Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1231/09.3TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
ERRO DE JULGAMENTO
TAP
COMPETÊNCIA DISCIPLINAR
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRAZO
Data do Acordão: 06/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES - INCUMPRIMENTO CONTRATO / PROCEDIMENTO DESICIPLINAR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- ALBERTO DOS REIS, "CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ", ANOTADO, VOL. V, COIMBRA EDITORA, 1981, PP. 144,145.
- ABRANTES GERALDES, RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ALMEDINA, 2013, P.91.
- MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E J. PACHECO DE AMORIM, “CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO”, ANOTADO.
- JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL, VOL. III, AAFDL, LISBOA 1992, P. 423 SS..
- PINTO FURTADO, CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS, 4ªED., LIVRARIA PETRONY, LDA., LX. 1991, P.369.
– MÁRIO PINTO/ FURTADO MARTINS/NUNES DE CARVALHO, IN “COMENTÁRIOS…”P. 133.
- MONTEIRO FERNANDES, DIREITO DO TRABALHO, 16ª ED., ALMEDINA, P.233.
- PEDRO ROMANO MARTINEZ, CÓDIGO DO TRABALHO ANOTADO, 2ªEDIÇÃO REVISTA, 2004, ALMEDINA, PP. 552, 607; DIREITO DO TRABALHO, 2013, 6ªED., ALMEDINA, PP. 600, 603 E 604.
- RODRIGUES BASTOS, NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, VOL. III, P. 247.
- LEBRE DE FREITAS, CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL ANOTADO, COIMBRA EDITORA, VOL. II, P. 670
- CARDONA FERREIRA, GUIA DE RECURSOS EM PROCESSO CIVIL, 5ª EDIÇÃO, COIMBRA EDITORA, PP. 141-142
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 260.º, N.º1, 327.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 407.º, N.º8, 431.º, N.º3.
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 2.º, N.º2, 35.º, 40.º, AL.B).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 636.º, 668.º, N.º1, AL. D), 684º-A NºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT), APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 480/99, DE 9-11, ALTERADO PELOS DECRETOS – LEIS N.ºS 323/2001, DE 17-12, E 38/2003, DE 8-3 (CPT/2003): - ARTIGOS 1.º AL. E), 81.º, N.º5, 87.º, N.º 2.
CÓDIGO DE TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGO 121.º, N.º1, AL. G), 365.º, N.º 2, 368.º, N.º3, 371.º, 372.º, N.ºS1 E 2, 412.º.
DECRETO-LEI N.º 295/2009: - ARTIGOS 6.º, 9.º, N.º1
DECRETO-LEI N.º 312/91, DE 17-8: - ARTIGO 1.º, N.º1.
LEI N.º 41/2013, DE 26-6: - ARTIGOS 5.º E 6.º.
LEI N.º 7/2009, DE 12-2: - ARTIGOS 7.º, N.º1 E N.º5, ALS. B) E C), 14.º..
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 13/07/2011, PROC. 161/09.3TTVLG.P1, IN WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16-05-2012, RECURSO Nº 3982/06.5TTLSB.L1.S1, 4.ª SECÇÃO;
-DE 18-12-2013, RECURSO N.º 989/11.4TTPRT.P1.S1,DA 4.ª SECÇÃO.
Sumário :

1. O uso de factos não provados na fundamentação da decisão recorrida integra o vício de erro de julgamento e não a nulidade de acórdão por conhecimento de questão que ao tribunal não competia conhecer.

2. A deliberação tomada pelo Conselho de Administração Executivo da Ré, sociedade anónima, de aprovação do “Manual de Operações de Voo” que confere poderes ao Diretor de Operações de Voo para o exercício da ação disciplinar, constitui uma verdadeira delegação de poderes que, nos termos do nº 2 do art. 365º do CT2003, legitima a aplicação por este de sanções disciplinares.

3. O prazo para a instauração de procedimento prévio de inquérito (Art. 412º CT2003) conta-se a partir da suspeita e/ou da tomada de conhecimento do comportamento irregular, por parte da entidade que detém o poder disciplinar.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I

1. AA intentou ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra TAP PORTUGAL – TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, S.A. com sede em Lisboa, pedindo que o Tribunal declare nula a sanção disciplinar de dois dias de suspensão que a ré lhe aplicou ou, se assim não o entender, que a anule.

Alegou para tanto, em síntese, que tal sanção está viciada (i) por caducidade do exercício do poder disciplinar, (ii) por ter sido proferida por pessoa que não detinha poderes para aplicar sanções disciplinares, e (iii) porque o autor não praticou factos que configurem infração disciplinar.

Realizada audiência de partes, na qual não foi possível a conciliação, apresentou a ré contestação, pugnando pela licitude da sanção disciplinar, sustentada em que: (i) não ocorreu caducidade do exercício da acção disciplinar; (ii) o autor praticou as infrações disciplinares que lhe foram imputadas; (iii) o superior hierárquico do autor com competência disciplinar é o diretor de operações de voo.

            Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação procedente e declarou inexistente e de nenhum efeito a sanção disciplinar de dois dias de suspensão do trabalho, aplicada pela R. ao A.

           

2. Inconformada, a Ré TAP PORTUGAL interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

A final, os Exmos. Juízes Desembargadores da Secção Social deste Tribunal da Relação acordaram:
«(…) em julgar procedente o recurso, alterando a sentença no sentido de julgar improcedente a ação e absolver a R. do pedido.»

3. Irresignado, o A.:

3.1 Com observância do formalismo legal, ínsito no artigo 77º do CPT – dizer, de forma expressa e separada -, arguiu a nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia;

3.2 Interpôs o presente recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a respetiva motivação do seguinte modo:

A) O Acórdão recorrido julgou contra a matéria de facto provada no processo e com violação das regras imperativas de prova constantes do Arts 432º, nº 1º e nº 3º, do Código Civil, não considerando que a Ré não demonstrou, como lhe cabia, que o Diretor de Operações de Voo da empresa tinha poder delegado do Vice-Presidente do Conselho de Administração Executivo da empresa, de acordo com o ponto 1.3.3 do Manual das Operações de Voo para aplicar a sanção disciplinar;

B) Não considerou que a Ordem de Serviço nº ... tinha caducado com o desaparecimento do antigo Conselho de Administração da Ré e a sua substituição, a partir de 2006, por um novo órgão o conselho de administração executivo, previsto nos novos Estatutos, que estavam em vigor na empresa Ré quando foi instruído o processo disciplinar e aplicada a sanção, em março de 2009;

C) Violou os Estatutos atuais da empresa, em vigor desde 2006, nomeadamente os seus Artigos 5º alínea b), 11º nºs 1 e 2, e 12º nºs 1º alíneas a), e) e g), desconsiderando que só o conselho de administração executivo é o detentor originário do direito potestativo de exercer o poder disciplinar na empresa e no caso vertente não foi ele que o aplicou, nem emitiu qualquer ato de delegação;

D) Desrespeitou o disposto no Ponto 1.3.3. do Manual das Operações de Voo, aprovado pelo Conselho de Administração Executivo da empresa em 2008, que exige expressamente um ato de delegação de poderes, do Vice-Presidente do conselho executivo, ao tempo o Senhor BB, em conformidade com o estabelecido no Manual, para atribuir competência disciplinar ao Diretor de Operações de Voo, ato de delegação que não se provou que existisse;

E) Considerou suficiente como ato de delegação o Manual de Operações de Voo, quando este Regulamento nos seus próprios termos exige um ato distinto do Vice-Presidente da Comissão Executiva a atribuir esses poderes disciplinares, assim desrespeitando o exigido no próprio ponto 1.3.3 do Manual e o disposto no Artº 365º nº 2º do Código do Trabalho, que impõe que na atribuição da delegação de poderes a entidade patronal respeite as regras que instituiu e que, neste caso, se encontram no Manual de Operações de Voo e exigem um ato de delegação do Vice-Presidente Executivo para o Diretor das Operações de voo;

F) Desrespeitou também o disposto no Artº 365º nº 2º do Código do Trabalho que exige uma delegação de poderes no trabalhador delegado, quando não é a entidade empregadora a exercer diretamente o poder disciplinar, o que no caso vertente exigia o respeito pelo ponto 1.3.3 do Manual das Operações de Voo e um ato expresso de delegação entre Vice-Presidente Executivo e o Diretor das Operações de voo;

G) Errou ainda quando considerou que não estava provado nos autos que existia um Vice-Presidente  Executivo da Ré, nomeado pelo menos desde 2006, o Senhor BB, como está documentalmente provado por documento autêntico da própria Ré, junto aos Autos, em 29 de outubro de 2011, pelo Autor.

Em conclusão, não tendo o Diretor de Operações de Voo competência disciplinar para aplicar a sanção, deverá esta ser considerada inexistente ou nula, como bem se considerou na douta sentença do Tribunal da 1ª Instância.

Na hipótese que não se concede, de se considerar que o Diretor do Pessoal de Voo tinha competência para aplicar a sanção disciplinar, então a sanção aplicada seria nula, pelas seguintes razões, que o acórdão recorrido desconsiderou:

H) A sanção aplicada é nula, porque se verificara a caducidade do procedimento disciplinar, por terem decorrido mais de 60 dias entre o conhecimento dos factos ocorridos no voo de Londres, pelo superior hierárquico com alegada competência disciplinar - o Diretor das Operações de Voo da empresa - o que sucedeu em 18 de Setembro de 2008 e a notificação da nota de culpa ao Autor que ocorreu em 28 de Novembro de 2008, nos termos do disposto no Artº 372º do Código do Trabalho;

I) Acresce que, o prazo de caducidade previsto no Artº 372º do Código do Trabalho não foi interrompido, mesmo que se considere que o processo de inquérito prévio ao processo disciplinar se justificava, porque foi ultrapassado o prazo de 30 dias previsto no Artº 412º do Código do Trabalho entre as suspeitas de irregularidades conhecidas pelo superior hierárquico do Autor, em 18 de agosto de 2008 e o início do processo de inquérito, que ocorreu em 23 de setembro de 2008;

J) Acresce que, tendo sido aplicada uma única sanção disciplinar a todos os factos constantes da acusação e do relatório final, sem distinguir entre os alegadamente ocorridos no dia 15 de agosto de 2008, e os verificados a 6 de outubro de 2008 e não sendo possível conhecer como foram disciplinarmente avaliados uns e outros, caducado o procedimento disciplinar em relação a uma das alegadas infracções, que deixa de poder ser averiguada terá de se considerar nula a sanção aplicada a final porque é única e indivisível, pois não é legalmente possível distinguir qual a sanção aplicada pela Ré a cada uma das infracções;

K) Acresce que, no acórdão recorrido depois de se ter considerado inexistente uma das infracções disciplinares, em que se fundamentara a sanção disciplinar aplicada, por se considerar que o Autor não era responsável pelos factos ocorridos no voo de ... para Lisboa, de 6 de outubro de 2008, sendo a sanção aplicada indivisível, e não se distinguindo a sanção aplicada a cada uma das infracções, impunha o princípio da fiscalização judicial da legalidade a anulação das sanções ilegais, decorrente, por exemplo, do disposto no Artº 172º n° 2º do Código do Processo do Trabalho e ainda o princípio da proporcionalidade da sanção disciplinar às infracções cometidas, que fosse anulada a sanção disciplinar, não se podendo manter a mesma sanção disciplinar, quando desapareceu uma das infracções constantes da acusação, o que implica desrespeito pelo disposto no Artº 367º do Código do Trabalho;

L) O acórdão recorrido está ainda eivado de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no Artº 668º nº 1° alínea d) do C.P.C. merecendo assim ser revogado, por não ter apreciado três questões fundamentais, suscitadas pelo ora recorrente na sua alegação de recurso, a saber: 1º a competência do representante da Ré em Londres e da British Aviation Authority para deslocar o avião do estacionamento fora da manga para o estacionamento com manga, que não cabia ao Autor, razão por que se limitou a sugerir que tal fosse feito ; 2º - as consequências da avaria mecânica da escada que estava encostada ao avião e que foi necessário desviar para que o avião saisse do local de estacionamento - e que demorou mais de vinte minutos a resolver - e que foi um facto totalmente imprevisto, que iria sempre atrasar o avião à descolagem, ainda que ele não tivesse saído da posição fora da manga; 3º - que esta avaria da escada, que demorou mais de 20 minutos a ser resolvida, foi omitida pelo representante da Ré em Londres, quando apresentou queixa do autor e que nenhuma referência foi feita a este facto fundamental no relatório do processo disciplinar, havendo clara má-fé da Ré na sua omissão, tendente a responsabilizar abusivamente o Autor pelo atraso na saída do voo.

M) Que o Autor foi sancionado com base no facto constante do relatório do processo disciplinar, quanto ao voo de ... para Lisboa, do dia 6 de outubro de 2008, por não se ter queixado ou participado de um Colega, que por ter adormecido no hotel em ..., terá provocado um atraso na saída da tripulação do hotel para o aeroporto, quando este facto não constava da nota de culpa que lhe foi enviada, não se tendo podido defender dele e havendo portanto violação do princípio básico do contraditório, previsto no Artº 371º do Código do Trabalho, o que determinaria sempre a nulidade da sanção disciplinar aplicada

4. Pugnando pela improcedência do recurso, contra-alegou a Ré, concluindo do seguinte modo:

1. As causas da nulidade da sentença, tipificadas no art.º 668.º n.º  1 do CPC, não abrangem o erro de julgamento, seja de facto ou de direito, designadamente, a não conformação da sentença com o direito substantivo.

2. O Tribunal "a quo" não estava obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos aduzidos pela parte, ou se quer trazer à colação na fundamentação todos os factos dados por provados ou não provados.

3. Não há qualquer omissão de pronúncia por parte do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em apreço, inexistindo violação do art.º 668.º n.º 1 al. d) do CPC.

4. O recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que revogou a decisão da 1.ª instância e considerou válida a sanção disciplinar aplicada ao Autor aqui Recorrente, deve improceder.

5. A Recorrida é uma sociedade anónima, regendo-se pelo disposto no Código das Sociedades Comerciais e, enquanto pessoa jurídica de direito privado que é, rege a sua actividade de acordo com os princípios de auto regulação e auto-governo, mediante estatutos e regulamentos por si celebrados.

