Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2042/13.7TVLSB.L1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
DANO
Data do Acordão: 06/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / FIXAÇÃO CONTRATUAL DOS DIREITOS DO CREDOR / REDUÇÃO EQUITATIVA DA CLÁUSULA PENAL.
Doutrina:
-Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5.ª Edição, Volume II, p. 137 e 138;
-Calvão Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 247, 273 e 276;
-Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª Edição, p. 448;
-Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Colecção Teses, Almedina, p.604, 605, 743, 744 e 755;
-Pinto Monteiro, Duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão, Diálogos com a jurisprudência, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 146.°, N.° 4004, Maio-Junho de 2017, p. 312 e ss.;
-Sousa Ribeiro, Direito dos Contratos, Estudos, Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais, p. 137, 144 e 145.

Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 812.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 07-11-1989, IN BMJ 391, P. 565;
-DE 10-03-2017.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


-DE 20-05-1996, IN CJ 1996, III, P. 203.
Sumário :

I. A recorrente pretende que a cláusula penal, malgrado o seu carácter sancionatório, se situe nos parâmetros do dano efectivo, esquecendo que o fim da cláusula é não só a indemnização pelo incumprimento, fixada a forfait, mas também compelir o devedor a cumprir, não sendo, por isso, aferida pelo valor matemático do incumprimento, desde logo por ser fixada ex ante.

II. A cláusula penal, tendo um fim punitivo só será ilegítima se houver uma chocante desproporção, entre os danos que previsivelmente o devedor causar com a sua conduta, e a indemnização prevista na cláusula para os ressarcir.

III. A cláusula penal prevista no contrato no valor de € 126 000,00 foi reduzida em 40%, com base na equidade, para o valor de € 76 000,00, pelo que a redução agora pretendida para o valor máximo de € 15 000,00, esvaziaria o fim da cláusula, como pena que visa sancionar o incumprimento e que para cumprir o seu fim deve ser superior ao valor do incumprimento puro e simples.

IV. A não ser assim, não teria qualquer função coercitiva ou compulsória uma cláusula penal que equivalesse ao valor real dos danos: não seria dissuasora do incumprimento.

V. A redução da cláusula penal, ao abrigo do art. 812º, nº1, do Código Civil, pressupõe que esta seja manifestamente excessiva.

Decisão Texto Integral:

R-662[1]


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, SA., intentou, em 5.12.2013, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa (Extinto), 1ª Vara Cível, acção declarativa comum, contra:

BB, Lda..

Alegou a Autora, em resumo:

A Autora celebrou com a Ré, em 8.6.2001, um denominado “contrato comercial” nos termos do qual a Ré se obrigou a comprar para revenda ao público e consumo no estabelecimento denominado “BB” as bebidas constantes do anexo I ao contrato e a não vender ou publicitar, no estabelecimento, produtos similares aos constantes do anexo II.

A Autora acordou com a Ré em entregar-lhe, a título de contrapartida pela celebração do contrato e apoio à comercialização dos produtos acordados, a quantia de 5.500.000$00, acrescidos de IVA à taxa em vigor, com 500.000$00 por ano incluídos para realização de acções de marketing durante a vigência do contrato; bem como na oferta anual de 30 barris de 30 litros de cerveja para comparticipar nos festejos de S. João.

Ficou estabelecido que o contrato vigoraria até que a R. adquirisse 150.000 litros dos produtos constantes do anexo I ou pelo prazo de 5 anos a contar da data da sua assinatura, consoante o que primeiro ocorresse.

A Ré apenas adquiriu 40.743 litros, sendo o preço de venda a retalho na data em que terminou o contrato – 7.6.2006 – de € 1,16 litro.

Nos termos da cláusula 4.5 do contrato, a Ré está obrigada a pagar à Autora a quantia de € 126.738,12, correspondente ao valor dos 109.257 litros que faltaram para atingir os 150.000 litros, pagamento que não efectuou.

Pediu a Autora a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 131.721,00, devida pelo incumprimento do contrato dos autos, acrescida do montante dos juros vencidos de € 85.563,37 contados desde 07/06/2006 e vincendos até integral pagamento.

A Ré apresentou contestação onde, designadamente, invocou que, estabelecendo a cláusula 4ª, nº5, uma cláusula penal para o caso de os consumos não serem atingidos, no âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais aqui aplicável, a mesma é abusiva, configurando-se uma situação de enriquecimento sem causa, e que de qualquer modo sempre haveria lugar à redução da pena, de acordo com a equidade, por ser manifestamente excessiva. Requereu a redução dos montantes constantes das cláusulas penais a um valor razoável e proporcional aos danos sofridos pela Autora.

