Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
67/05.5TMMTS-O.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
PARTILHA DE BENS DO CASAL
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
EMBARGOS DE EXECUTADO
COMPENSAÇÃO
TORNAS
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2019, p. 302-303;
- Lebre de Freitas, A Ação Executiva - À luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., 2017, p. 203 a 205;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, p. 305;
- Rui Pinto, A Problemática de Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 729.º, ALÍNEA H).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 02-12-2008, PROCESSO N.º 08A3355, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
A compensação prevista no art.729º, h) do CPC, numa execução que tem como título executivo uma sentença de homologação de acordo de partilhas, pode ser invocada pelo ex-cônjuge executado que pagou dívidas da responsabilidade do outro a terceiros e é, por sua vez, devedor de tornas.
Decisão Texto Integral:

Recorrente: AA

Recorrida: BB

I. RELATÓRIO

1. Em 19.06.2014, AA, na qualidade de executado, deduziu oposição, mediante embargos de executado, à execução para pagamento de quantia certa (por apenso aos autos principais), movida pela sua ex-mulher, BB, com base em sentença homologatória da partilha, transitada em julgado no processo de inventário subsequente ao seu divórcio (que constitui o processo principal).

Alegou para tanto, em síntese, que, apesar de a exequente ser credora de tornas sobre o embargante no montante de 123.925,00€, segundo o mapa de partilha homologado por sentença, os embargos devem ser julgados procedentes, sendo levantada a penhora efetuado e extinta a execução,  por via de compensação do seu contra crédito sobre a exequente, no valor de 231.807,74€, resultante da meação desta no passivo da responsabilidade do ex-casal, que o embargante pagou a terceiros com património próprio, após a partilha.

2. A exequente apresentou contestação, alegando incumprimentos vários do executado e a inadmissibilidade legal do requerimento de embargos de executado, pugnando pela rejeição da oposição por falta de legitimidade processual. Por considerar que o executado litiga com má fé, requereu a sua condenação como tal, em montante não inferior a 2.000,00€, acrescido do montante devido a título de honorários. Pediu que se julgasse improcedente a oposição, devendo ser proferida decisão mantendo a penhora realizada até cumprimento integral da dívida exequenda.

O executado apresentou resposta, reiterando os fundamentos de facto e direito constantes do requerimento inicial.

3. Em 05.06.2017, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição à execução e à penhora e, em consequência, determinou a extinção da execução; absolveu o executado do pedido de condenação por litigância de má fé, formulado pela exequente; e determinou o imediato levantamento das penhoras realizadas pelo Agente de Execução.

4. Inconformada com aquela decisão, a exequente/embargada interpôs recurso de apelação.

5. O Tribunal da Relação do Porto decidiu: “julgar parcialmente procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, julgando-se improcedentes os presentes embargos de executado e ordenando o prosseguimento da execução”.

6. Inconformado com a decisão da segunda instância, o executado/embargante interpôs recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

«1a - Embora tendo sofrido uma ligeira alteração à prova fixada em 1a Instância, o certo é que o Acórdão proferido manteve, no essencial a prova já produzida nos autos;

2a - Nomeadamente, provou-se que nos autos de inventário, quer no mapa informativo quer no próprio mapa de partilha, que o passivo aprovado do casal ascendia ao montante total de 473.048,60 €;

3a - Fazendo-se referência a esse passivo e a essa aprovação na conferência de interessados, que teve lugar no dia 05/03/2008, de fls... dos autos de inventário com a referência 484910;

4a - Aquele passivo respeitava a uma dívida de ambos os Interessados à mãe da Exequente, CC, no montante de 180.370,22 €;

5a- E a uma dívida de ambos os interessados ao credor reclamante, DD, no montante de 283.245,26 €;

6a- A credora CC instaurou acção executiva contra ambos os interessados, autos que correram termos sob o n. 2864/06.5TBMTS, 5a Juízo Cível do Tribunal Judicial de ....;

7a- No âmbito daqueles autos foi penhorado o vencimento do Executado AA, até 31 de Outubro de 2010, no montante de 86,869,98 €;

8ª- E no dia 12/11/2010, o Executado, AA, efectuou um depósito de 66.000,00 € na conta do solicitador de execução daquele processo;

9a- A dívida dos interessados ao credor DD, no valor reclamado de 283.245,26 €, foi integralmente liquidada pelo ora Executado e então Cabeça-de-casal;

10a- Pagamento àquele credor que foi feito através da venda judicial da casa própria do Recorrente e que tinha sido penhorada nos autos de execução n. 2294/05.6TBAMT, instaurada contra o Cabeça-de-casal, AA, e contra a Exequente, BB, autos que correram termos pelo 1o Juízo Cível do Tribunal Judicial de ....;