6. Não sendo a Recorrida um órgão da Administração Pública - directo ou indirecto - e não sendo as suas decisões emanadas através de atos, regulamentos ou contratos administrativos, não está a mesma sujeita ao princípio da legalidade procedimental a que a Administração Pública deve obediência na actuação jurídico-administrativa (cfr. art. 1.- CPA).

7. As regras aplicáveis à Recorrida na sua atuação e na manifestação da sua vontade - incluindo, e para o que ora interessa, em sede disciplinar - são, assim, as previstas no Código de Trabalho, mais concretamente as previstas no art. 104.º e 329.º, n.º 4 do Código do Trabalho e, bem ainda, nos seus Estatutos, tal como previsto no art. 406.º a 409.º, ex vi do art. 431.º, n.º 3, todos do CSC.

8. A Ordem de Serviço n.º ... e o Manual de Operações de Voo, foram aprovados pela Recorrida no âmbito dos poderes de auto-gestão que lhe são conferidos pela legislação laboral, nomeadamente a de fazer manifestar a sua vontade através de regulamento interno de empresa e, bem ainda, a de estabelecer os termos e condições em que o poder disciplinar é exercido e quem tem competência para o efeito (cfr. actuais arts. 104.º, n.º l e 329.º, n.º 4 do Código do Trabalho).

9. Foi, pois, no âmbito dos referidos poderes - os quais resultam, aliás, do art. 11.º, n.º 2 dos seus Estatutos - que a Recorrida, através da Ordem de Serviço nº …/… atribuiu competência aos Directores (no qual se inclui o "Diretor de Operações de Voo") em matéria disciplinar.

10. Não obstante, entre a data da aprovação da Ordem de Serviço n.º ... e a data em que o processo disciplinar ora objeto de apreciação foi instaurado, terem existido alterações nos Estatutos da Recorrida e nas designações dadas aos cargos diretivos, tal não acarreta a necessidade de alteração das Ordens de Serviço até então vigentes, para tanto bastando fazer coincidir aquelas terminologias com a realidade existente, do mesmo modo que aqueles Regulamentos não caducaram.

11. No âmbito do Manual de Operações de Voo, prevê-se expressamente que o "Diretor de Operações de Voo" é responsável pela aplicação de sanções disciplinares ao pessoal das operações de voo, o que significa imediata e direta atribuição da competência disciplinar.

12. O "Diretor de Operações de Voo" não corresponde a uma categoria profissional, mas a um cargo/função de Diretor do qual resultam competências disciplinares e de elevada responsabilidade externa e pessoal (nomeadamente perante o INAC), para além das previstas na Regulamentação Coletiva aplicável.

13. A Ordem Geral de Serviço n.º ... não caducou em consequência da mudança dos titulares delegantes ou delegados.

14. Não se pode afirmar que por não existir um ato formal e expresso de delegação de funções do Vice Presidente Executivo no Diretor de Operações de Voo, a referida delegação não é válida, uma vez que não estamos no âmbito de direito público, mais concretamente, no âmbito de matéria procedimental administrativa e, portanto, sujeita às disposições legais aplicáveis (cfr. arts. 1.º e 35.º CPA).

15. Embora no âmbito administrativo se exija um ato de delegação de poderes expresso e formal, tal já não é exigível no âmbito privado, podendo a delegação ser genérica e implícita, e, bem ainda, informal e até verbalmente concretizada (não existindo no âmbito da legislação laboral ou societária normas idênticas às previstas no CPA que não só exigem um acto formal de delegação como impõem o cumprimento de determinadas formalidades e requisitos - art. 35.º e 36.º CPA).

16. A circunstância de inexistir um ato de delegação do Conselho de Administração no Vice Presidente Executivo em matéria disciplinar não obsta à falta de competência deste, uma vez que a mesma já se encontra plasmada no disposto no art. 12.º dos Estatutos da Recorrida e, bem ainda, no art. 431.º, n.º 1 do CSC, dos quais resulta que compete ao Conselho de Administração Executivo gerir as atividades da sociedade (nas quais se incluem necessariamente as disciplinares).

17. No âmbito do direito societário (com as necessárias repercussões no direito laboral e nas regras internas de competência disciplinar), o Conselho de Administração (art.s 407.º do CSC) pode delegar as suas competências em qualquer dos seus administradores, não excluindo essa delegação o exercício de poderes do Conselho de Administração para tomar resolução sobre os mesmos assuntos (art.s 407.º n.º 8 do CSC).

18. Os actos praticados pelos administradores das sociedades, vinculam perante terceiros, independentemente de quaisquer limitações internas ao exercício desses poderes pelos administradores ou até de limitações constantes do próprio contrato de sociedade (art.º 409.º n.º 1 do CSC), podendo por isso, qualquer administrador exercer isoladamente os poderes do Conselho.

19. Assim, e sem prejuízo de existir uma delegação concreta de poderes no âmbito de competências disciplinares no Director de Operações de Voo, através da aprovação do Manual de Operações (que vincula a Recorrente perante o INAC), tal delegação não exige nem pressupõe qualquer deliberação ou delegação prévia do Conselho de Administração a qualquer dos seus administradores, maxime, o vice-‑Presidende Executivo para o Transporte Aéreo.

20. A tais conclusões não obsta a existência na estrutura da Recorrida de um Conselho de Supervisão e de um Conselho de Administração Executivo, atento o regime previsto no art.º 431.º do CSC e as remissões que este opera.

21. A competência disciplinar do Director de Operações de Voo para o exercício desse poder no caso concreto, advém-lhe não só da Ordem Geral de Serviço n.º ... como do próprio Manual de Operações de Voo.

22. Do ponto de vista do direito laboral e especificamente do exercício de competências disciplinares, o art.º 329.º n.º 2 do CT2009 (artº 365.º do CT2003) apenas se refere ao superior hierárquico com competências disciplinares, nada concretizando ou exigindo quanto à forma e ao modo de atribuição dessa competência disciplinar pela entidade empregadora.


*

23. Não pode proceder a invocada caducidade do poder disciplinar, como resulta da aplicação do regime legal aplicável (art.º 372.º e 411.º do CT) à matéria de facto dada por provada sob os nsº. 67, 68 e 71 a 77.

24. O Recorrente não atendeu ao facto de ter havido necessidade de instaurar um processo de inquérito já que, embora conhecendo-se o infractor, era necessário apurar factos, fundamentar a Nota de Culpa (artº 412.º do CT2003).

25. O processo de inquérito foi conduzido de forma diligente, atento o período em que decorreu, o número de diligências necessárias e a localização dos intervenientes (Londres e ...).

26. O conhecimento relevante para efeitos do art.º 412.º do CT2003 é o do superior hierárquico que detenha competência disciplinar, já que o de outros superiores hierárquicos sem aquela competência, não pode produzir qualquer efeito caducante, tal como não pode produzir qualquer efeito disciplinar.

27. Não há qualquer dispositivo legal que estabeleça prazo para um superior hierárquico sem poder disciplinar, comunicar ao superior com esse poder, quaisquer comportamentos eventualmente infraccionários.


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28. 0 Tribunal "a quo", face aos factos dados por provados, considerou, e bem, que a sanção disciplinar aplicada era adequada e proporcional à gravidade e à culpa do comportamento do Recorrente.

29. A sanção aplicada pela Recorrida ao Recorrente manteve-se, pelo que o Tribunal não se substituiu à entidade patronal na determinação da sanção disciplinar a aplicar.

30. O Recorrente não podia desconhecer que a mudança de estacionamento do avião em Londres, ia causar alterações no processo de embarque dos passageiros, no abastecimento de combustível ao avião, na alteração da porta de embarque e no atraso no catering que estava à espera de autorização para embarcar, tal como ficou provado nos Factos 23 a 29.

31. Não tivesse o Recorrente insistido/ordenado a mudança de estacionamento do avião, e a avaria na escada de acesso dos passageiros não teria implicações na hora de saída do voo, já que, entretanto, a operação de embarque do catering e de abastecimento teriam decorrido normalmente, não sendo também necessário proceder à alteração da porta de embarque.

32. O comportamento temerário do Recorrente nada tem que ver com quem tem ou não competência para autorizar a mudança do estacionamento do avião, mas antes com a insistência em efectuar essa mudança, quando se sabe e é alertado de que tal mudança vai atrasar o voo e, ainda assim, prefere efectuar essa mudança.

33. O Acórdão recorrido (pag. 20) considerou e atentou no facto de ter existido uma avaria na escada de acesso ao avião, até para considerar que tal avaria também contribuiu para a saída do voo com atraso.

34. Quanto à omissão no processo disciplinar da avaria da escada, tal facto é completamente irrelevante, uma vez que interessa a matéria de facto dada por provada em audiência de julgamento e o douto Acórdão considerou tal facto.

35. A ausência de sanções disciplinares por atrasos em voos, é irrelevante para a boa decisão da causa.

36. As causas dos atrasos dos voos são muito variadas, e vão desde a avaria nos aviões, às condições climatéricas, greves e outras perturbações nos aeroportos, não imputáveis por qualquer forma aos pilotos, etc.

37. O que está em causa é saber que esses atrasos são ou não, total ou parcialmente, imputáveis a um comportamento que viole os deveres gerais de zelo e diligência a que o Recorrente estava adstrito.

38. Também no incidente ocorrido em ... o Recorrente contribuiu, pelo menos em parte, para o atraso verificado, já que o facto de um dos tripulantes ter adormecido apenas contribuiu em cerca de 15 minutos para o atraso total (Facto 41) e o voo saiu com 40/45 minutos de atraso (Facto 60).

39. É que, cabe ao Comandante do voo, no caso o Recorrente, orientar a tripulação e, sem prejuízo das dificuldades de acesso no aeroporto de ..., a verdade é que foram dadas informações sobre o percurso a seguir, existia uma folha informativa fornecida pela Recorrida e, acima de tudo, porque se provou que o Recorrente tinha efectuado em Julho e Setembro de 2008 voos com pernoita em ... (Facto 64), ou seja, o Recorrente já havia efectuado o percurso em causa noutras ocasiões nos dois meses imediatamente anteriores ao da ocorrência em causa no processo disciplinar em apreço.

40. O Tribunal "ad quem" pode considerar existir conduta infraccionária do Recorrente resultante dos factos dados por provados quanto ao voo ...-Lisboa em causa nestes autos.

41. O douto Acórdão recorrido não violou qualquer normativo legal, designadamente, o disposto nos arts.º 365.º, 371.º, 372.º, 411.º e 412.º do CT2003, ou no art.º 668.e do CPC.

5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido despacho liminar a ordenar o retorno dos autos ao Tribunal da Relação com vista ao conhecimento das arguidas nulidades do acórdão.

6. Em Conferência, a 4ª Secção do Tribunal da Relação desatendeu a Reclamação. [Fls.815>817]

Notificados do Acórdão adrede produzido, pronunciaram-se,
i) O A. , no sentido de manter o recurso apresentado e a respetiva alegação;
ii) A Ré, reclamando a inadmissibilidade daquele requerimento do A.

7. O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer com o sentido final de que o recurso deverá improceder, sendo de confirmar o acórdão recorrido.

8. Notificado do Parecer, o A., discordando dele, veio reiterar o constante das alegações do recurso interposto.

9. Preparada a decisão, cumpre julgar o objeto do recurso interposto.

10. São questões a conhecer, de acordo com as conclusões do recurso:

i. Nulidades do acórdão recorrido:
1. O Acórdão recorrido “decidiu com base em matéria de que não podia tomar conhecimento, incorrendo na nulidade prevista no Art. 668º nº1 al. d) CPC”;
2. No Acórdão proferido, o Tribunal da Relação desconsiderou [nulidade por omissão de pronúncia] três questões fundamentais suscitadas pelo A. no recurso de apelação: a) Competência para mudar o estacionamento do avião; b) A avaria mecânica da escada que estava encostada ao avião e que foi necessário desviar para que ele saísse do local de estacionamento; c)A omissão daquela avaria, por parte do representante da Ré em Londres, quando apresentou queixa do A., sendo que nenhuma referência a este facto foi feita no relatório do processso disciplinar. [Fls. 828ss; Alínea L) das Conclusões]

ii. Nulidade da sanção disciplinar:
1. Falta de competência disciplinar do Diretor de Operações de Voo; [Alíneas A), B), C), D), E), F), G) das Conclusões ]
2. Violação do princípio do contraditório [Alínea M) das Conclusões]

iii. Caducidade do poder disciplinar quanto às infrações imputadas ao A.[Alíneas H) e I) das conclusões]

iv. Nulidade da sanção aplicada por violação dos princípios (a) geral do controlo da legalidade e (b) da proporcionalidade. [Alíneas J) e K) das Conclusões]


II

As instâncias deram como provados os seguintes factos:          

1- O autor, AA trabalha para a ré Transportes Aéreos Portugueses, SA (que também usa Tap Portugal) desde 02/05/2002, tendo o nº de identificação ..., e, desde 2007, exerce as funções de comandante de avião da Frota A320, da Direção de Pilotos e Frota/DOV da ré.

2- Em 04/06/1993, o Conselho de Administração da ré emitiu a “Ordem Geral de Serviço nº ...” cuja cópia se acha a fls. 231 a 238, na qual fez constar como “assunto” os dizeres “Disciplina”, e estabelece o que segue:
“A – COMPETÊNCIA DISCIPLINAR
1. São competentes para instaurar processos de inquérito ou disciplinares, contra os respetivos subordinados e dentro das suas hierarquias, o Conselho de Administração e seus Membros, bem como os Diretores-Gerais, Diretores-Gerais Adjuntos, Diretores Autónomos, Diretores de Serviços e Chefes de Serviços em exercício efetivo de funções, os Delegados e os Chefes de Escala, sem dependência hierárquica do Delegado respetivo.
2. (...)
3. (...)
4. Sem prejuízo de a competência disciplinar dos superiores hierárquicos envolver sempre a dos inferiores hierárquicos, têm competência para a aplicação de sanções disciplinares:
a) Despedimento – Conselho de Administração
b) Mais de 10 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição, Diretor-Geral, Diretor-Geral Adjunto e Diretor Autónomo;
c) Até 10 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição, Diretor e Delegado;
d) Até 3 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição – Chefe de Serviço e Chefe de Escala sem dependência hierárquica do Delegado respetivo.
(...)”

3- Em 12/10/2006, a ré nomeou o Sr. Comandante CC para exercer as funções de Diretor de Operações de Voo.