A Autora replicou e o processo prosseguiu, vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.

A Autora apelou, vindo a Relação a “julgar a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida e sendo a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 126.738,12 € (cento e vinte e seis mil setecentos e trinta e oito euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do mais pedido”.

A Ré interpôs, então, recurso de revista, no qual suscitou essencialmente duas questões: a de a cláusula 4ª, nº5, do contrato celebrado entre as partes ser nula, por violação dos arts. 12 e 19 do dl 446/85, de 25.10; a de aquela cláusula dever ser reduzida, por manifestamente excessiva, no âmbito do art. 812º do Código Civil.

No Acórdão proferido em sequência o Supremo Tribunal de Justiça respondeu negativamente à 1ª questão, mas quanto à 2ª entendeu justificar-se a redução equitativa da cláusula.


***

Assim decidiu julgar procedente a revista no que à redução por equidade da cláusula penal respeita e “determinar a remessa dos autos à Relação para que, pelos mesmos Juízes que proferiram o acórdão recorrido, se possível, se pronuncie sobre o montante indemnizatório a atribuir à autora, por via da redução equitativa da referida cláusula penal”.


***

Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.12.2017 - fls. 836 a 845 – foi sentenciado:

 “Acordam os Juízes desta Relação na parcial procedência da apelação, pelo que revogando a sentença recorrida, condenam a Réu a pagar à Autora a quantia de € 76.000,00 (setenta e seis mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento. absolvendo-a do mais pedido.”


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Inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. Salvo o devido respeito que nos merecem a opinião e a ciência jurídica do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, afigura-se à ora Recorrente que o Douto Acórdão recorrido não poderá manter-se.

2. Sendo que os fundamentos do presente recurso se prendem com a medida da redução da cláusula penal ínsita no contrato em referência nestes autos (cláusula 4.5 do contrato), a qual, segundo se crê, deverá ser bastante superior à percentagem de 40% determinada PELO Venerando Tribunal ad quo, de forma a corrigir a sua enorme desproporcionalidade em face aos interesses em conflito.

3. De facto, a redução da cláusula penal em 40% a que chegou o Venerando Tribunal a quo continua a não corrigir as assimetrias excessivas existente nas obrigações assumidas pelas partes contratantes, as quais foram reconhecidas por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça no mui Douto Acórdão proferido no âmbito dos presentes autos em 16 de Março de 2017.

4. Está-se em crer que a divisão da medida da cláusula penal numa percentagem 40%-60%, é apologista, não de uma redução equitativa da cláusula penal, mas sim de uma sua redução à luz de igualdade (quase) absoluta, stricto sensu, o que não podemos admitir.

5. Sendo que o critério adoptado pelo Venerando Tribunal ad quo se afastou, de modo substancial, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito.

6. Posto isto, o que se requer é que todos os factores e circunstâncias inerentes ao caso sub judice sejam correctamente tomados em consideração, como resulta evidente não ter sucedido, designadamente, a ausência de culpa e ilicitude no comportamento da Recorrente e a sua boa-fé, a diferença de dimensão económica entre as partes, a diminuta gravidade da infracção, o interesse comum de ambas as partes no atingimento das litragens estabelecidas e as vantagens que resultam para a Recorrida do incumprimento.

7. Sendo que a condenação sub judice que é totalmente desfasada do contexto da realidade da Ré, qual sociedade por quotas, com um capital social de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por comparação com uma multinacional como a Autora Recorrente, com um capital social de € 50.000.000,00 (cinquenta milhões de euros), ou seja, tendo a Ré Recorrente um capital social 1 000 vezes inferior ao da Autora Recorrida.

8. Se para uma sociedade como a Autora Recorrida uma condenação de € 76.000 já seria, obviamente, pesada, mas possivelmente adequada. Para uma pequena sociedade, com menos de 10 trabalhadores, como a Ré Recorrente, tal significa ia destruição, a insolvência, a impossibilidade da mesma continuar a laborar, o despedimento dos seus trabalhadores, em prejuízo total do comércio e do tráfego jurídico-económico, no fundo, daquilo o que o Direito visa precisamente salvaguardar.

9. A aplicação da cláusula penal sub judice à Ré Recorrente não propugna, pois, quaisquer efeitos indemnizatório e/ou compulsório ínsitos às cláusulas penais.

10. Nesta linha de raciocínio, o Venerando Tribunal a quo violou a norma vertida no artigo 812.° do Código Civil, ao condenar a Recorrente numa pena correspondente a € 76.000.00.

