenta a sua nulidade, não poderiam, em qualquer caso, “converter-se” em contratos válidos, pelo que a declaração da sua nulidade implica/va a respectiva cessação, com as consequências estabelecidas no regime jurídico do Contrato de Trabalho (CT), nos termos supra mencionados;

- Deste modo, esses contratos de trabalho cessaram em 31.03.2010, porquanto só até essa data foram como tal executados, conforme assumido, aliás, pelos próprios AA. – cfr. ponto QQ) da FF[8];

- Por outro lado, está provado que os AA. celebraram com o R. contratos de trabalho em funções públicas, com início em 1 de Abril de 2014, contratos esses negociados e formalizados nos termos estabelecidos no RCTFP, como consta, expressamente, do documento que os corporiza – cfr. facto provado sob a alínea F) e fls. 81-84, 85-88, 89-92, 93-96 e 97/100).

1.5

Aqui chegados, perdeu naturalmente consistência – como ora se convirá, cremos – a tese sustentada pelos recorrentes no sentido de que, para lá do dia 1 de Abril de 2010, tudo se manteve como estabelecido antes dessa data, porquanto a natureza do novo vínculo, o seu conteúdo e as obrigações do mesmo decorrentes não são enquadráveis, conforme se deixou dilucidado, num contrato de trabalho sujeito ao regime geral.

É certo que o desempenho funcional subjacente não se alterou, mas é igualmente seguro que essa realidade material corresponde, em grande e determinante medida, à prestação da actividade funcional do contrato de trabalho em funções públicas, regime em cujo âmbito a mesma se conformou.

Pese embora essa similitude de facto, comum aos dois vínculos (contrato de trabalho/contrato de trabalho em funções públicas), as situações são ontologicamente diversas em termos da sua qualificação jurídica.

Igualmente claudica, por identidade de razão, a alegação dos AA. no sentido de que apenas se verificou «a regularização de uma situação ilegal».

 Não se trata de mera regularização de uma situação pré-existente; antes lhe corresponde a formação de um vínculo novo, com observância de procedimentos específicos, conformado e sujeito a um regime jurídico diverso.

É, assim, seguro que os vínculos que ligaram AA. e R. até 31 de Março de 2010 cessaram nessa data, não só por causa do início dos novos vínculos entre eles estabelecidos e iniciados em 1 de Abril de 2010, mas também – e decisivamente – porque naquela data cessou o modo de execução dos contratos iniciais.

Assim, resta apenas conferir os factos atinentes e o transcurso do tempo, face à regra da prescrição vertida no art. 337.º do CT/2009, para concluir que o prazo em causa se mostra largamente ultrapassado e prescritos, por isso, os créditos resultantes daqueles contratos de trabalho inválidos…

…Como bem se ajuizou, aliás, na douta sentença sob protesto, na consideração de que o prazo estabelecido no referido art. 337.º é aplicável aos créditos dos AA. sobre o R., reclamáveis enquanto decorrência dos contratos de trabalho nulos.

 Ficcionando a Lei/CT a validade do contrato para efeitos de delimitação e conformação desses créditos, não pode deixar de aplicar-se todo o regime legal a eles inerente, nomeadamente o relativo ao modo e tempo para o seu exercício.

Na verdade, como se referiu já, entendemos que a estipulação contida no art. 122.º, n.º 1, do CT/2009, (…bem como nas homólogas que a precederam), no sentido de que «o contrato de trabalho declarado nulo produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado», demanda a aplicação de todo o regime estabelecido no próprio CT para determinação das consequências decorrentes da cessação do contrato, o que se impõe, desde logo, por razões de lógica e coerência do sistema.

O antedito significa, em suma, que não enxergamos fundamento sustentável, de qualquer ordem ou natureza, no sentido de que os créditos laborais decorrentes de um contrato declarado nulo possam/devam excluir-se do prazo prescricional legalmente estabelecido para o seu exercício.

(Isto sem menoscabo por diverso entendimento, que se conhece).

Claudicam, pois, as correspondentes proposições conclusivas.

                                                ____

2. – A 2.ª questão.

Os AA. insurgem-se, na sequência, contra aquilo que identificam, na decisão sub specie, como sendo um erro de julgamento.

Na sua perspectiva, a sentença recorrida errou ao absolver o R. de todos os pedidos, não considerando o pedido formulado na alínea a) do petitório – no sentido de o R. ser condenado a reconhecer que os AA. se encontraram vinculados, por contratos de trabalho subordinado, desde as datas de início da celebração dos correspondentes contratos denominados de “avença” e até 31 de Março de 2010… –, apesar de ter apreciado a questão e ter reconhecido que …‘tendo presente o modo de exercício da actividade a que os AA. se obrigaram, fica claro, sem necessidade de mais considerações, que existia subordinação jurídica, o mesmo é dizer que os AA. foram contratados para prestação de trabalho subordinado’.

Na contra-alegação, o Exm.º Magistrado do M.º P.º, tomando posição, propendeu no sentido de que questão suscitada configurará, antes, uma nulidade da sentença, susceptível de suprimento – cfr. fls. 348.

