Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PRISÃO PREVENTIVA PRISÃO ILEGAL INADMISSIBILIDADE | ||
Data do Acordão: | 11/14/2019 | ||
Nº Único do Processo: | | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL: - MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / MODOS DE IMPUGNAÇÃO / HABEAS CORPUS EM VIRTUDE DE PRISÃO ILEGAL. | ||
Doutrina: | - E. Maia Costa, Habeas corpus: passado, presente, futuro, revista JULGAR - N.º 29 – 2016, p. 223; - Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado- Legislação Complementar, 17ª edição, 2009, p. 537. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 222.º, N.º 2. | ||
Legislação Comunitária: | CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA (CDFUE): - ARTIGO 6.º. | ||
Referências Internacionais: | DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (DUDH): - ARTIGOS 3.º, 9.º E 29.º. PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS (PIDCP): - ARTIGO 9.º. CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH). CONVENÇÃO EUROPEIA PARA A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS (CEPDHLF): - ARTIGO 5.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 18-07-2014, PROCESSO N.º 211/12.6GAMDB-A.S1; - DE 11-02-2016, PROCESSO N.º 741/12.0TXPRT-F, AMBOS IN WWW.DGSI.PT. | ||
Jurisprudência Internacional: | TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS (TEDH): - IRLANDA V. REINO UNIDO, 18 DE JANEIRO DE 1978, § 194, SÉRIE A N.º. 25, - OTHERS V. O REINO UNIDO, CITADO ACIMA, §§ 162 E 163. | ||
Sumário : | I - O direito fundamental a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é um direito absoluto. II - Entre as restrições expressamente previstas em instrumentos de direito internacional público na CRP inclui-se a “prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”. III - A drástica restrição ao direito fundamental à liberdade ambulatória que encerra, não permite que seja aplicada se não se revelar a única adequada a acautelar o normal desenvolvimento do procedimento (a finalidade primordial desta e de qualquer outra medida coativa) ou a obstar a que o arguido prossiga na atividade criminosa ou se exima à execução da fortemente previsível condenação. IV - O habeas corpus é uma garantia extraordinária, expedita e privilegiada contra a prisão (e a detenção) arbitrária ou ilegal, determinadas com abuso de poder ou por erro grosseiro, patente, grave, isto é, erro qualificado na aplicação do direito. V - Coloca perante o STJ a questão da ilegalidade da prisão em que o requerente se encontra nesse momento ou do grave abuso com que foi imposta. Visando apreciar se a prisão foi determinada pela entidade competente, se o foi por facto pelo qual a lei a admite, se se mantem pelo tempo decretado e nas condições legalmente previstas. VI - Não constitui um recurso sobre atos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem se destina a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade. VII - Não é, pois este o procedimento constitucional e legalmente previsto para discutir a qualificação jurídica efetuada na decisão judicial que impôs a prisão preventiva à arguida. VIII - A discussão sobre a verificação dos pressupostos e a indispensabilidade daquela medida coativa não pode fazer-se aqui, numa providência extraordinária e expedita, a decidir com urgência, que a CRP consagra para as reparar situações de prisão ilegal decretada com manifesto, fácil e rapidamente verificável abuso de poder. | ||
Decisão Texto Integral: | O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda: I. RELATÓRIO: AA ; BB; e CC, com os demais elementos de identificação constantes dos autos, apresentam a vertente providência de habeas corpus em favor de: DD, atualmente presa no Estabelecimento Prisional de ..., em execução da medida de coação de prisão preventiva, com fundamento em prisão ilegal, invocando o disposto no artigo 31º da CRP, na alínea b) do n.º 2 do artigo 222º do CPP e ainda no art. 204º do Código do Processo Penal (CPP), Motivam a pretensão liberatória alegando: I - DOS FACTOS: 1º No dia 05/11/2019, na Av. ..., um cidadão do sexo masculino encontrou um bebé, recém-nascido, do sexo masculino, dentro de um caixote destinado a reciclagem de lixo. 3º A criança estava desnudada e apresentava sinais de hipotermia. 4º Tinha, ainda, parte do cordão umbilical, pelo que, o parto teria ocorrido há menos de 1 hora. 5º O bebé foi assistido no local pelo INEM e, posteriormente, transportado para o Hospital .... 6º A criança está estável, sã e salva. 7º A P.J. identificou a mulher que, alegadamente, terá cometido o ato. 8º Trata-se de uma mulher, de nacionalidade cabo-verdiana, de 21 anos que vive numa tenda instalada na via pública, juntamente com outras pessoas "sem-abrigo". 9º A tenda está instalada na via pública, na Avenida..., junto à estação de comboios de .... 10º No momento da detenção pela P.J. não ofereceu qualquer resistência. 11º A DD é uma cidadã que vive naquele local há vários meses, alimentando-se de comida que recolhe dos caixotes do lixo, de moedas que lhe dão por ajudar a estacionar carros e da sopa que, à noite, é distribuída pelos voluntários. 12º A P.J. informou que a arguida agiu sozinha. 13º No dia 08/11/2019, a arguida foi presente ao Senhor Juiz de Instrução que decretou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva. 14º Encontra-se presa no Estabelecimento Prisional de .... II - DO DIREITO: 15º Nos termos da lei, a prisão preventiva é a medida de coação mais gravosa. 16º Toda a medida de coação deve ser necessária, adequada e proporcional aos fins que se destina. 17º Nessa conformidade, as medidas que procedem a uma restrição mais intensa da liberdade dos arguidos, como a prisão preventiva, só se poderão aplicar quando as demais medidas de coação não privativas da liberdade se revelarem inadequadas ou insuficientes para satisfazer as exigências cautelares que se fazem sentir. 18º A aplicação de uma concreta medida de coação dependerá, portanto, do princípio da proporcionalidade lato sensu, onde se incluirão os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade stricto sensu. 19º Em todo o caso, todas as medidas de coação à exceção do Termo de Identidade e Residência carecem, para a sua aplicação, da verificação de um dos pressupostos vertidos no art. 204º do CPP. 20º Ou seja, para a aplicação de uma qualquer medida coação é necessário que, em alternativa, exista perigo de fuga, .perigo de perturbação do processo, receio de continuação da atividade criminosa ou perturbação da ordem pública. 21º Neste caso, não existe perigo de fuga atendendo à condição económica e social em que se encontra a DD. 22º Nem perigo de perturbação do processo, dado que a DD não poderá prejudicar a investigação. Em sentido idêntico, vide Ac. TRE de 14/01/2003, Proc. nº 2864/02-1. 