4- Em 14/07/2008, a ré aprovou o Manual de Operações de Voo cuja cópia se acha a fls. 307 a 310, e cuja tradução consta de fls. 301 a 306, que estipula, nomeadamente:
O Diretor de Operações de Voo, por delegação do Vice-presidente Executivo para as Operações de Voo, é responsável pela aplicação de sanções disciplinares ao pessoal das operações de voo”.

5- À data referida em 4, a ré regia-se pelos estatutos cuja cópia se acha a fls. 247 a 261.

6- À data referida em 4, a organização da ré não compreendia cargos com as designações mencionadas na ordem de serviço designada em 2.

7- No dia 15/08/2008, o autor, no exercício das suas funções efetuou o voo de … para Lisboa, denominado TP…/15AGO/08-…/LIS, com partida prevista para as 06h00m (hora local, correspondente a 005h00m UTC).

8- O avião que efetuou o voo referido em 7, havia chegado ao terminal 2 do aeroporto de ...no dia anterior.

9- O avião mencionado em 8 encontrava-se estacionado numa posição “fora de manga”, mais precisamente no stand 209L,

10- ... posição atribuída pelas autoridades aeroportuárias locais, no caso a “Stand Allocations - British Airport Authorities” ...

11- ... de acordo com um sistema de rotatividade entre companhias aéreas, estabelecido pela referida entidade para os casos de “night stop”.

12- Na ocasião referida em 7 a 9, havia nas imediações do stand 209L alguns contentores.

13- No terminal 2 do aeroporto de …, o representante local da ré começa a operar às 05h00m (hora local).

14- Ao chegar ao avião, o autor apercebeu-se de que nas proximidades havia duas posições com manga vazias, e decidiu diligenciar no sentido de mudar o avião para uma posição com manga.

15- Após as 05h00m (hora local), o autor mandou chamar o representante da ré e, em conversa com o mesmo, perguntou-lhe por que razão o avião se encontrava naquela posição ...

16- ... tendo o representante da ré respondido que se tratava de posição atribuída pelas autoridades do aeroporto ...

17- ... pelo que o autor, alegando que pretendia assegurar uma melhor qualidade do serviço e evitar que os passageiros percorressem uma distância de cerca de 50 metros, instou o representante da ré a providenciar no sentido de mudar o mesmo avião para outra posição, a fim de os passageiros embarcarem através de “manga”.

18- Perante tal solicitação o representante da ré disse ao autor que uma tal alteração poderia causar atraso na saída do avião ...

19- ... mas perante as insistências do autor, contactou a BAA/Stand Allocations, solicitando a mudança do avião para um “stand” com manga.

20- ... e posteriormente a BAA/Stand Allocations informou que a posição 205 estava disponível ...

21- ... pelo que o representante da ré perguntou ao autor se queria mudar para aquela posição, ao que este respondeu afirmativamente ...

22- ... razão pela qual o representante da ré informou a BAA que o avião da ré iria mudar para a posição 205.

23- Nesta altura a porta de embarque para o avião estava aberta, com os passageiros posicionados perto da mesma e prontos a embarcar, o abastecimento de combustível prestes a ser iniciado, e o "catering" à espera de autorização para carregar ...

24- ... o que o autor sabia.

25- Quando o avião se preparava para mudar para a posição 205 ocorreu uma avaria na escada de acesso dos passageiros ...

26- ... e a resolução desse problema demorou cerca de 20 minutos.

27- Devido à mudança de posição do avião, os passageiros tiveram que mudar de porta de embarque, e as operações de carregamento de "catering" foram interrompidas.

28- ... e foi necessário providenciar pelo abastecimento do avião, o qual teve de ser efectuado através de um processo diverso, atenta a circunstância de não estar previsto o abastecimento em “posição de manga”.

29- ... porquanto os aviões estacionados em posições “fora de manga” são abastecidos por carro cisterna, ao passo que os aviões estacionados em “posição de manga” são abastecidos por depósitos subterrâneos.

30- Devido ao descrito em 14 a 29, e ao tempo entretanto decorrido, a BAA cancelou o horário de descolagem previsto, e atribuiu ao voo identificado em 7 um novo slot.

31- O voo identificado em 7 veio a partir pelas 06h45m ...

32- ... e no decurso do mesmo o autor tentou recuperar o atraso ...

33- ... porém chegou a Lisboa depois da hora prevista ...

34- ... tendo o avião esperado cerca de 10 minutos pela atribuição de uma posição de estacionamento ...

35- Os factos descritos em 14 a 34 fizeram com que alguns dos passageiros do voo identificado em 7 perdessem voos de ligação para o Rio de Janeiro e ....

36- O autor sabia que a mudança de “stand” do avião estava sujeita a autorização da BAA/Stand Allocations, e que a mesma poderia autorizar ou recusar tal alteração.

37- Até à data referida em 4, nunca qualquer piloto da ré havia solicitado a mudança de posição do avião quando o mesmo ficava estacionado no aeroporto de …, em posição “fora de manga”.

38- No dia 06/10/2008 o autor, no exercício das suas funções de comandante efectuou o voo de ... (…) para Lisboa, denominado TP-…- …/LIS, com partida prevista para as 04h30m UTC.

39- O Autor e demais tripulação do voo referido em 38 haviam chegado a ... no dia 05/10/2008, e pernoitaram naquela cidade.

40- De acordo com o planeado pela ré, no dia 06/10/2008 o autor e demais tripulação do voo referido em 38 deveriam sair do hotel onde estavam hospedados cerca das 03h10m UTC, mas tal apenas veio a suceder entre as 03h25m e as 03h30m UTC.

41- O atraso referido em 40 deveu-se à circunstância de um dos tripulantes ter adormecido, despertando mais tarde do que o previsto.

42- Uma vez chegados ao aeroporto de ..., o autor e demais tripulação do voo referido em 39 passaram o controle de raio x, e dirigiram-se à porta de embarque onde se encontrava encostado o avião ...

43- ... tendo sido informados por uma funcionária do “handling” que não era aquele o trajeto correto, e que os tripulantes não podiam entrar pelo acesso dos passageiros ...

44- Na ocasião referida em 42 e 43, a mesma funcionária informou o autor e demais tripulação que deveriam virar à direita e descer umas escadas, que os conduziria ao piso inferior, e ao acesso ao autocarro que os levaria ao avião.

45- Porém, o autor e demais tripulação, apesar de tentarem seguir as indicações referidas em 44, bem como as constantes da folha informativa fornecida pela ré, que dizia que deveriam voltar à direita e descer umas escadas, não encontraram o caminho certo, e depararam com uma sala fechada, sem acesso ao autocarro ...

46- ... pelo que voltaram para o piso superior, para junto do controle de bagagens.

47- Aí chegados, cerca das 04h10m UTC, o autor telefonou ao chefe de escala da EAS (European Avia Service, “handler” da ré no aeroporto de ...), solicitando a sua comparência no local onde se encontravam, a fim de lhes indicar o caminho para o avião ...

48- ... e o chefe de escala da EAS reiterou as explicações referidas em 44 ...

49- ... mas o autor insistiu pela sua presença, porquanto já havia tentado, sem sucesso, encontrar o caminho, seguindo as mesmas explicações ...

50- ... Quando o chefe de escala da EAS chegou junto do autor e demais tripulação do voo identificado em 38 já tinham passado cerca de 20m desde que estes tinham chegado à porta de embarque do voo ....

51- ... mas tiveram que aguardar mais 10 minutos por um membro da tripulação que teve que ir à casa de banho ...

52- ... após o que o chefe de escala da EAS os conduziu à porta de acesso ao autocarro que os levou ao avião.

53- Quando o autor chegou ao avião, o mesmo já havia sido abastecido de acordo com o mínimo previsto no plano de voo.

54- ... porém, a empresa abastecedora abandonou o local sem esperar o “ok” do autor.

55- Ao proceder às verificações com vista à descolagem, o autor concluiu que iria necessitar mais 400kg de combustível do que aquele que havia sido abastecido, pelo que solicitou a presença da empresa abastecedora, e, para proceder a tal operação durante o embarque dos passageiros, pediu igualmente a presença dos bombeiros (cuja presença, naquele aeroporto é obrigatória, durante as operações de abastecimento de combustível, sempre que estas se processem durante o embarque de passageiros).

56- O abastecimento de 400kg de combustível demora cerca de 1 a 2 minutos.

57- De acordo com as regras de funcionamento em vigor no aeroporto de ..., a empresa abastecedora de combustível deve abastecer o avião de acordo com o mínimo previsto no plano de voo, fazendo-o ainda antes da tripulação técnica chegar ao avião, mas só deve abandonar o local depois de receber o “OK” do comandante, porquanto este pode considerar que de acordo com condicionantes como a meteorologia e o tráfego aéreo vai necessitar de mais combustível.

58- Devido ao descrito em 54 e 55, foi necessário aguardar cerca de 30m pelo regresso do carro abastecedor de combustível, que apenas chegou cerca das 00h500m UTC...

59- ... e o voo identificado em 38- perdeu o primeiro “slot”, que estava previsto para as 04h45m UTC.

60- O voo referido em 38 acabou por sair de ... com cerca de 40 a 45m de atraso em relação à hora inicialmente prevista ...

61- ... e, embora o autor tenha conseguido recuperar algum do atraso, chegou a Lisboa depois da hora prevista ...

62- ... o que fez com que alguns dos passageiros perdessem voos de ligação com destino a ..., Brasil.

63- Em ocasiões anteriores houve outras tripulações da ré que, no aeroporto de ..., experimentaram dificuldades em localizar o acesso aos autocarros com destino ao avião, por considerarem pouco claras as explicações constantes da “folha informativa” fornecida pela ré, e porque o local não dispõe de sinalética adequada, nomeadamente devido à circunstância de a porta de acesso às escadas que conduzem ao patamar onde as tripulações devem apanhar aqueles autocarros não dispor de qualquer sinalização.

64- Em Julho e Setembro de 2008, o autor efectuou voos de ... para Lisboa precedidos de pernoita naquela cidade.

65- Em 18/08/2008, o Chefe de Frota A319/A320/A321 da ré, comandante DD, enviou ao autor a mensagem de correio electrónico cuja cópia se acha a fls. 9 do procedimento de inquérito apenso aos presentes autos ([1]), na qual lhe transmite o seguinte:
“Solicito os teus esclarecimentos ao sucedido no passado dia 15 de Agosto com o voo TP..., do qual tu eras Comandante.
Agradeço relato de pormenor das circunstâncias de tal forma gravosas que te levaram às decisões tomadas com o impacto operacional e comercial que é conhecido.
Aguardo com elevada expetativa a tua resposta, que desejo célere.”

66- Em 17/09/2008, o Chefe de Frota A319/A320/A321 da ré enviou ao DPF a comunicação escrita cuja cópia se acha a fls. 4 e 5 do PI, na qual lhe transmite, nomeadamente o seguinte:
“1. Considerando a gravidade das alegações apresentadas no e-mail de LHRKK no passado dia 15 de agosto de 2008 às 11:26 (Anexo I).
2. Considerando o impacto operacional e comercial resultante da irregularidade do voo TP.../15AGO, conforme descritivo em e-mail emitido pelo Sr. EE no passado dia 18 de agosto de 2008 às 09:06 (Anexo II).
3. Considerando as implicações do atraso do TP.../15AGO, conforme relato de pormenor em e-mail de segunda-feira 18 de agosto de 2008 12:17, emitido pelo Sr. FF, em complemento à informação prestada por e-mail na segunda-feira 18 de agosto de 2008 11:32 pela Sra. GG (Anexo3).
4. Considerando que pessoalmente solicitei esclarecimentos ao Sr. Cte. AA via e-mail de 18 de agosto de 2008 às 11:06 (Anexo 4).
5. Considerando ainda que o Sr. Cte. AA me contactou por telefone no dia 19 de Agosto, parte da tarde, justificando os motivos da sua decisão, ao que lhe solicitei que o fizesse por escrito em resposta ao meu e-mail.
6. Considerando que o descritivo do Activity Code 28, leg 1 conforme consta do FLIGHT REPORT A320080815011 (Anexo 5), carece de esclarecimentos de pormenor para um melhor entendimento das razões que motivaram à tomada de decisão subsequente.
7. Considerando que até à presente data não foi prestado qualquer esclarecimento escrito por parte do Sr. Cte. AA, conforme previamente por mim solicitado.
8. Pela presente solicito, com caráter de urgente, a abertura de Processo de inquérito com vista ao cabal esclarecimento da situação e apuramento de responsabilidades, se as houver. (...)”

67- Em 18/09/2008, o Piloto Chefe da ré enviou ao Diretor de Operações de Voo da ré a “comunicação interna” com a “referência” CI/69/2008/DPF cuja cópia se acha a fls. 3 do PI, na qual lhe comunicou o seguinte:
“Na sequência da CI 27/2008/320F (em anexo) e das questões nesta apresentadas relativamente às ocorrências decorrentes da atuação e decisões do senhor Cmdt AA, TAP ... no voo TP.../15AGO, determino a abertura de Processo de Inquérito para apuramento dos factos.”

68- Em 23/09/2008, o Diretor das Operações de Voo da ré enviou ao Diretor de Recursos Humanos da ré a “comunicação interna” cuja cópia se acha a fls. 2 do PI, na qual lhe transmite o seguinte: “Determino abertura de Processo de Inquérito com base na CI 69 de 18 de setembro de 2008 do Piloto Chefe.”

69- Em 10/10/2008, o Sr. Instrutor do PI enviou ao representante TAP no aeroporto de ...a mensagem de correio eletrónico cuja cópia se acha a fls. 16 do PI, na qual lhe solicita “informação detalhada sobre a ocorrência”, formulando oito perguntas sobre a matéria.

70- Em 13/10/2008, o representante TAP no aeroporto de ...enviou ao instrutor do PI a mensagem de correio eletrónico cuja cópia se acha a fls. 17 do PI, na qual responde às oito perguntas mencionadas em 68.

71- Em 04/11/2008, o instrutor do PI emitiu o “relatório” cuja cópia se acha a fls. 19 a 21 do PI, no qual o mesmo, reportando-se ao ora autor conclui que “o comportamento ora imputado ao comandante do voo em causa, o qual podia e devia ter evitado, envolve a violação de deveres decorrentes do contrato a que se acha vinculado“, e “propõe que o presente processo de inquérito seja convolado em processo disciplinar”.

