Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22640/18.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: DIREITOS DO CONSUMIDOR
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
TELECOMUNICAÇÕES
SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS
INTERESSES DIFUSOS
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
LIBERDADE CONTRATUAL
BOA FÉ
CONSENTIMENTO INFORMADO
CLÁUSULA PROIBIDA
Apenso:
Data do Acordão: 02/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I – Os contratos de adesão caraterizam-se pela predisposição unilateral e pela generalidade, cabendo apenas a uma das partes a sua pré-elaboração, sem prévia negociação com a outra, e destinam-se a ser subscritos por uma multiplicidade de contraentes potenciais.

II – Nos termos do artigo 9.º - A, n.º 2 e n.º 3, da Lei n.º 24/96, de 31-07, a obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a aceitação pelo consumidor quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais; nos casos em que a obrigação de pagamento adicional resultar de opções estabelecidas por defeito que tivessem de ser recusadas para evitar o pagamento adicional (ou que nem admitem a possibilidade de recusa), o consumidor tem direito à restituição do referido pagamento.

III - Uma remissão para o lugar da internet da Vodafone para mais informações (facto provado n.º 27) e um consentimento genérico e presumido, meramente formal, prestado no momento da adesão ao pacote, normalmente com informações sumárias prestadas ao telefone e sem fornecimento prévio do texto escrito do contrato, para reflexão, não são suficientes para permitir aos consumidores uma escolha consciente e para a obtenção de uma vontade esclarecida.

IV – Não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efetivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal.

V – O dever das empresas predisponentes é o de fornecerem, por escrito, um resumo do contrato, em linguagem clara, simples e facilmente percetível para os cidadãos comuns, onde se chama a atenção para as cláusulas que contêm riscos de prejudicar o cliente e de frustrar as suas expetativas.

VI – O conceito de boa fé como critério de validade das cláusulas contratuais gerais (artigo 15.º do Decreto-lei n.º 446/85, de 25-10) surge como externo ao contrato e à relação concreta estabelecida entre as partes, sendo fonte de limitação à liberdade contratual

VII – A boa fé concretiza-se pelos critérios gerais fixados no artigo 16.º do citado diploma – a tutela da expetativa do aderente e o objetivo do contrato – e é objeto de tipificações legais exemplificativas do seu alcance que dão corpo a regras de proibição de conteúdo contratual (artigos 18.º, 19.º, 21.º e 22.º do DL n.º 446/85), como contrapartida de um regime jurídico que atribui um poder inusitado ao predisponente de cláusulas contratuais gerais, contexto negocial que exige ao julgador um papel corretor e constitutivo da justiça contratual. 

VIII – A Cláusula em litígio das Condições Gerais do contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço móvel relativa à descrição do “Serviço de Acesso à Internet Móvel” dispõe o seguinte: “O serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como por exemplo a Opção Extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a Wi-Fi nos hotspots da Vodafone Portugal. Para mais informações sobre serviços adicionais consulte www.vodafone.pt ou ligue para o Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)”.

IX – A citada cláusula contraria as duas vertentes da boa fé – a tutela da confiança e a proibição do desequilíbrio significativo de interesses – porque introduzida num pacote de serviços com um preço, a troco de uma prestação principal, a que acrescem custos adicionais atípicos como contrapartida de serviços extra ativados automaticamente, sem que o consumidor tenha a possibilidade de recusar tais serviços.

X – Esta cláusula envolve riscos para os interesses económicos do aderente, desrespeita a autodeterminação e as expetativas deste e provoca, ainda, um desequilíbrio contratual significativo traduzido na circunstância de a ré, onerando os consumidores com custos adicionais com os quais estes não contam no seu orçamento familiar, obter um incremento injustificado nas suas margens de lucro.

XI – Assim, da aplicação conjunta dos artigos 15.º e 16.º do citado diploma, conjugados com a al. d) do artigo 19.º (cláusulas relativamente proibidas), que proíbe cláusulas que impõem ficções de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes, e com a alínea b) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei 24/96, resulta que a cláusula contratual geral em crise nestes autos é uma cláusula que contraria a boa fé e proibida pela lei.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório

1. AA e BB intentaram a presente ação popular contra VODAFONE PORTUGAL – COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A., pedindo:

“a) Que a todos os clientes da R, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a não pagarem por serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constituam cumprimento de contrato válido;

b) Que a todos os clientes da R, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações.

c) Que a R. seja impedida de deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor consentiu a prestação dos serviços adicionais de telecomunicações por falta de recusa expressa dos mesmos e em consequência ativar por defeito e automaticamente tais serviços extras;

d) Que a todos os clientes da R., consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito ao reembolso do pagamento adicional por serviços dos quais não consentiu expressamente, mas que a R. o tenha deduzido a partir de opções estabelecidas por defeito que os clientes devessem recusar para evitar o pagamento adicional;

e) Em qualquer dos casos, seja a R. condenada a devolver, a cada um dos seus clientes ou ex-clientes, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, incluindo os AA., os montantes relativos aos pagamentos adicionais efetuados por serviços dos quais o consumidor não consentiu expressamente, desde a entrada em força da diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 e que tal pagamento seja feito automaticamente por crédito nas contas correntes dos clientes junto da Ré quando tal seja possível ou por transferência bancária para as contas a serem indicadas por cada cliente ou ex-clientes que reclamem e que assim o pretendam em alternativa ao crédito em conta corrente junto da Ré;

f) Que sejam declaradas como clausulas contratuais proibidas e consequentemente nulas qualquer cláusula contratual que contrarie o direito peticionado no pedido a) e ou b) e ou c), nomeadamente seja considerada uma cláusula contratual proibida aquela que impõe a obrigatoriedade ou a não possibilidade de recusa da contratação de serviços adicionais extra, nos termos e para os efeitos do artigo 12º e 24º DL 446/85 de 25 de Outubro e da diretiva 93/13 CEE;

g) Caso não proceda o pedido em f) que sejam declaradas como clausulas contratuais gerais contrárias à boa fé qualquer cláusula contratual que contrarie o direito peticionado no pedido a) e ou b) e ou c) nos termos do artigo 15º do DL 446/85 de 25 de Outubro e da diretiva 93/13 CEE e que concomitantemente sejam consideradas proibidas nos termos e para os efeitos do artigo 25º do DL 446/85, de 25 de Outubro.”.


Alegam, para tanto, e em síntese, que a Ré obriga os consumidores de telecomunicações a pagar por serviços que não solicitaram prévia e expressamente nem constituem cumprimento de um contrato válido, sendo nula qualquer cláusula que imponha a não possibilidade de recusa de serviços adicionais extra.


Juntaram documentos.


