Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
297/12.3TTCTB.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
FUNDAMENTAÇÃO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 06/03/2015
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil” Anotado, 5.º, 143.
- PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia Editora, Lda., Ano 2012, p.44.
- PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, “Código Civil” Anotado, Vol. I, 4ªEd. Revista e Actualizada, Abril 2010, Coimbra Editora, p. 264.
- ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 2013, 6ª Edição, Almedina, pp.852, 857.
- ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 4.ª Edição, Almedina, pp. 785, Nota 175, 806.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 220.º, 287.º, 364.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 608.º, N.º2, 615.º, N.º1, 666.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 72.º, 77.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 343.º, 349.º, N.ºS 2 E 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28.02.1969, IN BMJ 184º, 253;
-DE 05.11.2002, PROCESSO N.º 047814, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 05.05.2005, PROCESSO N.º 05B839, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 12.05.2005, PROCESSO N.º 05B840, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 18.04.2006, PROCESSO N.º 06A871, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 21.05.2009, PROCESSO N.º 692-A/2001.S1, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 13.09.2011, PROCESSO N.º 2903/05.7TBCSC.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT ; DE 03.02.2011, PROCESSO N.º 1045/04.7TBALQ.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 30.04.2014, PROCESSO N.º 319/10.2TTGDM, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 09.07.2014, PROCESSO N.º 2934/10.5TTLSB.L1.S1;
-DE 05.11.2014, PROCESSO N.º 279/08.0TTBCL.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. No recurso de apelação interposto, não observando o Recorrente o formalismo definido no artigo 77º, nº1, do CPT, é de considerar extemporânea a nulidade arguida apenas na alegação do recurso, dela não podendo o Tribunal da Relação conhecer.

2. Se, não obstante a inobservância por parte do recorrente daquele formalismo processual, o Tribunal da Relação conhece da nulidade em questão, ao fazê-lo, conhece de questão cujo conhecimento lhe estava vedado, incorrendo, nessa parte, em nulidade de acórdão por excesso de pronúncia.

3. O dever de fundamentação, com raiz jurídico-constitucional (Art.205º/1), não prescinde de uma parametrização gizada à luz do princípio da adequação e/ou razoabilidade e/ou proporcionalidade, de modo a que a mesma fundamentação seja, no mínimo, suficiente, inteligível, congruente.

4. A decisão de despedimento tomada pelo empregador, para além de, por necessário, provir de ato unilateral deste, tem de ser inequívoca quanto à eficácia extintiva da declaração revelada ao trabalhador. 

5. O acordo firmado entre empregador e trabalhador, nos termos do qual este fica com a loja onde trabalhava por conta daquele e passa a explorá-la por sua própria conta, criando uma empresa para o efeito, consubstancia um facto jurídico superveniente com efeito extintivo da primitiva relação laboral.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

 I. RELATÓRIO

1. AA intentou, no Tribunal do Trabalho de C..., em 14.12.2012, ação declarativa, sob a forma comum, contra BB, LDA, pedindo:

A) Que se reconheça a ilicitude do despedimento do A., por violação das disposições conjugadas dos arts. 358º, 359º, 368º e 384º, todos do CT;

B) A condenação da R., em resultado daquele despedimento ilícito, no pagamento ao A. do montante global de € 35.949,38, com a seguinte discriminação parcial:

B1) € 15.196,00, com referência a créditos vencidos, resultantes de diferenças salariais de categoria;

B2) € 758,00, a título de subsídio de férias não pago, referente ao ano de 2011;

B3) € 19.915,38, a título de indemnização de antiguidade em substituição da reintegração.

C) A condenação da R. no pagamento de custas e demais encargos.

Alegou, em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da R., em 06 de junho de 1994, para exercer, por conta e sob a autoridade e direção da R. e por tempo incerto, a sua atividade profissional de 2º caixeiro, na prática foi contratado para exercer as funções de gerente de loja, ou seja caixeiro encarregado como efetivamente sempre exerceu ao longo da relação de trabalho estabelecida com a Ré.

Com data de 29 de dezembro de 2011, a R. enviou ao A. uma carta na qual declarou fazer cessar o contrato de trabalho através da extinção do posto de trabalho, declaração esta que surgiu na sequência de um pré acordo de cedência do estabelecimento ao A., a concretizar através de contrato de trespasse por conta da indemnização pela extinção do seu posto, extinção esta que visou unicamente enganar o A. pois nada impedia que aquele acordo de cedência do estabelecimento se concretizasse e nem sequer o mesmo estava condicionado a qualquer consentimento por parte do senhorio.

À data do despedimento, o A. auferia a remuneração mensal líquida de € 627,00, tinha a categoria profissional de caixeiro encarregado, conforme Anexo I do CCT, correspondendo, nos termos do Anexo II, à retribuição certa mínima de € 713,00 mensais.

Ao referido vencimento acrescia o valor, a título de diuturnidades, de € 31,50 mensais, uma vez que o A. tinha acumulado 3 diuturnidades, por desde sempre ter permanecido na mesma categoria profissional.

Tinha igualmente direito a abono de falhas no valor de € 13,50 mensais, que nunca lhe foi pago, nos termos da cláusula 17ª, do citado CCT.

A retribuição base líquida mensal do A. deveria ser, desde pelo menos 01 de janeiro de 2004, de € 758,00, acrescida do respetivo subsídio de refeição, pelo que, desde a referida data, a Ré pagava mensalmente ao A. menos € 131,00.

2. Realizada, sem êxito, a audiência de partes, contestou a R. suscitando, embora de forma não expressa, a exceção perentória da remissão abdicativa, alegando, para o efeito, que o A. fez uma declaração onde refere estar completamente ressarcido de todos os créditos resultantes da cessação do contrato, não alegando coação ou falsidade da mesma.

Mais alegou que a relação contratual findou a pedido do A., não extinguiu posto de trabalho nem despediu qualquer trabalhador, foi o A quem mostrou interesse em iniciar uma atividade por conta própria na loja explorada pela Ré, mas como não tinha qualquer disponibilidade financeira, não foi acordado qualquer trespasse. O A. comunicou que iria constituir uma sociedade para a cedência da posição contratual e tratar do assunto junto do senhorio. A cessação do contrato de trabalho nunca esteve condicionada a qualquer trespasse. Concluiu pela improcedência da ação.

3. Findos os articulados, saneado o processo, prosseguiram os autos a sua tramitação sem convocação da audiência preliminar e sem ter havido lugar à seleção dos factos provados e à fixação de base instrutória.

Após realização do julgamento e decidida a matéria de facto veio a ser proferida sentença com a prolação do seguinte decisum:

«a) Julgar improcedente a exceção perentória da remissão abdicativa suscitada pela R. e, por consequência, absolver o A. de tal pedido;

b) Declarar a ilicitude do despedimento do autor efetuado pela R. e, em consequência:

c) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 13.028,75 (treze mil e vinte oito euros e setenta e cinco cêntimos) a título de indemnização por antiguidade;

d) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 758, 00 (setecentos e cinquenta e oito euros) a título de subsídio de férias respeitante ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato (2011);

e) Condenar a Ré a pagar ao A. as diferenças salariais decorrentes da operada reclassificação da categoria de caixeiro de 1.ª para a de caixeiro encarregado, a partir de Janeiro de 2004 até à data da cessação do contrato, sendo que ao A. é devido desde essa data o vencimento base de € 713,00, mais € 31,50 de diuturnidades e € 13,50, a título de abono para falhas.

8. Inconformado com a decisão, a R. dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.

9. Contra-alegou o recorrido, a pugnar pela improcedência do recurso, requerendo, do mesmo passo, a ampliação do objeto do recurso, nos termos do artigo 636.º do Novo Código de Processo Civil (NCPC), para a hipótese de vir a decair na ação.

10. O Tribunal da Relação de Coimbra julgou a apelação totalmente procedente, em função do que revogou a sentença recorrida com a consequente absolvição da ré da totalidade dos pedidos.

11. Contra esta decisão insurge-se o A., AA, no recurso de revista que interpôs para este Supremo Tribunal de Justiça, alinhando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«A.- O recorrente espera obter suprimento relativamente às nulidades invocadas, junto do respetivo Tribunal “a quo”, e assim deverá do ponto 9 da matéria de facto assente, ser eliminada a expressão a pedido do autor, com base em ostensiva contradição entre a fundamentação e a decisão devendo ainda ser eliminada a matéria de facto entretanto aditada, por manifesta e ostensiva falta de fundamentação, nulidades estas, arguidas ao abrigo, respetivamente, das alíneas c) e b) do nº1, do art. 615º do CPC; 

A1.- Porém e prevenindo a hipótese de improcedência o recorrente desde já convoca (requer) o conhecimento por parte deste Venerando Tribunal, das aludidas nulidades ao abrigo do disposto na al. c), do n.º 1, do art.º 674.º, do CPC, dando-se aqui integramente por reproduzidas as conclusões de 1 a 9 supra apresentadas junto do Tribunal “a quo”;

A2.- Acresce que relativamente ao pedido do recorrente de alteração da matéria assente pontos 9, 18 e 24, o tribunal a quo julgou este pedido totalmente improcedente por violação do princípio do dispositivo;

A3.- Admitamos, sem conceder, que o recorrente efetivamente nunca alegou esta matéria nos seus articulados, estava o mesmo impedido de questionar a emissão e datas apostas naqueles documentos, como o Tribunal Singular veio a julgar?

A5.- Como é jurisprudencialmente aceite se no decurso da produção de prova surgirem factos instrumentais ou essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das exceções deduzidas que não importem a modificação da causa de pedir e do pedido, e não havendo base instrutória, o Tribunal deve tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre tais factos tenha incidido discussão (contraditório), no fundo é o que preceitua o art.º 72.º/1, do CPT;

A6.- Revertendo aquela doutrina para o caso sub judice não há dúvida que tal matéria foi efetivamente discutida em julgamento, mesmo não havendo base instrutória…!!!

A7.- A este respeito cita-se a título meramente exemplificativo o sumário do douto Acórdão do STJ, de 09.01.2008: Proc.07S2906. (dgsi.net):
“ O poder cognitivo do tribunal em relação aos factos não articulados e relevantes para a decisão da causa, que a lei do processual laboral consagra na fase de audiência e julgamento (art.º 72.º do CPT), e observado que seja o princípio do contraditório, há de conter-se na causa de pedir e no pedido.”

A8.- Assim esta concreta questão, de pedido de alteração daquela matéria de facto em sede de recurso, remete-nos diretamente para outras duas questões, por um lado saber se aquela factualidade importa alteração da causa de pedir e pedido e por outro se sobre esta questão foi produzida prova sujeita a contraditório.