72- Em 07/11/2008, o responsável pela assessoria jurídica e contencioso da ré enviou ao Diretor de Operações de Voo da ré a comunicação escrita cuja cópia se acha a fls. 23 do PI, na qual lhe transmite concordar com as conclusões vertidas no relatório referido em 71.

73- Em 11/11/2008, o Diretor de Operações de Voo da ré proferiu a decisão escrita manuscrita inserta a fls. 23 do PI, que tem o seguinte teor:

“Concordo que o processo seja convolado em processo disciplinar. Remeta-se o processo à assessoria jurídica e contencioso laboral.”

74- Em 19/11/2008, o instrutor do procedimento disciplinar apenso aos presentes autos ([2]) emitiu a “nota de culpa” de fls. 15 a 17 do mesmo.

75- Em 24/11/2008, a ré enviou ao autor a carta cuja cópia se acha a fls. 18 do PD, na qual comunica que decidiu instaurar-lhe um procedimento disciplinar.

76- Juntamente com a carta referida em 75, a ré enviou ao autor cópia da “nota de culpa” referida em 74.

77- O autor recebeu a carta e o escrito referidos em 75 e 76 no dia 28/11/2008.

78- Em resposta à carta referida em 75, o autor enviou à ré a comunicação escrita cuja cópia se acha a fls. 22 a 35 do PD, na qual se pronuncia sobre a “nota de culpa” referida em 74, e arrola oito testemunhas.

79- A ré recebeu a comunicação escrita referida em 78 em data não posterior a 16/12/2008.

80- Em 19/12/2008, o instrutor do PD enviou ao autor a carta cuja cópia se acha a fls. 38 do PD, na qual o informa de que as testemunhas que o autor havia arrolado seriam inquiridas em 30/12/2008.

81- Por acordo entre autor e ré as testemunhas arroladas pelo autor foram inquiridas nos dias 06, 07, e 09/01/2009.

82- Em 18/02/2009, o instrutor do PD elaborou o “relatório final” de fls. 58 a 64 do mesmo conclui ter o autor praticado infracção disciplinar, e propõe à ré que aplique ao autor a sanção disciplinar de “dois dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição”.

83- Em 25/02/2009, a Comissão de Trabalhadores da ré emitiu o parecer de fls. 65 do PD, no qual conclui “nada ter a opor, concordando assim com as conclusões do Senhor Instrutor do Processo”.

84- Em 02/03/2009, o responsável pela assessoria jurídica e contencioso da ré enviou ao Diretor de Operações de Voo da ré a comunicação escrita cuja cópia se acha a fls. 67 do PD, na qual lhe transmite concordar com as conclusões vertidas no relatório referido em 83.

85- Em 10/03/2009, o Diretor de Operações de Voo da ré proferiu a decisão escrita manuscrita inserta a fls. 67 do PD, que tem o seguinte teor: “Concordo. Remeta-se o processo à assessoria jurídica e contencioso laboral.”

86- Em 11/03/2009, a ré enviou ao autor a carta cuja cópia se acha a fls. 68 do PD, na qual lhe comunica que “por decisão proferida no processo disciplinar em que é arguido, lhe foi aplicada a sanção disciplinar de 02 (dois) dias de suspensão da prestação de trabalho com perda de retribuição.“

87- Juntamente com a carta referida em 86, a ré enviou ao autor cópia do “relatório final” mencionado em 82.

88- O autor recebeu a carta e o documento referidos em 87, no dia 18/03/2009.

89- Não há notícia de que antes da decisão referida em 85 a ré tenha aplicado a algum dos seus pilotos qualquer sanção disciplinar por infracção disciplinar relacionada com atrasos em voos.


III

Conhecendo


1. Enquadramento jurídico

· Na consideração de que a presente ação se iniciou em 25/03/2009, a lei adjetiva laboral aplicável é a decorrente do Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro, alterado pelos Decretos – Leis nºs 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de Março (CPT/2003) [A redação conferida pelo Decreto-Lei nº295/2009 (CPT/2009), em vigor desde 1 de Janeiro de 2010 é apenas aplicável aos processos instaurados a partir desta data. Cfr. Artigos 6º e 9º/1]
· Em termos de aplicação supletiva do regime adjetivo civil [arts. 1º al. e), 81º/5 e 87º/2 do CPT/2003], visto a antedita data da propositura da ação e a data da prolação da decisão ora sob recurso - 8 de maio de 2013 – vale a redação conferida ao Código de Processo Civil pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, sem prejuízo da validade dos atos praticados até 31 de Agosto de 2013, em conformidade com a lei processual que vigorava no momento da sua prática, dizer CPC na redação conferida pelo DL 303/3007 de 24 de agosto (CPC/07). [Art. 5º e 6º da Lei 41/2013 de 26/06]
· Ainda, na consideração da delimitação temporal dos factos sob apreciação [15 de agosto de 2008 e 6 de outubro de 2008], a subsunção jus-substantiva destes ocorrerá à luz do Código do Trabalho de 2003 [Não do CT/2009, visto a ressalva quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente à sua entrada em vigor (17.02.2009), relativos, nomeadamente, a prazos de prescrição e caducidade (Arts. 7º/1, 5º al. b) e 14º da Lei nº7/2009, de 12 de fevereiro)].


2. Nulidades do acórdão recorrido:

2.1. O Acórdão recorrido “decidiu com base em matéria de que não podia tomar conhecimento, incorrendo na nulidade prevista no Art. 668º nº1 al. d) CPC”?

Justifica o Recorrente:
· No acórdão sob recurso afirmou-se que a Ordem de Serviço nº ... deveria continuar a aplicar-se “aos cargos que permanecem na estrutura da empresa, considerando que o Diretor das Operações de Voo seria um deles”;
· Porém, não ficou provado em sítio algum do processo que aquele cargo já existia na estrutura anterior da empresa e que nela se mantinha;
· Pelo contrário, ficou provado que “à data de 14 de julho de 2008, em que foi aprovado o Manual das Operações de Voo, a organização da Ré não compreendia cargos com as designações mencionadas na ordem de serviço de 1993”.
· Destarte, o acórdão decidiu com base em matéria de que não podia tomar conhecimento, incorrendo na nulidade prevista no art. 668º nº1 al. d) do CPC.

Quid iuris?

Incorre o Recorrente numa confusão concetual, se bem se ajuíza.

Dispõe o artigo 668º nº1 al d) do CPC /07:
«1. É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»

No requerimento da arguição, o Recorrente identifica a nulidade com o segmento “falta de pronúncia sobre questão fundamental para a decisão da causa” (Fls.653)

Lidos os itens deixados anotados que enformam o argumento com que o Recorrente suporta a arguição, será de convir no sentido de uma manifesta falta de correspondência entre o alegado e o dispositivo apontado.

Dizer: o Recorrente não faz incidir o vício, que aponta ao acórdão, sobre uma questão  de que - por se integrar no thema decidendum – o Tribunal da Relação indevidamente tenha deixado de conhecer. Reporta, simplesmente, a nulidade, como deflui da antedita resenha, ao uso de factos não-provados, porquanto, como diz, «decidiu com base em matéria de que não podia tomar conhecimento».

Ora, uma coisa é o uso indevido de factos na iuris dictio; outra, ao dizer o direito, o conhecimento de questões que ao tribunal não competia conhecer ou a omissão do conhecimento de questões que, devendo conhecer, deixou de conhecer: ali, o error in iudicando; aqui, a nulidade da decisão.

Na linguagem simples e direta de Alberto dos Reis: «Se (o acórdão) deu como provados factos sobre os quais se não produzira prova, julgou mal; mas julgar mal é espécie diversa de emitir pronúncia sobre questão não suscitada pelas partes»; «Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão». ([3])

Dizer, então: nulidade da sentença e error in iudicando não se confundem.

No caso concreto, do que o Recorrente reclama é deste e não daquela.

Razão por que improcede a nulidade suscitada.


2.2. No Acórdão proferido, o Tribunal da Relação desconsiderou três questões fundamentais suscitadas pelo A. no recurso de apelação: a) Competência para mudar o estacionamento do avião; b) A avaria mecânica da escada que estava encostada ao avião e que foi necessário desviar para que ele saísse do local de estacionamento; c)A omissão daquela avaria, por parte do representante da Ré em Londres, quando apresentou queixa do A., sendo que nenhuma referência a este facto foi feita no relatório do processso disciplinar?

Relativamente à reclamação, no seu todo, o Tribunal da Relação começou por tecer a seguinte consideração:
«Antes de mais esclareça-se que o recurso de apelação foi interposto pela Ré e não pelo A.
O objeto do recurso é determinado pelas conclusões alegatórias do recorrente (Cfr. art. 685-A nº1 e 684º nº3 do CPC) e, com base nesse critério ficou explicitado no acórdão reclamado que o que nele havia a tratar era a reapreciação da questão da falta de competência disciplinar do Diretor de Operações de Voo, maxime a existência ou não de delegação de poderes para esse efeito e, procedendo nessa parte o recurso, haveria que apreciar a licitude da sanção disciplinar aplicada ao recorrido.

           

Num outro passo, prossegue o Acórdão que conheceu da Reclamação:

«No que se refere à alegada omissão de pronúncia, cabe salientar que não eram objeto do recurso as denominadas questões referidas pelo apelado nas suas contra-alegações, a não ser que se contivessem na delimitação resultante das consclusões do recorrente, não constituindo pois questões autónomas.
Questão autónoma suscitada pelo apelado ([4]), era apenas a da caducidade do direito de exercer o poder disciplinar, que foi apreciada no acórdão reclamado. As outras "questões" referidas pelo reclamante não constituem verdadeiras questões no sentido que para o efeito releva. Com efeito, como anota Rodrigues Bastos ([5]), a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 668º «é a nulidade mais frequentemente invocada nos tribunais, pela confusão que constantemente se faz entre "questões" a decidir e "argumentos" produzidos na defesa das teses em presença».
Quando as partes submetem à apreciação do tribunal determinada questão, é usual socorrerem-‑se de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; mas o que importa é que o tribunal decida a questão que lhe foi posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. Importa não confundir factos (fundamentos ou argumentos) com questões (a que se reportam os arts. 660°, nº2 e 668°, n°1, alínea d) do Cód. Proc. Civil). Uma coisa é não tomar conhecimento de determinado facto ou de qualquer argumento invocado pela parte, outra completamente distinta, é não tomar conhecimento de determinada questão submetida à apreciação do tribunal. Os factos materiais são apenas elementos para a solução da questão, mas não são a própria questão (Alberto dos Reis, "Código do Processo Civil Anotado" vol. V, págs. 143 a 145). A omissão e o excesso de pronúncia a que alude o art. 668°, nº 1, alínea d) do Cód. Proc. Civil diz respeito a questões e não a factos. Como refere Lebre de Freitas ([6]) "o Tribunal ( ... ) deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer ( ... )".
Ora, no caso, ultrapassada a questão da delegação de poderes e da competência do Diretor de Operações de Voo para intentar o procedimento disciplinar, o que havia a apreciar era a licitude da sanção aplicada ao A. Aquilo que o reclamante alega que não foi apreciado no acórdão reclamado, são factos e argumentos relevantes para ajuizar da licitude da sanção.»

À sobreposse, o Tribunal da Relação, esclareceu ainda:

«Não obstante não constituírem propriamente questões, na concepção a que aludimos, não deixaram de ser referidas como mostra o seguinte excerto do acórdão: " ... os factos descritos nos nºs 7 a 37 mostram que foi por iniciativa e insistência do A. (apesar de alertado de que isso poderia causar atraso na saída do avião) que o representante da R. junto do terminal 2 do aeroporto de …, no dia 15/8/2008, solicitou e obteve dos serviços BAA/Stand Allocations, a mudança do avião que o A. iria comandar, com destino a Lisboa e partida prevista para as 6h (hora local), da posição 209L para a posição 205, servida por manga (alegadamente para assegurar melhor qualidade do serviço aos passageiros, evitando que percorressem uma distância de 50m). E, na realidade a partida do avião acabou por se atrasar 45m, embora não apenas por esse motivo, visto também ter contribuído para tal (em cerca de 20m) a avaria entretanto verificada na escada de acesso dos passageiros, bem como a resolução desse problema”.

               

                Conclui o mesmo Tribunal:

«O que se constata é que, na realidade, o reclamante manifesta discordância da valoração da globalidade dos factos efetuada pelo tribunal, que é coisa bem diversa da alegada nulidade.»

Quid iuris?

Relembrando o âmbito adjetivo-normativo, nos presentes autos, os recursos de apelação e de revista foram interpostos, respetivamente: o de apelação, em  16 de abril de 2012 (fls.577) ; o de Revista, em 4 de junho de 2013 (fls.651). Vale dizer, foram interpostos um e outro na vigência da redação anterior à conferida ao CPC pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.

 No acórdão, que em parte se deixou transcrito, delimita-se, se bem se interpreta, o objeto do recurso às «conclusões alegatórias do recorrente (Cfr. art. 685-A nº1 e 684º nº3 do CPC)» e, por via disso, quer à questão autónoma da caducidade do direito de exercer o poder disciplinar, quer, na procedência desta, à apreciação da licitude da sanção disciplinar cominada.

Sendo correta, como é, aquela invocação normativa já a delimitação objetiva do recurso sê-lo-á ou não.

Na verdade, não se pode olvidar a possibilidade da ampliação do âmbito do recurso seja com referência ao caso de «pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, (em que) o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necesidade da sua apreciação», seja ainda com referência ao facto de o mesmo recorrido  «na respetiva alegação e a título subsidiário, (poder) arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas» (Art. 684º-A nºs 1 e 2 do CPC)

Diz a este propósito Abrantes Geraldes:

«É verdade que, mais do que os fundamentos, o importante para a parte que deduz uma pretensão ou que a contradita é o resultado final que fica condensado na conclusão da sentença. Daí que, não sendo esta impugnada e traduzindo-se o interesse em discussão no modo como foi acolhido na decisão, com os efeitos delimitados pelo caso julgado assim formado, é indiferente para a parte vencedora a eventual rejeição de algum ou mesmo de todos os fundamentos que tenha invocado para sustentar a sua posição, tal como lhe é indiferente a omissão de pronúncia sobre os argumentos determinada pela inocuidade em face da concreta resposta judiciária.