Ouvido o Ministério Público, por despacho de 15/11/2018, foi recebida a petição inicial, determinada a citação da Ré e bem assim dos interessados “utilizadores dos serviços de telecomunicações da Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais, S.A.”.

 

2. A Ré apresentou contestação, impugnando o alegado pelos Autores, invocando, em síntese, que cumpre a legislação nacional e comunitária aplicável e os seus clientes dispõem de toda a informação, nomeadamente no que respeita à ativação de dados móveis extra quando é ultrapassado o consumo previsto no valor da mensalidade, concluindo pela sua absolvição do pedido e bem assim assacando má fé processual aos Autores, pedindo a sua condenação na multa máxima e em indemnização não inferior a € 8.000,00 (oito mil euros).


Juntou documentos.


3. Em 27/06/2019, foi realizada audiência prévia, na qual foram os Autores convidados a concretizar qual ou quais as cláusulas que pretendem ver declaradas nulas – convite a que responderem por requerimento de 12/07/2019 – não foi admitido o pedido de reenvio prejudicial, foi proferido despacho saneador, identificando o objeto do litígio, e enunciados os temas da prova.

 

Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata.

 

4. O tribunal de 1.ª instância incidiu sobre as seguintes questões: 

«- saber se a Ré obriga os consumidores de telecomunicações a pagar por serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado ou que não constituem cumprimento de um contrato válido;

- saber se a Cláusula 2ª, alínea d), do Contrato de Adesão ao Serviço Fixo e/ou Serviço Móvel, por referência ao “pacote Red” se mostra contrária às regras imperativas do diploma que regula as cláusulas contratuais gerais, por obrigar o consumidor a adquirir automaticamente e sem hipótese de recusa serviços extra, pagos;

- saber se a Ré é responsável, e em que medida, pelo reembolso de quantias pagas pelos seus clientes/consumidores;

- da má fé dos Autores».


5. O tribunal de 1.ª instância decidiu o seguinte:

«Pelo exposto, julgo improcedente a presente ação, e consequentemente, decido absolver a Ré do pedido.

Mais decido absolver os Autores do pedido de condenação como litigantes de má fé.

Custas pelos Autores».


6. Inconformados, os autores BB e AA, vieram interpor Recurso de Revista “Per Saltum” sobre a matéria de direito, nos termos e ao abrigo nos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, 637.º, 639.º, 672.º, 675.º, 678.º, n.º 1 ex vi artigo 644.º, n.º 1, alínea a) e 678.º, n.º 3 todos do CPC, formulando as seguintes conclusões, que terminam peticionando o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e, em qualquer caso, a revogação do acórdão recorrido:

«1. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar e a presente decisão veio surpreender sobremaneira os aqui Recorrentes, considerando que o Tribunal recorrido não julgou corretamente e nem resolve as questões e responde aos pedidos efetivamente formulados.

2. Ressalvado sempre o devido respeito, que é o maior, a Mma. Juíza recorrida decidiu mal, não avaliando convenientemente o caso sub judice.

3. Desde logo porque inquina toda a questão nos direitos de informação do consumidor, quando a questão a resolver não se pretende, nem remotamente, com essa problemática.

4. A decisão foi, “em suma” que uma vez que “a oferta do pacote «Red», cumprindo que seja, em cada caso concreto de contratação, o dever de informação, mostra-se de acordo com as exigências legais, num quadro de proteção do consumidor, mas também da liberdade contratual” [negrito nosso], levando isso à absolver a Ré do pedido.

5. Quando as questões, simples, de direito a resolver são saber somente se:

6. os consumidores de serviços de telecomunicações móveis (como os Autores e demais Autores Populares) tem o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações;

7. se as operadoras de serviços de telecomunicações móveis (como a Ré) podem deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor tenha consentido a prestação dos serviços adicionais de telecomunicações por falta de recusa expressa dos mesmos e em consequência ativar por defeito e automaticamente tais serviços extras;

8. se os consumidores de serviços de telecomunicações móveis (como os Autores e demais Autores Populares) tem o direito a não pagarem por serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constituam cumprimento de contrato válido.

9. É somente estas questões de direito que os Autores pediram ao tribunal para resolver e que em síntese se resume a saber se os consumidores podem ou não recusar os serviços adicionais de telecomunicações.

10. Essencialmente, os Autores vêm pedir que o tribunal decida sobre os problemas que o artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU, o artigo 3.º, n.º 4, e os artigos 8.º e 9.º (d) e do anexo I, ponto 29, da Diretiva 2005/29/CE. e o artigo 9.º - A, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 24/96, pretendem acautelar.

11. E que depois sejam assacadas as consequências do reconhecimento desses direitos, nomeadamente “que a todos os clientes da R., consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito ao reembolso do pagamento adicional por serviços dos quais não consentiu expressamente mas que a R. o tenha deduzido a partir de opções estabelecidas por defeito que os clientes devessem recusar para evitar o pagamento adicional” e que “seja a R. condenada a devolver, a cada um dos seus clientes ou ex-clientes, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, incluindo os AA., os montantes relativos aos pagamentos adicionais efetuados por serviços dos quais o consumidor não consentiu expressamente, desde a entrada em força da diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 e que tal pagamento seja feito automaticamente por crédito nas contas correntes dos clientes junto da Ré quando tal seja possível ou por transferência bancária para as contas a serem indicadas por cada cliente ou ex-clientes que reclamem e que assim o pretendam em alternativa ao crédito em conta corrente junto da Ré”

12. Como se percebe, nenhum dos direitos supra elencados, que os Autores pretende ver reconhecidos na esfera de todos os consumidores de telecomunicações, clientes da Ré, incluindo os próprios, se relaciona com o direito de informação dos consumidores ou, de alguma forma, são ultrapassados, resolvidos, ampliados ou reduzidos perante tal direito de informação dos consumidores.

13. Só a título de exemplo, o segundo pedido, o qual tem repercussões na relação passada, atual e futura de todos os consumidores de serviços de telecomunicações móveis, ou seja, de uma importância enorme na defesa da sua qualidade de vida, em relação à boa qualidade dos bens e serviços, ao seu preço competitivo e equilibrado, etc (Cf. artigo 60.º da CRP), nem sequer foi tratado, apreciado, resolvido ou respondido pelo Tribunal a quo.

14. O peticionado (nesse segundo ponto) é tão simples e somente para “que a todos os clientes da R, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações” [negrito e sublinhado nosso].

15. Prova que o tribunal recorrido não entendeu as questões de direito colocadas pelos Autores, é que nas questões que determinou decidir (vide pág. 3 § 6 da sentença) não consta saber se os consumidores de serviços de telecomunicações móveis tem o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações, deixando assim de dar reflexo aos pedidos formulados pelos Autores na Petição Inicial, assim como na ampliação do pedido (requerimento ref.ª ... de 28 de fevereiro de 2019).

