Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
31/04.1TVLSD.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
SINAIS DE TRÂNSITO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
ULTRAPASSAGEM
MUDANÇA DE DIRECÇÃO
ENTRONCAMENTO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
DANO EMERGENTE
LUCRO CESSANTE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA REVISTA R.; CONCEDIDA PARCIALMENTE REVISTA A.
Doutrina:
Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2003, 88 e 89, nota 164.
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 497, 499 a 501;
Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 428 e 429; STJ, de 22-1-80, BMJ nº 293, 327.
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 499;
Vaz Serra, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ, nº 83, nº 2;
Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 427 e 428
Legislação Nacional: CÓDIGO DA ESTRADA DE 1998: ARTIGOS 35º, Nº 1 E 38º, NºS 1 E 2, A), 41º, NºS1, C) E 3, 44º, NºS 1 E 3, (APLICÁVEL POR FORÇA DO ESTIPULADO NOS ARTIGOS 21º, DO DL Nº 2/98, DE 3 DE JANEIRO, 6º, DO DL Nº265-A/2001, DE 28 DE SETEMBRO (CE98),
CÓDIGO CIVIL: ARTIGO 12º, Nº 1; 483º, Nº 1, 494º, 496º, NºS 1 E 3,
CÓDIGO COMERCIAL: ARTIGOS 426º E 427º
CÓDIGO PROCESSO CIVIL: ARTIGO 661º, Nº 2
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS STJ DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT: Pº Nº 1583/1999.S1 DE 2-6-2009, Pº Nº 08A3401 DE 9-12-2008; Pº Nº 07B2131 DE 30-10-2008; Pº Nº07B2138 DE 5-7-2007
Sumário :
I - Inexistindo sinalização, vertical ou horizontal, a interditar a manobra de ultrapassagem ou a indicar a aproximação de outra circunstância impeditiva da mesma, o condutor que executa a ultrapassagem a dois veículos automóveis que, atempadamente, anunciou, precavendo-se do seu êxito, nas imediações de um entroncamento, e que foi surpreendido pela inopinada mudança de direcção para a sua esquerda, por parte da segunda viatura ultrapassada, quando aquele se encontrava, lado a lado, com a mesma, com a sua frente a começar a passar a frente deste, não dá causa ao embate, o qual é, porém, ocasionado por este último que, apesar de ter accionado o sinal de pisca do lado esquerdo, fê-lo, tardiamente, não se tendo aproximado, com a necessária antecedência e o mais possível, do eixo da faixa de rodagem.
II - A mera privação do uso de um veículo, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil.
Decisão Texto Integral:



ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AA, residente no Lugar do Padrão, Penamaior, Paços de Ferreira, propôs a presente acção declarativa, emergente de acidente de viação, sob a forma de processo comum ordinário, contra "BB - Companhia de Seguros, S.A.", actualmente, por fusão, denominada "Companhia de Seguros A…, S.A.", com sede no Largo da M…, n°s …/…, em Ponta Delgada, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de €46.392,11 que, em consequência de ampliação admitida, passou para o valor global de €64.964,36, acrescida dos montantes que se vierem a vencer, referidos nos artigos 52° e 54° da petição inicial, bem como dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento, alegando, para o efeito, e, em síntese, que sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais que quantificou, na sequência de acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo por si conduzido e uma outra viatura, segurada na ré, imputando a responsabilidade pela sua produção ao condutor desta última.
Na contestação, a ré impugna os factos atinentes à responsabilidade na eclosão do acidente, que atribui ao autor, e os respeitantes aos danos alegados, defendendo, nomeadamente, que a reparação do veículo é inviável.
Por sua vez, CC, residente no Lugar do Padrão, Penamaior, Paços de Ferreira, propôs contra a mesma ré "Companhia de Seguros A…, S.A." e contra a ré "DD - Companhia de Seguros, S.A.", com sede na Rua B… S…, n° 41, Lisboa, acção declarativa, com processo comum ordinário, pedindo que, na sua procedência, a ré "Companhia de Seguros A…, S.A." seja condenada a pagar-lhe a quantia de €38.633,02, acrescida dos juros legais, desde a citação e até integral pagamento, ou, subsidiariamente, a condenação de ambas as rés a pagar-lhe essa mesma quantia, de acordo com a responsabilidade pela produção do acidente que vier a ser apurada a final.
Alegou, para tanto, ter sofrido os danos patrimoniais e não patrimoniais que quantificou, na sequência do mesmo acidente de viação, porquanto a autora, que é casada com o autor da acção principal, seguia como passageira do veículo por este conduzido, que se encontra segurado na ré "DD - Companhia de Seguros, S.A.".
Na contestação, a ré "Companhia de Seguros A…, S.A." impugna os factos atinentes à responsabilidade pela produção do acidente, que imputa ao autor da acção principal, e os respeitantes aos danos alegados.
Por sua vez, a ré "DD - Companhia de Seguros, S.A.", na sua contestação, impugna os factos alusivos à responsabilidade pela verificação do acidente e os respeitantes aos danos alegados, invocando ainda que, a confirmar-se a compropriedade do veículo, por parte da autora, estão excluídas as lesões materiais da eventual indemnização a seu cargo.
Na réplica, a autora impugna os factos alegados pela ré "DD - Companhia de Seguros, S.A.", alegando não ser proprietária do veículo em que seguia.
A sentença julgou a acção, globalmente, considerada, procedente, em parte, e, em consequência, condenou a ré "Companhia de Seguros A…, S.A." a pagar ao autor AA a quantia de €31.053,40 (trinta e um mil e cinquenta e três euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que, legalmente, venha a estar em vigor, condenou a ré "Companhia de Seguros A…, S.A." a pagar ao autor AA a quantia de €8,32 (oito euros e trinta e dois cêntimos), por dia, desde a data do acidente até à reparação do veículo …-…-IX, acrescida de juros de mora, a partir da citação e até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que, legalmente, venha a estar em vigor e, finalmente, condenou a ré ''Companhia de Seguros A…, S.A." a pagar à autora CC a quantia de €28 766,64 (vinte e oito mil setecentos e sessenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que, legalmente, venha a estar em vigor, absolvendo a ré “Companhia de Seguros A…, S.A." da restante parte do pedido e a ré "DD - Companhia de Seguros, S.A." da totalidade do pedido.
Desta sentença, a ré “Companhia de Seguros A…, S.A." interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação e, em consequência, condenou a mesma ré a pagar ao autor AA a quantia de €23290.05, correspondente a 75% da indemnização global, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação e até integral liquidação, absolvendo a mesma ré do mais peticionado pelo autor AA, condenou a ré “Companhia de Seguros A…, S.A." a pagar à autora CC a quantia de €14643,18, correspondente a 75% da indemnização global, acrescida de juros, desde a data da citação e até integral liquidação, condenou a ré "DD - Companhia de Seguros, S.A." a pagar à autora CC a quantia de €4882,00, correspondente a 25% da indemnização, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, e, finalmente, condenou as rés “Companhia de Seguros A…, SA” e "DD - Companhia de Seguros, S.A." a pagar à autora CC, na proporção de 75% e de 25%, respectivamente, a indemnização pelo decréscimo no seu vencimento, em consequência da incapacidade temporária parcial, a liquidar, posteriormente.
Do acórdão da Relação do Porto, interpuseram, por seu turno, os autores e a ré "DD - Companhia de Seguros, S.A." recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que acolha a sentença proferida em 1ª instância, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

OS AUTORES:

1ª – Não se conformam os recorrentes com a procedência parcial do recurso de apelação, considerando que a douta sentença proferida se mostrava isenta de reparo.
2ª - Quanto à responsabilidade pela produção do acidente, atenta a matéria de facto apurada nos autos, nenhuma responsabilidade poderá ser assacada ao recorrente AA.
3ª - O Tribunal da Relação errou, assim, na apreciação da matéria de facto dada por provada e na conclusão da violação por parte do recorrente do disposto no artigo 41.°, n.°1, al. c) do Código da Estrada.
4ª - E que, considerado o apurado nos factos 9, 10, 11, 12, 15 e 17, para os quais se remete, a manobra de ultrapassagem efectuada pelo recorrente jamais poderá ser considerada como proibida e, muito menos, como causal do acidente.
5ª - De facto, foi apurado que a ultrapassagem já estava a ser efectuada no momento em que o condutor do MU se preparou para iniciar a manobra de mudança de direcção.
6ª - Todos os factos apurados apontam, ao invés, pela responsabilidade exclusiva deste condutor pela verificação do acidente.
7ª - Ao considerar que o recorrente contribuiu para tal ocorrência, o douto acórdão violou o disposto no artigo 570°, n°1 do Código Civil e o artigo 41°, n°1, al. c), do Código da Estrada.
8ª - Quanto ao dano de privação de uso, a IIª Instância andou mal ao decidir que o recorrente tinha que demonstrar danos concretos decorrentes da paralisação do veículo por forma a ter direito a indemnização.
9ª - Como se refere no douto acórdão do STJ de 05/07/2007 (proc. 17131849), «...a privação de uso de um veículo automóvel durante um certo lapso de tempo, em consequência dos danos sofridos em acidente de trânsito, constitui, só por si, um dano indemnizável. Essa tem sido também a jurisprudência deste Tribunal. (1) - Cf, por todos, o Ac. de 29.11.2005, Col. Jur. - Acs. do STJ, ano XIII, tomo llI, pág. 151, e os mais aí citados.
10ª - Com efeito, as vantagens proporcionadas por um automóvel ao seu proprietário, sejam elas de natureza económica, sejam de conforto, de lazer, ou ainda que não directamente traduzíveis directamente num valor pecuniário, são susceptíveis de avaliação e ressarcimento em caso de privação do mesmo imputável a terceiro.
11ª - De igual modo se pugnou na declaração de voto pela confirmação da sentença.
12ª - O acórdão em crise consiste numa verdadeira injustiça e permite um enriquecimento ilícito por parte da seguradora recorrida, uma vez que encontrando-se privado do seu veículo, impossibilitado que estava de circular, e tendo pago mensalmente o financiamento para aquisição do veículo, o recorrente limitou-se a peticionar exactamente aquilo que pagou, não pretendendo nunca obter qualquer ganho injustificado.
13ª - Pelo exposto, o Tribunal a quo errou, mal aplicando as normas jurídicas, tendo violado o disposto nos artigos 563° e 564°, n.°1 do Código Civil, no que ao ressarcimento deste dano concerne.
14ª - Já quanto ao ressarcimento da incapacidade temporária sofrida pela recorrente CC, a interpretação conjugada dos diversos factos provados, concretamente o 50, 51, 60 e 73 permitem concluir com a certeza exigível ao processo, que a aquela esteve sem exercer a sua actividade profissional durante 1 ano, 5 meses e 15 dias.
15ª - Como tal, encontrando-se, nestes termos, apurado o prejuízo sofrido pela recorrente com a incapacidade temporária verificada, nada justifica a necessidade de liquidação posterior.
16ª - Ao revogar também neste ponto a sentença, o douto acórdão errou, violando o disposto nos artigos 562°, 563° e 564°, n°1 do Código Civil.
17ª - Do mesmo modo, mal andou a Relação ao reduzir o montante arbitrado a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela recorrente CC de €21.500,00 para €15.000.00.
18ª - Ao invés, o montante fixado em sede de Iª Instância mostra-se bem mais conforme com a mais recente Jurisprudência que o douto acórdão que a revogou, erradamente na perspectiva da recorrente.
19ª - A apreciação de todos os pontos de facto vertidos da douta sentença permite concluir pela adequação e proporcionalidade da compensação fixada em €21.500,00, perfeitamente conforme aos valores actuais para situações análogas.
20ª - Por outro lado, a indemnização atribuída de €4.000,00 pela IPG verificada não visa compensar quaisquer danos não patrimoniais, nem deve ser tomada em consideração na liquidação desta.
21ª - A redução constante do douto acórdão, para além de regredir na actualização dos valores a atribuir aos lesados em consequência de acidentes de viação, viola o disposto nos artigos 494°, 496° e 566º, n°3 do Código Civil.

A RÉ DD:

1ª - Salvo o devido respeito, não se conforma a ora, recorrente, com a decisão proferida pelo Excelentíssimo Tribunal da Relação do Porto de imputar 25% de culpa ao condutor do veículo IX, segurado na recorrente.
2ª - Atento toda a factualidade dada por provada, é do entendimento da recorrente que o Tribunal de Ia Instância decidiu bem, ao imputar a totalidade da responsabilidade ao condutor do veículo segurado na congénere A… e em consequência ter absolvido a DD - Companhia de Seguros, S.A..
3ª - Da sessão de julgamento ficou claro, dos depoimentos das testemunhas, assim como da matéria de facto dada como provada que a responsabilidade pela produção do acidente deve ser unicamente imputada ao condutor do veículo segurado na 1a ré, companhia de Seguros A….
4ª - Conforme ficou plasmado na Douta sentença proferida pelo tribunal de Ia Instância, e da matéria de facto dado como provada "... é manifesto dos factos constantes dos pontos 3 a 16 da matéria de facto ter sido a actuação do condutor "MU "— que, no momento em que o IX, que o estava a ultrapassar, se encontrava já lado a lado com o MU, com a sua frente a começar a passar a frente deste, iniciou uma manobra de mudança de direcção do veículo para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha Vizela-Penafiel, conduzindo a frente do MU em direcção IX, em consequência do que embateu com a parte dianteira lateral esquerda (na Zona da óptica) do MU na parte lateral direita do IX, entre a porta dianteira e a frente do veículo, mais precisamente no guarda lamas direito, por cima da roda da frente, embate este que levou a que o IX saísse da faixa de rodagem pelo lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, acabando por embater frontalmente numa arvore existente na berma da esquerda, considerando esse mesmo sentido de marcha — a causadora do acidente, não se verificando ainda a existência de qualquer contributo para o mesmo do condutor do veículo IX.. ".
5ª - Mas se dúvidas existissem sobre o contributo dos condutores dos veículos intervenientes, para a produção do acidente, a decisão do tribunal de Ia Instância não deixa perpassar qualquer dúvida ao concluir que nenhuma infracção foi cometida pelo condutor do IX e que em nenhum momento a sua conduta pode ser causa ou ter contribuído para a sua ocorrência.
6ª - Pelo contrário só ao condutor do veículo MU pode ser assacada na totalidade a responsabilidade pela ocorrência do acidente.
7ª - Porque "... tendo em conta a situação em que se encontrava o IX quando o MU inicia a manobra - já lado a lado com o MU e com a sua frente a começar a passar a frente do MU -”, é manifesto que aquela manobra foi iniciada já depois de o IX se encontrar a efectuar a ultrapassagem do MU, logo, para além do pisca, o condutor do MU é que tinha que tomar atenção ao facto de já estar a ser ultrapassado e esperar que o IX concluísse essa manobra, para depois, em segurança, efectuar a sua própria manobra de mudança de direcção à esquerda.
- Não fora a manobra empreendida pelo condutor do veículo MU e o acidente não se teria verificado.
9ª - Concluiu o Tribunal da Relação do Porto, que a conduta do condutor do veículo IX é censurável por ter efectuado uma ultrapassagem antes dum entroncamento, em contravenção do artigo 41° n°1 alínea c) do Código da Estrada (CE).
10ª - Salvo o devido respeito, não se conforma, nem concorda a recorrente com tal juízo de censura.
11ª - Porquanto, tal comando compreende excepções, que se encontram contempladas nos n°s 3 e 4 do referido preceito normativo e que, no entender da recorrente, consubstanciam e subsumem a situação "sub judice".
12ª - No seguimento desse mesmo entendimento, se defende que, "para além dos casos dos n° 3 e 4, parece que também se não poderá censurar a conduta do que ultrapassa imediatamente antes d'um cruzamento ou d'um entroncamento se o cruzamento ou o entroncamento não estiverem sinalizados, salvo se forem claramente visíveis do lugar onde se encetou a ultrapassagem" Vide - Código da Estrada anotado Eurico Heitor Consciência, Ed. Almedina, Março de 2001, anotação 5, pág. 64.
13ª - Consta da matéria de facto dada por provada, no ponto 9, da douta Sentença proferida pelo Tribunal de Ia Instância,
“9) No decurso da trajectória do IX não existia qualquer sinalização vertical ou horizontal a interditar a manobra de ultrapassagem ou a indicação da aproximação de outra circunstância impeditiva dessa manobra [resposta ao ponto 8 da base instrutória dos presente autos e resposta ao ponto 10° da base instrutória do processo apensado];
14ª - Pelo que não partilha a recorrente do juízo de censurabilidade do
Excelentíssimo Tribunal da Relação do Porto, dado não ser ao condutor de um veículo que circule sem ter tido a oportunidade de se aperceber da aproximação de um entroncamento (que não se encontra sinalizado ou que não tem qualquer indicação impeditiva da manobra de ultrapassagem) pois, tal tornaria insuportável a condução de qualquer condutor por se lhe exigir que conduza procurando e perscrutando as áreas marginais das estradas para perceber se existem ou não outras estradas afluentes (a não ser que se encontrem claramente visíveis) por onde possam circular veículos.
15ª - Entendimento acolhido em diversas decisões jurisprudenciais, "O direito de prioridade não é um direito absoluto, devendo as disposições disciplinadoras do trânsito rodoviário ser interpretadas e utilizadas à luz do dever de diligência requerido pelas circunstâncias concretas do caso. Entroncando numa estrada nacional com 7 m. de largura um caminho de terra batida com a largura de 2,20 m., só é de atribuir culpabilidade ao condutor de um veículo que circule por aquela estrada se tiver tido o ensejo de se aperceber da aproximação do entroncamento, pois seria insuportável exigir a quem circula numa estrada nacional que perscrute as áreas marginais em busca de alguma modestíssima vereda por onde possa transitar um veículo"- ARP de 22.10.91 - B.410-872.
16ª - Donde, por todo o exposto, em momento algum se pode concluir, da censurabilidade da manobra ou da condução imprimida pelo condutor do veículo IX, da susceptibilidade de em algum momento poder causar o
acidente.
17ª - Não infringiu o veículo IX qualquer norma do Código da Estrada.
18ª - O acórdão do Excelentíssimo Tribunal da Relação, na opinião da
recorrente, não opera à correcta aplicação do disposto no artigo 41° n°1
alínea c) do Código da Estrada e nos artigos 483°, 563°, 564°, 566º do Código Civil.
Nas suas contra-alegações, a ré “Companhia de Seguros Açoreana, SA” conclui no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos autores e bem assim como pela ré "DD - Companhia de Seguros, S.A.", mantendo-se o acórdão recorrido.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
1. No dia 15 de Janeiro de 2001, cerca das 9 horas, na E.N. n° 106, cerca do km 20, no Lugar de Nespereira, Lousada, ocorreu um embate entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula …-…-MU, propriedade de C… M… R… de S… S… e por si conduzido, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula …-…-IX, conduzido pelo autor [alíneas A) e B) dos factos assentes dos presentes autos e alíneas A) e B) dos factos assentes do processo apensado].
2. No veículo IX, para além do condutor, eram transportados a sua mulher, a autora CC, e a filha do casal, C… S… S… M… [alínea C) dos factos assentes dos presentes autos e alínea C) dos factos assentes do processo apensado].
3. A E.N. n° 106, no local referido no ponto 1, é constituída por duas hemi-faixas de rodagem, uma em cada sentido de trânsito e cada uma com três metros de largura, divididas por uma linha longitudinal descontínua pintada no pavimento [alínea E) dos factos assentes e resposta ao ponto 2o da base instrutória dos presentes autos e alínea F) dos factos assentes e resposta ao ponto 3o da base instrutória do processo apensado].
4. E configura-se como uma recta, com cerca de 1 km de extensão [resposta ao ponto 1o da base instrutória dos presentes autos e resposta ao ponto 2o da base instrutória do processo apensado].
5. Nas circunstâncias de espaço e tempo, aludidas no ponto 1, o piso da via encontrava-se seco e em bom estado de conservação e aderência [alínea D) dos factos assentes dos presentes autos e alínea E) dos factos assentes do processo apensado].
6. O autor conduzia o IX, no sentido Vizela - Penafiel [alínea F) dos factos assentes dos presentes autos e alínea G) dos factos assentes do processo apensado].