Não assim quando a parte vencida, na perspetiva do resultado final da ação, interponha recurso da decisão.  Nesta eventualidade, já não é indiferente para a contraparte a resposta que o tribunal a quo deu ou deveria ter dado aos fundamentos de facto ou de direito por si invocados. Na verdade, se acaso o tribunal ad quem reconhecer razão aos fundamentos invocados pelo recorrente, pode revelar-se importante para a defesa dos interesses do recorrido que também se pronuncie sobre as questões que oportunamente esgrimiu e que foram objeto de resposta desfavorável» ([7])

Sob o leit-motiv de «uma visão integrada dos interesses em causa», Cardona Ferreira, com sentido doutrinário similar ao antedito, pondera que, sendo embora, a regra formal o conhecimento apenas do que «o recorrente inserir nas sua conclusões, salvo questões de conhecimento oficioso», não é menos certo que «o recorrido pode requerer, ao contra-alegar, que o tribunal ad quem conheça também, a matéria relativa a qualquer fundamento, da sua pretensão, que não tenha procedido no tribunal a quo, embora tenha sido vencedor quanto à sua pretensão de fundo», verificando-se situação similar «quanto à arguição de nulidade da sentença ou impugnação fáctica», sendo certo, porém, no que a esta concerne, que «a rediscutibilidade da matéria de facto deve ser articulada, designadamente com o artigo 712º», implicando para o arguente «o ónus a que se reporta o artigo 685-B, mutatis mutandis». ([8])

Decorrem, pois, da norma ínsita no artigo 684º-A do CPC – Art. 636º do NCPC – três possibilidades para o recorrido lograr a ampliação do âmbito do recurso: (i) No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, requerendo, a título subsidiário, o conhecimento do fundamento em que decaiu, assim prevenindo a necessidade da sua apreciação; (ii) Arguir, na respetiva alegação e a título subsidiário, a nulidade da sentença; (iii) Impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.

Nenhuma destas situações encontra respaldo nas contra-alegações de recurso de apelação oferecidas pelo ora Recorrente.

Definiu o tribunal de 1ª Instância como constituindo questões a conhecer:

«a) Qual o direito aplicável ao caso dos autos?

 b) As decisões de abertura do procedimento prévio do inquérito, de conversão do mesmo em procedimento disciplinar e a decisão final deste último, com a consequente aplicação de sanção disciplinar ao autor foram proferidas por um diretor da ré que não tinha competência para exercer a ação disciplinar?

c) Ocorreu a caducidade do exercício do poder disciplinar?

d) O autor praticou as infrações disciplinares que lhe foram imputadas?

e) Em caso afirmativo, a sanção aplicada pela ré é desproporcionada à gravidade e consequências daquelas infrações?»

Conhecendo da questão «Da falta de poder disciplinar», aquele Tribunal concluiu no sentido de que a sanção disciplinar aplicada ao autor era «juridicamente inexistente, por absoluta falta de poder disciplinar», vindo, a final, a proferir decisão na qual, na procedência da ação, declarou inexistente e de nenhum efeito a sanção disciplinar aplicada pela ré ao autor. [Fls. 502-520]

Em face da clareza desta fundamentação e decisão, torna-se óbvio que o tribunal conheceu apenas de um fundamento da ação, e apenas de um na justa medida em que os demais ficaram prejudicados.

Do que flui, igualmente, que o ora Recorrente, objetivamente, não soçobrou ou decaiu no tribunal da prolação da primeira decisão, objeto do recurso de apelação.

E se, por aqui, fica afastada a primeira das situações passíveis da ampliação recursiva, conclusão de igual sentido se retirará da leitura das contra-alegações apresentadas em sede de apelação.

Delas se recolhe que o ora recorrente – então, recorrido - não só não arguiu, aí, qualquer nulidade da sentença como se conformou, por inteiro, com a decisão proferida pelo tribunal a quo na questão de facto (maxime, fls.557, 563).

Destarte, em face de uma inexistente ampliação recursiva (por parte do recorrido), prevaleceria a regra do conhecimento, no Tribunal da Relação, do objeto do recurso delimitado pelas conclusões do recurso interposto.

Daqui, o acerto, que se acompanha, na explicitação produzida pelo Tribunal da Relação, nas referências a que «o recurso de apelação foi interposto pela Ré e não pelo A.», «O objeto do recurso é determinado pelas conclusões alegatórias do recorrente», enfim que  «não eram objeto do recurso as denominadas questões referidas pelo apelado nas sua contra-alegações, a não ser que se contivessem na delimitação resultante das consclusões do recorrente, não constituindo pois questões autónomas»

Importará, de todo o modo, referir ainda.

Diz o Recorrente ter suscitado «três questões fundamentais» - enunciadas na identificação do presente item - que o Acórdão recorrido não tomou em consideração.

Vendo o articulado das Contra-alegações – fls.555 a 566 – constata-se ter o autor/recorrido no grupo II, subordinado ao título «Apreciação dos fundamentos do recurso do recorrente»,  tomado em linha de consideração as questões relativas ao «Pedido de alteração da matéria de facto» (2.1), à «Exigência da delegação de poderes nos atuais estatutos da recorrente e no Manual de Operações de Voo» (2.2) , e ao «Instituto da delegação de poderes».

Já no grupo III, o A./ recorrido, considerou o «Voo TP ... de Londres para Lisboa» (3.1), e o «Voo TP … de ... para Lisboa» (3.2).

Lidos os II e III grupos não se vê onde o ora Recorrente tenha suscitado qualquer questão relativa à «Competência para mudar o estacionamento do avião».

Diz é certo, no ponto 3.1 «não pode o recorrido ser censurado pelo atraso com que partiu o voo TP ..., porquanto apenas pretendeu garantir que a empresa prestasse um melhor serviço aos passageiros evitassem que andassem ao frio e com insegurança na placa do aeroporto de …, havendo tempo suficiente para cumprir o horário de saída, como o comprova a autorização para a mudança do avião para manga próxima pela BBA/Stand Allocarions solicitada pelo representante da recorrente em Londres, única pessoa com legitimidade para aceder àquela autoridade e solicitar a mudança de manga, o que apenas foi sugerido pelo recorrido (Pontos 8 a 22  da matéria de facto)»

Mas logo acrescenta: «O que determinou o atraso na saída foi tão só a inesperada avaria da escada de acesso ao avião, facto completamente desconsiderado no processo disciplinar e alheio por completo ao recorrido».

Vale dizer: de modo algum poderá entender-se que o ora recorrente tenha suscitado – rectius, autonomizado – uma questão relativa à competência para mudar o estacionamento do avião. Muito menos, como pretende, que tenha «pedido» a avaliação  das competências e da autoridade do representante  da ré em Londres. (fls. 692)

Limitou-se a fazer uma referência incidental no momento em que o seu primigénio propósito era o de fazer ver que «o que determinou o atraso na saída foi tão só a inesperada avaria da escada de acesso ao avião».

Neste conspeto, de modo impróprio e sem fundamento fala o Recorrente em «desconsideração de questão fundamental» por parte do Tribunal da Relação.

Já no que concerne à apontada  «avaria mecânica da escada que estava encostada ao avião e que foi necessário desviar para que ele saísse do local de estacionamento», foi, seguramente, ponto vertido nas contra-alegações, no item 3.1.

A razão de censura, por parte do A., prendia-se com o facto de que, no relatório do processo disciplinar e na sanção aplicada, tinha sido completamente ignorada a avaria da escada de acesso ao avião, «problema que motivou um atraso de cerca de 20 minutos a resolver», o que o Recorrente igualmente referiu no dito ponto 3.1.

Certo, todavia, que o facto foi levado ao acervo comprovado [Factos 25 e 26]

Não menos certo, ainda, é que o mesmo foi tomado em consideração no acórdão agora sub iudicio: « …na realidade, a partida do avião acabou por se atrasar 45m, embora não apenas por esse motivo, visto também ter contribuído para tal (em cerca de 20m) a avaria entretanto verificada na escada de acesso dos passageiros, bem como a resolução desse problema».

Tal consideração não constituiu dirimente da censura disciplinar para o Tribunal da Relação, quando, na ponderação da violação do dever convencional de «velar pela salvaguarda do prestígio interno e internacional da empresa», concluiu no sentido da justificação da sanção cominada.

Entenderá o Recorrente que o Tribunal da Relação sopesou de modo inadequado a interferência negativa da avaria da escada?

A questão colocar-se-á em sede de meritis, não de nulidade por omissão de pronúncia.

Carecem, assim, de fundamento as questões suscitadas em termos de nulidade por omissãode pronúncia.

3. Nulidade da sanção disciplinar:
3.1 Falta de competência disciplinar do Director de Operações de Voo [Alíneas A), B), C), D), E), F), G) das Conclusões ]

No desiderato de ver declarada inexistente ou nula a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, o Recorrente, arrimado na decisão proferida em 1ª Instância, bate-se no sentido de ver, de novo, reconhecida a incompetência disciplinar por parte do Diretor de Operações de Voo [DOV], invocando em sede argumentativa, e em síntese: (i) a R. não demonstrou, como lhe cabia, que o DOV da empresa tinha poder delegado do Vice-Presidente do Conselho de Administração Executivo da empresa para aplicar a sanção disciplinar; (ii) a Ordem de Serviço nº ... tinha caducado com o desaparecimento do antigo Conselho de Administração da Ré e a sua substituição, a partir de 2006, por um novo órgão o conselho de administração executivo; (iii) só o Conselho de Administração Executivo é o detentor originário do direito potestativo de exercer o poder disciplinar na empresa e no caso vertente não foi ele que o aplicou, nem emitiu qualquer ato de delegação; (iv) exigindo, expressamente, o Manual das Operações de voo [MOV] um ato de delegação de poderes, do Vice-Presidente do conselho executivo, ao tempo o Senhor BB, para atribuir competência disciplinar ao DOV, não se provou tal ato de delegação.

O quadro fáctico que suportou as decisões (divergentes) adotadas pelos Tribunais de 1ª e 2ª Instâncias, alinha-se, na parte pertinente, nos seguintes termos:
«2- Em 04/06/1993, o Conselho de Administração da ré emitiu a “Ordem Geral de Serviço nº ...” cuja cópia se acha a fls. 231 a 238, na qual fez constar como “assunto” os dizeres “Disciplina”, e estabelece o que segue:
“A – COMPETÊNCIA DISCIPLINAR
1. São competentes para instaurar processos de inquérito ou disciplinares, contra os respetivos subordinados e dentro das suas hierarquias, o Conselho de Administração e seus Membros, bem como os Diretores-Gerais, Diretores-Gerais Adjuntos, Diretores Autónomos, Diretores de Serviços e Chefes de Serviços em exercício efetivo de funções, os Delegados e os Chefes de Escala, sem dependência hierárquica do Delegado respetivo.
2. (...)
3. (...)
4. Sem prejuízo de a competência disciplinar dos superiores hierárquicos envolver sempre a dos inferiores hierárquicos, têm competência para a aplicação de sanções disciplinares:
a) Despedimento – Conselho de Administração
b) Mais de 10 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição, Diretor-Geral, Diretor-Geral Adjunto e Diretor Autónomo;
c) Até 10 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição, Diretor e Delegado;
d) Até 3 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição – Chefe de Serviço e Chefe de Escala sem dependência hierárquica do Delegado respetivo.
(...)”
3- Em 12/10/2006, a ré nomeou o Sr. Comandante CC para exercer as funções de Diretor de Operações de Voo.
4- Em 14/07/2008, a ré aprovou o Manual de Operações de Voo cuja cópia se acha a fls. 307 a 310, e cuja tradução consta de fls. 301 a 306, que estipula, nomeadamente:
O Diretor de Operações de Voo, por delegação do Vice-presidente Executivo para as Operações de Voo, é responsável pela aplicação de sanções disciplinares ao pessoal das operações de voo”.

5- À data referida em 4, a ré regia-se pelos estatutos cuja cópia se acha a fls. 247 a 261.
6- À data referida em 4, a organização da ré não compreendia cargos com as designações mencionadas na ordem de serviço designada em 2.»