16. Poderá mesmo dizer-se que existe omissão de pronúncia, na medida em que a questão não foi apreciada ou decidida e nem de alguma forma se pode considerar prejudicada pela solução apresentada. Isto, quando tal pedido é o cerne do conflito que foi trazido para o tribunal para resolver.

17. Dos factos essenciais para o pedido formulado pelos Autores, decantemos os que interessam e que são:

18. “A Ré exerce a sua atividade económica com carácter profissional e visando a obtenção de benefícios” (facto provado 2).

19. “O Autor BB contratou os serviços e produtos fornecidos pela Ré destinados a uso não profissional” (facto provado 4).

20. “A Ré apresentou para pagamento ao Autor BB a fatura n.º ...78, no valor total de €178,57, dos quais €39,30 €56,22 relativos a dados nacionais em roaming, respetivamente” (facto provado 7).

21. “O Autor BB várias vezes «reclamou» que não pretendia tais serviços adicionais, devendo a Ré limitar o consumo de dados aos 6.5GB” (facto provado 8).

22. “A Ré continua a prestar tais serviços “adicionais” e a cobrar por eles” (facto provado 9).

23. “O serviço de transmissão de dados é funcionalmente independente do serviço de chamadas móveis, não obstante poderem funcionar através da mesma ligação de rede” (facto provado 10).

24. “A Ré informou que não tinha forma de interromper/«barrar» automaticamente o consumo de dados quando os 6.5GB se encontram esgotados” (facto provado 11).

25. Depurando os factos, tal significa que:

26. a Ré, aqui Recorrida, é pessoa que exerce com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios, entrando assim na definição do artigo 2.º, n.º 1, in fine, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.

27. o Autor BB, aqui Recorrente, é um consumidor nos termos da definição do artigo 2.º, n.º 1, ab initio, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que contratou os serviços da Ré; o Recorrente recusou várias vezes contratar serviços adicionais de telecomunicações e inclusivamente pediu à Recorrida que cessasse de os prestar.

28. Mas a Recorrida recusou atender ao pedido do Recorrente e continuou a prestar-lhe e a cobrar-lhe tais serviços adicionais apesar de este não os pretender e expressamente os ter recusado. Sendo tais serviços funcionalmente independentes.

29. A Recorrida afirma que não tem forma de interromper/ ”barrar” automaticamente o consumo de dados quando os pacotes de dados são esgotados, o que significa que isso acontece tanto com o Autor, aqui Recorrente, como com todos os Autores Populares que estejam na mesma situação do Autor.

30. Em resumo, ficou provado que a Ré, aqui Recorrida, ativa automaticamente serviços adicionais de telecomunicações, mesmo quando os consumidores não os desejam.

31. Pior, ficou provado, que a Ré, aqui Recorrida, recusa-se a cessar prestar esses serviços, continuando a ativá-los automaticamente, mesmo quando os consumidores expressamente os recusam.

32. Isto aconteceu com o Autor, aqui Recorrente, e com todos os restantes Autores Populares na mesma situação do Autor, pois é a própria Ré, aqui Recorrida, que afirma não ter forma de interromper a prestação de tal serviço.

33. Embora a Ré, aqui Recorrida, diga no artigo 69 (pág. 18) do requerimento ref.ª ... de 12.03.2019 que juntou ao processo, que as reclamações recebidas de clientes relativamente ao serviço “Voz para SMS”, são marginais e sem qualquer expressão, o número de reclamações é indiferente por duas razões:

34. Primeira, porque os serviços adicionais não dizem apenas respeito a esse serviço de “Voz para SMS”, mas sim, também, à ativação automática de dados móveis adicionais após o consumo do plafond contrato;

35. Segundo, porque o que está em causa são todos os consumidores atingidos pela violação suscitada ou estarem em risco de o serem, conforme muito bem se recorta do acórdão 7617/15.7T8PRT.S1 desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em que foi relator o Venerando Conselheiro Oliveira Vasconcelos.

36. Dos pedidos, tal como formulados pelos Autores na P.I. e na ampliação, e da máteria de facto provada, recorta-se com elevada nitescência que não estamos perante um caso relacionado com os direitos de informação dos consumidores cuja aplicação deveria ser analisada casuisticamente.

37. Em vez disso, estamos perante um caso em que a Ré, aqui Recorrida, ativa automaticamente serviços adicionais de telecomunicações aos seus consumidores, mesmo quando estes os recusam.

38. Pelo que há a decidir é se a Ré, aqui Recorrida, pode ativar automaticamente tais serviços adicionais perante a recusa expressa dos consumidores ou perante a falta de recusa expressa dos mesmos.

39. Certo que o que à de Direito, será esse Venerando Tribunal Supremo doutamente a resolver, deixamos apenas umas breves notas:

40. Os contratos em causa são na típica modalidade de adesão (facto provado 13) pelo que estão sujeitos ao disposto no Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (“CCG”) (cf. artigo 1.º, n.º 1 do CCG).

41. A Ré, aqui Requerida, tem aplicado os efeitos da cláusula 2.º alínea d) do “Contrato de Adesão ao Serviço Fixo e/ou Serviço Móvel”, interpretando-a no sentido que os Autores estabeleceram um contrato em que ficou obrigada a aceitar o fornecimento de um conjunto de serviços adicionais, nomeadamente o pacote de dados extra de 200MB por 2,99 Euros (consumo em “loop”), que é ativado de forma automática após o consumo de GB incluído nos respetivos tarifários e que não é possível barrar/inibir os mesmos.

42. Poderíamos interpretar a supra referida cláusula 2.º alínea d) no sentido de que a Ré, ora Recorrida, obteve o consentimento expresso do consumidor para o pagamento adicional à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual principal, cumprindo assim com o principio que há a extrair da melhor interpretação do artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU e do artigo 9.º - A, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 24/96, não fosse:

43. Por um lado, a comunicação não ser clara e compreensível para o consumidor, na medida que atira para um conjunto de serviços adicionais possíveis de utilizar sem os especificar, deixando o consumidor sem saber o que afinal está a contratar, apesar da remissão para uma página da internet generalista (sem tão pouco especificar o caminho  onde encontrar tais serviços);

44. Mesmo que tal possibilidade fosse comunicada ao consumidor por outro meio (informação prestada), tal comunicação continua a não ser clara e tão pouco compreensível para o consumidor quanto à sua ativação ser automática após o consumo de GB incluído nos respetivos tarifários.