7. Em virtude de, à sua frente e no mesmo sentido de trânsito, circular um veículo não identificado, a uma velocidade mais reduzida, o autor pretendeu efectuar a ultrapassagem do mesmo [resposta ao ponto 4º da base instrutória dos presentes autos e respostas aos pontos 5o e 6o da base instrutória do processo apensado].
8. Para o efeito, aproximou-se do veículo que seguia, imediatamente, à sua frente, verificou que não havia veículos a circular em sentido contrário ao seu (Penafiel -Vizela) e que não havia veículos a pretender ultrapassa-lo [respostas aos pontos 5o, 6o e 7o da base instrutória dos presentes autos e respostas aos pontos 7º, 8o e 9º da base instrutória do processo apensado].
9. No decurso da trajectória do IX não existia qualquer sinalização vertical ou horizontal a interditar a manobra de ultrapassagem ou a indicação de aproximação de outra circunstância impeditiva dessa manobra [resposta ao ponto 8° da base instrutória dos presentes autos e resposta ao ponto 10º da base instrutória do processo apensado].
10. Assim, o autor accionou o sinal luminoso de mudança de direcção (pisca-pisca) do seu lado esquerdo e iniciou a manobra de ultrapassagem, tomando a metade esquerda da via, atento o seu sentido de trânsito [respostas aos pontos 9º e 27º da base instrutória dos presentes autos e resposta ao ponto 11º da base instrutória do processo apensado].
11. Quando tinha já ultrapassado o veículo que seguia, imediatamente, à sua frente, o autor resolveu efectuar, também, dando continuidade à manobra que já vinha a efectuar, a ultrapassagem do veículo que seguia, por sua vez, imediatamente, à frente daquele, e que era o …-…-MU, o qual circulava a uma velocidade inferior a 50 km/hora [alínea G) dos factos assentes e respostas aos pontos 10º, 11º, 27º e 18º da base instrutória dos presentes autos e alínea H) dos factos assentes e resposta aos pontos 12º e 13º da base instrutória do processo apensado].
12. No momento em que o IX se encontrava já, lado a lado, com o veículo MU, com a sua frente a começar a passar a frente do MU, o condutor deste iniciou uma manobra de mudança de direcção do veículo para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha Vizela - Penafiel, conduzindo a frente do MU em direcção ao IX, em consequência do que embateu com a parte dianteira lateral esquerda (na zona da óptica) do MU, na parte lateral direita do IX, entre a porta dianteira e a frente do veículo, mais, precisamente, no guarda-lamas direito, por cima da roda da frente [respostas aos pontos 12°, 13°, 14° e 29° da base instrutória dos presentes autos e respostas aos pontos 14°, 15° e 16° da base instrutória do processo apensado].
13. Com o choque lateral a que foi sujeito, o veículo IX saiu da faixa de rodagem, pelo lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, acabando por embater, frontalmente, numa árvore existente na berma esquerda, considerando esse mesmo sentido de marcha [resposta ao ponto 15° da base instrutória dos presentes autos e resposta ao ponto 17° da base instrutória do processo apensado].
14. O veículo IX ficou imobilizado, junto da referida árvore, a uma distância não concretamente apurada do local da colisão inicial [resposta ao ponto 16° da base instrutória dos presentes autos e resposta ao ponto 18º da base instrutória do processo apensado].
15. O embate entre os veículos IX e UM, referido no ponto 12, ocorreu na metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido Vizela - Penafiel, a uma distância não concretamente apurada, mas nunca superior a um metro do eixo da via [alínea H) dos factos assentes e respostas aos pontos 17° e 29° da base instrutória dos presentes autos e alínea I) dos factos assentes e resposta ao ponto 19° da base instrutória do processo apensado].
16. Os veículos que circulavam no sentido Vizela - Penafiel, incluindo o MU e o IX, faziam-no em fila compacta [resposta ao ponto 19° da base instrutória dos presentes autos].
17. Ainda antes do entroncamento da EN 106 com a via que dá acesso a Tejorge, e por pretender mudar de direcção à esquerda, o condutor do MU accionou o sinal de pisca do lado esquerdo [resposta ao ponto 20° da base instrutória dos presentes autos].
18. O condutor do IX não deu conta de que o MU tinha iniciado a manobra de mudança de direcção à esquerda [resposta ao ponto 28° da base instrutória dos presentes autos].
19. O veículo ligeiro de passageiros IX, em consequência dos embates, sofreu os danos visíveis nas fotografias de fls. 26, 27 e 28 dos presentes autos, cuja reparação, sem desmontagem, está orçada em €14.963,94 [alíneas I) e M) dos factos assentes dos presentes autos].
20. O veículo de marca e modelo "Citroen Xsara", de matrícula …-…-IX, foi adquirido à sociedade "J… M…, Lda.", em Junho de 1998, mediante recurso a financiamento para aquisição a crédito concedido pela "I… - Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A." [alínea J) dos factos assentes dos presentes autos e resposta ao ponto 1° da base instrutória do processo apensado].
21. Foi convencionada a reserva da propriedade do veículo IX, a favor da sociedade fornecedora do mesmo, como garantia do cumprimento, por parte do autor, do contrato de crédito ao consumo celebrado [alínea K) dos factos assentes dos presentes autos e resposta ao ponto 1° da base instrutória do processo apensado].
22. O veículo IX foi entregue ao autor, no momento da celebração do contrato mencionado no ponto 20 [alínea L) dos factos assentes dos presentes autos e resposta ao ponto 1° da base instrutória do processo apensado].
23. O IX encontrava-se, à data da propositura da acção, na oficina, por reparar [alínea O) dos factos assentes dos presentes autos].
24. Não obstante se ver impedido do gozo do automóvel, o autor continuou a pagar a prestação mensal à financiadora do crédito para compra daquele, então denominada "I…", actualmente "S… C…", tendo pago, à data de 3 de Maio de 2006, 96 prestações mensais, no valor de €249,55, cada uma, no total de €23.956,80 [respostas aos pontos 33° e 33°-A da base instrutória dos presentes autos].
25. O valor da reparação, mencionado no ponto 19, pode ser superior, caso seja necessária a desmontagem do veículo [resposta ao ponto 53° da base instrutória dos presentes autos].
26. O valor venal do veículo IX era, à data do acidente, de cerca de €9.975,96 [resposta ao ponto 54° da base instrutória dos presentes autos].
27. E o valor do seu salvado era de cerca de €997,60 [resposta ao ponto 55° da base instrutória dos presentes autos].
28. No momento do acidente, o autor conduzia o veículo IX, sem ter colocado o cinto de segurança [resposta ao ponto 57° da base instrutória dos presentes autos].
29. Após o acidente, o autor foi transportado, ao Hospital Padre Américo, em Penafiel, onde lhe foi diagnosticada fractura exposta do tornozelo direito (maléolo externo), com exposição grau IV, ferida corto-contusa da região frontal, com escalpelo do couro cabeludo, escoriações nos joelhos e traumatismo da grade costal, com fractura do 5o e do 6o arcos costais esquerdos [resposta ao ponto 36° da base instrutória dos presentes autos].
30. Nesse Hospital, o autor foi operado ao tornozelo direito, tendo-lhe sido efectuada fixação da fractura com material de osteossíntese [resposta ao ponto 37°da base instrutória dos presentes autos].
31. O autor esteve internado, no Hospital Padre Américo, desde a data do acidente até 22 de Janeiro de 2001, data em que teve alta hospitalar e regressou a casa com indicação de tratamento, em regime de consulta externa [alínea P) dos factos assentes e resposta ao ponto 38° da base instrutória dos presentes autos].
32. Em casa, o autor permaneceu acamado, durante um número de dias não concretamente apurado [resposta ao ponto 39° da base instrutória dos presentes autos].
33. Após, o autor necessitou de recorrer a canadianas para se poder movimentar, durante um período de tempo não concretamente apurado, mas nunca depois do dia 30 de Abril de 2001 [resposta ao ponto 40º da base instrutória dos presentes autos].
34. A ferida que o autor sofreu, na região frontal, foi suturada, sendo a mesmo visível, durante alguns meses, em virtude do escalpelo do couro cabeludo [resposta ao ponto 41° da base instrutória dos presentes autos].
35. O autor ficou com uma cicatriz com 15 cm de comprimento, na região frontal, actualmente, muito pouco visível [resposta ao ponto 42º da base instrutória dos presentes autos].
36. O autor sente desgosto com a existência da cicatriz, referida no ponto anterior [resposta ao ponto 43° da base instrutória dos presentes autos].
37. Durante o período de recuperação das lesões sofridas, o autor esteve em repouso, em casa, saindo, unicamente, para as consultas no Hospital [resposta ao ponto 44° da base instrutória dos presentes autos].