23º No que concerne ao receio de continuação da atividade criminosa, cumpre referir que as especificidades do caso concreto afastam esta possibilidade. 24º Finalmente, para justificar a aplicação de uma medida de coação à luz da lei processual penal, a única alternativa viável seria alegar a perturbação da ordem pública. 25º Como bem se decidiu no TRE, em Ac. de 13/08/2010, Proc. Nº 196/10.3JAFAR-A.E1, o "perigo de perturbação da ordem pública há-de resultar de factos concretos capazes de mostrar que a libertação do arguido poderia causar danos à ordem e tranquilidade da sociedade em geral". 26º É inegável que este ato causou algum alarme social, mas alarme social não pode ser confundido com perturbação da ordem pública. 27º Na eventualidade de à DD, num evidente estado de stress pós-parto, não ter sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva, nunca se verificariam tumultos sociais de relevo ou uma desobediência generalizada, séria e premeditada à lei, com a consequente dificuldade de reposição da paz social, o que configuraria, sem margem para dúvidas, uma perturbação da ordem pública. 28º Mas não é esse o caso: a opinião pública está dividida entre os que apoiam a aplicação da prisão preventiva e os que se manifestam contra essa medida de coação. 29º Nesse sentido e nos termos do art. 204º do CPP, o preenchimento dos pressupostos que justificam a aplicação da medida de coação de prisão preventiva não se verifica. 30º Assim, no caso de DD, que colocou o filho, recém-nascido, num ecoponto não se verificará: Sem conceder, 31º Admitindo que se verificavam os requisitos gerais de aplicação das medidas de coação, previstos no art. 204º do CPP, cumpre referir que, ainda assim, a escolha da concreta medida de coação a aplicar não poderá ser discricionária. 32º Com efeito, o Juiz de Instrução deverá optar, sempre, pela medida de coação menos gravosa que, ainda assim, satisfaça as exigências cautelares que se fizerem sentir no caso que reclame apreciação. 33º Aliás, o n.º 2 do art. 193º do CPP estabelece que a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação. 34º Existindo perturbação da ordem pública, em virtude de uma muito intensa cobertura dos meios de comunicação social, o que contribuiu para um sentimento social de grande revolta para com a arguida, a prisão preventiva, em abstrato, poderia ter sido fundamentada com base no alarme social que se faz sentir e que qualquer outra atuação poderia suscitar. 35º A petição de habeas corpus é um recurso extraordinário que visa combater a ilegalidade de uma ordem de prisão, em virtude de ter sido motivada por um qualquer facto que a lei não permite. 36º Este pedido de habeas corpus tem por fundamento o seguinte: 37º A qualificação jurídica proposta não é correta. 38º À foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva com base na suspeita da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto pelo art. 132º do CP. 39º O art. 23º do Código Penal estabelece que a tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada. 40º Nesta conformidade, a pena aplicável a um homicídio qualificado, na forma consumada, nos termos do n.° 1 do art. 132° do Código Penal é de 12 a 25 anos. 41º Donde resulta que a moldura penal aplicável a um homicídio qualificado, na forma tentada será de 12 a 25 anos, fruto da conjugação dos arts. 23º e 132º do CP, onde, depois, se considerará a atenuação especial prevista para os casos da tentativa. 42º A aplicação da prisão preventiva, enquanto ultima ratio, depende de apertados requisitos, entre os quais se aponta, por exemplo, a existência de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos. 43º Portanto, ao tipo de ilícito de homicídio qualificado, independentemente da consumação, caberá, naturalmente, a aplicação da medida de coação mais gravosa do nosso ordenamento jurídico: a prisão preventiva. 44º Sucede, porém, que os factos conhecidos apenas permitem qualificar a conduta da agente como um crime de exposição ao abandono e um crime de infanticídio, na forma tentada. 45º O crime de exposição ao abandono (art. 136º do CP), bem como o crime de infanticídio (art. 137º do CP) são punidos com penas de prisão de, no máximo, 5 anos. 46º Ora, se nos requisitos de aplicação da prisão preventiva se estabelecem, como condição da sua aplicação, molduras penais de máximo superior a 5 anos, então, como é bom de notar, esta medida foi ilegalmente aplicada porque, perante uma diferente qualificação jurídica, como a que aqui se propõe, as molduras penais, não ultrapassando o valor máximo de 5 anos, não permitiriam a aplicação da prisão preventiva. 47º O CP, no art. 137º, estabelece que a mãe que matar o filho durante ou após o parto e estando, ainda, sob a sua influência perturbadora, é punida com pena de prisão de 1 a 5 anos, tipificando, por esta via, o crime de infanticídio. 48º Em bom rigor, no momento do resgate do recém-nascido, foi possível verificar a existência de vestígios do cordão umbilical, que ainda apresentava um nó, o que demonstra, sem margem para dúvidas, a proximidade temporal do parto. 49º Perante a concreta atuação de DD, não restam dúvidas que a sua atuação foi fruto da influência inegável e extremamente perturbadora do parto, pelo que terá cabimento falar em stress pós-traumático, motivado pelo parto. 50º Uma jovem com 22 anos, sem-abrigo, sozinha e sem apoio, após o parto, encontrar-se-á numa situação de absoluta fragilidade física e psicológica, debilitada e enfraquecida, verdadeiramente desprovida de liberdade decisória ou, quanto muito, numa situação em que o processo decisório está totalmente viciado e fragilizado. 51º O parto ocorreu na rua, ao frio e à chuva, sem qualquer ajuda. 52º A existência de vestígios do cordão umbilical comprova que a tentativa de infanticídio foi motivada pela influência perturbadora do parto e que, esta realidade, terá ocorrido imediatamente (ou num espaço temporal reduzido) após o parto, fruto do stress pós-traumático que, indubitavelmente, assolou a arguida. 53º Portanto, aos danos evidentes que este caso já causou e continuará a causar à DD, serão de evitar os danos causados pela prisão preventiva. 54º Ao optar por diferente qualificação jurídica, resta o crime de exposição ao abandono. 55º Também este tipo de ilícito penal prevê uma moldura penal de 2 a 5 anos para os casos em que o ofendido não vem a falecer, pelo n.º 2 do art. 138º do CP. 56º Portanto, também neste caso não se poderá aplicar a medida de coação da prisão preventiva, por não se verificar a prática de um crime doloso punível com pena de prisão superior a 5 anos, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 202º do CPP. 57º Nesta conformidade e independentemente da qualificação jurídica proposta, a aplicação da medida de coação de prisão preventiva será, sempre, ilegal. 