O Ex.º Juiz ‘a quo’ enfrentou a arguição nestes termos:

‘A alínea a) do pedido dos AA. formulado no final da P.I. foi no sentido de o R. ser condenado a reconhecer que os AA. se encontraram vinculados por contratos de trabalho subordinado, desde as datas indicadas, quanto à celebração dos contratos iniciais de ‘avença’, para cada um deles na P.I., e até 31.3.2010, vínculos que se prolongaram para todos os AA. para além de Março de 2010, com a celebração do contrato de trabalho em funções públicas.

Ora, na fundamentação da sentença está claramente reconhecida a existência de uma relação contratual de trabalho subordinado, apenas não se tendo reconhecido que a mesma se prolongou nos mesmos termos após 31.3.2010, antes se prolongou em termos substancialmente diferentes, o que levou a considerar verificar-se a prescrição dos créditos respeitantes a esse período.

Na verdade, face a essa oposição entre a fundamentação e a decisão final, poderia considerar-se que está em causa uma nulidade da sentença (art. 615.º, n.º 1, al. c), do C.P.C.).

Todavia, não tendo sido expressa e separadamente invocada como tal, e não sendo a única questão suscitada, não parece que possa nesta Instância ser suprida (cfr. art. 77.º, n.ºs 1 e 3, do C.P.T.)’ .

Vejamos então.

Como flui do pedido expresso pelos AA. sob a alínea a) do petitório, reproduzido no despacho vindo de transcrever, no mesmo não se contém apenas/simplesmente – …ao contrário do ora alegado na impugnação – que o R. fosse condenado a reconhecer a natureza laboral dos vínculos que com eles manteve, denominados de “avença”, até 31 de Março de 2010; mais aí se pede, ao invés, que fosse também declarado que tais vínculos se prolongaram para além de Março de 2010, com a celebração do contrato de trabalho em funções públicas…como se de um único vínculo se tratasse.

Compulsando a fundamentação da sentença impugnada, diremos que, em rectas contas, o pedido, qua tale, não deixou de ser plenamente considerado, reconhecendo‑se, por um lado, a existência de uma relação de trabalho subordinado desde a celebração dos contratos iniciais, ditos de ‘avença’, e até 31.3.2010; não se reconheceu todavia, por outro lado, o prolongamento do/s vínculos/s para além dessa data, pelas razões então adequadamente explanadas.

Donde a conclusão:

Apenas o dispositivo não reflecte, atenta a formulação do pedido em causa – …admitindo, em tese, a hipótese (…) da sua cindibilidade –, os termos do adrede (bem) ajuizado, vício esse que, assim delineado, não configura o invocado erro de julgamento, (entendido[9] como a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário), que os postulantes caracterizam afinal como omissão devida a mero lapso do julgador – cfr. fls. 341.

Considerando tratar-se, antes, como certeiramente se ajuizou, da identificada causa de nulidade da sentença – n.º 1, c), do art. 615.º do C.P.C. –, impunha-se à parte a observância da disciplina constante do art. 77.º/1 do C.P.T.

Inobservada, não pode este Supremo Tribunal apreciar tal questão.

Deste modo, soçobram igualmente as razões que enformam as demais proposições conclusivas.

Em resumo:

Bem se ajuizou na sentença revista.

                       

          Tudo tratado, do que, de essencial, nos cumpria conhecer, vamos terminar.

                                                            ___

                                                  III –

                                    DECISÃO 

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar a Revista e confirmar a decisão impugnada.

Custas pelos recorrentes.

                                                                     ***

(Anexa-se sumário do Acórdão).  

            Lisboa, 08 de Outubro de 2014

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha.

Leones Dantas.

_______________
[1] - (Com apoio da Assessoria).
[2] - No caso, por afronta de normas imperativas então previstas no Decreto-Lei n.º 427/89, compaginadas com o disposto nos arts. 286.º e 294.º do Cód. Civil.
[3] - Cfr., inter alia, os Acórdãos de 22.09.2011 (proferido no Proc. 528/08.4); de 03.02.2010 (proferido no Proc. 387/09.0); de 25.11.2009 (proferido no Proc. 1846/06.1); e de 03.10.2007 (proferido no Proc. 177/07), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] - Regime específico/invalidade atípica do contrato de trabalho.
Cfr., na doutrina, v.g., Romano Martinez e Maria do Rosário Palma Ramalho, locs. cits. na anotação de Pedro Madeira de Brito, in ‘Código do Trabalho’, 9.ª Edição, 2013, pg. 327.
[5] - Este diploma, com todas as alterações subsequentes, foi expressamente revogado, muito recentemente, pelo art. 42.º, n.º 1, e), da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, abreviadamente designada por LTFP.
[6] - In ‘Questões Laborais’, Ano XI, n.º 24, pg. 121/ss., sob o tema ‘O Contrato de Trabalho na Reforma da Administração Pública’.
[7] - Quis-se escrever, seguramente, ’31.3.2010’, como aliás consta do ponto F. da FF, para onde se remete.
[8] - FF = Fundamentação de Facto.
[9] - Na terminologia de Antunes Varela & Outros, in ‘Manual de Processo Civil’, 2.ª Edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, pg. 686.