38. O autor apenas teve alta clínica, em 19 de Abril de 2001 [resposta ao ponto 45° da base instrutória dos presentes autos].
39. Em virtude das lesões ocorridas em consequência do referido acidente, o autor sofreu dores, quer no momento daquele, quer durante o período de recuperação, fixáveis no grau 2 da escala de "quantum doloris", composta por sete graus de gravidade crescente [respostas aos pontos 46° e 46°-A da base instrutória dos presentes autos].
40. O autor continua a sentir fenómenos dolorosos quando há variações do tempo, sentindo-se pior quando está mais frio [resposta ao ponto 47° da base instrutória dos presentes autos].
41. No momento do acidente, o autor temeu pela sua vida e pela dos familiares que o acompanhavam [resposta ao ponto 48° da base instrutória dos presentes autos].
42. Não obstante ter sido considerado, clinicamente, curado, em consequência das lesões sofridas, o autor apresenta como sequelas, no membro inferior direito: pé equino (anomalia congénita), cicatriz com 8 cm na face externa do tornozelo, mobilidade de flexão dorsal de 0o a 18° e flexão plantar de 0o a 30º e ligeiro edema [resposta ao ponto 49° da base instrutória dos presentes autos].
43. Em consequência dessas mesmas lesões, o autor ficou com uma incapacidade permanente parcial geral de 5% [resposta ao ponto 51o-A da base instrutória dos presentes autos].
44. Após o acidente e a respectiva recuperação das lesões sofridas, o autor não voltou a jogar futebol, desporto que praticava, regularmente, com os seus amigos [resposta ao ponto 51° da base instrutória dos presentes autos].
45. Em consequência do acidente, com despesas médicas e medicamentosas, o autor despendeu a quantia de €89,46 [resposta ao ponto 52º da base instrutória dos presentes autos].
46. À data da propositura da acção, o autor encontrava-se desempregado, auferindo subsídio de desemprego, no valor de €350,65 [alínea N) dos factos assentes dos presentes autos].
47. Actualmente, o autor encontra-se reformado, auferindo uma pensão mensal de montante não concretamente apurado [resposta ao ponto 56° da base instrutória dos presentes autos].
48. O autor nasceu, em 18 de Setembro de 1951 [alínea Q) dos factos assentes dos presentes autos].
49. Em consequência directa e necessária do embate, a autora sofreu múltiplos ferimentos [resposta ao ponto 20° da base instrutória do processo apensado].
50. Logo após o embate, foi transportada em ambulância, ao Hospital Padre Américo, em Penafiel, onde lhe foi diagnosticada fractura da clavícula direita, fractura do externo, fractura do 2° arco costal direito e luxação do dedo anelar da mão direita [resposta ao ponto 21° da base instrutória do processo apensado].
51. Nesse Hospital, esteve internada, até 19 de Janeiro de 2001, data em que teve alta hospitalar, tendo regressado a casa com indicação de tratamento em regime de consulta externa [respostas aos pontos 22º e 23º da base instrutória do processo apensado];
52. Aqui, foi obrigada a permanecer acamada, um mês, em repouso absoluto [resposta ao ponto 24° da base instrutória do processo apensado].
53. Durante esse tempo de repouso, teve de utilizar um cruzado posterior na clavícula direita [resposta ao ponto 25º da base instrutória do processo apensado].
54. Esteve em tratamentos ambulatórios, durante sete meses, deslocando-se, uma vez por mês, até Maio de 2001, e mais duas vezes, uma em Julho e outra em Setembro de 2001, ao Hospital Padre Américo [resposta ao ponto 26° da base instrutória do processo apensado].
55. Em 13 de Setembro de 2001, foi-lhe diagnosticada pseudartrose da clavícula direita, motivo pelo qual necessitou de tratamento cirúrgico [resposta ao ponto 27° da base instrutória do processo apensado].
56. Em 25 de Fevereiro de 2002, foi submetida a tratamento cirúrgico de pseudartrose, tendo alta hospitalar no dia seguinte [resposta ao ponto 28° da base instrutória do processo apensado].
57. Na sequência do tratamento cirúrgico, a autora ficou com urna cicatriz com 8 cm, na região infra-clavicular direita [resposta ao ponto 29º da base instrutória do processo apensado].
58. Tal cicatriz causa à autora desgosto e constrangimento, o que leva a que, mesmo no período do Verão, vista roupas que ocultem, totalmente, a zona em causa [resposta ao ponto 30° da base instrutória do processo apensado].
59. Para recuperação das lesões sofridas, a autora teve de frequentar um ginásio, praticando musculação e natação [resposta ao ponto 31° da base instrutória do processo apensado].
60. O dia 30 de Junho de 2002 é a data considerada da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela autora [resposta ao ponto 33° da base instrutória do processo apensado].
61. Em virtude das lesões ocorridas em consequência do referido embate, a autora sofreu dores, quer no momento do embate, quer durante o período de recuperação [resposta ao ponto 34° da base instrutória do processo apensado].
62. Em consequência das lesões sofridas, a autora continua a sentir dores no membro superior direito aos movimentos forçados de pronação-elevação e retro-pulsão, e sente maior dificuldade em varrer, passar a ferro e levantar ou transportar objectos mais pesados [resposta ao ponto 35° da base instrutória do processo apensado].
63. Não consegue dormir virada para o lado direito [resposta ao ponto 36° da base instrutória do processo apensado].
64. E tem dificuldades em levantar pesos [resposta ao ponto 37° da base instrutória do processo apensado].
65. No momento do acidente, a autora temeu pela sua vida [resposta ao ponto 38° da base instrutória do processo apensado].
66. Viu-se imobilizada dentro do veículo, tendo de ser retirada para fora do mesmo, o que lhe provocou pânico [resposta ao ponto 39° da base instrutória do processo apensado].
67. Em consequência directa e necessária das lesões sofridas com o embate, a autora ficou com as seguintes sequelas: consolidação viciosa da fractura da clavícula direita com desvio em angulação inferior e algo instável, apesar do material de osteossíntese, desnivelamento do ombro direito e ligeira tumefacção do terço interno clavicular [respostas aos pontos 40° e 41° da base instrutória do processo apensado].
68. Tais sequelas traduzem-se numa incapacidade permanente parcial geral de 5%, sendo compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares [respostas aos pontos 40° e 42° da base instrutória do processo apensado].
69. A autora era funcionária da empresa de confecções "C…, Lda.", tendo auferido, no ano de 2000, "remunerações ilíquidas no montante de 951.072$00 e remunerações no montante de 110000$00 isento de Impostos, aos quais foram deduzidos os seguintes descontos: taxa social única - 104.618$00, sindicato - 8.809$00" [resposta ao ponto 43º da base instrutória do processo apensado].
70. A autora nasceu, em 21 de Agosto de 1955 [alínea M) dos factos assentes do processo apensado].
71. Em despesas médicas, a autora despendeu €260,17 [resposta ao ponto 44° da base instrutória do processo apensado].
72. A autora necessitou de comprar novos óculos, em virtude de os que utilizava no dia do acidente se terem quebrado com o embate, gastando o montante de €264,36, do qual a quantia de €224.46 respeita à compra dos óculos, propriamente dita, e a quantia de €39.90, respeita ao preço da respectiva consulta de oftalmologia [resposta ao ponto 45° da base instrutória do processo apensado].
73. Desde a data do acidente até 30 de Junho de 2002, a autora recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de doença, a quantia total de €4.011,56 [documento histórico de movimentos processados de fls. 179].
74. O proprietário do MU havia transferido, à data do acidente, a
responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação deste veículo para a Companhia de Seguros "BB - Companhia de Seguros, S.A.", a qual,
entretanto, se fundiu, por incorporação, com a ré "Companhia de Seguros A…, S.A.", mediante contrato de seguro, titulado pela apólice n°8130936 [alínea R) dos factos assentes dos presentes autos e alínea L) dos factos assentes do processo apensado].
75. Em Fevereiro de 2001, por carta registada com aviso de recepção, a ré "Companhia de Seguros A…, S.A." comunicou ao autor que os danos sofridos pelo seu veículo conduziam a que a reparação fosse inviável [alínea S) dos factos assentes dos presentes autos].
76. Por contrato de seguro, titulado pela apólice n°002398465, a ré "DD - Companhia de Seguros S.A." assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo, de matrícula …-…-1X [alínea J) dos factos assentes do processo apensado].


Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da culpa na produção do acidente.
II – A questão do dano autónomo pela privação do uso do veículo.
III – A questão da fixação imediata dos danos sofridos pela autora com a incapacidade profissional temporária.
IV – A questão do montante da compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora.

I. DA CULPA NA PRODUÇÃO DO ACIDENTE

Constitui denominador comum da censura que os autores e a ré "DD -Companhia de Seguros S.A." dirigem ao acórdão da Relação a discordância quanto ao modo de determinação da culpa pela produção do acidente, ambos se louvando na decisão da 1ª instância que, ao contrário do acórdão recorrido, que repartiu as culpas, em diversa proporção, pelos dois condutores intervenientes, considerou o condutor do veículo segurado na ré "Companhia de Seguros A…, S.A.", como o único e exclusivo responsável pela sua verificação.
Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, com vista à decisão desta parte da revista, importa reter que conduzindo o autor o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula …-…-IX, na E.N. n°106, pela faixa direita de rodagem correspondente ao sentido Vizela – Penafiel, com três metros de largura, numa recta, com cerca de 1 km de extensão, pretendendo efectuar a ultrapassagem de uma viatura que seguia, imediatamente, à sua frente, aproximou-se da mesma, verificou que não havia veículos a circular em sentido contrário, nem a pretender ultrapassá-lo, accionou o sinal luminoso de mudança de direcção, «pisca-pisca», do seu lado esquerdo, e iniciou a manobra de ultrapassagem, tomando a metade esquerda da via, sempre considerando o sentido de trânsito já aludido.
Porém, quando já tinha ultrapassado o veículo que o precedia, o autor resolveu efectuar, também, dando continuidade à manobra que vinha a executar, a ultrapassagem ao veículo que seguia, por sua vez, imediatamente, à frente daquele, de matrícula …-…-MU, o qual circulava a uma velocidade inferior a 50 km/hora, conduzido e propriedade de C… M… R… de S… S….
Mas, no momento em que o veículo do autor se encontrava, lado a lado, com o veículo MU, com a sua frente a começar a passar a frente deste último, o condutor C… S… iniciou uma manobra de mudança de direcção, para o lado esquerdo, ainda antes do entroncamento constituído pela da EN 106 com a via que dá acesso a Tejorge, sem que o autor tenha dado conta da mesma, accionou o sinal de pisca do lado esquerdo, conduzindo a frente do MU em direcção ao IX, em consequência do que embateu com a respectiva parte dianteira lateral esquerda, na zona da óptica, na parte lateral direita do veículo do autor, entre a porta dianteira e a frente do veículo, mais, precisamente, no guarda-lamas direito, por cima da roda da frente, na metade esquerda da faixa de rodagem, a uma distância não superior a um metro do eixo da via, tendo o veículo do autor saído da faixa de rodagem, pelo lado esquerdo, acabando por embater, frontalmente, numa árvore existente na berma esquerda, sempre considerando o mesmo sentido de marcha, ou seja, Vizela - Penafiel.
Mais se demonstrou que, no decurso da trajectória prosseguida pelo veículo do autor, não existia qualquer sinalização, vertical ou horizontal, a interditar a manobra de ultrapassagem ou a indicar a aproximação de outra circunstância impeditiva da mesma.
A ultrapassagem deve efectuar-se, em princípio, pela esquerda, mas o condutor de veículo não deve iniciá-la sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário, devendo, especialmente, certificar-se de que a faixa de rodagem se encontra livre, na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança, de que nenhum condutor que siga na mesma via ou na que se situa, imediatamente, à esquerda iniciou manobra para o ultrapassar, e que o condutor que o antecede na mesma via não assinalou a intenção de ultrapassar um terceiro veículo ou de contornar um obstáculo, nos termos do estipulado pelos artigos 35º, nº 1 e 38º, nºs 1 e 2, a), ambos do Código da Estrada de 1998, aplicável por força do estipulado nos artigos 21º, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, 6º, do DL nº265-A/2001, de 28 de Setembro (CE98), e 12º, nº 1, do Código Civil (CC).
Por outro lado, sendo proibida a ultrapassagem, imediatamente antes e nos cruzamentos e entroncamentos, tal não é aplicável sempre que na faixa de rodagem sejam possíveis duas ou mais filas de trânsito no mesmo sentido, desde que a ultrapassagem se não faça pela parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido oposto, nem nos casos tipificados em que a ultrapassagem se faça pela direita, nos termos do preceituado pelo artigo 41º, nºs1, c) e 3, do CE98.
Por seu turno, o condutor que pretenda mudar de direcção para a esquerda, como acontecia com o segurado da ré "Companhia de Seguros A…, S.A.", deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do eixo da faixa de rodagem, no caso da via estar afecta a ambos os sentidos de trânsito, e efectuar a manobra, de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.
Assim sendo, o autor, na execução de uma manobra de ultrapassagem a dois veículos automóveis que, atempadamente, anunciou, precavendo-se do seu êxito e certificando-se da ausência de impedimentos que a tal obstassem, foi surpreendido pela inopinada mudança de direcção para a sua esquerda, por parte da segunda viatura ultrapassada, quando o veículo do autor se encontrava, lado a lado, com a mesma, com a sua frente a começar a passar a frente deste, o qual, apesar de ter accionado o sinal de pisca do lado esquerdo, fê-lo, tardiamente, não se tendo aproximado, com a necessária antecedência e o mais possível, do eixo da faixa de rodagem.
Deste modo, sendo certo que o autor empreendeu a segunda ultrapassagem ao veículo do segurado da ré "Companhia de Seguros A…, S.A.", nas imediações de um entroncamento, não se demonstrou que o mesmo fosse visível ou estivesse anunciado na via, atendendo ao sentido de marcha de todas as três viaturas protagonistas do acidente, antes ficando provado que, no decurso da trajectória prosseguida pelo veículo do autor, não existia qualquer sinalização, vertical ou horizontal, a interditar a manobra de ultrapassagem ou a indicar a aproximação de outra circunstância impeditiva da mesma.
Como assim, ao cortar, intempestivamente, a linha de marcha do autor, sem se haver certificado, atempadamente, de que a manobra de mudança de direcção que pretendia ultimar não colidia com a execução da manobra de ultrapassagem em curso de realização pelo autor, o condutor C… S… constituiu-se autor material da contravenção causal de acidente, prevista e punida, pelo artigo 44º, nºs 1 e 3, do CE98, agindo ainda com negligência e inconsideração determinantes da sua responsabilidade exclusiva, e não concorrencial, pela produção do embate, violando, grosseiramente, o dever objectivo de cuidado que lhe era imposto pelo normativo legal acabado de citar.
E, assim, a ré "Companhia de Seguros A…, S.A.", para quem o condutor C… S… transferiu a responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação, constituiu-se na obrigação de indemnizar os danos decorrentes do embate a que se reportam os autos, comprovadamente, suportados pelos autores, por força do contrato de seguro celebrado, em conformidade com o disposto nos artigos 426º e 427º, ambos do Código Comercial, então, aplicáveis (1).