58º Justifica-se, assim, a petição de habeas corpus. 59º Na verdade, o único pressuposto da aplicação das medidas de coação que terá acolhimento será o de mais difícil concretização: uma relevante perturbação social. 60º Os demais pressupostos da aplicação das medidas de coação, in casu, estão totalmente afastados. 61º Ou seja, é do pressuposto de mais difícil concretização que resulta a aplicação da mais gravosa medida de coação, sustentado na mais gravosa qualificação jurídica que no caso concreto poderia caber. 62º Este pedido de habeas corpus, por tudo o que foi alegado, fundamenta-se na errada qualificação jurídica considerada pelo Tribunal. 63º Com efeito, não se verificam os pressupostos do decretamento da prisão preventiva, pelo não preenchimento dos requisitos do art. 2029 do CPP, em especial, da alínea a), do n.º 1 do art. 202º do CP. Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exª a concessão imediata da Providência de Habeas Corpus, em virtude de prisão ilegal. A Sr.ª Juíza no Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, Juízo de instrução criminal de ..., onde o processo corre termos, elaborou informação, ao abrigo do disposto no artigo 223.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, sobre as condições em que foi determinada e se mantem a prisão preventiva do requerente, esclarecendo: A arguida DD encontra-se sujeita a medida de coação privativa da liberdade desde 8.11.2019 pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. nos arts. 22.º, 23.º, 131.º e 132.º nºs 1 e 2 als. a) e c) do C. Penal. O fundamento desta imputação, genericamente, corresponde ao facto de a arguida de forma premeditada, ocultando a gravidez e munindo-se de um saco de plástico para o efeito, ter depositado o seu filho acabado de nascer num caixote de lixo na via pública. Após o parto, a arguida colocou o bebé e o material biológico proveniente do parto, no referido saco de plástico e depositou o mesmo num ecoponto amarelo. O bebé veio a ser encontrado por um transeunte desnudo, gelado, com o cordão umbilical irregularmente cortado e coberto de sangue. Na sequência destes factos e da detenção da arguida, esta veio a ser sujeita à medida de prisão preventiva, tendo sido apresentada no prazo legal. Ao contrário do que consta do requerimento de habeas corpus apresentado, o ilícito imputado à arguida corresponde à prática do crime de homicídio na forma tentada e não de exposição, abandono ou infanticídio, salientando-se que quanto a este último é determinante a perturbação pós-parto, que não se afigura compatível com a conduta da arguida documentada nos autos e que indicia a sua premeditação na prática dos factos. Assim e sem prejuízo de melhor entendimento do Tribunal superior não se afigura que a prisão preventiva da arguida seja ilegal nos termos do art. 222.º do CPP, devendo manter-se a mesma, porquanto se mostram inalterados os pressupostos que determinaram a sua aplicação. * Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e o Defensora do requerente, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP): II. FUNDAMENTAÇÃO: Dos elementos com que vem instruído o processo, com relevância para a decisão do pedido de habeas corpus extraem-se os seguintes:
O direito à liberdade pessoal –liberdade ambulatória- é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais e na generalidade dos regimes jurídicos dos países civilizados. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, “considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça …”, no artigo III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual. Proclama no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso. No artigo XXIX (29º) admite que o direito à liberdade individual sofra as “limitações determinadas pela lei” visando assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da ordem pública. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no artigo 9.º consagra; “todo o indivíduo tem direito à liberdade” pessoal. Proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que “ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos”. Estabelece também: “toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal”. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem/CEDH (Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais), no art. 5º reconhece que “toda a pessoa tem direito à liberdade”. Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal. Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH/) “enfatiza desde logo que o artigo 5 consagra um direito humano fundamental, a saber, a proteção do indivíduo contra a interferência arbitrária do Estado no seu direito à liberdade. O texto do artigo 5º deixa claro que as garantias nele contidas se aplicam a “todos”. As alíneas (a) a (f) do Artigo 5 §1 contêm uma lista exaustiva de razões permissíveis sobre as quais as pessoas podem ser privadas de sua liberdade. Nenhuma privação de liberdade será compatível com o artigo 5.º, n.º 1, a menos que seja abrangida por um desses motivos ou que esteja prevista por uma derrogação legal nos termos do artigo 15.º da Convenção, (ver, inter alia, Irlanda v. Reino Unido, 18 de janeiro de 1978, § 194, série A n.º. 25, e A. e Others v. O Reino Unido, citado acima, §§ 162 e 163)[1]. Interpreta: “no que diz respeito à «“legalidade” da detenção, a Convenção refere-se essencialmente à legislação nacional e estabelece a obrigação de observar as suas normas substantivas e processuais. Este termo exige, em primeiro lugar, que qualquer prisão ou detenção tenha uma base legal no direito interno”. E que “a "regularidade" exigida pela Convenção pressupõe o respeito não só do direito interno, mas também - o artigo 18.º confirma - da finalidade da privação de liberdade autorizada pelo artigo 5.º, n.º 1, alínea a). (Bozano v. França , em 18 de dezembro de 1986, § 54, Série A n º 111, e Semanas v. Reino Unido, 2 de Março de 1987 § 42, Série A n º 114). No entanto, a preposição "depois" não implica, neste contexto, uma simples sequência cronológica de sucessão entre "condenação" e "detenção": a segunda também deve resultar da primeira, ocorrer "a seguir e como resultado "- ou" em virtude "-" desta ". Em suma, deve haver uma ligação causal suficiente entre elas (Van Droogenbroeck, citado acima, §§ 35 e 39, e Weeks , citado acima, § 42) [2]. Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece, no art. 6º, o direito à liberdade pessoal. Não consagrando o habeas corpus, reconhece, no art. 47º, o direito de ação judicial contra a violação de direitos ou liberdades garantidas pelo direito da União. Todavia, assinala E. Maia Costa, os textos internacionais relativos aos direitos humanos preveem genericamente um recurso para os tribunais com carácter urgente contra a privação da liberdade ilegal, mas tal garantia não se confunde com o habeas corpus[3]. A Constituição da República, no artigo 27º n.