A9.- O recorrente configurou o seu pedido no incumprimento do acordo revogatório (causa de pedir), tendo em consequência deste incumprimento considerado que o encerramento da loja em 17.04.2012, extinguiu definitivamente o seu posto de trabalho, configurando assim um despedimento, ilícito uma vez que não foi precedido das legais comunicações o que lhe conferia o direito a receber as quantias peticionadas (pedido);

A10.- Acresce que do depoimento da testemunha CC (vide transcrição), a mesma esclareceu que os documentos 2, 3 e 4, juntos com a p.i., foram todos emitidos pela Ré em 27.12.2011 e rececionados pelo A. no dia seguinte 28.12.2011 que na mesma data assinou o doc. 4, declaração remissiva, e o enviou naquele mesmo dia à R., tendo sido a própria testemunha que os remeteu pelo correio, havendo portanto produção de prova contrária à que resultava dos autos.

A11.- Ora a matéria de facto cuja alteração o A. requereu, não convola nem modifica a causa de pedir nem o pedido que continua a ser o mesmo, o que outrossim se pretende é que fique provado que a declaração remissiva foi assinada antes da relação laboral ter terminado, tivesse esta acabado em 30.12.2011, como as instâncias deram como provado, ou posteriormente em 17.04.2012 como o A. sustentara, ou seja quando ainda era trabalhador da Ré, porém, quer numa situação quer noutra, como é jurisprudência pacífica, não pode a Ré prevalecer-se daquela declaração porque foi assinada anteriormente à cessação do contrato.

A12.- E se esta circunstância resultou inequivocamente da prova produzida em sede de discussão através da citada testemunha, única que depôs sobre estes factos, como ainda resulta à evidência que todos aqueles documentos foram emitidos pela Ré pelo tipo de letra e espaçamento utilizado (facto notório que não carece de alegação), não pode o Tribunal ignorar tais factos que embora instrumentais são essenciais para a boa decisão do pleito, isto mesmo que porventura (…) o A. não tivesse alegado aquela matéria, como infelizmente e infortunadamente, o Tribunal “a quo” julgou.

A13.- No entanto, o A. Recorrente na resposta às exceções deduzidas e sob os art.ºs 4.º e 13.º impugnou expressamente a emissão nomeadamente (d)os doc.ºs 2 e 4, referindo que estes documentos tinham sido emitidos pela Ré e seguidamente os enviou ao A. pela via do correio, tudo como aliás a referida testemunha referiu.

A14.- Portanto prova-se que a matéria cuja alteração foi suscitada nas contra-alegações a título subsidiário foi efetivamente alegada pelo apelado e recorrente pelo que estava o Tribunal “a quo”, uma vez que o recurso da apelante mereceu provimento, a conhecer do seu objeto, o que não fez, pelo que assim igualmente se encontra violado o art.º 72.º/1, do CPT e a al. d), do n.º 1, do art.º 615.º, do CPC.

B.- DA DECLAÇÃO ABDICATIVA OU REMISSIVA:

B1.- Está assente que o verdadeiro negócio celebrado entre recorrente e recorrida foi um acordo de revogação por mútuo acordo. (ponto 8 da matéria assente)

B2.- Também está assente que (o) recorrente só assinou a declaração abdicativa devido e por causa deste acordo. (ponto 24 da matéria assente)

B3.- Como igualmente é matéria assente (que) o recorrente nada recebeu a título de indemnização de antiguidade pela cessação do contrato de trabalho (ponto 23 da matéria assente)

B4.- A 1.ª Instância julgou nulo o referido acordo uma vez que não foi observada a sua forma legal, tendo em consequência julgado anulável por erro sobre a base do negócio, o contrato (ou declaração) de remissão abdicativa, e porque também aquela declaração não tem qualquer eficácia, conforme douta fundamentação constante da Sentença; 

B5.- É certo que o recorrente por sua vez invocou que os doc. n.ºs 2 e 4, eram nulos uma vez que todos eles consubstanciavam simulação de negócio, pois os seus efeitos estavam dependentes de uma condição – o trespasse e/ou cedência da loja;

B6.- Porém quer por força da anulabilidade assim julgada pela 1.ª instância quer por força da absoluta nulidade por simulação, invocada pelo recorrente, estamos perante vício da vontade, pois o negócio celebrado e querido pelas partes foi de facto o aludido acordo revogatório que tinha obrigatoriamente que ser celebrado por escrito, sob pena, de também ele (acordo) ser nulo.

B7.- Sucede que o Tribunal “ a quo”, julgou que a anulabilidade do negócio não é de conhecimento oficioso, uma vez que apenas tinha legitimidade para a arguir a pessoa em cujo interesse a lei estabelece, neste caso o recorrente, tendo em consequência revogado aquela decisão.

B8.- Porém a questão coloca-se: poderia o Tribunal “a quo” ter efetivamente decidido neste sentido?

B9.- É certo que em sede de alegações de recurso e conclusão 13 a Ré invoca a ilegitimidade do Tribunal Singular para a apreciar.

B10.- Esta invocação, inequivocamente consubstancia nulidade, o que obrigava à sua inerente arguição, como aqui o recorrente ora o faz, no requerimento de interposição de recurso e dirigido ao próprio Tribunal recorrido, possibilitando a esta instância supri-la(s)! art.º 77.º do CPT;

B11.- Tudo como aliás resulta da referida norma e da posição unânime da Jurisprudência pois a arguição de nulidades em Processo Laboral difere substancialmente do regime regra consagrado no processo Civil, neste sentido vide douto Acórdão de 8 de maio de 2012, proferido na revista n.º 263/06.8TTCSC.L1.S1, que novamente se reproduz:
«Na verdade, segundo o artigo 77.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo D.L. nº 480/99, de 9 de Novembro, “a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”.
Tal disposição é inequívoca acerca da forma que a arguição das nulidades da sentença deve assumir, em caso de recurso: essa arguição tem de ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.
Como se refere em Acórdão deste Supremo, de 20.01.2010, in www.dgsi.pt, Processo nº 228/09.8YFLSB:
“II - Tal exigência, ditada por razões de celeridade e economia processual, destina-se a permitir que o tribunal recorrido detete, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento, sendo que exigência é, igualmente, aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação, atento o disposto no art. 716.º, nº 1, do CPC.
III - Deste modo, está vedado às partes reservar a sobredita arguição para as alegações de recurso, pois se o fizerem o tribunal ad quem não poderá tomar dela conhecimento, por extemporaneidade invocatória”. E por via do disposto no artigo 716.º n.º 1 do C.P.C. – tal regime é igualmente aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação. É que havendo uma clara separação formal e temporal entre o requerimento e as alegações, impõe‑se que aquele contenha a adequada motivação da nulidade, a par, bem entendido, do seu prévio anúncio – por forma a que o órgão recorrido possa, desde logo, pronunciar-se sobre o vício aduzido…”

B12.- Ora segundo a mais autorizada Jurisprudência Nacional de que são exemplos acabados a doutrina supra sumariada contida nos doutos Arestos citados, está vedado ao Tribunal “a quo”, suprir toda e qualquer nulidade, sempre que a mesma não seja arguida pela pessoa em cujo interesse a lei a estabelece nos termos do art.º 77.º, do CPT.

B13.- Logo não podia o Tribunal “a quo”, suprir como o fez a aludida ilegitimidade pelo que ao fazê-lo violou o art.º 77.º/1, do CPT, o que consubstancia nulidade de decisão.

B14.- Em consequência a declaração de anulabilidade efetuada pela 1.ª Instância referente à declaração abdicativa é válida e eficaz, ou seja por outras palavras deixou pura e simplesmente de existir, tendo a douta Sentença, nesta concreta parte transitado definitivamente em julgado, e assim o recorrente não renunciou a nenhum dos créditos emergentes do contrato de trabalho e nem aqueles se extinguiram, porque foram tempestivamente reclamados.

C.- DO DESPEDIMENTO:

C1.- Em sede de articulados o recorrente invocou que o encerramento definitivo da loja da recorrida onde aquele prestava as suas funções para o qual fora contratado, ocorrido em 17.04.2012, configurava um verdadeiro despedimento pois sem dúvida com aquele encerramento e subsequente entrega da loja ao senhorio extinguiu o seu posto de trabalho.

C2.- A recorrida sustenta por sua vez que nunca despediu o recorrente, tendo sido este que manifestou interesse em iniciar uma atividade por conta própria, e que o acordo não foi concretizado porque o recorrente lhe transmitiu que iria constituir uma sociedade e tratar do assunto junto do senhorio nunca tendo sido informada de tal constituição.

C3.- Ora em face da dualidade das posições expostas a questão, uma vez mais, obriga a remeter para a prova produzida nos autos, testemunhal e documental, designadamente a troca de correspondência entre as partes.

C4.- Da prova testemunhal resultou que sobre esta factualidade a testemunha DD confirmou a versão da recorrida, tendo, todavia, a testemunha CC deposto em sentido absolutamente contrário sendo que os respetivos excertos daqueles depoimentos se encontram transcritos em sede alegações e contra-alegações de recurso, devendo, ainda, sublinhar-se que o Tribunal Singular julgou em igual medida, de isenção e crédito, ambos os depoimentos.

C5.- Todavia da troca de correspondência entre recorrente e recorrida, nomeadamente mails n.ºs 17 a 20 juntos com a p.i., constata-se que o recorrente fez tudo o que lhe era possível para que o acordo estabelecido com a recorrida fosse cumprido, sendo certo que nenhum destes mails lhe foi respondido pela recorrida.

C6.- Acresce que aqueles mails provam ainda que o senhorio nem sequer aceitava tratar do assunto do trespasse com o recorrente, vide doc.s 12 e 15 juntos com a p.i., e provam ainda que foram enviadas minutas de trespasse para a concretização do acordo.

C7.- Não houve, contrariamente à convicção do Tribunal “a quo”, como se comprova dos mails referidos, qualquer inércia por parte do recorrente na não consumação do acordo, como igualmente aqueles mails comprovam, que a questão da resolução do arrendamento não podia ser por si resolvida, pois o senhorio apenas admitia negociar com a recorrida/inquilina, e também não resulta que o acordo dependesse de uma eventual constituição de sociedade.

C8.- Pois se assim fosse a recorrida não deixaria de responder ao recorrente, que faltava constituir aquela suposta sociedade, que não era necessária pois as minutas de trespasse referiam a criação de uma empresa a título individual ou seja o recorrente coletar-se-ia como empresário em nome individual.

C9.- Ora o silêncio da recorrida face às solicitações contidas nos mails referidos apenas permite concluir, de forma inequívoca e objetiva, que de sua parte se encontravam cumpridos todos os requisitos acordados para a concretização do acordo, daí que não se consiga compreender o anátema (culpa), que lhe é imputado pelo Tribunal “a quo”, na não consumação do acordo.