II – DO DANO AUTÓNOMO PELA PRIVAÇÃO DO VEÍCULO

Sustentam os autores que o direito à indemnização pelo dano da privação do uso de veículo é independente da demonstração dos danos concretos decorrentes da sua paralisação, defendendo a manutenção do decidido, neste particular, pelo Tribunal de 1ª instância, ou seja, a condenação da ré "Companhia de Seguros A…, S.A." a pagar ao autor, a título de compensação pelos danos sofridos com a privação do veículo, a quantia de €8,32, por dia, desde a data do acidente até à efectiva reparação do veículo.
Está provado, neste particular, que o veículo ligeiro de passageiros do autor, em consequência do duplo embate, sofreu danos, impedindo aquele o seu gozo, não obstante continuar a suportar a prestação mensal à entidade financiadora do crédito destinado à sua aquisição, actualmente, a "S… C…", tendo pago, à data de 3 de Maio de 2006, 96 prestações mensais, no valor individual de €249,55, no total de €23.956,80.
Por seu turno, a reparação deste veículo que, à data da propositura da acção, se encontrava, na oficina, por efectuar, está orçada em €14.963,9425, podendo ser superior, caso seja necessária a desmontagem do veículo, enquanto que o seu valor venal era, à data do acidente, de cerca de €9.975,96, e o valor dos seus salvados, de cerca de €997,60, tendo a ré "Companhia de Seguros A…, S.A." comunicado ao autor, no mês seguinte ao do acidente, que os danos sofridos pelo veículo conduziam a que a reparação fosse inviável.
A privação do uso de veículo é, em princípio, susceptível de constituir um ilícito e de corresponder a um dano indemnizável, na medida em que, por via de regra, impede o titular do respectivo bem de retirar do mesmo as correspondentes vantagens, patrimoniais e não patrimoniais, que a viatura pode proporcionar, ou seja, de dispor e fruir das utilidades próprias da sua natureza.
Porém, a questão da ressarcibilidade da «privação do uso» não pode ser apreciada e decidida, em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa, porquanto a privação do uso é uma realidade conceitual distinta e não coincide, necessariamente, com a privação da possibilidade do uso, sendo certo que a pessoa só se encontra, de facto, privada do uso de uma coisa, sofrendo, com isso, um prejuízo, se, realmente, a pretender usar e a utilizasse, caso não fosse a impossibilitada de dispor da mesma, enquanto que se não pretender usá-la, ainda que, também, o não possa fazer, já se está perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica no património do titular, e que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável (2).
Portanto, embora não seja de exigir a prova de todos os danos concretos emergentes da privação de veículo automóvel, deverá o lesado demonstrar que, se tivesse disponível o seu veículo, o utilizaria, normalmente, isto é, que dele retiraria as utilidades que o mesmo está apto a proporcionar (3).
Quer isto dizer que a mera privação do uso de um veículo, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil.
Revertendo ao caso decidendo, importa reter que não ficou provada a existência de concretos e individualizados incómodos para o lesado resultantes da privação do seu veículo, porquanto apenas se demonstrou a impossibilidade de o autor o utilizar, em virtude da respectiva imobilização em espera de reparação.
E, nesta acção, não vem pedido pelos autores, que o podiam ter feito, a condenação da ré "Companhia de Seguros A…, S.A" a promover a reparação do veículo, apesar de esta lhes ter comunicado que a mesma era inviável, ou a entrega da quantia necessária para que os autores, por si só, possam ordenar o conserto que aquela não propiciou, sendo certo que não é exigível a estes que o ordenem, à sua custa, até porque podem não ter disponibilidades financeiras para fazer o que à ré compete determinar.
Assim sendo, não se encontra, igualmente, provada a mora da ré "Companhia de Seguros A…, S.A.", quanto à obrigação de promover a reparação do veículo dos autores, em virtude destes ainda não terem desencadeado os mecanismos procedimentais adequados para o efeito.
Porém, não sendo esta questão objecto da revista, mas que, sumariamente, se trouxe à colação como enquadramento fundamentador do acórdão, importa não esquecer que se não demonstrou que a imobilização do veículo em espera de reparação seja causadora de um específico prejuízo para os autores que, a existir, quer como causa de um dano emergente ou de privação de um lucro cessante, deveria ter sido demonstrado.
Nestes termos, não se condena a ré "Companhia de Seguros A…, S.A" no pagamento de qualquer quantitativo pelo alegado dano autónomo da privação do veículo.

III. DA FIXAÇÃO IMEDIATA DOS DANOS PELA INCAPACIDADE LABORAL

Sustenta a autora CC que, encontrando-se apurado o prejuízo por si sofrido com a incapacidade temporária verificada, uma vez que esteve sem exercer a sua actividade profissional, durante cerca de um ano e meio, nada justifica a necessidade da sua liquidação posterior.
Está provado, neste particular, que a autora CC, desde a data do acidente, que ocorreu no dia 15 de Janeiro de 2001, até 30 de Junho de 2002, data da consolidação médico-legal das lesões que suportou, sofreu de incapacidade para BB, mas não de incapacidade laboral total, conforme se diz na sentença de 1ª instância.
Efectivamente, o aludido período temporal reporta-se à incapacidade temporária laboral, quer total, quer parcial, e não apenas à primeira, não obstante a autora ter recebido da Segurança Social, respeitante aquele lapso de tempo, a título de subsídio de doença, a quantia global de €4.011,56.
É que se à situação de incapacidade temporária profissional total corresponde uma ausência de actividade profissional, durante todo o respectivo período, com o inerente grau de perda da respectiva remuneração, já à situação de incapacidade temporária profissional parcial corresponde outro e, bem distinto, grau de redução salarial que, consequentemente, e, no caso em apreço, importa apurar.
Porém, está provado que a autora auferiu, no ano de 2000, "remunerações ilíquidas no montante de 951.072$00 e remunerações no montante de 110000$00 isento de impostos, aos quais foram deduzidos os seguintes descontos: taxa social única - 104.618$00, sindicato - 8.809$00", e que, desde a data do acidente até ao momento da consolidação médico-legal das lesões sofridas, recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de doença, a quantia total de €4.011,56.
Porém, como já se disse, importa delimitar os períodos de incapacidade temporária profissional, quer total, quer parcial, com recurso aos dados constantes do exame médico legal, para determinar os valores relativos da perda salarial, com observância do mecanismo contemplado pelo artigo 661º, nº 2, do CPC, como, correctamente, foi entendido pelo acórdão recorrido.
Com efeito, não sendo possível efectuar a liquidação ou concretização, no decurso da acção, o Juiz proferirá uma sentença que condene em prestação genérica, em conformidade com o estipulado pelo artigo 661º, nº 2, do CPC, que preceitua que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado [no que se liquidar em execução de sentença], sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Não colhem, pois, nesta parte, as conclusões constantes das alegações de revista dos autores.