11. Sendo que em lugar de uma redução da cláusula penal para 40% do seu valor, deverá a condenação da Ré Recorrente limitar-se a não mais do que € 10.000,00/€ 15.000,00, sendo estes montantes já por demais excessivos para uma qualquer função indemnizatório/compulsória que a cláusula penal possa ter.

12. Condenação essa que, defendendo igualmente os tais princípios indemnizatório e/ou compulsório que o Venerando Tribunal ad quo tanto procurou salvaguardar, protege igualmente o interesse superior do tráfego jurídico-económico, de que as partes aqui em conflito possam continuar a laborar, o que com a Douta Decisão ora em crise não se alcançará.

13. De facto, se aquilo que se visou proteger com a defesa da validade da cláusula penal sub judice foram os alegados lucros cessantes sofridos pela Autora Recorrida pelo não atingimento dos litros contratados, não será com certamente com a sua redução em 40% que esses lucros cessantes serão indemnizados.

14. Importante se trona também realçar que o raciocínio acabado de formular, que segundo cremos é totalmente legítimo, não está de modo algum a defender que a medida da pena deverá ser igual à medida do dano sofrido pelo lesado, mas sim e apenas, que se atendam às circunstâncias inerentes à realidade da Ré recorrente, qual entidade de pequena dimensão que em quase 9 anos vendeu apenas 40.743 litros de cerveja, e agora queira a Autora extorquir da mesma 109.257 litros.

15. Sendo também de realçar, acerca do valor investido pela Autora Recorrida no estabelecimento da Ré Recorrente (€ 27.433,88), que mesmo não serviu, permitam-nos a expressão, “para encher os bolsos desta ou dos respectivos sócios” – é público e notório que este tipo de incentivos servem em primeira linha para montar/decorar/melhorar os espaços onde os produtos contratados serão vendidos.

16. Tratamos aqui de incentivos que não podem tomar-se como “ajudas desinteressadas”, como parece ter considerado o Venerando Tribunal a quo mas sim como verdadeiros investimentos das grandes distribuidoras nos seus canais de distribuição, sendo totalmente interessadas, com fins interesseiros.

17. Sendo que esse tipo incentivo beneficia em grande medida quem o concede, desde logo porque, ao investir no melhoramento do seu canal de distribuição, está a captar mais clientela para o seu produto.

18. Por tudo, concluímos que a redução da cláusula penal determinada pelo Venerando Tribunal ad quo, mesmo tendo diminuído a pena de € 126.000 para € 76.000, continua a ser manifestamente abusiva. Exagerada e desproporcionada face ao equilíbrio da relação entre as partes, continuando a ofender a equidade.

19. Com efeito, é possível verificar que a referida cláusula, ainda que reduzida em 40%, continua a significar que a Autora Recorrida não correu qualquer risco resultante da exploração do contrato, o qual foi totalmente suportado pela Ré Recorrida, determinando a sua mais do que provável insolvência.

20. Por outro lado, se é certo que a Recorrida investiu no início do contrato um valor de € 27.433,88, a verdade é que, ainda que não se considere a mais do que evidente amortização total da parte desse incentivo durante quase 9 anos, a cláusula penal a determinar-se deverá ter sempre como limite máximo esse mesmo investimento.

21. Ou seja, mesmo sabendo-se que a medida proporcional para uma cláusula penal não se identifica com o montante dos prejuízos sofridos, a verdade é que a medida desses prejuízos deverá servir como critério-base para a sua determinação,

22. Ora, sem contar com a amortização que obviamente foi feita de tal incentivo ao longo de quase 9 anos de contrato de exclusividade, com publicidade às marcas da Autora Recorrida, g verdade é que a condenação de € 76.000 continua ser quase o triplo do valor inicialmente investido.

23. Seguindo esta linha de raciocínio, a indemnização a conceder à Autora Recorrida sempre deverá ter como limite os € 27.433,88, partindo-se daí para a sua redução equitativa, considerando o facto do referido investimento já ter sido amortizado ao longo dos quase 9 anos do contrato, quase o dobro do tempo inicialmente previsto para a sua duração.

24. Período durante o qual o estabelecimento da Ré Recorrente esteve revestido, nas suas mesas, cadeiras, guarda-sóis, bandeiras, pelos produtos da Autora Recorrida e em que se vendeu tanta cerveja desta quanto se pôde, num interesse também egoísta da Ré Recorrente,

25. Termos em que, a cláusula penal sub judice (cláusula 4.5 do contrato) deverá ser reduzida em percentagem nunca inferior a 85%, representando uma condenação da Ré Recorrente em não mais do que € 15.000,00, sendo que a norma prevista no artigo 812.° do Código Civil, que estabelece a aplicação in casu do princípio da equidade, foi incorrectamente interpretada, aplicada e, portanto, violada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, de resto, violou nos exactos mesmos termos o princípio proporcionalidade, constitucionalmente consagrado, previsto Constituição já República Portuguesa, inconstitucionalidade essa que desde já se alega para todos os efeitos.