11a- Acabando tal casa por ser vendida naqueles autos pelo preço total de 332,100,00 €, tendo ainda sido necessário que o Cabeça-de-casal depositasse a quantia de 16.580,00 € para acabar de liquidar o crédito ao credor DD para concluir o pagamento da quantia exequenda e juros e assim tornar extinta a execução;

12a- Como decorre do mapa de partilha organizado nos autos de inventário, a responsabilidade daquele passivo (quer à credora CC, quer ao credor DD) era de metade para cada interessado - Exequente e Executado;

13o- Competindo metade daquele passivo à Exequente BB, no valor de 231.807,74 €, e a outra metade, de igual montante, ao Executado;

14a- A Exequente sabe que é responsável pelo pagamento de metade do passivo que aprovou, no montante de 231.807,74 €, conforme está estabelecido no Mapa de Partilha;

15a- As tornas que cabem à Exequente ascendem ao montante de 123.925,00 €;

16a- Já nos autos de inventário o Executado manifestou perante a Exequente a sua vontade de ver compensado o seu crédito sobre o crédito de tornas da Exequente;

17a- O Sr, Agente de Execução procedeu à penhora ao Executado do direito à posição contratual referente ao contrato promessa de compra e venda relativo ao imóvel designado pela letra ...”, correspondente a uma habitação no.... direito, com entradas pela ...., ..., e Rua ......., ....;

18a- O Sr. Agente de Execução deu ao valor do direito penhorado a quantia de 350.000,00 €;

19a- Com interessa para a fixação da prova supra referida, é importante assinalar a conferência de interessados ocorrida nos autos de inventário a que estes autos se encontram apensos e bem assim os mapas informativos e de partilha constantes daqueles autos;

20a- No mapa informativo daqueles autos fez-se a demonstração total dos bens a partilhar, que somavam a quantia de 473.048,66 € e fez-se também a demonstração do passivo do casal, que importava pagar e que somava a quantia total de 463.048,66 €;

21a- Sendo de notar que aquele passivo de 463.048,66 € foi por ambos os interessados aprovado na conferência de interessados, que ocorreu no dia 05/03/2009, conforme consta nos autos de inventário;

22ª- Ficando também demonstrado nos autos de inventário que tal dívida do casal dizia respeito a uma dívida de ambos os interessados à mãe da Exequente, CC, no valor de 180.370,22 €;

23a- E o restante valor do passivo, no montante de 283.245,26 €, respeitava a uma dívida da responsabilidade de ambos os interessados ao credor DD;

24a- Ficou também documentalmente demonstrado que foi no decurso dos autos de inventário que o interessado e cabeça-de-casal AA, procedeu à liquidação da dívida à credora e mãe da interessada no montante de 86.869,98 €, através das penhoras do seu vencimento de médico e a quantia de 66.000,00 €, transferida no dia 12/11/2010 para a conta do Agente de Execução, DD;

25a- Assim obstando, por sua exclusiva iniciativa, a que fosse, na altura. vendida a expectativa de aquisição do bem imóvel pertencente aos interessados, nos respectivos autos de execução;

26a- Ficou também demonstrado que a dívida de ambos os interessados ao DD foi integralmente paga pelo Executado através da venda judicial da sua casa em ...., em processo executivo instaurado por aquele credor contra ambos os Interessados;

27a- Provando-se ainda que a venda daquela casa própria do Recorrente foi vendida pelo preço de 332,100,00 € ao próprio credor DD, mas não chegou para pagar a totalidade da quantia exequenda reclamada naqueles autos de execução, sendo necessário o Recorrente ainda depositar a quantia de l6.580,00 € para ser julgada extinta a execução;

28a- Assim se demonstrando que, afinal, o passivo aprovado na altura da conferência de interessados ocorrida no dia 05/03/2008 do inventário ao credor DD se revelou bastante superior, ascendendo à quantia final de 332.100,00 € + 16.580,00 € = 348.680,00 € totalmente paga pelo Recorrente;

29a- Assim se confirmando que o passivo aprovado ambos os Interessados na conferência de interessados foi substancialmente acrescido e pago pelo Recorrente;

30a- É do conhecimento da Recorrida BB, que o passivo, incluindo o que lhe competia a si assumir, se encontra totalmente liquidado nos moldes a que se fez referência;

31a- A Exequente tomou conhecimento do desfecho do processo executivo n. 2294/05 instaurado pelo DD contra o ex-casal, tendo sido notificada pelo solicitador de execução da extinção da execução, pelo seu pagamento;

32a- E sabe igualmente, porque também era co-executada no processo executivo n. 2864/06.5TBMTS que a sua mãe, CC tinha instaurado contra si e contra o Recorrente;

33a- A Exequente sabe que é responsável pelo pagamento de metade do passivo que aprovou no montante de 231.807,74 €;