C10.- Logo o despedimento consumou-se com a extinção do posto de trabalho ou seja, repita-se, com a entrega do arrendado ao senhorio, pois até aquela data era ainda possível celebrar o acordo ou retomar a sua atividade como funcionário da recorrida.

C11.- Porém esta questão perde agora todo o interesse porquanto, não é possível à recorrida reintegrar o trabalhador e sobretudo porque subsiste a declaração formal de extinção do posto de trabalho que não foi precedida das formalidades imperativas previstas nos art.ºs 366.º, 368.º, 369.º e 372.º, do Cód.º do Trabalho, pelo que nos termos do disposto do art.º 384.º do mesmo diploma legal, estamos perante um despedimento inválido e ilícito, o que lhe confere o direito de receber as quantias que judiciosamente lhe foram atribuídas na douta Sentença.

C12.- O Tribunal “a quo” ao julgar que a recorrida não despediu o recorrente fez errada interpretação dos art.ºs 366.º, 368.º, 369.º e 372.º e 384º, todos do Cód.º do Trabalho.»

11. Respondeu a Recorrida, BB LDA, concluindo:

11.1 No que concerne às apontadas nulidades da decisão recorrida:

1. Não se verifica qualquer das nulidades invocadas pelo Recorrente.

2. A alteração da matéria de facto, quer quanto ao facto 9 quer quanto ao aditamento dos dois factos decorrem da prova produzida, nomeadamente do depoimento da testemunha DD, cujo douto acórdão destaca passagens aí transcritas e que sustentam a alteração.

3. A não aceitação da alteração solicitada pelo Recorrido quanto à matéria de facto, igualmente não merece reparo atendendo a que não foi matéria articulada, nem objeto de contraditório.

4. Quanto à anulabilidade do negócio, não existem no processo quaisquer factos que sustentem tal decisão.

5. O conhecimento de tal matéria não é do conhecimento oficioso.

6. Acresce que o Recorrente não alegou tal anulabilidade.

7. Ainda que se verifique uma irregularidade formal, a mesma não se deve sobrepor à justiça material.

11.2 No âmbito do recurso:

DO DESPEDIMENTO

1. Face à matéria de facto provada e não impugnada, tal como refere o douto acórdão não se verifica nos presentes autos ter ocorrido por parte da aqui Recorrida a manifestação unilateral de fazer cessar o contrato.

2. De facto a Recorrida não despediu o Recorrente.

3. Tal como resulta provado e não impugnado tudo decorreu no âmbito de um processo por via de acordo.

4. Assim resulta provado face aos factos 8, 9 (com ou sem alteração).

5. Foi na sequência desse acordo (que) foi enviada a declaração referida no ponto 6 dos factos.

6. Conforme resulta provado - facto 8 - dos termos do acordo constava que o aqui Recorrente ficaria com a loja de C... para explorar por sua conta, criando uma empresa para o efeito.

7. Ainda nos termos desse acordo a aqui Recorrida voluntariou-se para junto do senhorio da loja conseguir que este mantivesse ao Recorrente as mesmas condições de que beneficiava, designadamente mesma renda.

8. De acordo com a documentação junta a fls. 35-44, cujo teor de dá por inteiramente reproduzido - ponto 12 dos factos assentes ¬ consta uma carta dirigida ao Recorrente com conhecimento aos senhorios a comunicar a intenção de cedência da posição contratual.

9. Não se encontra provado que o Recorrente tenha constituído a empresa.

10. De facto o acordo não se concretizou mas seguramente a causa não é imputável à Recorrida.

11. Igualmente se encontra provado que, a partir de 30/12/2011, o estabelecimento fechou as suas portas ao público, Ponto 17 dos factos, pelo que o encerramento definitivo não ocorreu em 17.04.2012.

12. Face ao aditamento constante do douto acórdão "O A. transmitiu à R. que iria constituir uma sociedade e tratar do assunto" junto do senhorio, a R. nunca foi informada de tal constituição.

13. De acordo com o facto provado nº 18 o Recorrido emitiu e entregou uma declaração datada de 30 de dezembro, cujo conteúdo se encontra provado no ponto 19 dos factos.

14. Não se verificando despedimento unilateral por parte da aqui Recorrida não pode o Recorrente ter vencimento no seu pedido.

DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO / VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO DISPOSITIVO

15. Quanto à decisão sobre alteração/aditamento à matéria de facto não assiste qualquer razão ao Recorrido.

16. O aditamento efetuado resulta claramente do depoimento da testemunha DD, transcrito no douto acórdão no qual se pode ler: "Do seu depoimento destacamos as seguintes passagens.”

17. De facto perante as passagens constantes do douto acórdão, e considerada(s) como destacantes (sic) são suficientes para justificar a alteração da matéria de facto quer quanto ao ponto 9 quer quanto ao aditamento dos dois factos indicados.

18. Quanto à alteração da matéria de facto solicitada pelo aqui Recorrente, o douto acórdão é claro quanto à sua rejeição.

19. Não foram factos articulados, não são do conhecimento oficioso nem tão pouco foi objeto de discussão.

DA REMISSÃO ABDICATIVA

20. Quanto a esta matéria concorda-se inteiramente com a decisão constante no douto acórdão.

11. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido despacho liminar a ordenar o reenvio do processo ao Tribunal da Relação para se pronunciar sobre as nulidades arguidas [Art. 77º/1 CPT].

12. Em Conferência, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 16 de outubro de 2014, pronunciou-se pela improcedência das arguidas nulidades. [Fls.310-313]

13. Admitido o recurso, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer, onde concluiu no sentido de ser de manter o acórdão recorrido, Parecer que, notificado às Partes, não mereceu reação.


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14. DELIMITAÇÃO OBJETIVA DO RECURSO

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber:
i. O Acórdão recorrido é nulo por: (a) «ostensiva contradição entre a fundamentação e a decisão»; (b) «manifesta e ostensiva falta de fundamentação; (c) omissão de pronúncia sobre questão que devesse ser apreciada e conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento. [Art. 615º nº1 alíneas b), c) e d) do CPC/2013]?
ii. O A. foi objeto de um despedimento ilícito?
iii. Declaração abdicativa remissiva: (a) anulável por erro sobre a base do negócio? (b) Ou, válida e eficaz?


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II FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a factualidade tida por provada no acórdão sob recurso:

1. A R., “BB, LD.ª,” explora a atividade de indústria e comércio de edição, distribuição, livraria e papelaria (art.º 1.º da p.i.).

2. Na prossecução e desenvolvimento do seu objeto social a R., em 06 de Junho de 1994, admitiu o A. ao seu serviço, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo incerto, para o A. exercer por conta e sob a autoridade e direção da R. e por tempo incerto, a sua atividade profissional de 2.º caixeiro (artºs. 2.º, 3.º e 4.º da p.i.).

3. O A. dirigia o serviço e pessoal, coordenava e controlava o trabalho e as vendas do estabelecimento, executando as tarefas de venda de mercadoria a retalho por encomenda ou diretamente ao cliente, apresentando o produto, registando e discriminando os elementos constitutivos da fatura/recibo, fazendo a contagem física das mercadorias para inventário de existências e embalando-a, colaborando na preparação, montagem e realização de feiras do livro, zelando pela segurança da loja e desempenhando quaisquer outras funções que lhe fossem solicitadas (artºs. 5.º e 6.º da p.i. e art.ºs 3.º e 4.º da contestação).

4. No estabelecimento da Ré, Livraria “BB”, sita na Av.ª …, n.º …, em C..., com o horário de trabalho de 40 horas semanais e mediante a remuneração ilíquida de 85.000$00 mensais, acrescida de 10.000$00 de subsídio de refeição e de 30.000$00 de comissão de vendas (artºs. 7.º, 8.º e 9.º da p.i.).

5. Esta relação manteve-se assim até 29.12.2011 (art.º 11.º da p.i. e 7.º da contestação).

6. Data em que a R., por carta enviou ao A. a seguinte declaração:

“Por nos ser de todo impossível continuar a manter a nossa livraria de C..., face à inviabilidade económica e à crise de mercado livreiro, é com pesar que somos levados a extinguir o posto de trabalho existente no referido estabelecimento e a encerrar este último” (art.º 12.º da p.i.).

7. Com efeito, a Ré desde 2008/2009 que vinha atravessando grave crise económica incumprindo sistematicamente a sua obrigação de pagamento pontual do salário ao A., começando a realizar pagamentos fraccionados de 25%, 50% por conta do salário, o que também aconteceu com outros seus trabalhadores, tendo inclusivamente muitos destes suspendido o seu contrato de trabalho (art.º 14.º da p.i.).

8. Devido, também, à factualidade mencionada no ponto 7., A e Ré acordaram em que aquele ficaria com a loja de C... para explorar por sua conta, criando uma empresa para o efeito e escolhendo os livros com que ficaria, e a Ré voluntariou-se para junto do senhorio da loja conseguir que este mantivesse ao A. as mesmas condições de que beneficiava, designadamente a renda da mesma (artºs. 13.º e 15.º da p.i. e 29.º, 30.º, 31.º, 32.º/2 (encontra-se repetido), 33.º e 34.º da contestação).

9. Na sequência do acordo acima mencionado, a Ré elaborou e assinou, em 29.12.2011, a declaração junta a fls. 19, na qual, declara extinguir o posto de trabalho da sua livraria de C... face à sua inviabilidade económica e à crise no mercado livreiro, tendo preenchido, a pedido do autor, a declaração da situação de desemprego junta a fls. 20-21. ([1])

10. Após 29.12.2011, o A fez vendas e depositou os correspondentes valores monetários na conta do EE, com o NIB … (art.º 17.º e 18.º da p.i. e 6.º e 7.º da resposta”).

11. O A recebeu as quantias monetárias, a título de ordenados, por banda da Ré, discriminadas no extracto de conta bancária de fls. 31-33 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido (art.º 19.º da p.i. e 22.º da contestação).

12. Dá-se por inteiramente reproduzido o teor dos documentos juntos a fls. 35-44 (art.º 20.º da p.i. e 35.º e 36.º da contestação).

13. No dia 17 de Abril de 2012, a Ré procedeu à retirada de todos os livros (Artº 23º da p.i.).

14. O acordo mencionado no ponto nº 8 não se concretizou (artº 27º e 28º da p.i.).

15. O A. atualmente tem apenas como único rendimento o subsídio de desemprego no montante de € 441,60 durante um período de cerca de 30 meses (art.º 51.º da p.i.).

16. No recibo de vencimento do A., em 2005 e 2011, constava como “categoria” a de “caixeiro de 1ª” (art.º 5.º e 6.º da contestação).