45. Por fim, e o mais relevante, tendo em conta que a questão da informação prestada é lateral (como já se verá), é o facto é que em nenhum momento, principalmente tendo em conta o comportamento da Ré, aqui Requerida, foi dada a possibilidade aos Autores, aqui Recorrentes, de optar pela inclusão ou não desses serviços adicionais, pelo contrário, tal opção foi-lhes frontalmente retirada (cf. factos provados 8, 9 e 10).

46. Ora, se retirássemos da supra referida cláusula a interpretação que a Ré, aqui Requerida, parece extrair: de que é um salvo-conduto para que obrigue os seus clientes, como os Autores Populares, ao pagamento adicional de serviços e, pior, que tais serviços adicionais não possam ser excluídos, então estamos perante aquelas cláusulas contratuais (gerais): proibidas por contrariarem a boa-fé (cf. artigo 15.ºdo Decreto-Lei 446/86) ou relativamente proibidas na medida em que impõem a aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes [cf. artigo 19.º (d) do Decreto-Lei 446/86, de 25 de outubro ex vi do artigo 20.º do mesmo diploma].

47. Para além disso a interpretação que pelos vistos é extraída da referida cláusula e que o tribunal a quo parece ter sufragado e dos efeitos que tal provoca nos consumidores, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, designadamente atuando em violação da Lei (artigo 9.º - A, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 24/96), agindo em abuso de direito (cf. artigo 334.º do CC).

48. As consequências são fáceis de alcançar: nulidade das cláusulas (cf. artigo 16.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96 e artigo 12.º do Decreto-Lei 446/86) e/ou nulidade do negócio (cf. artigo 280.º do CC).

49. Entendemos pois que temos de interpretar a dita clausula “no sentido que têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real” (cf. artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei 446/86), sendo que “na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente” (cf. artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei 446/86).

50. Assim, atento ao animus contrahendi, a única interpretação possível sempre seria que os acessos aos serviços adicionais seriam meramente facultativos e disponibilizados apenas a pedido do cliente e nunca imposto por ativação automática ao consumidor, principalmente quando este expressamente os recusa.

51. Aliás, na falta da clara e compreensível identificação dos serviços adicionais a disponibilizar, tal ativação de serviços nunca poderia resultar que tal cláusula expressa o consentimento (expresso ou por defeito) do consumidor para o pagamento adicional.

52. Isto significa que a clareza dessa interpretação nunca estaria de acordo com o exigido pelo artigo 9.º - A, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 24/96 para que os pagamentos por esses serviços adicionais pudessem ser exigidos, inclusivamente à luz da correta interpretação do artigo 22.º da Diretiva 2001/83/EU.

53. De qualquer maneira, estaríamos sempre perante um caso de “coercive tie selling”, que é considerada uma prática comercial agressiva e proibida pelo artigo 11.º (d) do Decreto-Lei 57/2008, de 26 de Março e pelo artigo 9(d) na Diretiva 2005/29/CE relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera as Diretivas n.ºs 84/450/CEE, do Conselho, de 10 de setembro, 97/7/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio, 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio, e 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro, e o Regulamento (CE) n.º 2006/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de outubro (diretiva relativa às práticas comerciais desleais).

54. Acresce que ao fornecedor ao prestador de serviços é vedado fazer depender o fornecimento de um bem ou prestação de um serviço da aquisição ou prestação de outro ou outros (cf. art.º 9.º, n.º 6 da Lei n.º 24/96 de 31 de Junho).

55. O facto (factos provados 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 32, 39, 42 e 43), provado, é que só é possível celebrar o contrato “TvNetVoz+Móvel” (o tal contrato RED ou equivalente) ficando o consumidor obrigado aderir a um serviço adicional de dados que é ativado sempre que tal pacote de 6.5GB é esgotado, mesmo que essa não seja a vontade declarada do cliente. Pior, mesmo que o consumidor/cliente expressamente recuse tal serviço adicional.

56. Assim, a única forma da Ré, aqui Recorrida, ilidir tal presunção de “venda obrigatória”, é os consumidores puderem, livremente e sem qualquer tipo de penalização não prevista contratualmente, contratar apenas o serviço TvNetVoz+Móvel sem a obrigatoriedade de contratar dados adicionais quando esgotados os GB do pacote; o que ficou provado (factos provados 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 32, 39, 42 e 43) não ser possível.

57. O que manifestamente a Ré, ora Requerida, não foi capaz de fazer como demonstra a sua atuação para com os Autores, os Autores Populares e todos os restantes consumidores que pretendem aderir a tais pacotes de serviços sem estarem sujeitos a ativação automática dos serviços adicionais que não pretendem. Pelo contrário, ficou provado exatamente o contrário (factos provados 8, 9, 10, 11 e 24).

58. Perante tal nitescência, não há dúvida que o comportamento da Ré, aqui Recorrida, consubstancia uma violação à norma supra citada.

59. Pelo que, qualquer convenção ou disposição contratual que exclua ou restringe os direitos atribuídos pela Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, como é o caso da venda obrigatória, é nula (cf. art.º 16.º, n.º 1 da aludida lei).

60. Da mesma forma esta vedada a qualquer empresa a prática comercial desleal na relação com os consumidores, ocorra esta antes, durante ou após uma transação comercial (cf. art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 57/2008 de 26 de Março, ab initio).

61. Ora, a violação de tais normas, que manifestamente a Ré, aqui Recorrida, cumulativamente desrespeitou, permite à Autora, aqui Recorrente, suscitar a invalidade da cláusula do contrato em crise retirando a mesma do contrato e reduzindo o contrato apenas ao seu conteúdo válido (cfr. art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 57/2008 de 26 de Março), ou pelo menos afastar a interpretação de que tal cláusula é um salvo-conduto para a Ré, aqui Recorrida, cobrar pacotes adicionais de serviços que os clientes não pretendem e recusam expressamente.

62. Em todo o caso, a atuação da Ré, aqui Recorrida, de se fazer cobrar por serviços que não lhe foram solicitados (e ainda por cima foram recusados), deve ser paralisada por violação do direito de proteção dos interesses económicos consagrados quer no artigo 60.º da CRP e quer no artigo 9.º, n.ºs 1 a 6 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.

63. Destacando-se que “o consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa”, como desde logo estabelece o aludido artigo 9.º, nº 4 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que simplesmente vêm dar corpo ao previsto no artigo 22.º da Diretiva 2001/83/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 relativa aos direitos dos consumidores.

64. O comportamento da Ré, aqui Recorrida, descrito nos presentes autos, viola o disposto nos artigos 8.º e 9(d) na Diretiva 2005/29/CE relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera as Diretivas n.ºs 84/450/CEE, do Conselho, de 10 de setembro, 97/7/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio, 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio, e 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro, e o Regulamento (CE) n.º 2006/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de outubro (diretiva relativa às práticas comerciais desleais).

65.