26. Sendo que, não sendo já possível nesta fase declarar nula a cláusula penal sub judice, pois essa decisão já transitou em julgado, porque como vimos a Autora Recorrida não o permitiu, a mesma sempre deverá ser reduzida a uma medida próxima da sua nulidade.

Termos em que, e nos mais de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, substituindo-se o douto acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão que reduza a cláusula penal sub judice em percentagem nunca inferior a 85%/90% ou, em termos absolutos, em montante nunca superior a € 15.000/€ 20.000.

Assim se fazendo inteira e merecida Justiça.

A Autora/recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.


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Colhidos os vistos legais cumpre decidir tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1) - A sociedade “CC, S.A.” tinha por actividade a indústria de refrigerantes e cerveja e a comercialização, quer dos produtos que fabricava, quer dos fabricados por outras empresas.

2) - Em 14 de Dezembro de 2001, foi incorporada, através de uma fusão, na sociedade denominada “DD., S.A.”, que já detinha, de forma directa ou indirecta, a totalidade do seu capital social.

3) -No acto pelo qual foi efectivada a aludida fusão, a mencionada “Centralcontrol” alterou, também, a sua denominação, para “EE, S.A.”, bem como o seu objecto.

4) -Em 19 de Novembro de 2004, por sua vez, a “EE, S.A.” foi incorporada, através de fusão por incorporação, na sociedade antes denominada “FF, S.A.”, que, nesse acto, alterou também a sua denominação para “EE, S.A.”

5) -Alterou, também, o seu objecto, sendo, agora, a Autora quem prossegue a actividade que antes era desenvolvida pela sociedade “EE, S.A.”, tendo assumido, também os direitos e obrigações que eram desta.

6) -No exercício da sua actividade, a Autora celebrou, em 8 de Junho de 2001, com a R. BB, Lda., um contrato respeitante ao estabelecimento denominado “BB”, sito na ..., o qual era, nessa data, explorado pela R., que aí se dedicava, designadamente, à venda de bebidas ao público.

7) -Por força desse contrato, a R. obrigou-se a “… comprar ao distribuidor GG, salvo se outro lhe for indicado (…) para revenda ao público e consumo no ESTABELECIMENTO, PRODUTOS constantes do Anexo I nas quantidades e prazos previstos na cláusula terceira” (cláusula 1.1.).

8) -Por força do mesmo contrato, obrigou-se ainda a R. a “… não vender e a não publicitar, no estabelecimento, produtos similares aos constantes do Anexo II, nem permitir que terceiros o façam” (cláusula 1.6.).

9) - Ficou, também, estipulado que a R. não poderia ceder a terceiros a posição contratual decorrente do contrato, sem prévio consentimento por escrito da Autora, qualquer que fosse o negócio e forma que servisse de base à cessão, incluindo transmissão do estabelecimento comercial ou da sua exploração, sob pena de incorrer em responsabilidade solidária pelo incumprimento (cláusula 1.8.).

10) - Por seu turno, a Autora obrigou-se a “…vender através dos seus Distribuidores…” os produtos objecto do contrato e constantes do Anexo I do contrato (cláusula 1.1.).

11) - A Autora acordou, ainda, com a Ré em entregar-lhe, a título de contrapartida pela celebração deste e apoio à comercialização dos produtos acordados, a quantia de 5.500.000$00 (cinco milhões e quinhentos mil escudos), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, com 500.000$00 (quinhentos mil escudos) por ano incluídos, para realização de acções de marketing, durante a vigência do contrato (cláusula 2).

12) -Mais se tendo a Autora obrigado à “Oferta anual de 30 Barris de 30 Lts. para comparticipação dos Festejos de S. João a realizar no Ponto de Venda com Banda ou Grupo Musical” (cláusula 2).

13) - Contrapartidas essas que a Autora efectivamente entregou à sociedade Ré.

14) -Mais se estabeleceu no contrato que este vigoraria até que a Ré adquirisse 150.000 litros dos produtos constantes do Anexo I ou pelo prazo de 5 anos a contar da data da sua assinatura, 8 de Junho de 2001, consoante o que primeiro ocorresse (cláusula 3).