17. A partir de 30.12.2011, o estabelecimento fechou as suas portas ao público (artº 8º da contestação).

18. O A. por seu lado emitiu e entregou à R. a declaração datada de 30 de dezembro de 2011 (artº 12º da contestação).

19. De acordo com o seu conteúdo, o A. «declara para todos os efeitos que se encontra completamente ressarcido de todos os créditos resultantes da cessação do contrato de trabalho que possuía com as Publicações BB, ocorrida em 30 de Dezembro de 2011, nada mais tendo a reclamar desta empresa a que título for» (art.º 13.º da contestação).

20. A partir de 30 de dezembro de 2011, o A. manteve na sua posse as chaves do estabelecimento e o total acesso ao mesmo (art.º 16.º da contestação).

21. Chaves que se recusou a entregar, tendo a R. tido necessidade de proceder à substituição da fechadura para ter acesso ao estabelecimento (artº 17º da contestação).

22. O A. não tinha qualquer disponibilidade financeira para investimento [artºs. 32.º/1 (encontra-se repetido) da contestação].

23. A Ré nada pagou ao A. a título de indemnização pela antiguidade pela cessação do contrato de trabalho (artº 4º da resposta).

24. O A. subscreveu a declaração junta a fls. 22 por causa e devido ao acordo mencionado no ponto nº 8 (artºs. 20.º, 21.º e 23.º da resposta).

25. Todos os trabalhadores da ré se encontravam na mesma situação no que respeita aos pagamentos. ([2])

26. O A. transmitiu à R. que iria constituir uma sociedade e tratar do “assunto” junto do senhorio, a R. nunca foi informada de tal constituição”. ([3])

III. CONHECENDO

1. O Acórdão recorrido é nulo por:

(a) Ostensiva contradição entre a fundamentação e a decisão? 

(b) Manifesta e ostensiva falta de fundamentação?

(c) Omissão de pronúncia sobre questão que devesse ser apreciada e conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento?

1.1 Nos termos do artigo 615º, nº1, do NCPC é nula a sentença quando: a) (….); b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Esta norma é aplicável à 2ª Instância, como decorre do art. 666º/1 do mesmo diploma legal.

O primeiro fundamento da nulidade do acórdão identifica-o o Recorrente com a contradição entre os fundamentos e a decisão, ou dizer, em termos breves, com a emissão de duas proposições contrárias entre si pois que não podem ser simultaneamente verdadeiras ou falsas.

Contradição/oposição por força de uma ilogicidade intrínseca: «ocorre quando a fundamentação adotada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário)» ([4])

Um vício que importa não confundir com o error in iudicando. Vale dizer, a oposição entre os fundamentos de facto e/ou de direito nada tem a ver com o erro de interpretação fáctico-‑jurídica ou de aplicação jusnormativa: se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento (error in iudicando), não erro de procedimento (error in procedendo). ([5])

O segundo fundamento da nulidade do acórdão identifica-o o Recorrente com a falta de fundamentação.

O dever de fundamentação encontra, desde logo, fundamento jurídico-constitucional na norma ínsita no artigo 205º/1 da Constituição da República: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

É, aliás, pelo cumprimento de tal dever que a iuris dictio logra, de uma parte, conseguir a auto- ‑legitimação democrática e, de outra, proporcionar às partes a razão ou razões seja do ganho de causa seja do decaimento nas pretensões formuladas, propiciando, relativamente a estas, a formulação de um juízo quanto à viabilidade de uma impugnação recursiva.

Fundamentação: com que limites?

O entendimento praticamente unânime, ao nível deste Supremo Tribunal de Justiça, aponta para limites apertados, de acordo com os quais, em formulação negativa, a falta de fundamentação apenas é identificável com a «total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão» ([6]), com a «falta absoluta da fundamentação de direito e não também (com) a sua eventual sumariedade ou erro» ([7]), não bastando, enfim, «que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente» ([8]), que seja «uma justificação deficiente ou pouco convincente, antes impondo ausência de motivação que impossibilite a revelação das razões que levaram à opção final» ([9] ).

Menos restritamente, entender-se-á porém, que, na obediência àquela exigência constitucional, a fundamentação não poderá obviar a uma parametrização gizada à luz daqueloutro princípio fundamental da adequação e/ou razoabilidade e/ou proporcionalidade, exigindo-se, desta arte, que a fundamentação seja, no mínimo, suficiente, inteligível, congruente.

Sob apreciação, em terceiro lugar, a omissão de pronúncia e o excesso de pronúncia.

Em causa, um vício que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no art. 608º, nº2 do NCPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia. 

Vício relativamente ao qual importa, ainda, definir o exato alcance do termo «questões» por constituir o punctum saliens da nulidade.

Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de Alberto dos Reis, na distinção a que procedia:
«[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»
«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.» ([10])

O mesmo é dizer, conforme já decidido nesta Secção Social, «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente».([11])

1.2 Expostos os princípios atinentes à identificação e compreensão dos vícios da sentença/acórdão, passemos à concreção e dilucidação dos vícios apontados pelo Recorrente ao Acórdão recorrido.

1.2.1 A primeira nulidade identificada pelo recorrente reside, como diz,
«[n]o facto de o tribunal a quo ter modificado o facto 9, da matéria assente inserindo nela a expressão a pedido do autor, em nítida contradição com a fundamentação que anteriormente plasmou na parte dispositiva, e que é a seguinte: Presente os depoimentos das referidas testemunhas, depoimentos que o tribunal a quo reputou como coerentes e isentos e, dizemos nós credíveis, considerando ainda que nos depoimentos contraditórios deve ser dada prevalência à convicção formada pela 1ª instância não vislumbramos que tenha resultado provado que a situação da declaração de desemprego junta aos autos como Doc 3, bem como a declaração junta aos autos como Doc 2 (referida no facto 9) tenham sido emitidas com vista à formalização da cessação do contrato; que esta última declaração tenha sido emitida a pedido do autor e que a iniciativa de ficar com a loja de C... tivesse partido deste…»

Conclui, então:
«[e]sta alteração só (é) compreensível à luz de manifesto lapso pois não é possível afirmar um facto e seguidamente negá-lo, pelo que assim se constata que existe manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão (alteração efetuada em sentido absolutamente oposto ao afirmado)..» [Conclusões 3ª e 4ª da arguição de nulidades (Fls.235) por remissão da Conclusão A1 do Recurso de Revista (Fls.252]

No conhecimento da invocada nulidade, o Tribunal da Relação de Coimbra teve-a por improcedente, justificando:
«Lendo com atenção esta fundamentação, vê-se que só a declaração de “extinção de posto de trabalho” (doc. 2 junto com a p.i.) não foi passada a pedido do autor. Já assim não ocorreu com a declaração de desemprego que foi, como se deu como provado, passada a pedido do autor, ora recorrente[Fls.312]

Pari passu, apela o Tribunal da Relação a uma leitura atenta.

Uma leitura que, em primeiro lugar, dê conta que, na motivação emprestada à decisão de alteração da redação do Facto 9, são tomadas sob diferentes linhas de consideração, (i) ora a «Declaração de Situação de Desemprego» - junta aos autos como Doc. Nº3 (Fls. 20 e 21) -, (ii) ora a «Declaração» relativa quer à impossibilidade de manutenção da livraria de C..., quer ao encerramento do estabelecimento e à extinção do posto de trabalho – declaração junta como Doc. Nº 2 (Fls.19)

Explica, então, o Tribunal da Relação, no conhecimento da nulidade, que só esta última – dizer, a Declaração da «extinção de posto de trabalho» - não foi passada a pedido do autor, rectius, não resultou provado que tivesse sido passada a pedido do A.

Para uma mais ajustada compreensão da motivação sob apreço, e da clara distinção entre as Declarações que lhe subjaz, importa tomar em linha de conta a economia dos articulados e a decisão da matéria de facto, em 1ª instância, aqui e ali na parte pertinente.

Começou o A., ora Recorrente, por alegar que «Foi … da iniciativa da R. proceder à extinção do posto de trabalho enviando-lhe simultaneamente, recibo de quitação e declaração de situação de desemprego para que o A. formalizasse junto da IPSS pedido de antecipação total de subsídio de desemprego para criação de posto de trabalho» [Art. 16º da p.i., fls. 7]  

De sua vez a R., na contestação, alegou que «Com vista à formalização da cessação do contrato a R., a pedido do A., emitiu documento referente à declaração de situação de desemprego junto aos autos como Doc. 3, bem como a declaração junta aos autos como Doc. 2, datados de 29.12.2012» [Art. 9º da Contestação, Fls. 61]

Realizado o julgamento, o Tribunal de Trabalho de C..., por decisão de 16 de setembro de 2013 [Fls.127 a 131], considerou provado relativamente ao alegado por uma e outra partes, «que, na sequência do acordo acima mencionado [leia-se: «A. e R. acordaram em que aquele ficaria com a loja de C... para explorar por sua conta, criando uma empresa para o efeito…»], a R. elaborou e assinou, em 29.12.2011, a declaração junta a fls. 19, na qual declara extinguir o posto de trabalho da sua livraria de C... face à sua inviabilidade económica e à crise no mercado livreiro, tendo preenchido a declaração da situação de desemprego junta a fls. 20-21».

Em sede de recurso de apelação, A. e R. pugnaram, em sentidos divergentes, pela alteração da redação conferida ao Facto 9.

O Tribunal da Relação no conhecimento da questão, sob a epígrafe «Alteração da matéria de facto», ponderou: «A matéria do art. 9º encontra-se em parte descrita no facto 9 no qual não é referido, ao contrário do alegado no art. 9º, ter a emissão das declarações sido feita a pedido do autor tendo em vista a cessação do contrato

Mais adiante: «A alteração preconizada pela recorrente (a R.) assenta no depoimento da testemunha DD …», testemunha considerada pelo Tribunal recorrido como sendo «a ponte entre o A. e a R.»

Do respetivo depoimento – tido, numa e outra instâncias, como «coerente e isento» - o Tribunal da Relação destacou algumas passagens, nomeadamente: «O Sr. AA insistiu várias vezes que nós tínhamos que lhe passar, que a BB tinha que lhe passar uma carta para a segurança social e tinha que ser até 30 de dezembro…»

Referiu ainda o Tribunal da Relação o depoimento de uma outra testemunha, CC, como tendo contrariado, em parte, o depoimento prestado pela DD, na medida em que depôs no sentido de que a iniciativa de ficar com a loja de C... não partiu do A. mas sim da R. que pretendia chegar a um acordo de cessação contratual que passava por o autor aceitar “o trespasse da loja em troca do valor da indemnização dos anos em que ele lá passou”.

Feita esta resenha, mais fácil se torna compreender a explicação dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra no conhecimento da nulidade sob apreciação.

Dizer: imperioso se tornará distinguir a posição assumida pelo mesmo Tribunal de recurso relativamente a cada uma das declarações.

A significar, por um lado que, relativamente a uma e outra declarações – a «Declaração de Situação de Desemprego» como a «Declaração» relativa à extinção do posto de trabalho e enceramento do estabelecimento – não resultou provado que tenham sido emitidas com vista à formalização da cessação do contrato.