º 1, reconhece e garante do direito à liberdade individual, à liberdade física, à liberdade de movimentos. O direito a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é um direito absoluto. À semelhança da CEDH, a Constituição da República, no art. 27º n.º 2, admite expressamente que o direito à liberdade pessoal possa sofrer restrições. Entre estas sobressai, desde logo (n.º 2), a privação da liberdade decretada em sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão. No caso da prisão as restrições à liberdade “só podem decorrer de sanção penal”[4]. Sobressia também “a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar” (n.º 3), nos casos de (b) “prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”. Das providências cautelares de natureza pessoal processualmente previstas, a prisão preventiva é a medida coativa mais restritiva da liberdade individual. Exige a concorrência em cada caso dos requisitos comuns às demais medidas de coação – sejam positivos (art. 191º n.º 1, 192º n.º 1, 193º n.ºs 1 e 2, 204º), sejam negativos (art. 192º n.º 6) -, e dos pressupostos específicos - positivos (art. 202º) e negativos (art. 193º n.º 3 e 194º n.º 3, todas as normas citadas do CPP). Ademais da reserva de lei, está também submetida à reserva de juiz (só pode ser aplicada em decisão judicial). A drástica restrição ao direito fundamental à liberdade ambulatória que encerra, não permite que seja aplicada se não se revelar a única adequada a acautelar o normal desenvolvimento do procedimento (a finalidade primordial desta e de qualquer outra medida coativa) ou a obstar a que o arguido se exima à execução da fortemente previsível condenação.
A Constituição da República, em linha com CEDH, também de certo modo, na sequência das duas Constituições que a precedem (a de 1911 e a de 1933), aderindo à tradição anglo-saxónica[5], consagra no art. 31º, o habeas corpus como garantia extraordinária, expedita e privilegiada contra a prisão (e a detenção) arbitrária ou ilegal[6]. A privação do direito à liberdade por meio da prisão só não configura abuso de poder e, consequentemente, será legal se se contiver nos estritos parâmetros do art. 27º n.ºs 2 e 3 da Constituição. A prisão é ilegal quando não tenha sido decretada pelo tribunal competente em decisão judicial (fundamentada) que aplica medida de coação verificados os respetivos pressupostos ou em sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou com a aplicação de medida de segurança; tiver sido ordenada por autoridade incompetente; tiver sido efetuada por forma irregular; ultrapassar a duração da medida de coação aplicada ou da pena concretamente fixada pelo tribunal; ocorra em locais ou estabelecimentos que não sejam os oficialmente destinados à sua execução; não respeite o regime jurídico da execução das medidas de coação ou as penas ou medidas de segurança privativas da liberdade. “Não é qualquer abuso de poder que justifica habeas corpus”. A providência de habeas corpus exige a verificação “cumulativa de dois requisitos: o abuso de poder; a existência de prisão ou detenção ilegal”. O “abuso de poder exterioriza-se nomeadamente na existência de medidas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrária ou gravosas”[7]. Entre nós, é na Constituição Republica de 1911[8] que pela primeira vez surge consagrado o habeas corpus –no título II (Dos Direitos e Garantias Individuais), art. 3º n.º 31[9] –, por influência da Constituição brasileira de 1891[10], (transcrevendo o § 22º do artigo 72º[11]) que, por sua vez, se inspirou na constituição norte-americana[12] (se bem que o Código de Processo Penal do Brasil de 1832, já previa esta providência (artigo 340º)[13]. A Constituição de 1933 reafirmou o habeas corpus como providência excecional contra o abuso de poder, remetendo a sua regulamentação para lei especial[14] (remissão eliminada na revisão de 1971[15]). Observando a imposição constitucional, o Decreto-Lei nº 35.043, de 20 de Outubro de 1945[16], estabeleceu o regime jurídico do habeas corpus. Da exposição de motivos, pela consistência das justificações e da finalidade da providência transcreve-se: “(…) consiste na intervenção do poder judicial para fazer cessar as ofensas do direito de liberdade pelos abusos da autoridade. Providência de carácter extraordinário, só encontra oportunidade de aplicação, (…) quando o jogo normal dos meios legais ordinários deixa de poder garantir eficazmente a liberdade dos cidadãos. O habeas corpus não é um meio de reparação dos direitos individuais ofendidos (…). É antes um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade. (…) De outro modo tratar-se-ia de simples duplicação dos meios legais de recurso”. Instituiu-se o habeas corpus liberatório em duas modalidades, um contra a detenção abusiva e outro, diferenciado, para a prisão ilegal. Segundo Adriano Moreira “o habeas corpus não tem nenhuma característica substancial, mas é apenas como que, entre os vários processos normais de tutela da liberdade, um processo de reserva para os casos em que não existe esse processo normal, ou de facto o indivíduo está impossibilitado de a ele recorrer”. “O habeas corpus, na sua função normal, não é pois mais do que – um processo destinado a restituir a pessoa, ilegalmente privada da sua liberdade física pela autoridade, à tutela do processo comum”[17]. No entendimento de M. Cavaleiro de Ferreira, “diz-se providência extraordinária, porque os trâmites processuais e o mecanismo normal do funcionamento da administração devem, por si, ser salvaguarda suficiente para evitar a contingência de prisões ilegais[18]”. Regime que, mantendo a conceção e a arquitetura[19], transitou para o Código de Processo Penal de 1929 – artigos 312º a 324º. E transitou também para a atual Constituição da República, estabelecendo-se o prazo de 8 dias para a decisão da providência. Na alteração do CPP de 1929 que se seguiu à proclamação da Constituição de 1976, operada pelo Decreto-Lei n.