66. A supra referida diretiva foi transposta para o direito português por intermédio do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março com a alteração dos artigos 1.º, 7.º, 8.º e 21.º, que no essencial proíbe o “bait-and-switch”, que constitui uma fraude comercial em que um bem ou serviço é anunciado para atrair clientes e, com a intenção de promover um bem ou serviço diferente, recusar a posterior venda do bem ou do serviço publicitado e esquemas de “Ponzi”.

67. Mas tal Diretiva é muito mais que isso como veremos mais á frente e tem vindo a ser entendimento do Tribunal da Justiça da União Europeia (“TJUE”).

68. Da mesma forma viola o artigo 22.º da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho.

69. Assim como se traduz numa conduta abusiva (por prática restritiva da concorrência) nos termos do artigo 102.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.

70. Para além disso a Ré, aqui Recorrida, norteia a sua conduta e a relação de clientela com os Autores, incluindo os Autores Populares, a arrepio de uma interpretação manifestamente abusiva e sem qualquer adesão à ratio legis do Legislador Europeu do artigo 107.º da Diretiva 2018/1972/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas. A Demandada com o seu comportamento coloca ainda em causa a garantia dos direitos fundamentais da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“Carta”) e os princípios gerais do direito da União Europeia e concomitantemente o artigo 100.º da aludida Diretiva 2018/1972/UE.

71. Os Estados-Membros e, em particular os órgãos jurisdicionais nacionais tem obrigação de interpretação conforme do direito interno ao direito da União Europeia.

72. Ora, esse juízo de interpretação conforme pressupõe a interpretação de alguns dos preceitos da referida Diretiva e após ter sido determinado o significado destes preceitos, através da sua interpretação, pode a Diretiva Europeia operar como parâmetro na interpretação dos enunciados de direito interno que as transpõem.

73. Como é sabido, o Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), dispõe no seu artigo 267.º, § 1, alínea b) que “o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial (...) sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.”

74. O TJUE será assim, o tribunal competente para esclarecer o sentido material das disposições do direito comunitário, sempre que uma questão desta natureza seja suscitada por um órgão de jurisdicional de um dos Estados-Membros.

75. Sem prejuízo do princípio do juiz natural, pelo contrário, reforçando-o, qualquer tribunal pode proceder ao reenvio para decisão prejudicial nos termos do disposto no artigo 267º do TJUE porquanto, qualquer órgão jurisdicional dispõe de poder para submeter ao TJUE um pedido de decisão prejudicial relativamente à interpretação de uma regra de Direito da União Europeia, quando o considerar necessário para resolução do litígio que lhe tenha sido submetido.

76. Tal sucederá, nomeadamente, nos termos do artigo 267.º (b) § 2 do TFUE, o qual dispõe: “[s]empre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.”

77. Ademais, casos há em que mais que uma faculdade de suscitar questões prejudiciais ao TJUE, estão os Tribunais nacionais obrigados a fazê-lo[1].

78. O que é aqui o caso, uma vez que com reste recurso ficam esgotadas as instâncias.

79. Assim, é obrigação deste Venerando Supremo Tribunal de Justiça proceder ao reenvio para uma decisão prejudicial pelo TJUE.

80. Pese embora a competência para suscitar as questões prejudiciais sejam exclusivas do Tribunal, as partes podem sugerir ao Tribunal nacional, a submissão das mesmas ao TJUE, o que consubstancia, de resto, um ato de promoção do princípio da cooperação processual para a justa composição do litígio (cf. artigo 7.º, n.º 1 do CPC).

81. É de absoluta importância e particularmente útil que o pedido seja imediatamente formulado (uma vez que está assente o quadro jurídico e factual) por se tratar de uma questão de interpretação nova que apresenta um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia.

82. Dedicamos várias páginas desta peça processual a escalpelizar aspetos essenciais do reenvio para uma decisão prejudicial pelo TJUE, o direito a um julgamento justo, e o completo afastamento da teoria do acto claro. Mas sendo tal matéria de direito do perfeito domínio do Venerando Tribunal ad quem, será fastidioso dedicar aqui mais tempo e espaço ao mesmo, pelo que nos debruçaremos apenas pelas questões a colocar.

83. Assim, a questão a colocar é saber se devemos extrair do artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU, a interpretação de que os Estados-Membros devem tomar medidas destinadas a garantir que:

84. O consumidor só fica vinculado pelo contrato ou oferta a qualquer pagamento adicional à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual principal quando o consumidor expresse o seu consentimento e só quando esse consentimento resulte de uma comunicação clara e compreensível ao consumidor relativamente aos pagamentos adicionais, nomeadamente, mas não exclusivamente, qual o serviço (ou conjuntos de serviços) a que está aderir ou, se por outro lado, o consentimento aludido no artigo 22.º da Diretiva deve ser interpretado como sendo generalista e sem necessidade de especificar quais os serviços e respetivas condições associados a esses pagamentos adicionais;

85. O consumidor só fica vinculado pelo contrato ou oferta a qualquer pagamento adicional à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual principal quando o consumidor expresse o seu consentimento e só quando lhe é oferecida a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais ou, se por outro lado, o aludido artigo 22.º deve ser interpretado no sentido em que o consumidor não deve beneficiar de qualquer possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais, ficando assim obrigado a contratar os serviços adicionais e a pagar pelos mesmos.

86. Devem os Estados-Membros assegurar este reforço de proteção do consumidor no caso de pagamentos adicionais por imposição do artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU ou estamos perante uma Diretiva de harmonização mínima em que essa faculdade de impor um nível mais elevado de proteção é deixada ao critério dos Estados Membros?

87. Outras questões a colocar é saber se devemos extrair do artigo 107.º da Diretiva 2018/1972/UE a interpretação de que os Estados-Membros devem considerar:

88. “ofertas agregadas” como sendo pacotes de serviços, onde ao contrato principal (oferta única e apreço único) se podem incluir serviços adicionais (oferta adicional), sendo que a este último (oferta adicional) corresponde um pagamento adicional ao pagamento de um preço único pelo contrato principal ou, se por outro lado, as ofertas agregadas devem sem claramente distintas das ofertas adicionais previstas no artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU;

89. “ofertas agregadas” como sendo pacotes de serviços que podem também incluir vendas obrigatórias (“tied packages”) composta por um serviço ou vários serviços principal(ais) e serviços adicionais, nomeadamente se no âmbito dessas “ofertas agregadas” o prestador do serviço pode impedir o consumidor de optar pela exclusão desses serviços adicionais.

90. É também crucial que se se proceda a tal reenvio para decisão prejudicial, a propósito de saber qual será a melhor interpretação a extrair do artigo 3.º, n.º 4, dos artigos 8.º e 9.º (d) e do anexo I, ponto 29, da Diretiva 2005/29/CE relativamente à possibilidade dos prestadores de serviços de telecomunicações poderem ativar automaticamente e por defeito os serviços adicionais e cobrarem por isso pagamentos adicionais, sem terem obtido a autorização expressa do cliente.