IV. A QUESTÃO DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS

Finalmente, a autora CC entende que mal andou a Relação ao reduzir o montante arbitrado, a título de compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos, de €21.500,00 para €15.000.00.
O dano não patrimonial, tradicionalmente, designado por dano moral, é aquele que tem por objecto a face subjectiva da pessoa humana, independentemente do apuramento que se faça da sua eventual incidência patrimonial para ser considerado passível de indemnização.
Preceitua o artigo 483º, nº 1, do CC, que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
A lei não enumera os casos que justificam a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais, limitando-se a esclarecer que esta apenas deve abarcar aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do previsto pelo artigo 496º, nº 1, do CC, ou seja, a reparação apenas se justifica se a especial natureza dos bens lesados o exigir, ou quando as circunstâncias que acompanham a violação do direito de outrem forem de molde a determinar uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais (4).
A gravidade do dano não patrimonial tem que ser aferida por um critério objectivo, tomando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, e não, através de um critério subjectivo, devendo o montante da indemnização ser fixado, segundo padrões de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, à do lesado e do titular da indemnização, e às flutuações do valor da moeda, proporcionalmente, à gravidade do dano, nos termos do disposto pelo artigo 496º, nº 3, do CC (5).
Assim, no âmbito dos danos de natureza não patrimonial, destacam-se, nomeadamente, as dores físicas, os traumatismos físicos, os tratamentos e reabilitações necessários à regeneração da pessoa, vítima, no caso concreto, de acidente de viação (6).
Neste particular, ficou demonstrado que, como consequência directa e necessária das lesões sofridas com os embates, a autora ficou com consolidação viciosa da fractura da clavícula direita, com desvio em angulação inferior e algo instável, apesar do material de osteossíntese, desnivelamento do ombro direito e ligeira tumefacção do terço interno clavicular, traduzindo-se estas sequelas numa incapacidade permanente parcial geral de 5%, mas sendo compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, embora implicam esforços suplementares.
Por outro lado, a autora suportou internamento hospitalar, como consequência imediata do acidente, durante quatro dias, e, após a alta hospitalar, regressou a casa, onde foi obrigada a permanecer acamada, em repouso absoluto, durante um mês, tendo de utilizar, nesse lapso de tempo, um cruzado posterior na clavícula direita, submetendo-se, durante sete meses, a tratamentos ambulatórios, deslocando-se ao hospital, uma vez por mês, até Maio de 2001, e mais duas vezes, uma em Julho e outra em Setembro de 2001.
Tendo-lhe sido diagnosticada pseudartrose da clavícula direita, necessitou de tratamento cirúrgico, acabando por ter alta hospitalar do mesmo, no dia seguinte ao do respectivo internamento.
Na sequência do tratamento cirúrgico, a autora ficou com urna cicatriz com 8 cm, na região infra-clavicular direita, que lhe causa desgosto e constrangimento, o que leva a que, mesmo no período do Verão, vista roupas que ocultem, totalmente, a zona em causa, sendo certo que tinha 45 anos de idade, à data do acidente, frequentando ginásio, praticando musculação e natação, para recuperar as lesões sofridas.
Em virtude das lesões ocorridas, em consequência dos embates, a autora sofreu dores, quer no momento do acidente, quer durante o período de recuperação, continua a sentir dores no membro superior direito aos movimentos forçados de pronação-elevação e retro-pulsão, com dificuldades em levantar pesos e sente maior dificuldade em varrer, passar a ferro e levantar ou transportar objectos mais pesados, não conseguindo dormir virada para o lado direito.
No momento do acidente, a autora temeu pela sua vida, viu-se imobilizada dentro do veículo, tendo de ser retirada para fora do mesmo, o que lhe provocou pânico.
A satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, pretendendo, tão-só, atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de equivalente (7).
Efectivamente, sem embargo de, no campo psíquico, não terem cabimento puros critérios de ordem patrimonial, tal não desaconselha que os princípios adoptados reflictam, tendencialmente, a diferenciação dos substratos económicos dos lesados, mas sem esquecer, por outro lado, os critérios da restauração física e moral destes.
O critério de reparação dos danos não patrimoniais que se adopta fortalece a ideia de compensação moral do sofrimento da vítima, independentemente da classe social de que é oriunda, mas sem deixar de lhe atribuir um montante pecuniário que lhe proporcione prazeres e distracções capazes de neutralizar, tanto quanto possível, os danos não patrimoniais que suportou.
Com efeito, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo certo que o respectivo montante será estabelecido, equitativamente, pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, que, na hipótese de responsabilidade baseada em mera culpa, aquele montante poderá ser inferior ao que corresponderia ao valor dos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, em conformidade com o preceituado pelos artigos 496º, nºs 1 e 3, e 494º, do CC.
O montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, objectivamente apreciado, e não à luz de critérios subjectivos, em função da tutela do direito, tomando-se em consideração, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem que a equidade impeça o julgador de referir o processo lógico através do qual chegou à liquidação do dano (8).
São, pois, os danos não patrimoniais em apreço, sofridos pelo autor, de qualificar como graves e, como tal, merecedores da tutela do direito, nos termos do preceituado pelo artigo 496º, nº 1, do CC.
Deste modo, face à extensão, duração e intensidade das sequelas suportadas pela autora, em consequência do acidente, mostra-se justa e adequada a fixação da correspondente indemnização, por danos de natureza não patrimonial, no montante de 20000,00€.

CONCLUSÕES:

I – Inexistindo sinalização, vertical ou horizontal, a interditar a manobra de ultrapassagem ou a indicar a aproximação de outra circunstância impeditiva da mesma, o condutor que executa a ultrapassagem a dois veículos automóveis que, atempadamente, anunciou, precavendo-se do seu êxito, nas imediações de um entroncamento, e que foi surpreendido pela inopinada mudança de direcção para a sua esquerda, por parte da segunda viatura ultrapassada, quando aquele se encontrava, lado a lado, com a mesma, com a sua frente a começar a passar a frente deste, não dá causa ao embate, o qual é, porém, ocasionado por este último que, apesar de ter accionado o sinal de pisca do lado esquerdo, fê-lo, tardiamente, não se tendo aproximado, com a necessária antecedência e o mais possível, do eixo da faixa de rodagem.
II - A mera privação do uso de um veículo, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil.

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em conceder a revista interposta pela ré "DD - Companhia de Seguros, S.A." e, tão-só, em parte, a revista interposta pelos autores e, em consequência, revogam o acórdão recorrido, condenando a ré "Companhia de Seguros A…, S.A." a pagar ao autor AA a quantia de €31.053,40 (trinta e um mil e cinquenta e três euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento, e à autora CC a quantia de €27266,64 (vinte e sete mil duzentos e sessenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), e ainda o que vier a ser liquidado, no que respeita aos danos pela mesma sofridos com a incapacidade verificada, acrescido de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que, legalmente, venha a estar em vigor, absolvendo, consequentemente, a ré "DD - Companhia de Seguros, S.A." da totalidade do pedido contra si formulado, subsidiariamente, pela autora CC.

Custas da revista, a cargo dos autores e da ré "Companhia de Seguros A…, SA", a determinar a final, na proporção do vencimento, sendo, provisoriamente, da responsabilidade dos mesmos, em igual proporção.

Notifique.

Lisboa, 19 de Novembro de 2009
Hélder Roque (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves

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(1) Os artigos 426º e 427º, do Código Comercial, foram revogados pelo artigo 6º, nº 2, a), do DL nº72/2008, de 16 de Abril, que estabeleceu o novo regime do contrato de seguro, a partir da sua entrada em vigor, que aconteceu em 1 de Janeiro de 2009.
(2) STJ, de 2-6-2009, Pº nº 1583/1999.S1, in www.dgsi.pt
(3) STJ, de 9-12-2008, Pº nº 08A3401; STJ, de 30-10-2008, Pº nº 07B2131; STJ, de 5-7-2007, Pº nº07B2138, in www.dgsi.pt
(4) Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2003, 88 e 89, nota 164.
(5) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 497, 499 a 501; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 428 e 429; STJ, de 22-1-80, BMJ nº 293, 327.
(6) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 499; Vaz Serra, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ, nº 83, nº 2. (7) Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 427 e 428.
(8) Vaz Serra, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ, nº 83, nº 2; RLJ, Ano 113º, 104.