15) -A Ré apenas adquiriu 40.743 litros dos produtos constantes do Anexo I.

16) - O valor de preço de venda a retalho da cerveja de barril da Autora era em 7 de Junho de 2006, de € 1,16/litro.

17) -Nos termos do disposto na cláusula 4.5. do contrato que “Se no termo do prazo referido na cláusula terceira o REVENDEDOR não tiver efectuado o volume de compras aqui estabelecido, a AA poderá exigir uma indemnização, pelo incumprimento, que por acordo, se estipula ser igual ao valor das bebidas não adquiridas, considerando-se, para o efeito, o P.V.R. praticado pela AA à data do incumprimento para a cerveja ... de barril”.

18) -Após Junho de 2006, a Autora continuou a fornecer produtos constantes do Anexo I à Ré nas mesmas condições estipuladas no contrato, inclusive de preço e obrigação de exclusividade.

19) -A Ré deixou de consumir produtos da Autora em Abril de 2010, tendo cessados os fornecimentos da Autora.

20) -As acções de marketing realizadas pela Ré materializavam-se através de festas e eventos variados, tais como passagens de ano, torneios e eventos desportivos como o Euro 2004 e o Mundial 2006, eventos sociais e de moda, etc.

21) -A Autora disponibilizou produtos e equipamentos para estas festas, por vezes com atrasos, e nem sempre nas quantidades pedidas pela Ré.

22) - O contrato celebrado entre a Autora e a Ré integra cláusulas, incluindo a cláusula 4ª, que são utilizadas pela Autora em todos os contratos semelhantes.

23) -A sua elaboração foi de iniciativa da Autora, anterior à sua celebração e visando uma multiplicidade de contraentes potenciais.

24) -As cláusulas relativas aos produtos a consumir, litragens, período de vigência e montante do apoio a conceder pela Autora, são negociadas entre as partes.

25) -A litragem acordada entre Autora e Ré correspondia a um interesse comum a ambas as partes.

26) -Após a cessação de fornecimentos em Abril de 2010, a Autora nunca interpelou a R. para retomar os consumos ou para pagar qualquer quantia a título de consumos não atingidos.

                                                       

Não se provaram os seguintes factos:

1- Que até 08 de Junho de 2006, a Ré tenha adquirido 33.823,88 litros de produtos da Autora e 41.657,01 litros no período seguinte.

2- A Autora acordou com a Ré na construção e manutenção de uma esplanada no estabelecimento desta, a qual foi toda “forrada” com publicidade à principal marca da Autora, a ..., o que não cumpriu.

3-Ao incentivo pecuniário referido na cláusula 2, acrescia o valor de Esc. 500.000$00 a ser pago pela A. anualmente.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:    - se a cláusula penal accionada pela Autora, por incumprimento contratual da Ré/recorrente, deve ser reduzida para um valor entre € 10 000,00 a € 15 000,00, por continuar a ser excessivo o valor fixado no Acórdão recorrido - € 76 000,00.

 - se viola o princípio da proporcionalidade fixar valor que exceda o requerido.

Vejamos:

O Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10.3.2017, determinou, ordenando a baixa do processo, que a Relação se devia pronunciar sobre o montante da cláusula penal “por via da [sua] redução equitativa”.

A  fls. 803, na fundamentação, afirmou:

“…Com o cumprimento integral do contrato pela Ré, a Autora ora recorrida teria logrado obter desta o montante total de € 174.000,00 (correspondente ao preço dos 150.000 litros de cerveja à razão de 1,16 €/l), valor a que abatida a importância do incentivo pecuniário de 5.500.000$00 (equivalente a 27.433,88) e desconsiderada a oferta dos barris de cerveja, se traduziria num saldo de € 146.566,00 a seu favor.

Incumprido, porém, o contrato nela Ré e fazendo a Autora funcionar, com esse fundamento, a cláusula penal, ela (Autora) obteria não só exactamente o mesmo saldo de € 146.566,00 (€ 47.261,88 € correspondente aos 40.743 litros de cerveja fornecidos + € 126.738,12 da pena, soma a que deverão abater-se os € 37.433,88 do incentivo pecuniário).

Mas, para além disso, arrecadaria ainda cerca de ¾ do total da cerveja contratada, precisamente 109.257 litros do total contratado.

Isto é, o funcionamento da sanção prevista em tal cláusula – unilateralmente estabelecida pela autora ora recorrida – proporciona-lhe proveito francamente superior ao cumprimento do contrato, pois lhe permite receber o correspondente ao preço total dos 150,000 litros de cerveja objecto do contrato, sem os correspondentes custos designadamente de produção e de transporte. E, para além disso, ficar com 109.257 litros do total da cerveja negociada, que pode vender a terceiro”.   