34a- Pois, caso contrário, se entendesse que não era responsável por aquele passivo, bastaria tão-somente afirmar naquela conferência de interessados que tal passivo não era da sua responsabilidade;

35a- O que obrigaria o interessado FF a ser remetido para os meios comuns, caso pretendesse obter da outra interessada a condenação em tal passivo;

36a- Assim, ao reconhecer aquele passivo na conferência de interessados a Exequente constitui-se na obrigação de pagar metade do mesmo, ou seja, a quantia de 231.807,74 €;

37a- Ora o Recorrente demonstrou que todo o crédito relativo ao DD foi por si inteiramente pago, num total de 348.680,00 €;

38a- E demonstrou também que a dívida à mãe da Exequente, a credora CC, foi também por si quase inteiramente paga, pelo menos na quantia de 152,869,98 €;

39a- Por isso, ao afirmar na contestação dos Embargos que o crédito do Oponente não tem existência física ou legal, a Embargada litiga com má-fé;

40o- Traduzindo-se em Abuso de Direito a pretensão da Exequente em que lhe sejam pagas as tornas que aritmeticamente lhe foram contabilizadas no Inventário;

41a- Quando se comprova que o passivo que igualmente era da sua responsabilidade foi pago através do património pessoal do Executado;

42a- Com efeito, a Executada deveria pagar metade da dívida à credora sua mãe, CC, bem como metade da dívida ao credor DD;

43a- O que ascendia à quantia de 283.245,26 €, tendo apenas em conta as reclamações de créditos efectuadas nos autos de inventário e que, pelo menos no que tange ao DD, vieram a revelar-se muito superiores, como já se demonstrou;

44o- Ao pretender receber a totalidade das tornas aritmeticamente fixadas do interessado FF, a Exequente ultrapassa despudoradamente os limites da boa­ fé, dos bons costumes e do fim social e económico de tal direito, abusando do mesmo, nos termos do artigo 334° do Código Civil;

45a- Revelando ainda grande oportunismo ao pretender receber metade do activo (as tornas e as verbas dos artigos que lhe foram adjudicados no inventário) e escusar-se a pagar metade do passivo, que é da sua responsabilidade e que o Executado cumpriu, não só na sua parte, mas também na parte que incumbia à Exequente;

46a- Pelo que é flagrante o abuso do direito esgrimido pela Exequente, sendo que a sanção sobre tal abuso deve corresponder à neutralização do direito às tornas;

47a- Por outro lado, o crédito do Executado sobre a Exequente, tal como foi decidido na sentença proferida em 1a instância, reúne todos os requisitos legais para ser objecto de compensação;

48a- O crédito do Executado tem na sua génese a mesma relação jurídica do crédito da Exequente;

 

49a- Tendo o processo de inventário decorrido com toda a normalidade e regularidade, na mais estrita observância legal;

50a- Na conferência de interessados ficou definido o activo e o passivo do acervo comum, cuja partilha esteve na origem do apuramento das tornas;

51a- Nos processos judiciais que decorreram paralelamente ao inventário (o processo executivo movido pela credora CC e o processo executivo movido pelo credor DD) fez-se a demonstração que o Recorrente pagou a esses credores o que a si competia, e o que competia à Exequente;

52a- Sendo certo que até é uma competência e uma obrigação do Cabeça-de-casal efectuar o pagamento das dívidas comuns do casal;

53a- Em suma, quer pela procedência do Abuso de Direito, quer pela procedência da compensação de créditos, o   presente   recurso   manifesta-se   viável    para   merecer provimento;

54a- O Acórdão recorrido violou as disposições legais contidas nos artigos 334°, 847°, 848° e 1697° do Código Civil.

Termos em que deve o Acórdão proferido ser revogado e substituído por decisão que julgue procedentes os Embargos e extinga a Execução como é de justiça

 A recorrida não contra-alegou.

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS

1. Admissibilidade do recurso:

Observados os requisitos gerais de admissibilidade do recurso, estabelecidos no art.629º, n.1 do CPC, bem como os requisitos próprios da revista, previstos no art.671º, n.1 do CPC, conclui-se que o presente recurso é admissível.

2. Objeto do recurso:

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, são as seguintes as questões a decidir:

2.1. Saber se o executado/recorrente pode invocar a compensação de créditos;

2.2. Saber se a exequente/recorrida agiu com abuso de direito. 

3. Factualidade Provada:

Após a matéria de facto dada como provada pela 1º instância ter sido alterada pelo acórdão recorrido, passou a factualidade provada a ser a que, na íntegra, se transcreve a partir desse acórdão:

«1. De acordo com o Mapa de Partilha organizado nos autos de Inventário a que estes se mostram apensos, competiria ao Executado e Interessado AA dar tornas à Exequente e Interessada BB, no montante apurado de 123.925,00 €.