º 320/76 de 4 de maio, estatuiu-se que o esgotamento do prazo sem decisão, determinava a imediatamente restituição do detido ou preso à liberdade[20]. E, ainda que simplificado (concentrado em dois artigos substantivos, e outros dois procedimentais), o regime passou para o vigente Código de Processo Penal (de 1987), e que, na parte substantivo referente à prisão ilegal (art. 222º) não sofreu qualquer alteração. O habeas corpus é, pois, uma garantia (“direito-garantia”), não um direito fundamental autónomo (“direito-direito”). O bem jurídico-constitucional que o habeas corpus visa proteger é o direito fundamental à liberdade[21] pessoal, permitindo reagir imediata e expeditamente “contra o abuso de poder, por virtude de detenção ou prisão ilegal” . “No habeas corpus discute-se exclusivamente a legalidade da prisão à luz das normas que estabelecem o regime da sua admissibilidade”. “Procede-se necessariamente a uma avaliação essencialmente formal da situação, confrontando os factos apurados no âmbito da providência com a lei, em ordem a determinar se esta foi infringida. Não se avalia, pois, se a privação da liberdade é ou não justificada, mas sim e apenas se ela é inadmissível. Só essa é ilegal”. “De fora do âmbito da providência ficam todas as situações enquadráveis nas nulidades e noutros vícios processuais das decisões que decretaram a prisão” “Para essas situações estão reservados os recursos penais, (…). O habeas corpus não pode ser reconvertido num “recurso abreviado”, (…) O processamento acelerado do habeas corpus não se coaduna, aliás, com a análise de questões com alguma complexidade jurídica ou factual, antes se adequa apenas à apreciação de situações de evidente ilegalidade, diretamente constatáveis pelo confronto entre os factos sumariamente recolhidos e a lei[22].
Dando expressão legislativa ao texto constitucional [23], o art. 222º n.º 2 do CPP estabelece que a petição de habeas corpus “deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. Tem como denominador comum configurar situações extremas de detenção ou prisão determinadas com abuso de poder ou por erro grosseiro, patente, grave, isto é, erro qualificado na aplicação do direito. A jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de “os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos susceptíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão”[24]. Tem sublinhado a jurisprudência deste Supremo Tribunal que a providência de habeas corpus constitui uma medida expedita perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei. Não constitui um recurso sobre atos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais. Esta providência não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade[25]. “Atento o carácter extraordinário da providência, para que se desencadeie exame da situação de detenção ou prisão em sede de habeas corpus, há que deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no art. 222.º, n.º 2, do CPP”[26]. O habeas corpus contra a prisão ilegal por abuso de poder é um procedimento especial, no qual se requer ao tribunal competente o restabelecimento do direito constitucional à liberdade pessoal, vulnerado por uma prisão ordenada, autorizada ou executada fora das condições legais ou que sendo originariamente legal se mantém para além do tempo ou da medida judicialmente decretada ou em condições ilegais. É também um procedimento de cognição limitada e instância única no qual somente é possível valorar “a legitimidade de uma situação de privação de liberdade, a que [o Juiz] pode por fim ou modificar em razão das circunstâncias em que a prisão se produziu ou se está realizando, mas sem extrair destas -do que as mesmas têm de possíveis infracções ao ordenamento- mais consequências que a da necessária finalização ou modificação daquela situação da privação da liberdade”[27] . Não é um recurso, - ordinário ou extraordinário. É uma providência que visa colocar perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão da ilegalidade da prisão em que o requerente se encontra nesse momento ou do grave abuso com que foi imposta. Visa apreciar se a prisão foi determinada pela entidade competente, se o foi por facto pelo qual a lei a admite, se se mantem pelo tempo decretado e nas condições legalmente previstas. Para o que pode ser necessário equacionar da legalidade formal ou intrínseca do ato decisório que determinou a privação de liberdade, mas não mais que isto. Não é uma via procedimental para submeter ao STJ a reapreciação da decisão da instância que determinou a prisão ou à ordem da qual o requerente está privado da liberdade. Não se destina a questionar o mérito do despacho judicial ou da sentença condenatória que impôs a prisão nem a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades de que possam enfermar. Na conformação constitucional e no seu desenho normativo, o habeas corpos é uma providência judicial urgente. “Visa reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal” decretada ou mantida com violação “patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação”[28]. O Juiz decide-a em 8 dias, em audiência contraditória –art. 31º n.º 3 da Constituição. Conhecendo da petição de habeas corpus, o STJ, nos termos do art. 223º (procedimento) n.º 4 do CPP, delibera no sentido de: a) Indeferir o pedido por falta de fundamento bastante; b) Mandar colocar imediatamente o preso à ordem do Supremo Tribunal de Justiça e no local por este indicado, nomeando um juiz para proceder a averiguações, dentro do prazo que lhe for fixado, sobre as condições de legalidade da prisão; c) Mandar apresentar o preso no tribunal competente e no prazo de vinte e quatro horas, sob pena de desobediência qualificada; ou d) Declarar ilegal a prisão e, se for caso disso, ordenar a libertação imediata. 4. pressuposto da atualidade: Na arquitetura traçada pela Constituição da República e na conformação normativa do CPP, a providência em apreço pressupõe a efetividade e atualidade da prisão ilegal. A doutrina vai maioritariamente neste sentido[29], havendo, contudo quem sustente que a nossa Magana Carta não exclui o denominado habeas corpus preventivo[30]. A Jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido unanime[31] na exigência da verificação do pressuposto da atualidade da prisão ilegal. No Ac. de 18/07/2014[32] sustenta-se: “A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe, além do mais, uma actualidade da ilegalidade da prisão aferida em relação ao tempo em que é apreciado aquele pedido”. E no Ac de 11/02/2016[33] entendeu-se que: “A viabilidade do habeas corpus, como meio direccionado exclusivamente para a tutela da liberdade, exige uma privação de liberdade actual, não servindo, por isso, como mecanismo declarativo de uma ultrapassada situação de prisão ilegal. Do mesmo modo, também o habeas corpus não pode ser utilizado como meio preventivo de uma eventual futura prisão ilegal. Só a efectiva privação de liberdade pode fundamentar aquela providência”. Entende-se que é esta a interpretação que melhor se conjuga com a evolução desta providência na nossa ordem constitucional. Como se referenciou, a Constituição de 1911 previa expressamente o habeas corpus preventivo, estabelecendo: “Dar-se-á o habeas corpus sempre que o individuo sofrer ou se encontrar em iminente perigo do sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder”. Modalidade que a Constituição de 1933 não manteve: E que a Constituição de 1976 também não