A significar, por outro, que não resultou igualmente provado que a iniciativa de ficar com a loja de C... tivesse partido do A., bem assim que a Declaração relativa à extinção do posto de trabalho e encerramento do estabelecimento tivesse sido emitida a pedido do A.

Dizer, ainda: o Tribunal da Relação não disse, em momento nenhum, que não tinha resultado provado que a Declaração de situação de desemprego tivesse sido emitida a pedido do A.

Ao invés, deduz-se em sentido confirmativo da alteração produzida pela introdução da expressão «a pedido do A.», com referência à dita Declaração de Situação de Desemprego, o arrimo no depoimento da testemunha DD, «destacado» na parte pertinente.

Destarte, inexiste qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão pelo que falece a razão ao Recorrente quando tem por certo que o Tribunal da Relação tanto afirmou um facto como verdadeiro como logo teve por igualmente verdadeiro o seu contrário.

1.2.2 Manifesta e ostensiva falta de fundamentação?

Impetrando a eliminação da «matéria de facto entretanto aditada, por manifesta e ostensiva falta de fundamentação», identifica o Recorrente o apontado vício nos seguintes termos:
«[a] factualidade constante do aditamento aqui impugnado não se encontra minimamente fundamentada pois naturalmente não basta referir “…No mais, tendo em conta que a matéria dos art.ºs 27º e 29º da contestação não se encontra totalmente plasmada no facto 7º, haverá que proceder à alteração da matéria de facto em conformidade, o que se fará depois de analisada a alteração preconizada pelo recorrido através da ampliação do recurso...”, sem especificar os concretos pontos e provas que justificam aquele aditamento…»[Supra I, 11, A)]

Dizer, no entendimento do Recorrente, o Tribunal da Relação não motivou a decisão de facto proferida no que concerne à alteração a que procedeu quando acrescentou ao acervo provado os factos constantes dos artigos 27º e 34º da contestação:
«Acontece que esta matéria foi amplamente discutida em sede de julgamento e julgada não provada, o que obrigava o Tribunal “a quo”, a fundamentar esta sua decisão (……).
Ora o Tribunal ao proceder aos referidos aditamentos teria necessariamente que motivar a sua convicção, especificando quais os concretos meios de prova que impunham aqueles aditamentos, sob pena de se verificar a mais completa falta de especificação, que aqui igualmente se arguiu nos termos, do art.º 615.º/1, al. b), do CPC».

Assiste a razão ao Recorrente?

No conhecimento da apontada nulidade, o Tribunal da Relação referiu:

 
«Só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão. Lendo o acórdão logo se alcança que inexiste falta absoluta de fundamentação. Pode esta ser deficiente, admite-se, mas esta deficiência não é causa de nulidade

Importará, então, indagar, a partir da fundamentação emprestada ao acórdão recorrido, se o Tribunal da Relação motivou ou não a alteração do quadro fáctico a que procedeu quando lhe acrescentou os factos constantes dos artigos 27º e 34º da contestação.

No conhecimento das questões suscitadas por R./recorrente e A./recorrido, relativas à «Alteração da matéria de facto», o tribunal da Relação, na apreciação da pretensão adrede formulada pela R./recorrente, aditou à matéria de facto provada os seguintes factos:

“Todos os trabalhadores da ré se encontravam na mesma situação no que respeita aos pagamentos” (27º da Contestação)

“O A. transmitiu à R., que iria constituir uma sociedade e tratar do “assunto” junto do senhorio, a R. nunca foi informada de tal constituição” (34º da contestação).

A motivação desenvolveu-a nos seguintes termos:
«A matéria dos artigos 27º e 29º foi expressamente dada como não provada.
A matéria do artigo 34º foi respondida conjuntamente com a matéria dos artigos 3º, 15º da p.i. e 29º, 30º, 32º/2 e 33º da contestação dando origem ao facto 8 da matéria considerada provada.
A alteração preconizada pela recorrente assenta no depoimento da testemunha DD, cujas passagens a recorrente indica com referência à gravação efetuada tendo ainda procedido parcialmente à sua transcrição.
No despacho que decidiu a matéria de facto lê-se que: “…. Tal testemunha terá sido o elemento principal nas relações entre o A. e a R.
Com efeito, foi tal testemunha quem decidiu ir buscar os livros e mudar a fechadura da loja em 17.04.2012. Era a ponte entre o A. e a Ré.
A testemunha DD teve, no conjunto, um depoimento muito coerente e isento, nunca vacilando nas suas posições, mantendo o mesmo discurso mesmo em contrainterrogatório. Ou seja, tal testemunha esclareceu o tribunal de quais eram as intenções do A., designadamente que queria ficar com a loja de C... em face das dificuldades económicas da R., facto que ela transmitiu aos seu superior hierárquico, o Sr. FF, tendo sido trocada correspondência nesse sentido entre este e o A. Mais disse que pediu a um colega para que interferisse junto do senhorio para que mantivesse o valor da renda aquando da passagem da loja. A forma como cessou o contrato do A. não passou por ela, tendo apenas sido intermediária. Mais esclareceu que a R. se manteve a pagar a renda e as contas da loja até Abril sem que o A. tivesse resolvido o assunto com o senhorio e constituído uma sociedade, razão por que veio a C... e levou todos os livros, tendo arrombado a fechadura porque não tinha chaves, só o A. as tinha. Mais confirmou as dificuldades financeiras da Ré e o não pagamento pontual dos salários.”
Do seu depoimento, destacamos as seguintes passagens: “(…) a BB, como a maioria das empresas em Portugal, estava com muitas dificuldades financeiras, como ainda está, e nós tínhamos todos, salários em atraso, vários salários em atraso, houve uma série de situações que provocaram muita coisa, muitas pessoas saíram, suspenderam o contrato de trabalho, toda a gente estava em dificuldades económicas pessoalmente, o que é normal. O Sr. AA, demonstrou, um interesse de continuar o negócio, de ficar com o negócio, de se ir embora e ficar com o negócio aqui em C..., a loja digamos, para ele (…)
A loja de C... tinha uma renda de há muitos anos, uma renda mínima, (..) o senhorio disse que o Sr. AA podia continuar com o negócio, que o Sr. AA só queria continuar com o negócio nesse caso, que a loja ficava com a mesma renda e que o Sr. AA poderia ficar com a livraria.
O Sr. AA insistiu várias vezes que nós tínhamos que lhe passar, que a BB tinha que lhe passar uma carta para a segurança social e tinha que ser até 30 de Dezembro, porque ele conseguia uma situação que se não fosse nessa data não conseguia, porque conhecia alguém ou porque, pronto, tinha que ser até 30 de Dezembro.
(..) pedi na BB para lhe passarem a carta, (…) sempre na expectativa do Sr. AA tratar com o senhorio para tratarmos da situação uma vez que ele queria ficar com a loja e tinha que ser a partir, até 30 de Dezembro a loja tinha que fechar”.
O arrendamento passava para o nome do Srº AA… “Sim, Para uma empresa que ele teria que, uma empresa que o Sr. AA teria que constituir uma empresa, para poder fazer um arrendamento uma empresa ou em nome pessoal (…),
Isto foi em Agosto de 2011, que nós estávamos com muitos problemas financeiros, com salários em atraso, a empresa toda, e, o Sr. AA decidiu que não podia continuar dessa maneira e que (…) gostava de poder ficar com a loja, queria ficar com a loja, com aquela livraria, com aquele, com aquela renda. (…) E o Sr. AA pediu para ficar com a livraria. E insistiu n vezes, ele sabe disso, que tínhamos que lhe enviar a carta até 30 de Dezembro, de 2011 (…) o Sr. AA dizia-me que ia lá falar com ele (…) o Sr. AA dizia-me que ia lá falar com ele (senhorio) entretanto o faleceu, assim inesperadamente, e eram outras pessoas que tratavam do assunto, eles telefonavam também para mim, eles sabiam que a loja estava fechada, fechou em, em Dezembro e diziam-me que o Sr. AA não os contactou, que não sabiam de nada o que é que eles, o que é que nós pretendíamos fazer, e nós ficámos, aqueles meses todos à espera que o Sr. AA constituísse uma empresa, que tratasse com o senhorio”.
Este depoimento é contrariado, em parte, pelo depoimento da testemunha CC, a qual trabalhou na loja da ré em C... durante cerca de três anos e que segundo o tribunal a quo mereceu credibilidade dada a isenção e convicção que colocou no seu depoimento.
Ora, segundo esta testemunha (cfr. excerto transcrito nas contra alegações), a iniciativa de ficar com a loja de C... não partiu do autor mas sim da ré que pretendia chegar a um acordo de cessação contratual que passava por o autor aceitar “o trespasse da loja em troca do valor da indemnização dos anos em que ele lá passou”.
Presente os depoimentos das referidas testemunhas, depoimentos que o tribunal a quo reputou como coerentes e isentos e, dizemos nós, credíveis, considerando ainda que no caso de depoimentos contraditórios deve ser dada prevalência à convicção formada pela 1ª instância não vislumbramos que tenha resultado provado que a declaração de situação de desemprego junta aos autos como Doc. 3, bem como a declaração junta aos autos como Doc. 2 (referida no facto 9) tenham sido emitidas com vista à formalização da cessação do contrato; que esta última declaração tenha sido emitida a pedido do autor e que a iniciativa de ficar com a loja de C... tivesse partido deste.
No mais, tendo em conta que a matéria dos artigos 27º e 29º da contestação não se encontra totalmente plasmada no facto 7º, haverá que proceder à alteração da matéria de facto em conformidade, o que se fará depois de analisada a alteração preconizada pelo recorrido solicitada através da ampliação do recurso.»

Certo, outrossim, que no conhecimento da «alteração preconizada» pelo A./recorrido relativamente à alteração da matéria de facto, o Tribunal da Relação viria a tê-la por improcedente sob a seguinte justificação:
«[p]ercorridos os articulados não vislumbramos onde tenha sido alegada a matéria que agora se pretende ver como provada, sendo que não compreendemos o preciosismo de substituir a palavra “subscreveu” pela palavra “assinou”.
Improcede assim na totalidade a impugnação do recorrido

Manifestamente, deflui da motivação transcrita que o tribunal da Relação fundou a sua decisão arrimado já na motivação emprestada pelo tribunal da 1ª instância à decisão de facto, já no recurso, levado a cabo pelo próprio tribunal da Relação, ao depoimento da testemunha DD, dele destacando e transcrevendo as passagens tidas por atinentes à factualidade em causa e pertinentes à decisão, realçando-lhe valorativamente a circunstância de ser «elemento principal nas relações entre o A. e a R.»

Em face do que fica exposto, poderá o A./recorrente discordar quanto à livre convicção firmada pelo Tribunal da Relação. Não poderá, todavia, por óbvio, falar em falta de fundamentação.