2. No mapa informativo de fls... daqueles autos de Inventário com a referência 682862 fez-se a demonstração do total dos bens a partilhar entre os Interessados, que somavam a quantia de 473.048,66 € e fez-se também a demonstração do passivo no montante de 463.615,48 €.

3. Constando igualmente estes valores, quer os do activo, quer os do passivo no próprio Mapa de Partilha.

4. O passivo supra relacionado, no montante de 473.048,66 €, foi por ambos os Interessados (Exequente e o Executado) aprovado na conferência de Interessados que teve lugar no dia 05/03/2009, a fls... dos autos de Inventário, com a referência 484910.

5. Tal passivo dizia respeito a uma dívida de ambos os Interessados à mãe da Exequente, CC, no montante aprovado de 180.370,22 €.

6. E ainda uma dívida de ambos os Interessados ao DD, credor reclamante a fls. 514 dos autos, no montante de 283.245,26 €.

7. A credora CC, instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa contra a Exequente e o Executado, que correu termos sob o n.º 2864/06.5TBMTS-C do 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ....;

8. No âmbito desses autos, foi penhorado o valor de 86.869,98 € do vencimento do Executado FF, até 31 de Outubro de 2010;

9. No dia 12/11/2010, o executado FF efectuou o depósito em numerário de € 66.000,00 na conta do solicitador de execução daquele processo, DD, para pagamento da quantia exequenda.

10. No citado processo judicial foi penhorado, como bem comum do ex-casal, o direito/expectativa de aquisição do bem imóvel que foi aqui penhorado ao executado, referido no ponto 22. dos factos provados.

11. A dívida relativa ao credor DD no valor de 283.245,26€ foi integralmente liquidada com património pessoal do Cabeça-de-casal, ora Executado, nomeadamente, através da venda judicial da sua casa própria que aquele credor tinha penhorado nos autos de execução nº 2294/05.6TBAMT instaurada contra o Cabeça-de-casal e a Interessada BB, autos que correram seus termos pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de .....

12. Tal casa penhorada ao Cabeça-de-casal, ora Executado, foi vendida pelo preço total de 332.100,00 €, tendo ainda sido necessário depositar a quantia de 16.580,00 € que o Cabeça-de-casal entregou ao DD para concluir o pagamento da quantia exequenda e juros e assim tornar extinta a execução.

13. Nos termos do Mapa de Partilha organizado nos autos de Inventário, a responsabilidade por aquele passivo era de metade para cada um dos Interessados (Exequente e Executado).

14. Ou seja, competia metade à Exequente BB, no montante de 231.807,74 €, sendo esse montante a sua responsabilidade no passivo aprovado, conforme resulta do Mapa de Partilha.

15. E a outra metade, no montante de 231.807,74 € da responsabilidade do Executado.

16. A Exequente tomou conhecimento do desfecho do processo executivo n. 2294/05.6TBAMT, instaurado contra o ex-casal pelo DD, tendo inclusivamente, sido notificada pelo solicitador de execução da extinção da execução pelo seu pagamento.

17. A exequente sabe que é responsável pelo pagamento de metade do passivo que aprovou, no montante de € 231.807,74, conforme está estabelecido no Mapa de Partilha.

18. As tornas que cabem à Exequente, ascendem ao montante de 123.925,00 €.

19. Já nos autos de Inventário, o executado manifestou perante a exequente a sua vontade de ver compensado o seu crédito sobre o crédito da exequente.

20. O que fez através de requerimento dirigido aos autos e em sede de alegações de recurso de Agravo que se encontram apensas ao processo de Inventário.

21. O Sr. Agente de Execução procedeu à penhora ao executado do direito à posição contratual referente ao contrato promessa de compra e venda relativo ao imóvel designado pela letra "D", correspondente a uma habitação no.... direito, com entradas pela Avª.....,... e Rua ...., ..., .....

22. O Sr. Agente de Execução deu ao valor do direito penhorado a quantia de 350.000,00 €.

23. Aquela expectativa de aquisição foi adjudicada no inventário ao executado, por tê-la licitado, no valor de 260.000,00 € na conferência de interessados.

24. Sendo aquela expectativa de aquisição o bem de maior valor da relação de bens do inventário.

25. E sendo, sobretudo, por causa da sua licitação pelo executado que redundou no pagamento de tornas à exequente.

26. Tal penhora foi efectuada sem citação prévia do executado.

27. Em Março de 2006, por forma a concretizar a escritura e receber o que lhe era devido, a RAR informou através de carta registada o Ilustre Mandatário da exequente, que o direito arrestado é susceptível de se extinguir durante a pendência do arresto. 29. A exequente tem ainda acções em curso para reaver quantias que, no seu parecer, o património comum ainda lhe é devedor.