91. Assim como para as situações que os prestadores de serviços de telecomunicações ativam automaticamente e por defeito os serviços adicionais e cobrarem por isso pagamentos adicionais, mesmo quando o cliente expressamente recusa, mas pretendem manter o pacote de serviços principal.

92. No entanto, como relativamente a essa questão os Autores não tem, de momento, um contributo a dar para a sua formulação, que sejam Vossas Excelências, Venerandos Conselheiros, a encontrar a melhor questão a colocar perante o TJUE, sem prejuízo de em momento ulterior convidarem os Autores a tentarem contribuir para a mesma.

93. Note-se que não se está a colocar ao TJUE nenhuma questão relativa à interpretação das normas legislativas ou regulamentos do direito português, nem tão-pouco sobre a compatibilidade dessas normas com o direito comunitário e muito menos se pretende que o Tribunal Europeu validade ou interprete as decisões dos tribunais portugueses; tal como se recorta com elevada nitescência da formulação das questões supra elencadas.

94. Mas só à luz da correta interpretação das Diretiva Europeias supra mencionadas é possível extrair a aplicação correta do direito a esta questão de interpretação nova, de interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União Europeia e inclusivamente da jurisprudência nacional.

95. Por todas estas razões está mais que justificada a importância do reenvio prejudicial solicitado.

96. Os interesses invocados pelos Autores consistem, fundamentalmente e em face do pedido principal formulado, em:

97. “[q]ue a todos os clientes da R, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a não pagarem os serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constituam cumprimento de contrato válido”;

98. “[q]ue a todos os clientes da R, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações.”

99. “[q]ue a R. seja impedida de deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor consentiu a prestação dos serviços adicionais de telecomunicações por falta de recusa expressa dos mesmos e em consequência ativar por defeito e automaticamente tais serviços extras.”

100. Em resumo, os interesses invocados pertencentes a todos os Autores Populares evocados, os consumidores de serviços de telecomunicações móveis, é simplesmente i) verem reconhecido o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações; ii) verem reconhecido o direito a não pagarem por esse serviços quando não os tenham solicitado e/ou expressamente recusado, e iii) verem reconhecido e que as operadores de serviços de telecomunicações móveis (como a Ré)  não possam deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor tenha consentido a prestação dos serviços adicionais de telecomunicações por falta de recusa expressa dos mesmos e em consequência ativar por defeito e automaticamente tais serviços extras.

101. Ficou provado que a Ré, aqui Recorrida, não está a respeitar esses interesses, resultando determinadas consequências para os Autores e demais consumidores na mesma situação, isto porque a Ré, aqui Recorrente, activa tais serviços automaticamente quer seja no interesse do cliente ou não e quer este recuse ou não (factos provados 8, 9, 10) porque alega não ter forma de o fazer (facto provado 11) independente do consumidor (seja ele quem for) não ter interesse no serviço adicional e o recusar (ou poder vir a querer recusar) expressamente.

102. Ou seja, o que está aqui em causa é o interesse ou interesses dos autores e de cada um dos consumidores de serviços de telecomunicação, tal como supra definidos, fundamentalmente ligados à prestação de serviços adicionais de telecomunicações quando estes não o desejem ou expressamente recusem.

103. Apenas está em causa se num contrato de adesão de serviços de telecomunicações, aos autores e a demais titulares desses contratos de adesão, devem ver reconhecido o direito de recusarem a prestação de serviços adicionais ao pacote de serviços contratado.

104. Face á questão que liga todos os Autores entre si e na forma como a ação foi proposta, é perfeitamente possível uma apreciação indiferenciada de cada um dos consumidores, independentemente dos tarifários poderem ser diferentes quanto aos preços, plafonds, velocidades, etc. e à prestação de informação pré-contratual prestada aos consumidores. Ou seja, é possível abstrair essas particularidades, por forma a resolver o que efetivamente está em causa nos pedidos, como bem ensina o douto acórdão supra citado desse Venerando Tribunal.

105. Sublinhe-se que apurar se o dever de prestação de informação foi ou não cumprindo, é irrelevante, pois o direito que se pretende ver reconhecido não depende, nem remotamente, da informação prestada, mas sim do direito a recusar um determinado serviço adicional “coercivamente ligado” a um pacote de serviços no qual o consumidor tem interesse.

Termos em que, para eventualidade de entenderem Vossas Excelências, Ex.mos Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça que é necessária a intervenção do TJUE, nos termos e para os efeitos supra requeridos, entendem os Recorrentes que a pronúncia do TJUE, no caso sub judice, nos termos do artigo 267.º do TFUE, será indispensável para a decisão da controvérsia jurídica que constitui objeto da presente ação. Por essa razão, requer-se que seja suspensa a presente instância até que o TJUE se pronuncie, a título prejudicial, expressa e especificamente, sobre as questões supra indicadas, incluindo a que Vossas Excelências entenderem formular a propósito de saber qual será a melhor interpretação a extrair do artigo 3.º, n.º 4, dos artigos 8.º e 9.º (d) e do anexo I, ponto 29, da Diretiva 2005/29/CE relativamente à possibilidade dos prestadores de serviços de telecomunicações poderem ativar automaticamente e por defeito os serviços adicionais e cobrarem por isso pagamentos adicionais, sem terem obtido a autorização expressa do cliente; assim como para as situações que os prestadores de serviços de telecomunicações ativam automaticamente e por defeito os serviços adicionais e cobrarem por isso pagamentos adicionais, mesmo quando o cliente expressamente os recusa, mas pretendem manter o pacote de serviços principal.

Em qualquer caso, deve o presente Recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que condene a Ré, aqui Recorrida, nos pedidos».

 


7. Vodafone Portugal, Comunicações Pessoais, S.A., notificada do Recurso de Revista Per Saltum interposto pelos tutores veio apresentar as suas Contra-Alegações, que aqui se consideram integralmente transcritas, pugnando pela manutenção do decidido.


8. O Ministério Público, junto do tribunal de 1.ª instância, apresentou contra-alegações, entendendo que a “(…) sentença recorrida não violou nem fez incorrecta interpretação de qualquer disposição legal, não padecendo de qualquer irregularidade, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos”.


9. O recurso de revista per saltum não foi admitido pelo tribunal de 1.ª instância.


10. Os autores, notificados do citado despacho, que não admitiu o recurso de revista per saltum, apresentaram reclamação, ao abrigo do artigo 643.º, n.º 1, do CPC, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, admitindo o recurso como de apelação, se considerou incompetente para conhecer da admissibilidade da revista, remetendo o processo para este Supremo Tribunal de Justiça, que, por despacho da Relatora, admitiu o recurso de revista per saltum (Proc. n.º 22640/18....).