1.2.3 Omissão de pronúncia sobre questão que devesse ser apreciada // Conhecimento de questão de que o Tribunal recorrido não podia tomar conhecimento?

1.2.3.1 O primeiro segmento da nulidade invocada, o A. desenhou-o sob a seguinte linha de argumentação:


«O recorrente suscita por fim também (a) nulidade do Acórdão recorrido na parte em que decidiu não conhecer da alteração d(a) matéria de facto aos factos assentes sob os pontos 9, 18 e 24, da douta sentença, pedido este que foi feito a título subsidiário, em caso de procedência do recurso por parte da Ré, pugnando com base na prova a alteração dos referidos pontos sustentando que dos seus teor passasse a constar:
Ponto 9. “ Na sequência do acordo acima mencionado, a Ré elaborou e assinou em 27.12.2011, a declaração junta a fls., na qual, declara extinguir o posto de trabalho da sua livraria de C..., face à sua inviabilidade económica, e à crise do mercado livreiro tendo preenchido a declaração da situação de desemprego junta a fls. 20-21, e a declaração de remissão abdicativa, tendo no mesmo dia remetido aqueles três documentos para o A.”
Ponto 18. ”O A. por seu lado assinou em 28.12.2011 e enviou à R. na mesma data, pela via dos CTT, a declaração datada de 30 de Dezembro de 2011.”
Ponto 24. O A. assinou a declaração junta a fls. 22 por causa e devido ao acordo mencionado no ponto n.º 8 (art.ºs 20.º, 21.º, e 23.º da resposta).»
«O Tribunal “a quo” julgou no entanto e de mérito a improcedência deste pedido por, o mesmo, alegadamente, violar o princípio do dispositivo».

Conhecendo da pretensão de alteração da matéria de facto provada nos termos que vão descritos, o Tribunal da Relação ponderou:


«Funda [o A./recorrido] esta sua pretensão no teor do depoimento da testemunha CC que parcialmente transcreve.
Em primeiro lugar há a dizer que em direito processual do trabalho ainda vigora o princípio do dispositivo.
O tribunal só pode valer-se dos factos articulados pelas partes, salvo se estes forem de conhecimento oficioso ou tenha sido utilizado em 1ª instância o mecanismo a que alude o artigo 72º do Cód. Proc. Trabalho, o que no caso não foi feito conforme se constata da acta de julgamento.
Por isso, não basta que uma ou outra testemunha tenha dito isto ou aquilo para que essa matéria, tendo interesse para a decisão da causa, possa ser considerada como provada pelo tribunal.
Aliás, não tendo sido elaborada base instrutória, deverá o impugnante indicar o local onde se encontra alegada a matéria que se pretende ver como provada.
As regras processuais são para observar sob pena de, tudo o que disser certa testemunha, poder vir a constar do acervo factual provado.
Tudo isto para dizer que percorridos os articulados não vislumbramos onde tenha sido alegada a matéria que agora se pretende ver como provada, sendo que não compreendemos o preciosismo de substituir a palavra “subscreveu” pela palavra “assinou”.»

Em termos breves flui desta transcrição que o Tribunal da Relação tomando em linha de consideração o apelo à observância, na instância recursiva e assacada ao tribunal de recurso, da norma ínsita no art. 72º do Código de Processo do Trabalho, decorrente da pretensão formulada pelo A. em sede de contra-alegações, afastou tal pretensão de ampliação da matéria de facto, reconduzindo-a para a produção de prova em sede de julgamento em 1ª instância.

Ora, o que o A./Recorrente põe em causa é a decisão assim tomada com a qual discorda, e não, de modo nenhum, que o Tribunal da Relação tenha deixado de conhecer e decidir a questão suscitada.

Dizer, o A. ao pôr em causa o mérito da decisão - «O Tribunal “a quo” julgou no entanto e de mérito a improcedência deste pedido», sic - invoca um erro de julgamento, não um erro de procedimento. Que o mesmo é dizer, ainda: eventual inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão poderá traduzir erro de julgamento, não é, contudo motivo de nulidade. ([12])

Impõe-se, assim, concluir que se ocorre a nulidade de omissão de pronúncia quando o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação, então inexiste, in casu, o vício da omissão visto o conhecimento da questão e a solução que lhe foi conferida.

1.2.3.2 O segundo segmento da nulidade invocada – excesso de pronúncia -, o A. desenvolveu-‑o a propósito da «DECLARAÇÃO ABDICATIVA OU REMISSIVA», à luz da seguinte argumentação:


«A 1.ª Instância julgou nulo o referido acordo uma vez que não foi observada a sua forma legal, tendo em consequência julgado anulável por erro sobre a base do negócio, o contrato (ou declaração) de remissão abdicativa, e porque também aquela declaração não tem qualquer eficácia, conforme douta fundamentação constante da Sentença;» [Conclusão B4] 
«Sucede que o Tribunal “ a quo” [Leia-se: o Tribunal da Relação] julgou que a anulabilidade do negócio não é de conhecimento oficioso, uma vez que apenas tinha legitimidade para a arguir a pessoa em cujo interesse a lei estabelece, neste caso o recorrente, tendo em consequência revogado aquela decisão.» [Conclusão B7]
«Porém a questão coloca-se: poderia o Tribunal “a quo”, ter efetivamente decidido neste sentido?» [Conclusão B8]
«É certo que em sede de alegações de recurso e conclusão 13 a Ré invoca a ilegitimidade do Tribunal Singular para a apreciar.» [Conclusão B9]
«Esta invocação, inequivocamente consubstancia nulidade, o que obrigava à sua inerente arguição, como aqui o recorrente ora o faz, no requerimento de interposição de recurso e dirigido ao próprio Tribunal recorrido, possibilitando a esta instância supri-la - art.º 77.º do CPT;» [Conclusão B10]
«Ora (….), está vedado ao Tribunal “a quo”, suprir toda e qualquer nulidade, sempre que a mesma não seja arguida pela pessoa em cujo interesse a lei a estabelece nos termos do art.º 77.º, do CPT.» [Conclusão B12]
«Logo não podia o Tribunal “a quo”, suprir como o fez a aludida ilegitimidade pelo que ao fazê-lo violou o art.º 77.º/1, do CPT, o que consubstancia nulidade de decisão.» [Conclusão B13]

Sobre a nulidade assim arguida pronunciou-se a R./recorrida nos seguintes termos:
«4. Quanto à anulabilidade do negócio, não existem no processo quaisquer factos que sustentem tal decisão.
5. O conhecimento de tal matéria não é do conhecimento oficioso.
6. Acresce que o Recorrente não alegou tal anulabilidade.
7. Ainda que se verifique uma irregularidade formal, a mesma não se deve sobrepor à justiça material.»

De sua vez, o Tribunal da Relação, no conhecimento da nulidade sub specie, pronunciou-se do seguinte modo:


«[c]om a p.i. o autor, ora recorrente, juntou uma declaração na qual declarou “ …nada mais ter (a) receber da ré a que título for”.
Na contestação, a ré veio alegar que em face desta declaração nada é devido ao autor, o qual não invocou qualquer tipo de coação aquando da subscrição da declaração ou a falsidade desta.
Já na resposta, o autor veio alegar ser essa declaração simulada, pelo que é nula.
A 1ª instância assim não o entendeu, mas considerou ser essa declaração anulável por erro na base do negócio, ou seja, esta instância enquadrou juridicamente de forma diferente a questão relativa ao pretenso vício da vontade.
Quer isto dizer que esta questão (gere o vício a nulidade ou a anulabilidade) tem vindo a ser discutida desde a 1ª instância.
Por isso, não se alcança o motivo pelo qual estaria vedado a esta Relação conhecer se foi ou não observado o prazo de um ano legalmente fixado para invocar a anulabilidade do negócio

Isto posto.

Percorrido o processado, tem-se por certo que, na decisão proferida em 1ª instância, conhecendo da exceção perentória da remissão abdicativa, o tribunal concluiu:
«[o] A. subscreveu tal declaração porque estava convencido que iria passar a explorar a loja da R. (…)»
«[n]ão fosse o acordo prévio entre o A. e a R., aquele não abdicaria de todos os seus créditos sobre a R. (…) só por causa desse acordo emitiu essa declaração…»
«A circunstância de o negócio não se ter concretizado (….) corresponderá, assim, a uma alteração que, sendo embora previsível, as partes tomaram como estável, incorrendo, assim, em erro, sobre essa circunstância – a exploração da loja por parte do A. que integra, aqui, base do negócio – que era, reconhecidamente, condição ou pressuposto essencial da decisão de emitir a declaração de remissão abdicativa.
É, assim, anulável por erro sobre a base do negócio, o contrato da remissão abdicativa em análise (…)»

De sua vez, a R., no recurso de apelação que interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra, sob o item «Da anulabilidade do Negócio», que precedeu as conclusões, alegou:
«A anulabilidade não é do conhecimento oficioso, tem de ser arguida.
O A. não arguiu a anulabilidade do negócio, nem peticionou a anulação do negócio, pelo contrário, alegou o incumprimento. (…….)»
«[n]o pedido formulado apenas solicitou que fosse declarado ilícito o despedimento do A.
Donde resulta que o tribunal não podia conhecer de tal matéria.»

O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, ora sub iudicio, tomando em mãos este mesmo tema apreciou e decidiu nos seguintes termos:


«No caso em apreço a declaração remissiva foi assinada pelo autor em data posterior à cessação do contrato (v. factos 9, 18 e 19), pelo que nenhum óbice existia à renunciabilidade dos créditos.
Por conseguinte, a declaração remissiva é, no nosso entendimento válida com a inerente extinção das obrigações que o empregador tinha para com o seu trabalhador.
A 1ª instância entendeu, no entanto, que esta declaração é anulável por erro na base do negócio.
Sem curar de saber se há ou não fundamento para a anulabilidade do negócio, certo é que esta não é de conhecimento oficioso, apenas tendo legitimidade para a arguir a pessoa em cujo interesse a lei a estabelece (artigo 287º nº 1 do Cód. Civil).
E, vistos os autos, não vislumbramos que o autor tenha feito essa arguição, o que inviabiliza a declaração de anulabilidade.
Em conclusão, diremos que através da declaração abdicativa, que é válida e eficaz, se extinguiram os créditos emergentes do contrato de trabalho a que o autor tinha direito

Em face da sinopse que vem de ser desenhada uma primeira conclusão se impõe: dissentindo do Tribunal da Relação – que revelou um sentido de indiferença para a qualificação jurídica a conferir ao thema incidente sobre a configuração de uma nulidade ou uma anulabilidade -, A. e R. não hesitaram em ter o conhecimento do pretenso erro sobre a base do negócio como ato defeso ao tribunal e daí, a consideração, igualmente concordante, quanto à verificação da nulidade de sentença correspondente ao excesso de pronúncia.