28. O executado dirigiu requerimento ao Sr. Agente de Execução, no qual se opôs às diligências de penhora.

29. Para a expectativa de aquisição do imóvel referido em 21), foi celebrada promessa de compra e venda que exequente e executado concretizaram em 2002 e, pelo menos desde 2006 que o executado se recusou a realizar o registo deste bem em nome dos promitentes adquirentes.

30. Apartamento, esse, pronto a habitar e escriturar pelo menos desde o dia 11 de Agosto de 2005.

31. Escritura que esteve agendada, pelo menos, três vezes para ser realizada, mas o executado não compareceu em nenhuma dessas datas.»

*

4. O direito aplicável:

Como supra referido, as questões a dar resposta no presente recurso de revista são as seguintes:

- Saber se o executado/recorrente pode invocar a compensação de créditos;

- Saber se a exequente/recorrida agiu com abuso de direito. 

Vejamos, nos termos do art.674º do CPC, se a decisão recorrida fez a correta aplicação do direito à factualidade provada.  

4.1. A decisão agora em revista decidiu revogar a sentença recorrida, julgando improcedentes os embargos do executado e ordenou o prosseguimento da execução.

Para sustentar essa decisão, entendeu-se, em tese (invocando a doutrina de Rui Pinto[1]), que: «(…) pela própria natureza dos embargos de executado caso se trate de execução de sentença para pagamento de quantia certa e por força do princípio da preclusão e da concentração da defesa na contestação, entendemos que há uma ressalva essencial a fazer: a invocação da compensação do contra crédito do executado sobre a exequente apenas pode ser fundamento de embargos de executado e neles ser conhecido e reconhecido, sem que o tivesse sido antes em acção declarativa, se esse contra crédito for superveniente em relação à acção declarativa

Num passo seguinte, para além do argumento respeitante à oportunidade temporal da invocação da compensação, o acórdão recorrido introduz também como fundamento decisório determinante a questão da natureza, conjunta ou solidária, das obrigações assumidas pelo ex-casal (agora recorrente e recorrida).

Analisando separadamente as duas execuções que deram origem à concretização do contra crédito agora invocado em compensação pelo recorrente, o acórdão em revista concluiu que, não tendo os ex-cônjuges sido condenados solidariamente nos processos que originaram aquelas execuções, não assiste ao sujeito que pagou as dívidas comuns direito de regresso sobre o outro executado. Por outro lado, os pagamentos teriam sido feitos antes da sentença que homologou o acordo de partilhas, pelo que a invocação da compensação não poderia proceder.

Quanto à execução movida pela credora CC, afirma-se no acórdão recorrido, (para além de outras considerações sobre essa execução e sobre a ação de condenação que a antecedeu que são irrelevantes para os presentes autos), o seguinte:

«Na sentença os ali réus não foram condenados solidariamente no pagamento daquela prestação pecuniária, nem tal resulta de contrato ou da lei, pelo que aquela obrigação de pagamento é conjunta e não solidária- arts 512º, 513º e 518º, CC.

O benefício da divisão caracteriza e diferencia as obrigações correntemente designadas por conjuntas, das obrigações solidárias. Ao contrário destas, nas obrigações conjuntas cada devedor só é responsável, perante o credor, pela quota parte da obrigação que lhe corresponde e somente ao devedor solidário que pagou mais do que correspondia à sua real quota (nas relações internas entre devedores) é que é consagrado direito de regresso em termos gerias nos termos do art. 524º e 516º e em certas situações específicas, vd. arts. 507º e 497º, nº 2, CC[2]

Não é exigível, assim, do embargante à embargada qualquer crédito pelo comprovado pagamento por banda daquele da quantia de 86.869,98 € de uma dívida conjunta a CC no montante de 171.210,50 €, acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento à taxa legal de 4% e que foi reconhecida no inventário a que estes autos estão apensos na conferência de interessados no montante de 180.370,22 €.

Falece, pois, a invocada compensação de qualquer crédito do embargante sobre a embargada nessa parte

Quanto à segunda execução, movida pelo DD, lê-se no acórdão recorrido:

«Provou-se que o aludido crédito daquele Banco foi integralmente pago com bens próprios do embargante e que a embargada foi notificada da extinção daquela execução em conformidade - factos provados 11,12 e 16. Mas, tal pagamento ocorreu antes de 27.09.2013, data da sentença homologatória da partilha e que condenou os ex cônjuges no pagamento daquele passivo aprovado. Com efeito, a data da aceitação da proposta de adjudicação daquele bem próprio do embargante ao Banco ali exequente é de 3 de Dezembro de 2009 (fls 24) e a do depósito complementar é de 15.09.2010 (fls 26).

Daqui resulta que, como supra defendemos, não se verifica a superveniência do pretenso crédito a compensar, mesmo que comprovado estivesse, relativamente à sentença que homologou a partilha. 