As partes, as Instâncias e o Supremo Tribunal de Justiça não questionaram que o contrato e as cláusulas em discussão se inserem no contexto do diploma das Cláusulas Contratuais Gerais – DL. 249/99, de 7 de Julho, e DL. 446/85, de 25 de Outubro.

Está em causa a interpretação do art.19º, nº1, c) do Dec. Lei nº446/85, de 25 de Outubro, com a “epígrafe cláusulas relativamente proibidas” que estatui:

 “São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que…consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”.  

Sousa Ribeiro, in “Direito dos Contratos, Estudos, Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais”, pág. 137, acerca da cláusula penal e do art. 19º da lei das ccg, em nota de rodapé, escreve: “Poder-se-á falar, a este propósito, de uma dupla predeterminação: a cláusula penal que, em si, já representa uma antecipação da fixação do quantum indemnizatório, não é acordada por ocasião da celebração do contrato (ou entre este momento e o da verificação do facto lesivo), mas previamente estipulada, no âmbito das c.c.g., antes da conclusão de qualquer negócio”.

Mais adiante, págs.144 e 145: “Este critério de controlo estabelecido no art. 19.º c) é de aplicação geral, não só às cláusulas penais por incumprimento do contrato, como ainda à prévia estipulação das quantias devidas por factos extintivos lícitos, admitidos por lei ou pelo programa relacional, mas impositivos da obrigação de indemnizar…é pela alínea c) do art. 19º que deverá ser medida a predeterminação, em caso de revogação, denúncia antecipada ou desistência de um contrato, das prestações a efectuar ou a reter, como compensação de desvalorizações sofridas ou de lucros cessantes.

Nestes casos, na fixação da indemnização, devem ser contabilizados os gastos que o predisponente poupou com a extinção antecipada do contrato.”

Do contrato consta uma cláusula penal: a Cláusula 4.5:

   “Se no termo do prazo referido na cláusula terceira[2] o REVENDEDOR não tiver efectuado o volume de compras aqui estabelecido, a SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS poderá exigir uma indemnização, pelo incumprimento, que por acordo, se estipula ser igual ao valor das bebidas não adquiridas, considerando-se, para o efeito, o P.V.R. praticado pela CENTRAL DE CERVEJAS à data do incumprimento para a cerveja Sagres de barril”.

O Acórdão recorrido – a fls. 844 – depois de referir a função compulsória da cláusula penal em apreço, fixou-a em € 76 000,00, o que equivale a uma redução de 40% do valor fixado no primeiro Acórdão da Relação - € 126 783.12,00 – fls. 699 a 730.

A Recorrente ainda assim pretende que valor seja fixado numa quantia que fique no intervalo € 10 000,00 a 15 000,00, valor este que seria o máximo.

Argumenta nas alegações, com as suas circunstâncias: ser uma pequena sociedade, com menos de 10 trabalhadores, e que a não fixação do valor que indica “significa a sua destruição, a sua insolvência, a impossibilidade da mesma continuar a laborar, o despedimento dos seus trabalhadores, em prejuízo total do comércio e do tráfego jurídico-económico, no fundo, daquilo o que o Direito visa precisamente salvaguardar.”

Vejamos:

O art. 810º, n.º1, do Código Civil estatui: “As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível, é o que se chama cláusula penal”.

           

O art. 811º rege sobre o funcionamento de tal cláusula:

 “1. O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário”.

               2. O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes”.

           

E o n.º3 dispõe: - “O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal ”.

           A cláusula penal, que fixa a indemnização, a forfait, pode ser compensatória ou moratória. Como ensina o Prof. Galvão Telles, in “ Direito das Obrigações” – 6ª edição, pág.448:

 “A cláusula penal pode ser estabelecida para o incumprimento (definitivo) do contrato ou para a simples mora. A primeira diz-se cláusula penal compensatória; a segunda cláusula penal moratória.
A cláusula penal compensatória não pode obviamente cumular-se com a realização específica da obrigação principal. A cláusula penal moratória pode cumular-se, visto se destinar apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento”.

No mesmo sentido Calvão Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, edição de 1987 /247.

    “A cláusula penal é a estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento” – cfr.Das Obrigações em Geral”, Antunes Varela, 5ª edição, vol. II, pág.137.

            Do mesmo civilista: “A cláusula penal é normalmente chamada a exercer uma dupla função, no sistema da relação obrigacional. Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena convencional... A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva, onde pontifica o direito criminal” – págs. 137/138.