No tribunal da 1ª Instância, foi a seguinte a fundamentação jurídica emprestada à questão sob apreço:
«Como se afere da factualidade apurada, no caso vertente todas as decisões relevantes relativas ao exercício do poder disciplinar, a saber, a abertura do procedimento prévio de inquérito para apurar a relevância de factos imputados  ao A., a conversão do procedimento prévio de inquérito em procedimento disciplinar, e a decisão final, que determinou a aplicação ao autor da sanção de dois dias de suspensão com perda de retribuição, foram proferidas pelo diretor de operações de voo da R. ([9])
O A. questiona a competência do diretor de operações de voo da R. em matéria disciplinar, pelo que cumpre aferir se o mesmo a detém.
Da factualidade provada consta que em 04.06.1993, o conselho de administração da R. emitiu a ordem de serviço nº..., na qual estabeleceu as seguintes regras de exercício da ação disciplinar:[…….] [Ponto 2 dos factos provados]
Porém, não resultou provado que o cargo de diretor de operações de voo corresponda a algum dos cargos referidos nesta ordem de serviço, ([10])
Daqui resulta que à luz desta ordem de serviço não pode considerar-se que o diretor de operações de voo disponha de competência para determinar a abertura de procedimento prévio de inquérito ou de procedimento disciplinar, e muito menos para decidir aplicar sanções disciplinares a trabalhadores da R.
Contudo, provado ficou também que mais tarde, em 14.07.2008, a R. aprovou um Manual de Operações de Voo, no qual determina que «o Diretor de Operações de Voo, por delegação do Vice-Presidente Executivo para as operações de voo, é responsável pela aplicação de sanções disciplinares ao pessoal das operações de voo» ([11])
Esta disposição do Manual de Operações de Voo da R. convoca expressamente a figura da delegação de poderes.
Como é sabido, a delegação de poderes é uma figura tipica do direito administrativo, e mereceu consagração no artigo 35º do Código de Procedimento Administrativo.
E “segundo a doutrina hoje mais generalizada trata-se de um ato pelo qual um órgão transfere para outro o poder de exercício normal de uma competência cuja titularidade lhe pertence (primária ou originariamente)”. ([12])
No caso vertente, a R. sustentou que o próprio Manual de Operações de Voo contém uma delegação de poderes no Diretor de Operações de Voo abrangendo os atos necessários ao exercício do poder disciplinar sobre o pessoal das operações de voo, incluindo os pilotos.
Não acompanhamos este entendimento.
Com efeito, como ensinam os autores já citados, “a delegação carece, para se tornar operante, de um ato de delegação: não basta nem a sua previsão normativa, nem uma medida ou ordem informais que permitam ao delegado exercer certa competência”.
No caso vertente, o citado trecho do Manual de Operações de Voo contém uma clara previsão normativa abstrata de delegação de poder disciplinar, mas não constitui, de forma alguma um ato de delegação de poderes.
Mas, mesmo que assim não fosse, e se entendesse que tal disposição constitui um ato válido e eficaz de delegação de poderes, sempre teríamos que atender à circunstância de aquele manual se reportar a uma delegação de poderes do vice-presidente executivo da R.
Ora, analisados os estatutos da R. vigentes à data em que tal Manual de Operações de Voo foi aprovado ([13]) não descortinamos nos mesmos qualquer disposição que confira ao vice-‑presidente executivo da R. competência para mandar instaurar procedimentos disciplinares e no culminar dos mesmos aplicar sanções disciplinares.
Com efeito, de acordo com os referidos Estatutos, a R. é administrada por um Conselho de Administração Executivo, a quem compete administrar a R., obrigando-se mediante a assinatura de dois administradores, ou por um deles, mediante delegação de poderes conferida pelo referido conselho (arts. 12º e 15º dos Estatutos da R.)
Simplesmente, como os Estatutos não atribuem ao vice-presidente executivo competências próprias, nem a R. demonstrou ter o conselho de administração executivo delegado no primeiro a competência para o exercício da ação disciplinar, forçoso será concluir que uma eventual delegação do vice-presidente no Diretor de Operaçõe de Voo seria ineficaz ou mesmo juridicamente inexistente, por falta de competência (própria ou delegada).
Dito de outra forma: não tendo o vice-presidente executivo da R., à data, competência própria em matéria disciplinar, nem tendo a R. demonstrado que o conselho de administração executivo nele delegou poderes nessa matéria, forçoso será considerar que uma eventual delegação de poderes do mesmo vice-presidente no Diretor de Operações de Voo nenhum efeito jurídico poderia produzir.
Nesta conformidade, concluímos que o diretor de operações de voo que determinou a abertura do procedimento prévio de inquérito, e a conversão deste em procedimento disciplinar, e que, no culminar do mesmo procedimento, decidiu aplicar ao A. a sanção disciplinar que este veio impugnar, não dispunha de competência para tal.
Tal significa que a sanção disciplinar aplicada ao A. é jurídicamente inexistente, por absoluta falta de poder disciplinar. ([14])
O ato juridicamente inexistente não produz quaisquer efeitos.
E a inexistência jurídica constitui um vício de conhecimento oficioso, que pode e deve ser apreciado pelo tribunal, ainda que nenhuma das partes o invoque. ([15]

Dissentindo, o Tribunal da Relação de Lisboa perorou sob a seguinte argumentação:
«(…) apesar de a Ordem Geral de Serviço nº ..., emitida pelo Conselho de Administração da R. não mencionar especificamente o Diretor de Operações de Voo, e, além do mais, estar ainda assente que, em 14/7/2008, a organização da R. não compreendia cargos com as designações mencionadas na referida Ordem Geral de Serviço nº ..., não se descortina qualquer razão válida que permita afirmar perentoriamente que o Diretor de Operações de Voo não cabe no conceito mais amplo de Diretor de Serviços que é referido no nº 1 ou simplesmente no de Director, referido na al. c) do nº 4 da dita Ordem Geral de Serviços. Tal Ordem Geral de Serviços, contendo orientações genéricas sobre a repartição do poder disciplinar pela estrutura dirigente da empresa, procede a essa repartição em termos abstratos, obviamente, de acordo com a estrutura dirigente à data existente. Embora alguns dos cargos previstos na referida Ordem Geral de Serviços tivessem entretanto deixado de existir (como resulta do que consta do ponto 6), não é seguramente o caso do cargo de Diretor, entre os quais se conta, sem dúvida, o Diretor de Operações de Voo. Não vemos, pois, razões para considerar que a mencionada Ordem Geral de Serviços não seja aplicável no caso vertente, não se acompanhando assim o Sr. Juiz recorrido quanto à conclusão que, a nosso ver indevidamente, consignou sob a al. l) dos factos não provados.

Em nosso entender a referida Ordem Geral de Serviços continua em vigor relativamente aos cargos que permanecem na estrutura da empresa, pelo que o Diretor de Operações de Voo, sendo um dos cargos de Diretor nela em abstrato previstos, detinha competência quer para ordenar a instauração do inquérito prévio, quer para o convolar em procedimento disciplinar e ainda para a aplicação da sanção, já que esta cabia dentro dos limites definidos na al. c) do nº 4.
Além do mais, também nos termos do Manual de Operações de Voo, aprovado em Julho de 2008, é atribuída ao Diretor de Operações de Voo competência para exercer o poder disciplinar e aplicar as pertinentes sanções ao pessoal de voo (entre o qual se conta o A., como piloto). É certo que aí se refere que tal poder é conferido por delegação do Vice-Presidente Executivo para as operações de voo. Apesar de a figura da delegação de poderes ser típica do direito administrativo, não cremos, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que sejam inteiramente aplicáveis as normas de direito administrativo, designadamente as previstas nos art. 35º a 41º do Código do Procedimento Administrativo, porquanto, ainda que a R seja uma empresa de capitais maioritariamente públicos (art. 1º, nº 1, do DL 312/91, de 17/8), não cabe na previsão do nº 2 do art. 2º deste código, que não lhe é aplicável. Foi transformada pelo citado DL em sociedade anónima, regendo-se pelas normas reguladoras das sociedades anónimas, pelas normas especiais cuja aplicação decorra do seu objeto social e pelos respetivos estatutos.
Contrariamente ao que entendeu o Sr. Juiz recorrido, afigura-se-nos que quando o Manual de Operações de Voo estipula que, “o Diretor de Operações de Voo, por delegação do Vice- ‑Presidente Executivo para as Operações de Voo, é responsável pela aplicação de sanções disciplinares ao pessoal das operações de voo” não estamos em presença de uma previsão normativa abstrata de delegação de poder disciplinar, mas de um verdadeiro ato de delegação de poderes. Atente-se no que referem os autores citados  “O ato de delegação, quando respeita ao exercício em abstrato da competência pelo delegado, comporta-se como um ato normativo – ou, fazendo apelo à conhecida classificação da doutrina italiana, como um ‘ato com conteúdo indiretamente normativo’, isto é, um ato que, não contendo normas jurídicas, um dever-ser, se destina contudo a tornar aplicáveis normas anteriores – porque o seu efeito é operar uma ‘redistribuição’ de competência normativamente fixada.” Entendemos assim que a referida estipulação do Manual de Operações de Voo constitui um ato (ainda que possa ser de conteúdo indiretamente normativo) de delegação de poderes disciplinares no Diretor de Operações de Voo. É certo que refere ser por delegação do Vice-Presidente Executivo para as operações de voo e dos estatutos da R. juntos a fls. 247/261  não resulta sequer a existência, mas a mera possibilidade de existência, de um vice-presidente, nem tampouco que este tenha competências próprias. Ou seja, a R. não fez prova direta de que tivesse sido designado um vice-presidente e que lhe tivessem sido delegadas pelo Conselho de Administração Executivo as funções de exercer o poder disciplinar. Mas, se o Manual de Operações de Voo o prevê, é seguramente porque isso sucedeu, podendo-se, com grande probabilidade, extrair deste facto aquela ilação. Em todo o caso, porque o Manual de Operações de Voo foi aprovado pela R. (entenda-se pelo respetivo Conselho de Administração Executivo), se bem que seja de admitir que nos termos do art. 12º nº 2 dos respectivos estatutos aquele Conselho de Administração Executivo tivesse delegado no Vice-Presidente o exercício do poder disciplinar, importa reconhecer, nos termos das disposições conjugadas dos art. 431º nº 3 e 407º nº 8 do Código das Sociedades Comerciais, que tal delegação não exclui a competência para tomar resoluções sobre os mesmos assuntos, pelo que a delegação da competência disciplinar no Diretor de Operações de Voo efetuada através do Manual de Operações de Voo é válida.
Não acompanhamos pois a conclusão a que chegou o Sr. Juiz recorrido de que o Diretor de Operações de Voo, ao determinar a abertura de procedimento prévio de inquérito, a conversão deste em procedimento disciplinar e ao aplicar a sanção disciplinar que o A. veio impugnar não tinha competência para tal, e por isso a sanção seria juridicamente inexistente. Nos termos do art. 365º nº 2 do CT de 2003 (o aplicável, atento o preceituado pelo art. 7º nº 1 e nº 5 al. b) e c) da L.7/2009, de 12/2) o poder disciplinar tanto pode ser exercido diretamente pelo empregador como pelo superior hierárquico do trabalhador, nos termos por aquele estabelecidos”. No caso estava estabelecido que esse poder competia ao Diretor de Operações de Voo.

Nesta parte procede pois o recurso, havendo que revogar a decisão.»

Lidos os fundamentos de uma e outra decisões, acolhemos  e aderimos à argumentação expendida  no Acórdão sob recurso.

Dê-se nota, aliás, que a questão da falta de competência disciplinar no Diretor de Operações de Voo (DOV), maxime a existência, ou não, de delegação de poderes para esse efeito, escapou à defesa deduzida pelo Recorrente, quer no decurso do procedimento disciplinar, quer mesmo no peticionado inicial do presente Processo declarativo especial de impugnação judicial de decisão disciplinar.

Na verdade, lidos os artigos 4º, 6º e 10º , não deixou o Recorrente de neles  referir «o superior hierárquico que exerceu o poder disciplinar», reportando-se ao DOV.

Sendo certo, embora, que naquele articulado, solicitou ao Tribunal que ordenasse à  Requerida «a junção …do despacho de delegação de competência e poderes de administração da TAP Portugal, no superior hierárquico do requerente, Comandante CC, que aplicou a sanção disciplinar ao requerente», apenas no Requerimento junto a 7 de setembro de 2011 (Fls.244 a 246) viria a pôr em causa  quer a validade da Ordem de Serviço nº ..., quer a existência de uma deliberação prévia do Conselho de Administração Executivo da empresa, com a intervenção do respetivo Vice-Presidente Executivo, para a outorga de poderes disciplinares ao Diretor de Operações de Voo, conforme previsto no Manual de Operações de Voo.

Refere-se a omissão no decurso do procedimento disciplinar, na ideia de que logo aí, seria razoável, com vista à dissipação de quaisquer dúvidas que no Recorrente pudessem subsistir,  que este pudesse exigir a justificação dos poderes delegados tal como para situação similar – dizer, delegação de poderes num procurador – o artigo 260º nº1 do Código Civil o previne.

Curiosamente, dê-se conta ainda, que no Parecer emitido pela Comissão de Trabalhadores da TAP Portugal, deflui que, a este respeito, quanto à competência disciplinar delegada do DOV, nenhuma dúvida se suscitou.

O acolhimento da tese seguida no Acórdão da Relação assenta, essencialmente, na divergência da fundamentação base que suporta as decisões em confronto: enquanto na 1ª Instância, como na argumentação recursiva, prevalece a ideia da aplicabilidade do Código de Procedimento Administrativo ([16]), já na decisão sob recurso, a que se adere, o acento tónico coincide com a regência da sociedade anónima pelas normas da lei comercial.

Destacando-se, aqui, a norma que prevenindo a delegação de poderes (407º do Código das Sociedades Comerciais), dispõe que «1. A não ser que o contrato de sociedade o proiba, pode o conselho encarregar especialmente algum ou alguns administradores de se ocuparem de certas matérias de administração.»

No fundo, uma espécie de delegação de competências e/ou uma transferência de poderes dentro do mesmo ente, em que «o ato constitutivo da delegação é uma simples deliberação do conselho de administração com esse objeto» ([17])

Em perspetiva mais pormenorizada, acompanha-se sem necessidade de outros considerandos o exposto na fundamentação jurídica do Acórdão, no que concerne à validade da Ordem de Serviço nº…/19… ( e consequente inaplicabilidade da norma ínsita no artigo 40º al.b) do Código do Procedimento Administrativo), à delegação de poderes que, de todo o modo, decorre do Manual de Operações de Voo. ([18])

Com o acolhimento que se deixa expresso, soçobra a pretensão do Recorrente em ver repristinada a decisão da 1ª instância.
3.2 Violação do princípio do contraditório [Alínea M) das Conclusões]

Alega o Recorrente ter sido sancionado com base no facto constante do relatório do processo disciplinar, quanto ao voo de ... para Lisboa, do dia 6 de outubro de 2008, por não se ter queixado ou participado de um Colega, que por ter adormecido no hotel em ..., terá provocado um atraso na saída da tripulação do hotel para o aeroporto, quando este facto não constava da nota de culpa que lhe foi enviada, não se tendo podido defender dele e havendo portanto violação do princípio básico do contraditório, previsto no Artº 371º do Código do Trabalho, o que determinaria sempre a nulidade da sanção disciplinar aplicada.

No seu douto Parecer, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto dá conta de que «esta questão não foi ponderada no âmbito da decisão recorrida, pelo que a mesma se apresenta como uma questão nova».

Insiste o Recorrente, todavia, no sentido de que «tal questão não tem nada de nova», na justa medida em que «integrava já os artºs. 149º e 150º da sua petição inicial, bem como a sua contra-alegação de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, a pág.11, bem como a alegação de revista, a pág. 38»

Dizer: o Recorrente ao afirmar que a questão não é nova alicerça-se nos articulados com que oportunamente municiou a ação.

Não aponta, porém, onde, em qualquer das instâncias recorridas, a questão haja sido considerada e objeto de decisão.

Aqui, o punctum pruriens.

De facto, na 1ª como na 2ª Instâncias, o thema não foi objeto de específica consideração.

Omissão de pronúncia, em particular no que concerne ao Acórdão, agora  sob recurso?

A entendê-lo assim, o Recorrente conhecia o meio próprio para alcançar a apreciação e decisão pretendidas, na justa medida em que o utilizou quando reclamou das nulidades do Acórdão do Tribunal da Relação, nomeadamente por omissão de pronúncia (Supra III, 2). Não o tendo feito, na concreta questão sob apreço, sibi imputet.