Acresce que, tal como se referiu para o anterior crédito reconhecido no inventário, esta dívida dos ex cônjuges é uma dívida conjunta e não solidária e, assim sendo, não assiste direito de regresso do embargante sobre a embargada que possa exigir em sede destes embargos de executado com base em compensação de créditos como fundamento de oposição à execução do crédito de tornas da exequente

Pode, desde já, afirmar-se que os dois tipos de argumentos invocados para justificar a decisão em revista não revelam uma correta aplicação do direito, face à factualidade provada e à especificidade processual do caso concreto.

Comecemos por considerar o problema da oportunidade processual da invocação da compensação, quando o título executivo é uma sentença de homologação de um acordo de partilhas. Veremos, de seguida, o argumento respeitante à natureza das dívidas.

4.2. O art.729º do CPC estabelece um numerus clausus dos fundamentos de oposição à execução quando o título executivo é uma sentença. Dispõe esta norma:

«Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:

a) Inexistência ou inexequibilidade do título;

b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;

c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;

d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;

e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;

f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;

g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;

 h) Contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;

 i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.»

 Esta norma corresponde, com exceção, precisamente, da sua alínea h), ao art.814º do CPC anterior à Lei 41/2013.

Embora a compensação seja um modo de extinção das obrigações, previsto no art.874º do CC, o legislador não exigiu, de modo literal, para efeitos de oposição à execução, que o facto do qual resulta o crédito a compensar seja “posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração” como exige na alínea g), quando se refere a “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação”.

Na vigência do art.814º do anterior CPC entendia-se que a compensação se incluía na hipótese da alínea g) [correspondente à vigente alínea g) do art.729º] e, consequentemente, exigia-se que o crédito a compensar fosse “posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração”[3].

Apesar de o vigente CPC prever a compensação, de modo autónomo, entre os fundamentos da oposição à execução, há, porém, doutrina que continua a entender [como se entendia antes da autonomização da compensação na atual alínea h)] que o crédito a compensar tem de ser anterior “ao encerramento da discussão no processo de declaração”, o que tem sido justificado, sobretudo, com a necessidade de harmonizar esta alteração legislativa com o regime da reconvenção [prevista no art.266º, n.2, alínea c) do CPC].

 Afirma Rui Pinto: “A reforma destaca em separado a compensação na al. h), mas não pode deixar de sujeitar-se aos mesmos requisitos da al. g) da superveniência e da prova.  De outro modo, passaria a ser admissível a invocação de contra crédito para compensação que não se invocara em sede de contestação na ação condenatória”.

Na opinião de Lebre de Freitas: “A nova qualificação processual que se pretendeu dar à compensação no art. 266-2-c levou à sua autonomização como fundamento de embargos de executado. É que, excedendo a reconvenção a função defensiva dos embargos (…), a caracterização adjetiva da compensação como reconvenção levaria a negar a sua invocabilidade na dependência da ação executiva, o que seria contrário ao seu regime substantivo.”  E acrescenta: “(…) uma vez entendido que o titular do contra crédito tem hoje o ónus de reconvir, o momento preclusivo recua à data da contestação (a reconvenção não pode ser deduzida em articulado superveniente); a invocação da compensação só não será pois, admissível quando ela já era possível à data da contestação da ação declarativa, só assim se harmonizando o regime da alínea h) com o da alínea g) do art. 729. h)”[4].

 

Ainda na linha do enquadramento doutrinal do problema respeitante à oportunidade processual da invocação da compensação de créditos, cabe citar o que afirmam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, quanto à ação declarativa, em anotação ao art.266º, n.2, alínea c) do CPC: “Com a atual redação da alínea c), pretendeu o legislador tomar posição numa polémica jurisprudencial e doutrinal acerca do instrumento processual adequado para efeitos de invocação do contra-crédito pelo réu. Sendo anteriormente discutido se tal invocação devia ser sempre operada através de reconvenção ou se esta apenas era dedutível na parte em que o montante do contra-crédito excedesse o valor do crédito do autor e o réu visasse a condenação daquele no pagamento do remanescente (tese que prevalecia na jurisprudência e também na doutrina), parece ter ficado claro que, com a nova redação, se pretendeu adotar a primeira solução (…)[5]”.

E acrescentam estes autores: “(…) o segmento normativo «obter a compensação» que, aliás, já vem do anterior CPC, terá o significado correspondente à pretensão no sentido da extinção do direito invocado pelo autor em consequência do reconhecimento do contra-crédito do réu, independentemente de a compensação já ter sido ou não anteriormente declarada, nos termos do art.848º do CC. Tal entendimento encontra a sua justificação na circunstância de o fenómeno da compensação implicar sempre a invocação de uma (outra) relação jurídica da qual emerge o crédito invocado pelo réu, a qual é paralela à relação jurídica que sustenta o pedido do autor[6]”.