Seguramente, no segmento ora considerado, a razão está do lado de A. e R..

Deflui do artigo 287º do Código Civil que «só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece», de sorte que, como ensinavam Pires de Lima e Antunes Varela, sendo necessário, como é, o recurso a uma ação para ser declarada a anulabilidade, «Não basta ter interesse na anulação para legitimar a intervenção da parte que a invoca», «exige-se que seja a pessoa no interesse da qual a lei estabelece a anulabilidade». ([13])

In casu, vistos os interesses em jogo, ressuma claro que a legitimação para o pedido de declaração de anulabilidade era apenas identificável com a pessoa do A.

A., todavia, que não a requereu na ação que intentou.

Destarte, a razão estava com a R. quando, em sede recursiva, afirmava que o tribunal não podia conhecer de tal matéria.

Ao fazê-lo, ao dizer expressis verbis que a sentença da 1ª instância tinha tomado posição acerca de questão cuja apreciação não lhe tinha sido pedida, apontava-lhe a nulidade por excesso de pronúncia.

Verdade, todavia, que ao fazê-lo a R. inadimpliu o ritual estabelecido no artigo 77º/1 da lei adjetiva laboral, nos termos do qual «A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso».

Em causa, um processo onde, sob o desiderato de uma maior celeridade e de economia processual se visa dar ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de, antes de mandar subir o recurso, suprir as nulidades de que a mesma eventualmente enferme.

Ora, como se deixa referido, este modus procedendi, assim jusprocessualmente definido, não foi observado pela R. no recurso de apelação que interpôs.

De sorte que, como vem sendo unânime o sentido decisório jurisprudencial, é de considerar extemporânea a nulidade arguida apenas na alegação do recurso, não podendo da mesma tomar conhecimento o tribunal de recurso. ([14])

No caso concreto, todavia, não obstante esta inobservância, por parte da R., enquanto recorrente, da liturgia processual deixada descrita, o Tribunal da Relação conheceu da nulidade em questão, apagando a declaração de anulabilidade proferida pelo tribunal da instância recorrida e tomando por válida a declaração

Ao fazê-lo, conheceu de questão cujo conhecimento lhe estava vedado, incorrendo, nessa parte, em nulidade de acórdão por excesso de pronúncia.

As ilações a retirar da nulidade assim praticada ver-se-ão quando do conhecimento da questão relativa à declaração remissiva.

2. O A. foi objeto de um despedimento ilícito?

O objeto imediato da tutela jurídica peticionada na presente ação, identificou-o o A. com a declaração de ter sido ilicitamente despedido.

Ato ou facto jurídico donde o A. pretende ter derivado o direito a tutelar, identificou-o nos seguintes termos:
«O recorrente configurou o seu pedido no incumprimento do acordo revogatório (causa de pedir), tendo em consequência deste incumprimento considerado que o encerramento da loja em 17.04.2012, extinguiu definitivamente o seu posto de trabalho, configurando assim um despedimento, ilícito uma vez que não foi precedido das legais comunicações o que lhe conferia o direito a receber as quantias peticionadas (pedido)» (Supra I, 11, A9)

Dizer, se bem se interpreta, o A. começando por identificar a causa petendi com o inadimplemento, por parte da R., do «acordo revogatório» com ela outorgado (exceptio non adimpleti contractus), estende, depois, o facto jurídico que pretende genético do direito a tutelar à extinção «definitiva» do «seu posto de trabalho», que reporta a 17 de abril de 2012.

Importa, então, ter presente, em termos breves, a factualidade histórico-concreta que o acervo fáctico comprovado nos transmite a este propósito.

Reza ali que:
(i) Em execução de um contrato de trabalho a termo incerto, o A. exercia, desde 6 de junho de 1994, por conta e sob a autoridade e direção da R., no estabelecimento, desta pertença, Livraria «BB», sito em C..., a atividade profissional de 2º caixeiro. (Supra II, 2 e 4);
(ii) Esta relação «manteve-se assim até 29 de dezembro de 2011» (Supra II, 7);
(iii) Desde 2008/2009, a R. vinha atravessando grave crise económica, incumprindo sistematicamente a sua obrigação de pagamento pontual do salário ao A. (Supra II, 7);
(iv) Devido, também, à factualidade referida em (iii), A. e R. acordaram em que aquele ficaria com a loja de C... para explorar por sua conta, criando uma empresa para o efeito e escolhendo os livros com que ficaria, e a R. voluntariou-se para junto do senhorio da loja conseguir que este mantivesse ao A. as mesmas condições de que beneficiava, designadamente a renda da mesma. (Supra II, 8);
(v)  Na sequência de tal acordo, (a) a R. elaborou e assinou, em 29 de dezembro de 2011, a seguinte declaração, que enviou ao A.: «Por nos ser de todo impossível continuar a manter a nossa livraria de C..., face à inviabilidade económica e à crise de mercado livreiro, é com pesar que somos levados a extinguir o posto de trabalho existente no referido estabelecimento e a encerrar este último», e, (b) a pedido do A., preencheu a «Declaração de Situação de Desemprego» (Despedimento por extinção do Posto de Trabalho), cfr. documento junto a fls. 20 e 21 dos autos. (Supra II, 9)
(vi) De sua vez, o A., por causa e devido ao mencionado acordo, emitiu e entregou à R., datada de 30 de dezembro de 2011, a Declaração junta a fls. 22 dos autos, nos termos da qual «declara para todos os efeitos que se encontra completamente ressarcido de todos os créditos resultantes da cessação do contrato de trabalho que possuía com as publicações BB, ocorrido em 30 de dezembro de 2011, nada mais tendo a reclamar desta empresa a que título for.» (Supra II, 18 e 19)
(vii) O acordo referido em (iv) não se concretizou (Supra II, 14)
(viii) A partir de 30 de dezembro de 2011, o estabelecimento fechou as suas portas ao público, mantendo o A. na sua posse as chaves e o total acesso àquele. (Supra II, 17 e 20)
(ix) Chaves que o A. recusou entregar, tendo a R. tido necessidade de proceder à substituição da fechadura para ter acesso ao estabelecimento. (Supra II, 21)
(x) Em 17 de abril de 2012, a R. procedeu à retirada de todos os livros. (Supra II, 13)

Dá-nos conta a narrativa deixada descrita de uma realidade histórico-existencial que se desenvolveu à volta de um encontro de vontades e interesses, respetivamente do A., trabalhador por conta da R., e desta, enquanto entidade empregadora.

Tal encontro de vontades traduziu-se, em termos práticos, na cessação de um contrato de trabalho por via da conversão num outro contrato nos termos do qual a R. cessa a sua condição de entidade empregadora e, de sua parte, o A. cessa a sua condição de trabalhador por conta daquela e, assim, na justa medida em que, realizando o interesse individual de cada uma das partes, fica o A. com a loja/livraria de C... para explorar por sua conta, com a inerente criação de uma empresa para tal efeito.

Esta realidade histórico-concreta conduz-nos, pari passu, ao instituto jurídico da caducidade e, desde logo, ao artigo 343º do CT/2009 (Art. 387º do CT/2003; Art. 4º da LCCT), onde se dispõe que «O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente: a)Verificando-se o seu termo; b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber; c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez».

Dizer, o contrato de trabalho pode cessar «nos termos gerais», nomeadamente, por caducidade.

«Em caso de caducidade, o contrato cessa pela ocorrência de um facto jurídico stricto sensu, por exemplo, na hipótese de extinção do objeto ou pela verificação de qualquer facto ou evento superveniente a que se atribua efeito extintivo da relação contratual». ([15])

ROMANO MARTINEZ, que vem de ser citado, conferindo um sentido amplo à noção de caducidade, abrange nesta, se bem se interpreta, «situações atípicas de cessação do contrato, tais como no caso do trabalhador que, por ter adquirido uma percentagem significativa das participações sociais da sociedade empregadora, se “torna dono” da empresa em que trabalha», sem prejuízo da ressalva introduzida, em nota de rodapé e com referência ao exemplo dado, no sentido de que «Rigorosamente, não há caducidade, pois a relação jurídica extingue-se por confusão (Art. 868º do CC), mas caso se entenda que as causas de cessação do contrato de trabalho enunciadas no artigo 340º do CT são taxativas, a caducidade passa a constituir a figura genérica onde se incluem as hipóteses não integráveis nas restantes causas de cessação.» ([16])

Também ROSÁRIO PALMA RAMALHO dá nota da admissão da «cessação do contrato de trabalho por ocorrência de um facto superveniente que torne incompatível a posição de trabalhador subordinado com o estatuto atual do trabalhador (sem, todavia, qualificar expressamente a situação como um caso de caducidade)», na situação considerada no Ac. RC de 14.10.2004, CJ, 2004, 60, «a propósito de um caso em que a trabalhadora farmacêutica assumiu, a partir de certa altura e por efeito de um contrato de cessão da exploração da farmácia que celebrou com o seu empregador, a gestão da mesma farmácia com total autonomia.» ([17])

 

PEDRO FURTADO MARTINS, sob o tema «Outros casos de caducidade», refere, de sua vez: «É ainda usual enquadrar na figura da caducidade – amplamente entendida no sentido subjacente à regulamentação inscrita no Código do Trabalho – certas hipóteses atípicas, como sejam a aquisição pelo (ex-) trabalhador da qualidade de empregador, resultante, por exemplo, da compra do estabelecimento em que prestava serviço ou das participações sociais da sociedade empregadora.» ([18])

Isto posto.

Está em causa a verificação de um despedimento ilícito.

De acordo com a jurisprudência uniforme do STJ, a decisão de despedimento, para além de, por necessário, provir de ato unilateral do empregador, tem, também, de ser inequívoca, no sentido de extinguir a relação de trabalho.

Ou seja, não podem, quanto à eficácia extintiva unilateral da declaração, existir quaisquer dúvidas. 

Conforme se fez constar no Acórdão do STJ de 9 de Julho de 2014 (Revista n.º 2934/10.5TTLSB.L1.S1) «O despedimento (…) terá de extrair-se de atitudes do empregador que revelem, inequivocamente, ao trabalhador, enquanto declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a vontade do empregador de fazer cessar o contrato».

Ora, no caso concreto, o que ocorreu foi, efectivamente, um acordo das partes, nos termos constantes do facto n.º 8, - a fazer lembrar a sobredita «aquisição pelo (ex-) trabalhador da qualidade de empregador, resultante, …., da compra do estabelecimento em que prestava serviço» - contra a subscrição, por cada uma delas, das declarações referidas, respetivamente, nos factos 6, 9, 18 e 19.