           

            O Professor Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização”, págs. 604 e 605, refere-se à cláusula penal cujo “escopo é puramente coercitivo e a sua índole, por isso, exclusivamente compulsivo-sancionatória. A especificidade desta cláusula traduz-se no facto de ela ser acordada como um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento.

   Trata-se, como é óbvio, de espécie diversa da que é contemplada no art. 810.°, n.°1: enquanto esta norma define a cláusula penal como a fixação, por acordo, do montante da indemnização exigível, a pena estritamente compulsória, pelo contrário, não visa reparar o credor, o dano do incumprimento não é considerado pelas partes ao ser estabelecido o seu montante.

  A finalidade da mesma é de ordem exclusivamente compulsória, destina-se, tão-só, a pressionar o devedor ao cumprimento, não a substituir a indemnização a que houver direito, nos termos gerais”.

Acerca da excessividade da cláusula penal e dos elementos que deverão ser ponderados em vista da sua redução, o Professor Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização” - Colecção Teses – Almedina, págs. 743 e 744/755, ensina:

 “Perante a superioridade de determinada pena, o juiz só poderá concluir pelo seu carácter “manifestamente excessivo” após ponderar uma série de outros factores, à luz do caso concreto que um julgamento por equidade requer. Assim, a gravidade da infracção, o grau de culpa do devedor, as vantagens que, para este, resultem do incumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes, a sua boa ou má fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e, designadamente, eventuais (contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal, são, entre outros, factores que o juiz deve ponderar para tomar uma decisão.

Julgamos importante acentuar, porém, de novo, um aspecto, o qual requer particular atenção: o tribunal não pode deixar de ter em conta a finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal, a fim de averiguar, a essa luz, se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos contraentes.

 Significa isto, por conseguinte, que os mencionados factores, ou outros, terão uma importância relativamente diferente, consoante o escopo das partes, ou seja, a espécie de pena acordada.

Assim, enquanto na pena estipulada a título indemnizatório o grau de divergência entre o dano efectivo e o montante prefixado assume importância decisiva, o mesmo não sucederá quando se trate de uma pena convencionada como sanção compulsória…”.

       Sendo a cláusula penal manifestamente excessivaaberto fica o caminho para a sua redução, em termos equitativos, ao abrigo dos art. 812º do Código Civil.

Dispõe este normativo:
“A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.” - nº1;
“É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida” – nº2.

“I – A cláusula penal traduz-se numa liquidação convencional antecipada dos prejuízos, feita “a forfait”, visto não se saber ainda qual o valor real dos prejuízos, nem mesmo se eles virão a produzir-se.

II – O tribunal só tem o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva e não já a cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano.

 III – O objectivo da redução da cláusula manifestamente excessiva é revê-la em função do seu manifesto exagero, de modo a torná-la equitativa, atendendo aos interesses em jogo e não à circunstância fortuita de, eventualmente, os prejuízos se revelarem muito baixos ou até inexistentes.

IV – O ónus da prova do manifesto excesso recai sobre o devedor que pretende a redução da cláusula penal.” - Ac. da Relação de Lisboa, de 20.5.96, in CJ 1996, III, 203.

Importa, para que haja redução da cláusula penal, que a desproporção entre a sanção para a violação do contrato e os prejuízos sofridos pelo credor seja manifesta, no sentido de chocante, exagerada. Daí que não seja legítimo abstrair do tipo contratual em causa e das implicações económicas que advêm para a parte que não deu causa ao incumprimento em sentido lato.
A cláusula penal, tem um fim punitivo que só será ilegítimo se houver uma chocante desproporção, entre os danos que previsivelmente o devedor causar com a sua conduta, e a indemnização prevista na cláusula para os ressarcir.
 O devedor que pretender a redução da cláusula penal com fundamento na sua excessividade manifesta, carece de alegar e provar os factos pertinentes, não sendo a questão de conhecimento oficioso pelo Tribunal.
A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente - art. 812, nº1, do Código Civil.
Ensina Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1987, pág. 273:
A intervenção judicial do controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter a forfait.
Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao Juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente".
E mais à frente, observa o mesmo Autor:
“A decisiva condição legal da intervenção do tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva, - não basta uma cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano -, de uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra de excesso extraordinário, enorme, que salte aos olhos.
Tem de ser, portanto, uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária, entre o dano causado e a pena estipulada, mas já não a ausência de dano em si” (obra citada, pág. 274).
"Do que fica dito, é claro que o Juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva, e que só tem o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva e não já a cláusula excessiva.
Uma cláusula penal de montante superior (mesmo excessivo ao dano efectivo não é proibida por lei, não tendo o Juiz poder para a reduzir.
Do mesmo modo, a ausência de dano, por si só, não legitima a intervenção judicial” (obra citada, pág. 276).
Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não poderá deixar de atender: à natureza e condições de formação do contrato; à situação económica e social das partes; aos seus interesses patrimoniais e não patrimoniais; ao prejuízo previsível no momento da outorga do contrato e ao efectivo prejuízo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor; ao próprio carácter a forfait da cláusula; à salvaguarda do seu valor cominatório.
O tribunal deverá usar da faculdade de redução da cláusula penal, que lhe é conferida pelo citado art. 812, nº1, do Código Civil, quando houver elementos que, segundo um critério de equidade e de justiça, apontem para um manifesto excesso da cláusula penal - (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 7-11-89, BMJ 391-565).