11. Os autores-recorrentes vieram requerer a este Supremo Tribunal junção de 1 documento (constituído por dois recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e queixa apresentada ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos) que alegam ser de superveniência objetiva, não tendo sido possível apresentá-los antes do encerramento da discussão nos presentes autos (artigo 425.º do CPC).


12. A Relatora notificou o Ministério Público para, querendo, apresentar contra-alegações, o que este não fez.


13. Em 21 de dezembro de 2021, CITIZENS' VOICE CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION, associação para a defesa dos consumidores na União Europeia, apresentou requerimento para intervir na presente ação, como autora, a título principal, declarando aceitar a ação na fase em que se encontra, nos termos do artigo 15.º da Lei 83/95, de 31 de agosto, e aceitando inclusivamente representar, por sua própria iniciativa, todos os demais titulares dos interesses em causa que não tenham exercido a auto exclusão prevista no artigo 15.º, in fine, da Lei 83/95, com as consequências legais que desta decisão se possa retirar (cf. artigo 14.º da Lei 83/95).


14. Tendo a Relatora, ao abrigo do artigo 315.º, n.º 1, conjugado com o artigo 293.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), notificado as partes, para se pronunciarem no prazo de dez dias, sobre o pedido de intervenção principal na ação apresentado por CITIZENS' VOICE CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION, respondeu a ré Vodafone, afirmando o seguinte:

«Os Autores instauraram contra a recorrida uma ação popular, nos termos da Lei 83/95, de 31 de agosto.

Por via da referida ação encontram-se já representados os interesses de todos os consumidores portugueses, tendo operado o exercício do direito de exclusão, nos termos do artº 15 do regime jurídico suprarreferido e no momento processual oportuno.

Ora, parece-nos, salvo a V. melhor e mui douta opinião, que o pedido de intervenção principal ora suscitado não deve merecer suprimento em virtude de as partes e os titulares dos respetivos interesses já estarem devidamente identificados e representados na presente ação».


15. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

a) Junção de documentos (questão suscitada por requerimento posterior à data de interposição de recurso);

b) Admissibilidade da intervenção principal da CITIZENS' VOICE CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION (incidente suscitado depois da interposição do recurso de revista);

c) Questão prévia do reenvio prejudicial para o TJUE com o objeto definido nos pontos 83 a 91 das conclusões recursórias;

d) Nulidade por omissão de pronúncia da sentença recorrida;

e) Erro de julgamento do tribunal a quo na aplicação do direito ao caso concreto


Cumpre apreciar e decidir.

 

II – Fundamentação

A – Os factos

O tribunal de 1.ª instância, com base em documentos juntos aos autos e nos depoimentos das testemunhas ouvidas, deu como provados os seguintes factos:    

«1. A Ré declara-se como “um operador global de telecomunicações, que apresenta um serviço convergente reconhecido nos vários segmentos que compõem o mercado”, cuja atividade é supervisionada pela Autoridade Nacional de Comunicações (“ANACOM”).

2. A Ré exerce a sua atividade económica com carácter profissional e visando a obtenção de benefícios.

3. BB celebrou um contrato de prestação de serviços de telecomunicações móveis, com a designação comercial “Red”, do qual resultou a conta número ...99 junto da Ré.

4. O Autor BB contratou os serviços e produtos fornecidos pela Ré destinados a uso não profissional.

5. O serviço de telecomunicações móveis designado comercialmente como “Red” constitui uma oferta de um pacote de serviços.

6. Prevê a prestação de um serviço de telecomunicações para quatro números de telemóvel, onde se inclui um serviço suplementar de telecomunicações de dados até 6.5GB por número, perante o pagamento de uma quantia fixa mensal.

7. A Ré apresentou para pagamento ao Autor BB a fatura nº ...78, no valor total de € 178,57, dos quais € 39,30 € 56,22 relativos a dados nacionais e dados em roaming, respetivamente.

8. O Autor BB várias vezes “reclamou” que não pretendia tais serviços adicionais, devendo a Ré limitar o consumo de dados aos 6.5GB.

9. A Ré continua a prestar tais serviços “adicionais” e a cobrar por eles.

10. O serviço de transmissão de dados é funcionalmente independente do serviço de chamadas móveis, não obstante poderem funcionar através da mesma ligação à rede.

11. A Ré informou que não tinha forma de interromper/”barrar” automaticamente o consumo de dados quando os 6.5GB se encontram esgotados.

12. A Ré descreve o “Pacote de Serviços de Comunicações Eletrónicas” como “uma oferta integrada, única e indivisível, constituída por dois ou mais serviços (…) nos termos e condições previstos no respetivo tarifário, disponível para consulta nas lojas e agentes da Vodafone, em www.vodafone.pt ou através do Serviço Permanente de Atendimento a Clientes16912 (tarifa aplicável)” - cfr. Cláusula 4.º, al. a), do ponto C. das Condições Gerais do Contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço Móvel.

13. O contrato de adesão ao serviço Móvel foi estabelecido com recurso a cláusulas previamente elaboradas e impostas em bloco, sem possibilidade de alteração, limitando-se estes a subscrever e aceitar nos exatos termos em que estão apresentadas.

14. Dispõe a Cláusula 2ª, al. d), do ponto C. das Condições Gerais do Contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço Móvel, relativa à descrição do “Serviço de Acesso à Internet Móvel” que: “O serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como por exemplo a Opção Extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a Wi-Fi nos hotspots da Vodafone Portugal. Para mais informações sobre serviços adicionais consulte www.vodafone.pt ou ligue para o Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)”.

15. Alguns dos clientes da Ré não querem ficar impedidos de utilizar os serviços por terem ultrapassado o pacote de dados móveis incluído na mensalidade.

16. Os tarifários dividem-se em dois grandes tipos: pré-pagos e pós-pagos.

17. Na primeira modalidade, a um custo de chamada por minuto superior, o cliente consome o saldo do carregamento que efetue, sem obrigação ou compromisso de permanência na rede e com um maior controlo de custos.

18. Na segunda modalidade, mais adequada ao perfil de clientes que efetuam uma utilização mais intensa e/ou para efeitos profissionais, os operadores oferecem a possibilidade de, mediante o pagamento de uma assinatura mensal, usufruir de um determinado pacote de minutos sendo taxadas as comunicações (primeiramente de voz e mais tarde de sms) mediante determinada tarifa quando ultrapassado o consumo incluído na mensalidade.