adotou. Seguramente que o legislador constituinte não desconhecia o texto e, consequentemente, as modalidades daquela primeira inscrição constitucional do habeas corpus e também não ignorava a modificação conformada pela Constituição de 1933. Neste quadro histórico-constitucional certamente que se a sua vontade tivesse sido a de admitir o habeas corpus preventivo ter-se-ia servido de uma fórmula igual ou equivalente aquela que era dada à providência na Constituição da primeira República. Mas não adotou, nem na versão de 1976, nem nas quatro subsequentes alterações. pelo que não existe base constitucional, para sustentar o referido entendimento. É também essa a interpretação que o legislador ordinário fez daquele comando constitucional. Como alguns autores reconhecem, no regime do Código de Processo Penal, a providência dirige-se contra a prisão ilegal, isto é, a efetiva privação da liberdade, pois que somente a atualidade da prisão ilegal pode justificar qualquer dos atos que podem decorrer do seu deferimento: mandar colocar imediatamente o preso à ordem do STJ; mandar apresentar o preso ao juiz em 24 horas; ordenar a libertação imediata. Evidentemente que só pode libertar-se quem já está encarcerado, privado da liberdade ambulatória, seja porque a ilegalidade da prisão resulta de ter sido ordenada ou executada por entidade incompetente, seja porque o foi por facto que não admite essa medida de coação ou essa sanção, seja porque foi mantida para além do prazo legal ou judicialmente fixado ou fora das condições legalmente estabelecidas. A colocação do preso à ordem do Supremo Tribunal de Justiça, tal como a apresentação do preso ao juiz determinado, somente tem sentido (jurídico e prático) se a pessoa está efetivamente privada da liberdade ambulatória. Não sendo assim, o habeas corpus requerido em favor da conservação da sua liberdade era-lhe penosamente prejudicial. Nessa situação (se está em liberdade), deferida que fosse a providência – e estando fora de causa a libertação imediata pela simples razão de não estar encarcerado -, tinha de ser preso para, nessa situação, ser colocado à ordem do STJ ou para ser apresentado em 24 horas ao juiz determinado. A lei não prevê, nem teria qualquer sentido, que o requerente ou beneficiário da providência seja colocado em liberdade à ordem do STJ, ou que em liberdade se apresente perante o juiz em 24 horas. Consequentemente, se a pessoa não está presa, não se verifica um dos pressupostos nucleares da providência de habeas corpus.
A Constituição da República, no art. 28º n.º 2 consagra a excecionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva, estabelecendo que “tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei”. A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, estabelece que o direito à liberdade pode ser restringido, podendo a pessoa dela ser privada temporariamente “se for preso …, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infração, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido” –art.º 5º n.º 1 al.ª b)-, conferindo-lhe o “direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo” – n.º 3. Por sua vez, o Pacto internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no art. 9º dispõe: “a prisão preventiva não deve constituir regra geral, contudo, a liberdade deve estar condicionada por garantias que assegurem a comparência do acusado no acto de juízo ou em qualquer outro momento das diligências processuais, ou para a execução da sentença”. A prisão preventiva, se admitida e indispensável a assegurar a eficácia do processo penal (e nenhum outro), uma vez determinada só pode manter-se enquanto for justificada pelas necessidades de desenvolvimento regular do procedimento e/ou de assegurar a execução da condenação (futura ou já decretada mas que ainda não é definitiva) e não pode, em qualquer caso, exceder o tempo que a lei determinar – art. 27º n.º 3 da Constituição da República. Dando expressão ao comando constitucional citado –art. 28º n.º 3 da CRP -, os pressupostos legais da prisão preventiva estão explicitados no do CPP. Aos pressupostos gerais de qualquer medida coativa, excluindo-se destas, para este efeito, o termo do identidade e residência (TIR). enunciados nos artigos 191º (legalidade), 192º (constituição de arguido; não haver de fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal), 193º (necessidade e adequação às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionalidade à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas) e 204º (fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas) e ainda ao procedimento específico estabelecido no art. 194º, a prisão preventiva exige também a verificação de pressupostos específicos elencados nos arts. 193º n.º 2 (só podem ser aplicada como medida de último recurso, isto é quando nenhuma outra ou outras medidas coativa legalmente previstas se revelarem inadequadas ou insuficientes) e 202º (haver fortes indícios da prática de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos; ou de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta[34]). A decisão que impuser a prisão preventiva deve estar motivada –art. 205º n.º 1 da CRP - com a indicação da factualidade fortemente indiciada e sua qualificação e das razões de facto em justificam as exigências cautelares (os perigos de fuga, de continuação da atividade criminosa, de perturbação da investigação ou de perturbação da ordem e da tranquilidade pública) e a inadequação e insuficiências das restantes medidas coativas. A decisão judicial que impuser a prisão preventiva pode ser impugnada através da interposição de recurso. Para encurtar a privação preventiva da liberdade – a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação -, ao mínimo requerido pelas finalidades do procedimento penal, impõe-se controlar periodicamente se subsistem ou se, ao invés, se atenuaram ou cessaram as exigências cautelares que determinaram a sua aplicação, devendo ser revogada ou substituída por outra medida de coação logo que se verifiquem circunstâncias que tal justifiquem, ou se as que a tinham determinado deixaram de subsistir ou simplesmente enfraqueceram ou se atenuaram. Para tanto, o tribunal procede ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva sempre que tal lhe seja requerido pelo arguido a ela sujeito ou pelo Ministério Público e, oficiosa –cfr. AUJ n.