4.2.1. As construções teóricas supra referidas, sobre a oportunidade processual da invocação da compensação, em articulação com as regras da reconvenção, têm subjacente a hipótese típica de o autor da ação de condenação ser também aquele que (por não ver o seu crédito satisfeito voluntariamente) assume a qualidade de exequente na subsequente ação executiva [destinada a efetivar o recebimento do crédito reconhecido pela sentença que se formou no anterior processo declarativo], fazendo eco de específicas regras de oportunidade da apresentação dos meios de defesa em articulação com regras do contraditório e da preclusão.

Ora, não é esse o quadro processual do caso concreto.  

A sentença que serve de título executivo na execução a que respeitam os presentes autos não se formou numa ação de condenação, movida pela agora exequente contra o agora executado. Formou-se numa ação de inventário para separação de meações, que teve como requerente o agora executado [FF], na qual ambos foram condenados a pagar o passivo reconhecido em conferência de interessados.

Lê-se na sentença que homologou a partilha (em 27.09.2013), o seguinte: «Nos presentes autos de inventário para separação de meações a que se procede na sequência de divórcio e nos quais exerceu funções de cabeça-de-casal o requerente AA, sendo requerida a sua ex-mulher BB, homologo por sentença a partilha constante do mapa de fls 1440-1441 e 1442, adjudicando aos respetivos interessados os bens que constituem os seus quinhões de harmonia com o que resulta do aludido mapa.

Mais se condena os interessados no pagamento do passivo unanimemente aprovado e judicialmente reconhecido em conferência de interessados

4.2.2. O contra crédito invocado na oposição à execução emerge da mesma situação jurídica que origina o crédito invocado pela exequente na ação executiva. Não emerge de outra relação diferente, cuja aptidão jurisgénica para fundar o contra crédito tivesse de ser analisada e submetida a regras de contraditório na ação de natureza declarativa que antecedeu a ação executiva.

A decisão recorrida, ao negar ao executado a invocação da compensação prevista no art.729º, h) do CPC, adere a uma construção teórica que tem pressuposta uma realidade processual típica distinta daquela que está subjacente aos presentes autos.

A sentença invocada pela exequente como título executivo é uma sentença homologatória de um acordo de partilhas entre ex-cônjuges, da qual constam tanto os créditos como os débitos de ambos em partes iguais, pelo que não se coloca aqui qualquer questão de anterioridade da invocação de um contra crédito, nem qualquer questão respeitante à necessidade de saber se o contra crédito é judicialmente exigível, pois ele encontra-se reconhecido por sentença.

4.2.3. Questão diferente é a de saber como é que, em concreto, os dois membros do ex-casal procedem, entre si, ao acerto de contas. E para este efeito, nenhuma norma impede que, em sede de ação executiva, se contabilizem operações já realizadas antes de ser proferida a sentença de homologação da partilha. 

Como resulta da matéria de facto provada (ponto n.4): o montante do passivo, pelo qual ambos são responsáveis em partes iguais, foi aprovado na conferência de interessados que teve lugar no dia 05.03.2009. E nos precisos termos dessa aprovação os ex-cônjuges foram condenados pelo pagamento de tal passivo, na sentença de homologação da partilha, proferida em 27.09.2013. 

Entretanto, na conferência de interessados, o recorrente/executado licitou a adjudicação da posição de promitente comprador respeitante a um imóvel, sito em ...., que lhe foi adjudicado por 260.000,00€. Desta adjudicação resultou o dever de pagar tornas à recorrida/exequente (pontos 25 e 18 da matéria de facto provada).

O supra referido passivo correspondia a duas dívidas, que geraram duas execuções contra o ex-casal, e que foram pagas pelo agora executado em datas posteriores a esse acordo, nomeadamente em 2010 (como consta dos pontos 5 a 17 da matéria de facto provada).

4.2.4. Deve, assim, concluir-se que a decisão recorrida não fez a correta aplicação do art. 729º, alínea h) do CPC, ao entender que, no caso concreto, o recorrente/executado tinha de ter invocado a compensação antes da sentença de homologação da partilha, esquecendo que a sentença que condena o executado é a mesma que condena a exequente pelo mesmo passivo. É, pois, essa sentença que reconhece que exequente e executado são, simultaneamente, credores e devedores de montantes idênticos, pelo facto de terem partilhado em termos iguais todo o ativo e todo o passivo que (enquanto ex-casal) tinham em comum.

4.3. Quanto ao argumento respeitante à natureza das obrigações entre os ex-cônjuges, entendeu o acórdão recorrido que as dívidas, da responsabilidade de ambos, que foram pagas só pelo recorrente/executado não eram solidárias, mas sim conjuntas, pelo que ele não teria direito de regresso sobre a exequente, não podendo, consequentemente, invocar a compensação de créditos.