Certo, porém, como emerge do antedito Parecer, e como vem sendo afirmação constante deste Supremo Tribunal, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais, ou seja, visam obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não criar decisões sobre matéria nova, salvo às que respeitem a questões de conhecimento oficioso, exceção não verificável in  casu.

Destarte, a entender-se verificada uma omissão de pronúncia, não tendo sido arguida, expressa e separadamente, no requerimento interposição do recurso a invocada nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação, está vedado a este Supremo Tribunal de Justiça o seu conhecimento, dizer também o conhecimento da questão suscitada pelo Recorrente.


4. Caducidade do poder disciplinar quanto às infracções imputadas ao A.[Alíneas H) e I) das conclusões]

                A partir da dupla afirmação de que: (i) foi ultrapassado o prazo de 30 dias (412º CT/2003) entre as suspeitas de irregularidades, conhecidas pelo superior hierárquico do Recorrente, em 18 de Agosto de 2008 e o início, em 23 de setembro de 2008, do processo de inquérito; (ii) outrossim, foi ultrapassado o prazo de 60 dias (372º/1 CT/2003) sobre o conhecimento, em 18 de setembro de 2008, dos factos ocorridos no voo de Londres, e a notificação ao Recorrente, em 28 de novembro de 2008, da nota de culpa, conclui o Recorrente no sentido da caducidade logo com referência à instauração do procedimento, de igual modo com referência ao exercício da ação disciplinar.  

                No conhecimento da questão, ponderou o Tribunal da Relação:

«Dispõe o art. 372º nº 1 que “o procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”. Trata-se de um prazo de caducidade, atento o disposto pelo art. 298º nº 2 do CC. Nos termos do art. 411º nº 3 “a comunicação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos no art. 372º”. Por sua vez o art. 411º estabelece que “a instauração de procedimento prévio de inquérito interrompe os prazos a que se refere o nº 4 do artigo anterior, desde que, mostrando-se aquele procedimento necessário para fundamentar a nota de culpa, seja iniciado e conduzido de forma diligente, não mediando mais de 30 dias entre a suspeita da existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa”.

Ora, no caso, verifica-se que o inquérito prévio era necessário para fundamentar a nota de culpa, não se vê motivo para afirmar que não tivesse sido conduzido de forma diligente (atenta a multiplicidade de pessoas com intervenção no processo, mercê da complexa estrutura da empresa), não decorreram mais de 30 dias entre o conhecimento dos factos pelo DOV e a decisão de ordenar o inquérito (cfr. nºs 67 e 68), nem entre a conclusão deste e a notificação da nota de culpa ao trabalhador (cfr. nºs 71 a 77), pelo que o prazo de caducidade do exercício da acção disciplinar se interrompeu em 23/9/2008, não tendo, por conseguinte ocorrido a invocada caducidade. O exercício da acção disciplinar reporta-se à data da instauração do inquérito prévio, tendo pois sido perfeitamente tempestivo.

Quanto a este fundamento da acção, não reconhecemos razão ao A.»

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto assenta a carência de razão do Recorrente no facto de que «o Diretor de Operações de Voo, único que importa ter em conta por ser ele o detentor do poder disciplinar tomou conhecimento dos factos imputados ao A. em 18.09.2008, tendo determinado em 23.09.2008 (pontos 67 e 68 da matéria de facto) a abertura do processo de inquérito, o qual , em 4.11.2008 foi declarado encerrado pelo intrutor respetivo, tendo a nota de culpa sido recebida pelo Recorrente em 28.11.2008 (Pontos 71 e 77 da facticidade assente)», sendo certo ainda, como diz, que «o inquérito mostra-se conduzido de forma diligente».

Na mesma linha de pensamento se pronunciou a Recorrida: «O conhecimento relevante para efeitos do art.º 412º do CT2003 é o do superior hierárquico que detenha competência disciplinar, já que o de outros superiores hierárquicos sem aquela competência, não pode produzir qualquer efeito caducante, tal como não pode produzir qualquer efeito disciplinar»

Cumpre conhecer.

No que concerne à instauração do procedimento, dispõe o artigo 412º CT2003:

«A instauração do procedimento prévio de inquérito interrompe os prazos a que se refere o nº4 do artigo anterior, desde que, mostrando-se aquele procedimento necessário para fundamentar a nota de culpa, seja iniciado e conduzido de forma diligente, não mediando mais de trinta dias entre a suspeita de existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa.»

De sua vez, relativamente ao exercício da ação disciplinar, dispõ o artigo 372º/1 do daquele mesmo diploma legal:

«O procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.» ([19])

Vistos os factos e tendo presentes as normas deixadas transcritas será de considerar excedido o prazo de 30 dias para procedimento?

O Recorrente não põe em causa que os factos relativos ao voo TAP nº..., ocorridos em 15 de agosto de 2008, chegaram ao conhecimento do Diretor de Operações de Voo, em 18 de setembro de 2008. [Resposta , fls.867).

Resulta, de igual passo, da factualidade provada que, em «Em 23 de setembro de 2008, o DOV enviou ao Diretor de Recursos Humanos da R. a “comunicação interna”…na qual lhe transmite o seguinte: «Determino abertura do processo de inquérito com base na CI 69 de 18 de setembro de 2008 do Piloto Chefe».

Manifestamente, pois, entre o conhecimento da eventual prática de infração disciplinar e a instauração do procedimento não mediou tempo superior a 30 dias.

Sendo certo, como bem assinalam o Exmo Procurador-Geral Adjunto e a R., e sem necessidade de quaisquer lucubrações exegéticas, que a suspeita e/ou o conhecimento relevante a definir o termo a quo do transcrito art.º 412º  apenas pode dizer respeito  a quem detenha competência disciplinar.

Neste sentido o acórdão desta Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-12-2013, Recurso n.º 989/11.4TTPRT.P1.S1:

«O início do procedimento disciplinar ocorre quando a entidade empregadora, ou o órgão a quem compete o exercício da acção disciplinar na empresa, manda agir disciplinarmente, seja através de inquérito prévio, seja através da elaboração de nota de culpa dirigida a um trabalhador.»

De igual passo, não pode ter-se por excedido o prazo de 30 dias entre a conclusão do inquérito e a notificação da nota de culpa, visto a data da emissão do relatório, 4 de novembro de 2008 e o recebimento pelo A. da nota de culpa, em 28 de novembro de 2008 [Factos Provados 71 e 77]

Soçobra, pois o Recorrente no que concerne ao alegado excesso de prazo para procedimento.

A fortiori, no que concerne ao invocado excesso de prazo para o exercício da ação disciplinar.

Com efeito, conforme corretamente referido no Acórdão sob recurso, «o exercício da acção disciplinar reporta-se à data da instauração do inquérito prévio».

Sendo certo que, como decorre do citado artigo 412º, «a instauração do procedimento interrompe os prazos a que se refere o nº4 do artigo anterior», ou dizer interrompe quer o prazo de 60 dias a contar do conhecimento da infração (372º/1) quer o prazo de um ano a contar da prática da infração (372º/2) ([20]).

Se a instauração do procedimento prévio de inquérito interrompe, então, nos termos dos artigos 323º e ss do Código Civil, uma vez verificada a interrupção, inutiliza-se o tempo decorrido anteriormente como, ainda,  o prazo interrompido se mantém – não corre – durante o período a que se refere o artigo 327º do Código Civil.

Adverte, todavia, PEDRO ROMANO MARTINEZ: «O prazo interrompe-se mas a duração desta interrupção não deve ser excessiva: trinta dias até ao início do inquérito e outros trinta dias desde a conclusão do inquérito para a notificação da nota de culpa. O período para a duração do inquérito não está fixado, mas deve ser célere tendo em conta a obrigação de iniciar e conduzir o inquérito de forma diligente.» ([21])

Sobre esta exigência de diligência  - e correlata observância in casu -, referiu-se em termos bastantes o Acórdão sob recurso: «no caso, verifica-se que o inquérito prévio era necessário para fundamentar a nota de culpa, não se vê motivo para afirmar que não tivesse sido conduzido de forma diligente (atenta a multiplicidade de pessoas com intervenção no processo, mercê da complexa estrutura da empresa)».

Esta argumentação final é óbvia, considerado que seja, nomeadamente, o circunstancialismo espacial da ocorrência dos factos (Londres).

Improcede, pois, o deduzido argumento da caducidade do procedimento disciplinar.

5. Nulidade da sanção aplicada por violação dos princípios geral do controlo da legalidade e da proporcionalidade. [Alíneas J) e K) das Conclusões]

                Se bem se interpreta, na resposta oferecida ao douto Parecer emitido pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, o Recorrente explicitou de forma breve e clara a fundamentação que condensou nas alíneas J) e K) das Conclusões do Recurso.

                É dizer:

« (…) no acórdão recorrido depois de se ter considerado inexistente uma das infrações disciplinares, em que se fundamentava  a sanção disciplinar aplicada, por se considerar que o A. não era responsável pelos factos ocorridos no voo de ... para Lisboa, deveria ter sido anulada a sanção aplicada porque desaparecera um dos seus fundamentos, sendo indivisível a sanção.

Não o tendo feito, o acórdão recorrido violou o princípio geral do controlo da legalidade previsto no artigo 172º nº2 do Código do Processo do Trabalho ([22]), e ainda o princípio da proporcionalidade da sanção às infrações cometidas, previsto no Código do Trabalho mantendo a mesma sanção disciplinar, quando desapareceu uma das infrações constantes da acusação e em que ela se fundamentava, assim desrespeitando o disposto no artigo 367º do Código do Trabalho.»

                Atalhando caminho, impõe-se ter presente que, no que concerne à invocada violação do  princípio geral do controlo da legalidade previsto no artigo 172º nº2 do Código do Processo do Trabalho, foi este invocado, uma primeira vez, num requerimento com pedido de esclarecimento e reforma do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, requerimento que consta de fls. 614 a 616,  onde se chamava a atenção dos Exmos. Juízes Desembargadores para a norma imperativa do artigo 172º nº2 do Código do Processo do Trabalho, nos seguintes termos: «Aplicando a norma do art. 172º nº2 do Código de Processo do Trabalho, a que o Tribunal deve obediência, e que só por mero lapso não foi citada no Acórdão, mas que não pode deixar de regular o caso sub iudice, dela  resulta necessariamente a anulação da sanção disciplinar aplicada (na totalidade, porque só foi aplicada uma para todos os factos constantes da acusação)

                Aconteceu, porém, que, já depois de designada conferência para conhecimento daquele requerimento, o ora Recorrente desistiu e deu sem efeito o requerimento apresentado. [Fls. 707]

                Do argumento não desistiu, todavia, na argumentação recursiva.

                Com manifesta carência de razão.

                A norma em que o Recorrente assenta parte da sua argumentação insere-se na Secção IV [Impugnação Judicial de Decisão Disciplinar]  do Capítulo IV, respeitante ao «Processo Contencioso das instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores».

Logo, inaplicável no caso sob pareciação.

Sobeja a questão da proporcionalidade que se reconduz à questão de saber se o princípio que aquela consubstancia não sai violado quando, pressuposta a prática de duas infrações, subtraída uma delas, se mantém a sanção aplicada na consideração de ambas.

                Quid iuris?

                Refere o Recorrente, «tendo presente o princípio fundamental da nossa lei, Doutrina e Jurisprudência laboral», que «o Tribunal apenas avalia da legalidade das sanções aplicadas, mas não pode substituir-se à entidade patronal na determinação da sanção a aplicar».

No caso concreto, no Acórdão sob recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa fundamentou a decisão proferida nos seguintes termos:
«Debrucemo-nos seguidamente sobre a questão de fundo, que consiste em saber se o A. cometeu as infracções que a R. lhe imputa e, no caso afirmativo, se a sanção aplicada é adequada e proporcional à gravidade da ilicitude e da culpa.
Ora, os factos descritos nos nºs 7 a 37 mostram que foi por iniciativa e insistência do A. (apesar de alertado de que isso poderia causar atraso na saída do avião) que o representante da R. junto do terminal 2 do aeroporto de ..., no dia 15/8/2008, solicitou e obteve dos serviços BAA/Stand Allocations, a mudança do avião que o A. iria comandar, com destino a Lisboa e partida prevista para as 6h (hora local), da posição 209L para a posição 205, servida por manga (alegadamente para assegurar melhor qualidade do serviço aos passageiros, evitando que percorressem uma distância de 50m). E, na realidade a partida do avião acabou por se atrasar 45m, embora não apenas por esse motivo, visto também ter contribuído para tal (em cerca de 20m) a avaria entretanto verificada na escada de acesso dos passageiros, bem como a resolução desse problema. Embora o A. tivesse procurado recuperar o atraso no decurso da viagem, tendo ainda esperado 10 m pela atribuição de uma posição de estacionamento, chegou a Lisboa depois da hora prevista, do que resultou que alguns passageiros perdessem voos de ligação para S. Paulo e Rio de Janeiro. De tudo isso resultou certamente um prejuízo para a R., não apenas patrimonial (que todavia não está quantificado), mas também na imagem de fiabilidade que, pela sua prática, transmite aos passageiros e público em geral, o que é uma questão de grande relevância para uma companhia de transporte aéreo no mercado concorrencial em que a R. opera. Tanto assim é que os pilotos, nos termos da clª 6ª al. g) do AE entre a TAP e o SPAV publicado no BTE nº 30/99, têm o dever de “velar pela salvaguarda do prestígio interno e internacional da empresa”. No caso a atuação do A. redundou em violação desse dever convencional.
Ainda que o propósito declarado fosse em si mesmo louvável (tornar mais cómodo o serviço aos passageiros, evitando-lhes o percurso pedonal de cerca de 50 m por um corredor traçado na pista), quando ponderado com a probabilidade de causar atraso na saída - dado que toda a programação relativa ao encaminhamento dos passageiros para a porta de embarque, operações de carregamento de catering e, abastecimento de combustível teria de sofrer alterações, determinando tal probabilidade - já se torna duvidoso que possa manter esse carácter (louvável), afigurando-se temerária a opção, que todavia apenas foi tomada devido à insistência do A., apesar de alertado para o risco de atraso. Ao optar por correr o risco, o A. agiu com falta de cuidado e com ligeireza. A conduta do A. violou os deveres legais de zelo e diligência  (art. 121º nº 1 al. d) do CT), bem como o de promover ou executar todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa (art. 121º nº 1 al. g) do CT) e o convencional atrás referido (clª 6ª al. g) do AE). Além do mais, a atitude do A., é censurável, pois era-lhe exigível uma actuação mais ponderada. Em suma, entendemos que com a referida actuação o A. incorreu em ilícito disciplinar, culposo, afigurando-se-nos proporcionada à gravidade da ilicitude e da culpa a sanção efectivamente aplicada, de dois dias de suspensão com perda de retribuição (tendo em atenção que, nos termos do nº 3 do art. 368º do CT, a suspensão do trabalho não pode exceder por cada infracção, 30 dias e, em cada ano civil, o total de 90 dias).
No que concerne aos factos referidos nos pontos 38 a 62 - que redundaram também no atraso, de cerca de 40 ou 45 m, na saída do avião que o A. iria comandar do aeroporto de … para Lisboa, e, apesar de alguma recuperação desse atraso durante o percurso, na chegada depois da hora prevista, implicando igualmente que alguns passageiros tivessem perdido os voos de ligação com destino a S. Paulo, Brasil - sabemos que, em parte, esse atraso deve-se à circunstância de um dos tripulantes ter adormecido, despertando mais tarde do que o previsto. Na medida em que não consta que esse membro da tripulação fosse o A., entendemos que não lhe pode ser imputável a responsabilidade por tal atraso. No que se refere ao facto de, no próprio aeroporto, não ter conseguido encontrar o caminho certo para aceder ao avião, entendemos não poder atribuir isso a falta de zelo e diligência do A., dado que, como decorre do ponto 63, é referido por outras tripulações que a sinalética no local seria insuficiente e inadequada. E, se bem que conste que em Julho e Setembro anteriores o A. tinha efectuado voos de ... para Lisboa precedidos de pernoita naquela cidade, ignoramos se isso implicou que tivesse efectuado, dentro do aeroporto, o mesmo percurso, pelo que não podemos extrair daí que o A. tivesse a obrigação de o conhecer.
Em suma, afigura-se-nos não permitirem os factos provados atribuir ao A. responsabilidade disciplinar pelo atraso no voo TP-…- …/LIS do dia 6/10/2008.
Em todo o caso, a factualidade respeitante à actuação do A. no dia 15/8/2008 no aeroporto de ..., é bastante para fundamentar a aplicação da sanção de dois dias de suspensão com perda de retribuição, pelo que não assiste razão ao A. quanto à pretensão de anulação da sanção.»