º 3/1996 -, e obrigatoriamente, no prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame, podendo para o efeito “solicitar a elaboração de perícia sobre a personalidade e de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na sua realização”. No reexame dos pressupostos da prisão preventiva o juiz decide se ela se mantém ou decreta a sua substituição ou revogação. Em qualquer altura pode e deve ser revogada “por despacho do juiz”, sempre que se verificar ter sido aplicada fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação. Está sujeita aos prazos legalmente determinados –art. 215. O CPP define no art. 1º: j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos; l) 'Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos. O crime de homicídio qualificado na forma tentada é punido com a pena de 1 ano 7 meses e 6 dias a 16 anos e 8 meses de prisão. Integra-se, por isso, na fenomenologia que o legislador define como “criminalidade especialmente violenta”. a. prisão decretada pelo juiz competente: Resulta dos factos expostos que, no primeiro interrogatório judicial que DD foi detida e de seguida apresentada pelo Ministério Público ao Juiz de Instrução material e territorialmente competente para proceder ao seu primeiro interrogatório judicial naquela condição. O JIC ouviu-a e, por decisão proferida logo então proferida, julgando haver fortes indícios de que cometeu um crime de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 26º 131º e 132ºn.ºs 1 e 2 al.ªs a) e c) do Código Penal (com a moldura penal indicada), aplicou à arguida a medida coativa de prisão preventiva, por ter concluído, conforme ser única adequada e indispensabilidade para assegurar as finalidades do que o procedimento penal se desenvolvia sem perturbações graves para a investigação e a tempestiva e boa decisão da causa. A arguida DD está assim, desde então e atualmente, privada da liberdade, em prisão preventiva, por decisão proferida nos autos pelo Juiz funcionalmente competente, motivada na verificação dos pressupostos substantivos e processuais de que depende a indispensabilidade do recurso à mais gravosa das medidas de coação legalmente previstas. Para a sua aplicação foi observado o procedimento legalmente prescrito. Aliás, os requerentes não alegam que a prisão preventiva foi ordenada por entidade incompetente, não escorando o habeas corpus no disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 222º do CPP. b. por facto que a lei permite: A decisão judicial que decretou a prisão preventiva da arguida, com base nos elementos de prova recolhidos nesta fase preliminar do processo julgou fortemente indiciados os factos acima relatados e julgou que integram a previsão do crime de homicídio qualificado tentado punidos pelas disposições do Código Penal indicadas. E julgou que se indicia fortemente que aquela factualidade e o correspondente crime foi cometida a arguida em autoria material. Crime que, como se sublinhou, o legislador processual penal define como criminalidade especialmente violenta. Nos termos da decisão judicial em referência, o crime indiciariamente cometido pela arguida é, inquestionavelmente, um daqueles que permite a aplicação da medida coativa mais gravosamente restritiva da liberdade ambulatória da respetiva autora, conquanto se verifiquem os demais pressupostos da sua aplicação e, especificamente que se revele como indispensável e, naquele momento, insubstituível. Alegam os recorrentes que a factualidade perpetrada pela arguida DD integra o crime de infanticídio que é punido com a pena de 1 a 5 anos de prisão ou então o crime de exposição ou abandono punido com pena de 2 a 5 anos de prisão. Ou seja, sob a veste do habeas corpus pretendem os requerentes ver reapreciada e que se altere a qualificação jurídica dos factos que o JIC julgou fortemente indiciados. Não é este o meio processualmente consagrado para esse efeito. c. jurisprudência do STJ: Como este Supremo Tribunal e secção (3ª) sustentou no de Ac. 16/03/2015 (e que aqui se segue): “nesta providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma determinada situação processual do [arguido], se os atos de um determinado processo – valendo os efeitos que em cada momento ali se produzam e independentemente da discussão que aí possam suscitar, a decidir segundo o regime normal dos recursos – produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos da petição referidos no artigo 222º, nº 2 do CPP. A providência em causa assume, assim, uma natureza excecional, a ser utilizada quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso, a mesma não pode ser utilizada para sobrestar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais que têm o recurso como sede própria para reapreciação. Na verdade, a essência da providência em causa reside numa afronta clara, e indubitável, ao direito à liberdade. Deve ser demonstrado, sem qualquer margem para dúvida, que aquele que está preso não deve estar e que a sua prisão afronta o seu direito fundamental a estar livre. É exatamente nessa linha que se pronuncia Cláudia Santos, referindo, nesta senda que “confrontamo-nos, pois, com situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade, ambulatória (...) a reposição da legalidade tem um carácter urgente”. Também Cavaleiro Ferreira avança que "o habeas corpus é a providência destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade"[1]. A providência excecional em causa não se substitui, nem pode substituir-se, aos recursos ordinários, ou seja, não é, nem pode ser, meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. O habeas corpus está, assim, reservado para os casos indiscutíveis de ilegalidade, que, exatamente por serem ilegais, impõem, e permitem, uma decisão tomada com a celeridade legalmente definida. Como afirmou este mesmo Supremo Tribunal no seu Acórdão de 16 de Dezembro de 2003, trata-se aqui de «um processo que não é um recurso, mas uma providência excecional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, da prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, possível objeto de recurso ordinário e ou extraordinário. Processo excecional de habeas corpus este, que, pelas impostas celeridade e simplicidade que o caracterizam, mais não pode almejar, pois, que a aplicação da lei a circunstâncias de facto já tornadas seguras e indiscutíveis (…)». A natureza sumária da decisão de habeas corpus, por outro lado, não se deve conjugar com a definição de questões suscetíveis de um tratamento dicotómico e em paridade de defensibilidade. É que, em tal hipótese e como se acentua em decisão deste Tribunal de 1 de Fevereiro de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça não se pode substituir, de ânimo leve, às instâncias, ou mesmo à sua própria eventual futura intervenção no caso, por via de recurso ordinário, e, sumariamente, ainda que de modo implícito, censurar aquelas por haverem levado a cabo alguma ilegalidade, que, como se viu, importa que seja grosseira. Até porque, permanecendo discutível, e não consensual, a solução jurídica a dar à questão, dificilmente se pode imputar, com adequado fundamento – ainda para mais numa apreciação pouco menos que perfunctória –, à decisão