Trata-se de uma qualificação jurídica inapropriada, que conduz a uma errada aplicação do direito, pois não se encontra na matéria de facto provada qualquer informação que permita concluir que aquelas obrigações eram solidárias ou conjuntas.

Ainda que o regime regra, estabelecido no art.513º do CC, não seja o da solidariedade, não se pode afirmar, como se faz no acórdão recorrido, que essas dívidas eram conjuntas (até porque a dívida a que respeita a segunda execução é uma dívida a um Banco e, por regra, as dívidas comerciais são solidárias) para, por essa via, concluir que o recorrente não tinha direito de regresso e, assim, nunca poderia invocar a compensação.

O que resulta, inequivocamente, da matéria de facto provada é que o recorrente pagou a terceiros dívidas que eram também da responsabilidade da exequente, de modo a extinguir duas execuções que haviam sido movidas contra ambos, tendo parte do salário do executado sido penhorada numa dessas execuções. Aliás, como resulta do art.767º do CC o pagamento pode ser feito por qualquer pessoa interessada no cumprimento da obrigação.

Ao agir de tal modo, o recorrente revela que tem um interesse típico (como teria qualquer pessoa no seu lugar) em extinguir aquelas ações executivas, nisso consistindo o seu interesse direto na satisfação do crédito de terceiros. Por isso, sempre se operaria a sub-rogação legal prevista no art.592º do Código Civil, e, nessa medida, o recorrente assumiria a posição de credor, nos termos do art.593º do CC, até ao valor dos montantes pagos a terceiro em substituição da exequente/recorrida, sendo-lhe lícito fazer valer essa posição de credor através de qualquer meio próprio para o “acerto de contas”, como é a compensação.

4.4. Em resumo, constando da matéria de facto provada que o executado pagou a terceiros, com bens próprios (para extinguir duas execuções que haviam sido movidas contra ambos os membros do ex-casal), o passivo que, segundo a sentença de homologação da partilha, devia ter sido pago também pela exequente, nenhum obstáculo legal existe que impeça a aplicação do art.729º, alínea h) do CPC e a consequente procedência da oposição à execução.

Acresce que, nos termos do art.848º do Código Civil, a compensação de créditos pode ser invocada a todo o tempo, tornando-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra.

Do ponto de vista do controlo do impacto final da decisão, a interpretação sustentada no acórdão em revista, ao não admitir a invocação da compensação de créditos, no âmbito da oposição à execução, teria como consequência fazer com que o recorrente/executado acabasse por assumir um passivo muito superior àquele que ficou estabelecido na sentença de homologação da partilha. 

Assim, sendo procedente a oposição apresentada pelo executado, nos termos do art.732º, n.4 do CPC, a execução deve considerar-se extinta.

4.5. Quanto à segunda questão suscitada pelo recorrente nas suas alegações de recurso – a de saber se a exequente agiu com abuso de direito – o seu conhecimento fica prejudicado pela procedência da primeira questão, nos termos supra expostos.

*

DECISÃO: Pelo exposto, decide-se considerar o recurso procedente, revogando a decisão recorrida.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 10 de dezembro de 2019

Maria Olinda Garcia

Raimundo Queirós

Ricardo Costa

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[1] In “A Problemática de Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”.
[2] Vd. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, anotação aos referidos artigos.

[3] Pode ver-se, neste sentido, o acórdão do STJ, de 02.12.2008 (relator Moreira Alves), em cujo sumário se afirma: «I. O que releva para a determinação da superveniência da compensação, como facto extintivo do crédito exequendo, não é a declaração de compensação, mas os factos constitutivos do contra crédito que estão na base daquela declaração. II - Verificando-se que a constituição do contra crédito que a embargante invoca (resultante do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada celebrado entre as partes) ocorreu em momento anterior ao encerramento da discussão na acção declarativa em que foi proferida a sentença exequenda, não pode o mesmo servir de base para a pretendida compensação. III - A existir o direito à indemnização por incumprimento contratual, que a embargante se arroga, não tendo esta deduzido a excepção da compensação na acção declarativa (e podia fazê-lo ainda que o contra crédito fosse ilíquido) precludiu o direito de invocar tal excepção nos presentes embargos. IV - A superveniência que interessa para efeitos da alínea g) do art. 814.º do CPC é a objectiva, sendo irrelevante a superveniência subjectiva. Na verdade, se o facto extintivo ocorreu antes do encerramento da discussão, mesmo que a embargante dele não tivesse tido conhecimento ou não dispusesse de documento para o provar não pode servir de fundamento de oposição à execução fundada em sentença.»; in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2f176290a27d893b802575450032b582?OpenDocument

[4] A Ação Executiva - À luz do Código de Processo Civil de 2013; 7ª ed. (2017), pág. 203 a 205.
[5] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I (2019), pág.302-303.
[6]Op.cit,pág.305.