            No contrato de fornecimento que foi celebrado com a Ré, esta obrigou-se a adquirir € 150 000 litros dos produtos constantes do Anexo I, mas apenas adquiriu 40 743 litros, ou seja, cerca de 27%. No contrato, a Autora entregou à Ré um incentivo pecuniário e outras contrapartidas no valor de € 33 654,00.

  A recorrente pretende que a cláusula penal, malgrado o seu carácter sancionatório, se situe nos parâmetros do dano efectivo, esquecendo que o fim da cláusula é não só a indemnização pelo incumprimento fixada a forfait, mas também compelir o devedor a cumprir, não sendo, por isso, aferida pelo valor matemático do incumprimento, desde logo por ser fixada ex ante.

    A redução da cláusula penal, ao abrigo do art. 812º, nº1, do Código Civil, pressupõe que esta seja manifestamente excessiva, devendo a excessividade ter em conta os critérios que referimos.

            A cláusula penal prevista de € 126 000,00 foi reduzida em 40% para o valor de € 76 000,00, pelo que a redução pretendida para o valor máximo de € 15 000,00, esvaziaria o fim da cláusula, como pena que visa sancionar o incumprimento e que para cumprir o seu fim, no contexto de negociação contratual, deve ser superior ao valor do incumprimento puro e simples.

   A não ser assim, não teria qualquer função coercitiva ou compulsória uma cláusula penal que equivalesse ao valor real dos danos: não seria dissuasora do incumprimento.

   Como ensina Pinto Monteiro, in “Duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão. Diálogos com a jurisprudência”, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 146.°, N° 4004, Maio-Junho de 2017, págs. 312 e segs:

    “ […] Mas é sobretudo a função coercitiva ou compulsória da cláusula penal que uma tal afirmação põe decisivamente em causa, pois sempre essa função pressuporá que a pena deva constituir um incentivo ao cumprimento do contrato, o que deixará de suceder se o devedor souber, à partida, que nunca lhe pode ser exigido mais do que o valor da indemnização pelos danos sofridos pelo credor!

   Sim, digo eu, o credor poderá vir a receber mais pelo incumprimento do que receberia pelo cumprimento do contrato. Mas isso é imputável ao devedor: porque acordou uma cláusula penal e porque culposamente não cumpriu! São os princípios ia autodeterminação e da liberdade contratual a funcionar!”

            Nesta ponderação, não é fundamento para redução da cláusula penal por excessividade, apelando ao critério da equidade, a ponderação do valor do incumprimento, desprezando a função sancionatória e compulsiva da cláusula.

            A redução em 40%, operada pela Relação, afigura-se equitativa em função do valor inicial e das circunstâncias que importa ponderar à luz da equidade.

    Finalmente, não viola o princípio da proporcionalidade, dimanado do art. 18º da Constituição da República, o não atendimento da pretensão da Recorrente: importa não perder de vista que se trata de um contrato celebrado ao abrigo do princípio da liberdade contratual – art. 405º, nº1, do Código Civil – prevendo a lei remédio para sanar o desequilíbrio contratual que não se quadre com a margem de risco que qualquer negociação contratual comporta.

            Pelo quanto se disse o recurso soçobra.

            Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

            Decisão:

            Nega-se a revista.

            Custas totais, pela Autora e Ré, na proporção do decaimento.

  Supremo Tribunal de Justiça,  19 de Junho de 2018

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[1] Relator- Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida
[2] O contrato vigoraria até que a Ré adquirisse 150.000 litros dos produtos constantes do Anexo I ou pelo prazo de 5 anos a contar da data da sua assinatura, 8 de Junho de 2001, consoante o que primeiro ocorresse.