impugnada, qualquer que ela seja – mas sempre emanada de uma instância judicial –, o labéu de ilegalidade, grosseira ou não”[35]. No mesmo sentido se sustentou no Acórdão de 17/12/2014 deste Supremo Tribunal: “Não incumbe à providência do habeas corpus julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que os sujeitos processuais possam desencadear no processo, no momento próprio, nomeadamente sobre a questão de mérito, mas sim, e apenas, aceitar o efeito, que os diversos actos produzam num determinado momento, retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados, não constituindo um recurso sobre actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, e determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, produzem alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no artigo 222°, nº 2 do Código de Processo Penal A providencia extraordinária do habeas corpus não se destina a conhecer da credibilidade e validade das provas ou de meios de obtenção de prova, nem a sindicar os ilícitos criminais na sua definição ou qualificação. A petição de habeas corpus, por alegada prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do art. 222.º do CPP, perante situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, seja por incompetência da entidade que ordenou a prisão, seja por a lei não permitir a privação da liberdade com o fundamento no facto invocado que a motivou, ou sem ter sido sequer invocado fundamento em facto algum, seja ainda por se mostrarem excedidos os prazos legais da sua duração. São tais razões - e só elas -que justificam a celeridade e premência na apreciação extraordinária da situação de privação de liberdade com vista a aquilatar se houve abuso de poder ou violação grosseira da lei, na privação da liberdade, que imponha de imediato a reposição da legalidade. No habeas corpus, testa-se apenas a verificação, ou não, do preenchimento dos pressupostos legal e taxativamente exigíveis pela providência, quando qualquer identificada pessoa invoque uma situação clamorosa de privação de liberdade, de ilegalidade da sua prisão por erro grosseiro ou abuso de poder. Na providência de habeas corpus, sintetizando o como supra dissemos, há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, valendo os efeitos que em cada momento produzam no processo, e independentemente da discussão que aí possam suscitar a decidir segundo o regime normal dos recursos, produzem alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no artigo 222°, nº 2 do Código de Processo Penal. Como assertivamente explicitava Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado- Legislação Complementar, 17ª edição, 2009, p. 537, nota 3, “no processo de habeas corpus o Supremo não pode substituir-se ao tribunal ou ao juiz que detém a jurisdição sobre o processo, consistindo as suas funções em controlar se a prisão se situa e está a ser cumprida dentro dos limites da decisão judicial que a aplicou”[36].
Não é, pois este o procedimento constitucional e legalmente previsto para discutir a qualificação jurídica efetuada na decisão judicial que impôs a prisão preventiva à arguida. Outro vale para a alegada não verificação dos pressupostos da prisão preventiva. Num exame perfunctório necessariamente balizado por aqueles atributos e da indispensabilidade da prisão preventiva. Sendo certo que que os requerentes parece admitirem que a factualidade indiciariamente cometida pela arguida pode ter realmente suscitado “uma relevante perturbação social” (ponto 59º), espelhada na comunidade (ponto 28º). O JIC ponderou também a douta alegação da defensora da arguida. Esta providência não é um meio substitutivo do recurso ordinário legalmente estabelecido para o efeito. A discussão sobre a verificação dos pressupostos e a indispensabilidade daquela medida coativa não pode fazer-se aqui, numa providência extraordinária e expedita, a decidir com urgência que a Constituição consagra para as reparar situações de prisão ilegal decretada com manifesto, fácil e rapidamente verificável abuso de poder. Aqui, procede-se necessariamente a uma avaliação essencialmente formal da situação, confrontando os factos apurados no âmbito da providência com a lei, em ordem a determinar se esta foi infringida. Não se avalia, pois, nem a qualificação jurídica que se apresente como possível ou plausivelmente alicerçada pelos factos fortemente indiciados nem se a privação da liberdade é ou não justificada e insubstituível num determinado momento do desenvolvimento do processo, mas sim e apenas se ela é inadmissível para o caso tal como resulta dos elementos fornecidos pelo processo. Isto é, se foi decretada com violação patente e grosseira dos respetivos pressupostos e, consequentemente, fora das condições da sua aplicação. Somente essa é manifestamente ilegal, por abuso de poder. A finalidade visada com a petição não pode ser outra que não seja a devolução da liberdade da pessoa presa com manifesto abuso de poder. Do que vem de dizer-se resulta que a prisão preventiva do arguido DD à ordem destes autos foi ordenada pela autoridade judiciária competente (JIC); por factos fortemente indiciados pelos quais a lei a permite (qualificados pelo Juiz como integrando um crime de homicídio qualificado tentado p. e p. pelo art. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132.º n.º 1 e 2 al.ª a) e c) do Código Penal); com fundamento na verificação dos pressupostos gerais e especiais que a tornam indispensável e, por ora, insubstituível. Assim, conclui-se que não se encontra a arguida em situação de prisão ilegal, inexistindo, por isso, abuso de poder que seja suscetível de integrar o disposto no art.º 31º n.º 1 da Constituição da República ou alguma das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal que consagram o regime que delimita o âmbito de admissibilidade e procedência da providência contra a prisão ilegal e arbitrária. Não se verificando no caso situação fáctica ou jurídica que possa subsumir-se em qualquer daquelas previsões normativas conclui-se pelo indeferimento do habeas corpus em apreço por falta de fundamento - artigo 223.º, n.º 4, alínea a) e n.º 6, do Código de Processo Penal.
III. DECISÃO: Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal-, deliberando nos termos do n.ºs 3 e 4 do artigo 223.º do CPP, acorda julgar improcedente, por não verificação dos pressupostos, a petição de habeas corpus, apresentada pelos requerentes, visando a libertação imediata de DD, arguida no processo em epígrafe. Custas pelos requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 5UCs (art. 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais).
Supremo Tribunal de Justiça, 14 de novembro de 2019.
Nuno Gonçalves (Relator) Pires da Graça (adjunto) Santos Cabral (Presidente da Secção) -------------- |