Quanto a estas, dúvidas não subsistem que tanto as declarações de extinção do posto de trabalho e de situação de desemprego emitidas pela R., como a declaração de integral ressarcimento emitida pelo A., foram produzidas, aquelas e esta, no pressuposto da concretização do acordo firmado.

Tudo a configurar uma situação fáctica enformadora de uma cessação do contrato de trabalho por ocorrência de um facto superveniente que torna incompatível a posição de trabalhador subordinado com o estatuto adquirido por força do acordo outorgado.

O que, por imposição lógica, leva também a concluir pela inexistência de um ato unilateral do empregador, inequívoco, no sentido de extinguir a relação de trabalho, que o mesmo é dizer, leva a concluir pela inexistência de um despedimento ilícito.

Mesmo a considerar-se, de acordo com a formulação jurídica sustentada várias vezes pelo Recorrente, de que o acordo deixado descrito traduzir-se-ia na revogação do contrato de trabalho que vigorava entre as partes - uma revogação nula, por vício de forma, atendendo a que o desrespeito pelas regras de forma do acordo revogatório, constantes do art. 349º nºs 2 e 3 do CT (forma ad substantiam), determina a nulidade do mesmo por força do disposto nos arts. 220º e 364.º, n.º 1, do CC ([19]) – tal nulidade não teria, de per se, a virtualidade de transmutar a cessação do contrato de trabalho num despedimento ilícito, em face da exigibilidade de um ato unilateral do empregador, inequívoco, no sentido de extinguir a relação de trabalho que não se mostra  verificado na situação em apreço.

Outrossim, importará referir que se mostra inócua a invocação do A./Recorrente, em sede de conclusões da alegação de recurso, relativamente à data relevante para efeitos da cessação do contrato de trabalho, que entende ser a de 17 de Abril de 2012.

Na verdade, nesta parte, a 1.ª instância deu por assente quer a cessação do contrato de trabalho, em 29 de Dezembro de 2011 [Supra II, 5], quer o fecho das portas do estabelecimento ao público, em 30 de dezembro de 2011 [Supra II, 17].

Podendo fazê-lo, o A. não recorreu daquele concreto segmento decisório nem, em sede de contra-alegação do recurso, ampliou o seu objecto em ordem a ser alterada a decisão. Destarte, aquela data de 29 de Dezembro de 2011 – como a relevante para efeitos da relação laboral – não pode deixar de ter-se por definitivamente assente.

Em face de tudo o que vem de ser exposto, imperioso se torna concluir quer no sentido da improcedência das conclusões c1 a c12 do recurso, quer concluir pelo inteiro acerto da decisão constante do Acórdão recorrido no segmento em que afastou a existência de um despedimento ilícito.

3. Declaração abdicativa remissiva: (a) Anulável por erro sobre a base do negócio? (b) Válida e eficaz?

Sem prejuízo da repetição, aqui e ali, do que se deixou escrito no conhecimento da nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, importará relembrar, apertis verbis, a posição que cada uma das partes assumiu nos respetivos articulados, bem como das decisões das instâncias.

Dizer, pois.

Na petição inicial com que deu início à ação, o A. omitiu qualquer referência à declaração, por si subscrita, do seguinte teor: «declara [o A.] para todos os efeitos que se encontra completamente ressarcido de todos os créditos resultantes da cessação do contrato de trabalho que possuía com as Publicações BB, ocorrida em 30 de Dezembro de 2011, nada mais tendo a reclamar desta empresa a que título for».

Foi apenas em sede de resposta à contestação – vale dizer, à invocação, pela R., da exceção da remissão abdicativa – que o A. arguiu a invalidade da declaração por si subscrita com base em vários fundamentos: (i) ser ilícito o procedimento de extinção do posto de trabalho; (ii) ter sido, entre as partes, celebrado um negócio simulado; (iii) ter sido a declaração emitida com base em vício da vontade (declaração não séria); (iv) finalmente, ter a relação laboral prosseguido vigente após a emissão da declaração.

A 1.ª instância concluiu pela ineficácia da declaração subscrita pelo A. – aduzindo que este logrou provar que nada lhe foi pago e que a declaração é vaga e genérica, nela não constando quais as quantias recebidas e quais as renunciadas e a que título o foram – bem como concluiu pela sua anulabilidade, por erro sobre o objecto do negócio.

No recurso de apelação que interpôs, a R., para além de pugnar pela validade da declaração emitida pelo A., alegou que o tribunal se tinha pronunciado sobre a anulabilidade do negócio sem que o autor a tivesse pedido.

Uma tal alegação da R. configura, por óbvio, a invocação de uma nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, na justa medida em que afirma, expressis verbis, que a sentença da 1.ª instância tomou posição acerca de questão cuja apreciação não lhe tinha sido pedida.  

Verdade, todavia, que a R. não invocou a dita nulidade nos termos previstos no art. 77.º, do Código de Processo do Trabalho, isto é, expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, de sorte que, sobre esta concreta questão não podia o Tribunal da Relação emitir pronúncia, como veio a fazer no Acórdão recorrido ao dizer que
«[s]em curar de saber se há ou não fundamento para a anulabilidade do negócio, certo é que esta não é de conhecimento oficioso, apenas tendo legitimidade para a arguir a pessoa em cujo interesse a lei a estabelece (art. 287.º, n.º 1, do Cód. Civil).
E, vistos os autos, não vislumbramos que o autor tenha feito essa arguição, o que inviabiliza a declaração de anulabilidade».

Vale o exposto por dizer que, tendo o tribunal da Relação conhecido desta concreta questão – acabando por concluir que o Tribunal da 1.ª instância havia emitido pronúncia quanto a questão que não lhe fora pedida – acabou, também ele, por exceder a sua pronúncia uma vez que, para que esse conhecimento ocorresse, necessário era que tivesse sido arguida, pela R., a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, o que, como se deixou dito no conhecimento da nulidade do excesso de pronúncia apontada ao acórdão sob recurso e agora se reafirma, não sucedeu.

Imperioso se torna concluir e reafirmar que o Acórdão da Relação é, neste concreto segmento, nulo por excesso de pronúncia – conforme expressa e separadamente arguido pelo A. em sede de requerimento de interposição do recurso de revista.

O que, de igual passo, leva a que se conclua pelo trânsito em julgado da decisão da 1.ª instância no segmento em que julgou anulável, por erro na base do negócio, a declaração emitida pelo A.

Destarte, na prevalência do trânsito em julgado da decisão da 1ª instância na parte em que julgou anulável, por erro na base do negócio, a declaração emitida pelo A., perde razão de ser a apreciação da validade da declaração sob referência, sendo de repristinar o decisum ali proferido no segmento relativo aos créditos descritos nas alíneas d) e e).

IV DECISÃO

Pelo exposto, delibera-se:
i. Conceder parcialmente a revista e revogando o acórdão recorrido, na parte em que julgou inviável a declaração de anulabilidade reportada à invocada remissão abdicativa, repristina-se a decisão proferida na 1ª instância nos seguintes segmentos:
«d) Condenação da R. a pagar ao A. a quantia de € 758, 00 (setecentos e cinquenta e oito euros) a título de subsídio de férias respeitante ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato (2011);
e) Condenação da Ré a pagar ao A. as diferenças salariais decorrentes da operada reclassificação da categoria de caixeiro de 1.ª para a de caixeiro encarregado, a partir de Janeiro de 2004 até à data da cessação do contrato, sendo que ao A. é devido desde essa data o vencimento base de € 713,00, mais € 31,50 de diuturnidades e € 13,50, a título de abono para falhas.»
ii. Manter, no mais, o acórdão recorrido.

Custas, nas instâncias e na revista, a cargo da R. e do A., na proporção do respetivo decaimento.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 3 de junho de 2015

Melo Lima (Relator)

Ana Luísa Geraldes

Mário Belo Morgado (Declaração de voto)

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DECLARAÇÃO DE VOTO




A 1.ª Instância anulou a “declaração abdicativa ou remissiva” do A., contra a que se insurgiu a R. na apelação, alegando não ser a anulabilidade de conhecimento oficioso.

O excesso de pronúncia é um mero vício formal, que não erro de substância ou de julgamento (v.g. Ac. do STJ de 23-05-2006, P. 06A1090), afigurando-se-me que as causas de nulidade da sentença não abrangem a desconformidade da decisão com o direito substantivo aplicável.

A questão de saber se a anulabilidade é de conhecimento oficioso respeita ao respetivo regime substantivo, pelo que entendo que a R. não era obrigada a suscitá-la por via da arguição de nulidade.


(Mário Belo Morgado)

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[1] Redação conferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, alterando a redação vinda do tribunal da 1ª Instância, com os seguintes termos: «Na sequência do acordo acima mencionado, a Ré elaborou e assinou, em 29.12.2011, a declaração junta a fls. 19, na qual, declara extinguir o posto de trabalho da sua livraria de C... face à sua inviabilidade económica e à crise no mercado livreiro, tendo preenchido a declaração da situação de desemprego junta a fls. 20-21 (art.º 16.º da p.i. e art.º 9.º e 10.º da contestação).»
[2] Aditado pelo Tribunal da Relação.
[3] Aditado pelo Tribunal da Relação.
[4] Ac. STJ de 13.09.2011, Proc.2903/05.7TBCSC.L1.S1.dgsi.Net. Com igual sentido: Ac. STJ de 03.02.2011, Proc.1045/04.7TBALQ.L1.S1.dgsi.Net
[5] Neste sentido: Ac. STJ de 21.05.2009, Proc. 692-A/2001.S1.dgsi.Net
[6] Ac. STJ de 05.05.2005, Proc. 05B839.dgsi.Net
[7] Ac. STJ de 12.05.2005, Proc. 05B840.dgsi.Net
[8] Ac. STJ de 05.11.2002, Proc.047814.dgsi.Net
[9] Ac. STJ de 18.04.2006, Proc.06A871.dgsi.Net
[10] CPC Anotado, 5º, 143

[11] Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt
[12] Neste sentido: Ac. STJ de 28.02.1969, in BMJ 184º, 253.
[13] CÓDIGO CIVIL ANOTADO, Vol. I, 4ªEd. Revista e Atualizada, Abril 2010, Coimbra Editora, Pág. 264
[14] Neste sentido, entre outros: Ac. STJ de 05.11.2014, Processo 279/08.0TTBCL.P1.S1, in www.dgsi.pt
[15] ROMANO MARTINEZ, DIREITO DO TRABALHO, 2013 – 6ª EDIÇÃO, ALMEDINA, PÁG.852

[16] Ob. cit. pág. 857

[17] TRATADO DE DIREITO DO TRABALHO – PARTE II – SITUAÇÕES LABORAIS INDIVIDUAIS, 4ª Edição, Almedina, pág. 785, Nota 175
[18] CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, 3ª Edição , PRINCIPIA EDITORA, LDA, Ano 2012, pág.44

[19] ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit. pág. 806