Conhecendo, com vista à confirmação ou infirmação, de conduta disciplinarmente infracional, o Tribunal concluiu pela confirmação de conduta infracional com referência ao voo Londres>Lisboa, mas teve-a por ilidida relativamente ao voo ...>Lisboa.

Relativamente a este, disse: «não permitirem os factos  provados atribuir ao A. responsabilidade disciplinar pelo atraso no voo TP-…-…/LIS do dia 16.10.2008».

Não obstante esta (parcial) desjudialização disciplinar, certo é que o mesmo Tribunal ajuizou que a atuação do A. , no dia 15.08.2008, no aeroporto de ..., era bastante para fundamentar a aplicação da sanção de dois dias de suspensão com perda de retribuição.

Poderá esta decisão ser passível de censura?

Em questão com alguma similitude com a que agora se apresenta -  sobrevinda perda de relevância de uma circunstância havida por agravante na graduação da medida da sanção disciplinar definida pelo empregador -, em Acórdão de 16.05.2012, Recurso nº 3982/06.5TTLSB.L1.S1, proferido nesta Secção Social, ponderou-se e concluiu-se nos seguintes termos                

«Contrariamente ao adrede aduzido pela recorrente, o efeito da neutralização de uma circunstância, tida então como agravante da responsabilidade disciplinar na prática posterior de uma outra infracção, apenas pode ver-se refletido, quando muito, na determinação do ‘quantum’/medida da pena.

Mas ainda aqui sem possibilidade de intervenção ou controlo jurisdicional.

Sem se justificar discorrer sobre a fundamentação/natureza dogmática do poder disciplinar – onde tradicionalmente se confrontam teorias contratualistas e institucionalistas, como é sabido - este, embora de cariz sancionatório, constitui uma excepção ao princípio da justiça pública, sendo as sanções disciplinares ‘penas privadas’.

A sua natureza, mais do que tornar problemática, exclui dos limites de fiscalização/controlo judicial, (realizáveis logicamente a posteriori), a possibilidade de alteração/substituição, não comportando a hipótese de graduação da pena aplicada.

O critério de graduação das sanções pertence ao empregador, norteado pragmaticamente por princípios gestionários e de oportunidade, e apenas condicionado pela tipologia legal das sanções e pelos seus limites, estes estabelecidos concretamente quanto às penas de feição pecuniária e de suspensão do trabalho – arts. 366.º e 368.º do Código do Trabalho/2003.

O princípio norteador é o da proporcionalidade – art. 367.º da mesma Codificação – sendo vectores determinantes, para o efeito, a gravidade da infracção e a culpa do infractor. Estes são os que efectivamente pontificam.

Como ‘travão’, visando diminuir o grau de discricionariedade do empregador na apreciação da infracção disciplinar, muitos IRCT’s contêm – nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, ibidem – ‘verdadeiros catálogos de circunstâncias agravantes e atenuantes e de causa de justificação e exclusão da culpa’.

Não obstante, apesar das tentativas de objectivação do exercício do poder disciplinar – e sendo certo e seguro que o princípio da proporcionalidade preside ao momento operatório da escolha, pelo empregador, da sanção adequada, face ao comportamento sindicado – a verdade é que, como sustenta a citada autora, à valoração da infracção é sempre inerente uma margem considerável de discricionariedade, ainda que não de arbitrariedade.

Tudo isto para ilustrar o já adiantado entendimento de que os vectores relevantes, no exercício do poder disciplinar, pelo empregador, são os contidos no princípio geral da proporcionalidade (gravidade da infracção vs. culpabilidade do infractor), temperado, quando seja caso disso, pelo padrão de coerência disciplinar do empregador.

Não sendo questionada, em termos de adequação, a opção pela sanção eleita – o que implica a aceitação de que a sanção escolhida se justifica, em termos de proporcionalidade, sendo a sanção de gravidade menor tida implicitamente por insuficiente para a defesa da disciplina da empresa – a respectiva aplicação apenas tem como barreira, eventualmente sindicável, não a sua graduação, (desde que contida dentro dos limites legalmente estabelecidos), mas antes e apenas os direitos, liberdades e garantias pré-estabelecidos, v.g. no caso de cominação de sanções abusivas ou de especial protecção de certas categorias de trabalhadores, que por isso beneficiam das presunções legais estabelecidas (v.g. despedimento envolvendo trabalhadoras grávidas, puérperas, delegados sindicais, etc.).

Em suma:

Mesmo deixando posteriormente de relevar uma circunstância (antecedente disciplinar), havida por agravante na graduação da medida da sanção disciplinar definida pelo empregador, tal facto não implica a revogação da sanção cominada, cuja medida, respeitando os respectivos limites legais, se determinou essencialmente, como decorre do critério legal, em função da gravidade da infracção e da culpabilidade do infractor, oportunamente apreciadas/valoradas pelo detentor do poder disciplinar.

Não pode o Tribunal substituir-se ao empregador, corrigindo a sanção aplicada.

O Tribunal …pode tão-só confirmar ou invalidar a sanção, mas não modificá-la. Doutra forma, permitia-se que o Juiz se substituísse ao poder discricionário do empregador, impondo sanções que este não pretendia aplicar ou com uma medida diferente – apud ...no Martinez.» (in www.dgsi.pt)

                No caso concreto, o Tribunal da Relação discriminou o comportamento do Recorrente , de acordo com a factualidade descrita nos nºs 7 a 37 , para concluir no sentido da prática infracional e respetivos graus de gravidade e censurabilidade.

Entendeu que a sanção cominada não violava o princípio da proporcionalidade.

O que, bem se compreende, lido que seja o Relatório Final, e a distinção que dele ressuma, quando no seu termo se refere:
«…. O arguido defende que o procedimento adotado no caso do voo TP.../15AGO/08-LHR/LIS não correspondeu a uma exigência, tal como a entenderam os responsáveis pela assistência ao avião. Seja como for, é indubitável que aquele procedimento, de que se devia ter abstido, por impertinente, foi, ainda assim, determinante para a irregularidade em que se traduziu o atraso do voo e suas consequências.
Admitindo-se por outro lado, que a intenção do arguido tivesse sido a de proporcionar aos passageiros um embarque em melhores condições, a imediata concretização dessa intenção, não obstante a ideia, eventualmente, poder constituir um ponto de oartida visando futuras alterações relativas ao posicionamento do avião, traduzia-se como era previsível, em face do condicionalismo acima descrito, que o arguido não podia ignorar, numa atuação claramente imprudente, atendendo às consequências que dela poderiam resultar e que acabaram por se verificar.
Quanto ao voo de ..., embora o comportamento do arguido revele o mesmo não ter procedido com o cuidado e diligência exigíveis face à necessiade de comparcer no avião à hora estabelecida, comprova-se que o atraso de cerca de 20 minutos na saída do hotel foi condicionado pela comparência tardia ao transporte de um outro tripulante, situação em relação à qual, no entanto, o arguido, como se viu, não tomou qualquer ação.
Não parece de excluir , por outro lado, terem surgido algumas dificuldades já no aeroporto no percurso para o avião, ainda que manifestamente ampliadas na argumentação utilizada na defesa e que envolvem, como acima se fez notar, uma certa displicência».  

Esta distinta apreciação quanto ao grau infracional ajuda a compreender, repete-se, que o Tribunal da Relação tenha julgado proporcionada a sanção cominada.

Citando uma vez mais, PEDRO ROMANO MARTINEZ:
«Impõe-se ao empregador, com base nos elementos constantes do processo, demonstrar que o trabalhador praticou uma infração com gravidade e culpa correspondente à sanção aplicada.
Não cabe, porém, ao tribunal substituir-se ao empregador, corrigindo a sanção aplicada: o tribunal pode tão-só confirmar ou invalidar a sanção, mas não modificá-la. Doutra forma, permitia-se que o juiz se substituísse ao poder discricionário do empregador, impondo sanções que este não pretendia aplicar ou com uma medida diferente» ([23])

Em face do exposto, será de julgar improcedente, também neste particular, a nulidade deduzida.

IV DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes desta Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a Revista, confirmando o Acórdão recorrido.

Custas, neste STJ, a cargo do Recorrente.

Anexa-se Sumário.

Lisboa, 25 de junho de 2014

Melo Lima (Relator)

Mário Belo Morgado

Pinto Hespanhol                                  

____________________

[1] Adiante mencionado através da sigla “PI”

[2] Adiante mencionado através da sigla “PD”.
[3] CPC Anotado Vol.V, Coimbra Editora, 1981, págs. 144,145
[4] Seguramente por lapso, onde se refere “apelado”, pretenderia dizer-se “apelante”.

[5] “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol.III, pág. 247

[6] Código do Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. II, pág. 670
[7] RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Almedina, 2013; pág.91, a respeito do artigo 636º do NCPC, que manteve a redação do anterior Art. 684º-A (Negrito, do Relator).
[8] GUIA DE RECURSOS EM PROCESSO CIVIL, 5ª Edição, Coimbra Editora, págs. 141-142
[9] Vd. Pontos 68, 73 e 85, com referência aos pontos 82 a 84 dos factos provados.

[10] Al. I) dos factos não provados

[11] Ponto 4 dos factos provados.

[12] Assim se pronunciam MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E J. PACHECO DE AMORIM, no seu “Código do Procedimento Administrativo

[13] Vd. Ponto 5 dos factos provados, e o texto dos estatutos da R. a fls. 246 a 261
[14] Em sentido semelhante, reportando a uma situação em que a sanção disciplinar foi aplicada por mandatário sem poderes especiais para tal, cfr. ac. RP de 13/07/2011 (Eduardo Petersen Silva), proc. 161/09.3TTVLG.P1, in www.dgsi.pt

[15] Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. III, AAFDL, Lisboa 1992, pp 423 ss
[16] E respetivos requisitos, nomeadamente, quanto à existência de uma lei de habilitação e de um  ato de delegação.

[17] PINTO FURTADO, CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS, 4ªEd., Livraria Petrony, Lda., Lx. 1991, p.369

[18] «A determinação dos termos em que o poder disciplinar é exercido pelos superiores hierárquicos “tanto pode fazer previamente, com caráter geral e abstrato, nomeadamente através de regulamentos internos, ou das convenções coletivas de trabalho, como efetuar-se caso a caso” – MÁRIO PINTO/FURTADO MARTINS/NUNES DE CARVALHO in “Comentários…”p. 133
[19] Vale, aqui, a anotação de MONTEIRO FERNANDES, com referência ao artigo 329º/2 CT2009: «O prazo de caducidade – de sessenta dias -, …, assenta na ideia de que a maior ou menor lentidão no desencadeamento do processo disciplinar exprime o grau de relevância atribuído pelo empregador à conduta (eventualmente) infractora; o facto de esse processo não se iniciar dentro dos sessenta dias subsequentes ao conhecimento da referida conduta constitui presunção iuris et de iure de irrelevância disciplinar. Assim, o direito de “agir” contra o trabalhador, iniciando o procedimento disciplinar, extingue-se.» DIREITO DO TRABALHO, 16ª Ed., Almedina, p.233
[20] Neste sentido PEDRO ...NO MARTINEZ, CÓDIGO DO TRABALHO ANOTADO, 2ªEdição revista, 2004, Almedina, pág.607.
Assim, quer se considere, quanto à natureza do prazo, a correspondência com a prescrição ou com uma “caducidade atípica» Pág. 552

[21] Ob. cit. p. 607 ; Do mesmo autor, “DIREITO DO TRABALHO”, 2013, 6ªEd., Almedina: «Instaurado o procedimento disciplinar, não há um prazo para ser proferida a decisão - …..- pelo que, não fora os princípios de celeridade e de boa fé, daqui resultaria a possibilidade de eternizar a ação disciplinar», pág. 600

[22] 172º/2 do CPT/2009; Artigo 166º na redação anterior
[23] DIREITO DO TRABALHO, pág.603,604