19. Para cada modalidade existem múltiplos tarifários disponíveis e à escolha dos clientes.

20. Em julho de 2017, data em que o Autor BB celebrou o contrato com a Ré, esta tinha na sua oferta comercial dois tarifários pré-pagos só com acesso a voz móvel e sem dados móveis incluídos por defeito: O “Vodafone Easy” e o “Vodafone direto”.

21. Em ambos os casos, o valor de carregamento efetuado pelo cliente só pode ser gasto em comunicações de voz e SMS.

22. Caso o cliente pretenda aceder à internet móvel, aplica-se a “Tarifa internet móvel”, sendo sempre o cliente a controlar a utilização que efetua, até por via do saldo.

23. A tarifa de internet móvel custa € 1,99 e é cobrada no primeiro dia da semana em que o cliente acede à internet, inclui 100 MB de internet que são válidos apenas por 5 dias sendo o cliente alertado por SMS quando atinge 80% e 100% dos MB incluídos.

24. Na sua oferta comercial de tarifários pós-pagos a Ré só tem pacotes de serviços, nomeadamente pacotes de serviços de voz móvel e internet móvel.

25. O valor de assinatura mensal que o cliente paga “serve” para ser gasto em chamadas de voz, SMS e dados móveis, dentro do limite que corresponda a cada tarifário.

26. Os consumidores, quando aderem a um pacote de serviços voz móvel e dados móveis pós-pagos, são, em regra, informados que ao ultrapassarem o volume de dados incluído na mensalidade, serão ativados pacotes de dados extra.

27. Os consumidores têm ainda essa informação constante no site da Ré.

28. O Autor BB, era cliente da Ré, titular da conta ...99, com os serviços ...86, ...20 e ...07, desde março de 2015, com o tarifário RED +.

29. Em 03/07/2017, o Autor BB contactou os serviços de atendimento da Ré por telefone porque pretendia aderir a uma campanha “RED colaboradores”, uma vez que já tinha concluído o seu período de fidelização.

30. A referida campanha consistia no pagamento da assinatura mensal que conferia ao cliente a possibilidade de consumir até ao limite de 5000 minutos ou sms dentro da rede Vodafone e 2000 minutos ou sms para outras redes nacionais e em roaming na União Europeia, acrescido um volume de 500 MB para consumir em dados móveis e adicionalmente uma oferta de mais 6,5 GM de dados móveis incluídos na mensalidade, para cada serviço adicionado à conta.

31. Ou seja, o tarifário conferia ao Autor (e aos restantes utilizadores dos serviços associados à conta ...99), mediante o pagamento de uma mensalidade no valor de € 22,90 para o serviço ...20; € 11.90 para o serviço ...86; € 11.90 para o serviço ...07 e € 11.90 para o serviço ...33, a possibilidade de utilizar os serviços de voz móvel (até ao limite já referido) e de dados (até ao limite total de 7GB para cada serviço).

32. Era ainda uma característica do tarifário a ativação de pacotes extra de 200MB depois de consumidos os GB incluídos na mensalidade.

33. Bem como o envio de uma notificação por SMS ao cliente sempre que este atingisse 80% e 100% do consumo.

34. O Autor tinha um serviço pré-pago (...33) e optou por aderir à campanha em causa alterando o tarifário desse serviço para pós-pago.

35. Após o contacto telefónico efetuado pelo Autor, a Ré enviou para o endereço de e-mail emcviana@gmail.com as Condições Pré-Contratuais e Gerais de Adesão ao Tarifário acordado telefonicamente, onde constam as características do tarifário supra referidas, incluindo a característica de ativação de pacotes extra de 200MB depois de consumidos os GB incluídos na mensalidade.

36. No dia 07/07/2017, porque ainda não tinha sido efetuada a alteração de tarifário, o A. BB enviou uma reclamação por e-mail para o e.… que pertence ao Presidente do Conselho de Administração da Vodafone na Holanda.

37. Nesse primeiro e-mail o A. reclama a demora na alteração dos tarifários, bem como a contradição na informação prestada quanto à possibilidade de impedir a ativação de dados extra sempre que os dados incluídos na mensalidade eram gastos.

38. Terá sido informado que seria possível caso contactasse os serviços de atendimento da Ré.

39. De facto, à data em que o A. BB celebrou o contrato, a possibilidade de efetuar o bloqueio à utilização de dados móveis após esgotado o pacote não era automática.

40. O cliente, quando ultrapassasse o pacote teria de contactar a Ré a solicitar que fossem barrados dos dados móveis e, no mês seguinte, teria de contactar novamente a solicitar que fossem ativados outra vez para continuar a consumir os dados móveis incluídos na mensalidade.

41. A Ré por diversas vezes disse ao Autor que se aquele não era o tarifário pretendido poderia reverter a situação.

42. O que o Autor queria era que a Ré aplicasse aos seus serviços um “barramento” automático de dados móveis, que, naquela altura, não estava previsto.

43. Tendo sido efetuada a reclamação no Livro de reclamações online, ao qual a Ré deu resposta, tendo, inclusive, para minimizar a insatisfação do cliente, procedido ao crédito do valor dos dados móveis consumidos extra pacote de serviços naquelas duas faturas.

44. No caso do Autor BB, com referência às duas faturas juntas, a Ré enviou SMS a informar que a utilização de dados móveis ia ultrapassar o limite de dados do pacote.

45. Nos termos das “Condições Gerais” do “Contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço Móvel”, na descrição do “SERVIÇO DE ACESSO À INTERNET MÓVEL”:

“a) Após a ativação do serviço o cliente poderá usufruir de todas as funcionalidades do mesmo, as quais se encontram descritas em www.vodafone.pt bem como no tarifário subscrito pelo Cliente, o qual faz parte integrante do respetivo contrato.”.

46. Nos termos das “Condições pré-contratuais” enviadas ao Autor BB, resulta expresso, além do mais, que o “tarifário Red” “Inclui 5000min/SMS na rede móvel Vodafone e 2000min/SMS nas outras redes nacionais e em roaming na União Europeia. Após o limite, aplica-se uma tarifa de € 0,12 por min/SMS. Não inclui MMs, videochamada, chamadas para números especiais e apoio a Clientes ou outros serviços. Após esgotar o pacote de dados incluído, válido em Portugal e em roamig na União Europeia, é ativado um pacote de 200MB por € 2,99. Benefícios:Ativação (€ 60), Portabilidade (€ 20, se aplicável) e desconto mensal de € 12,50 durante 24 meses”.

47. Os Autores, tal como todos os consumidores, têm acesso a informação sobre os vários tarifários, nomeadamente os custos associados à sua utilização. Essa informação está disponível e pode ser consultada no site da Ré, nas lojas, podendo também ser esclarecida através de contacto para os vários canais da Ré (telemarketing, serviços de apoio a clientes).

48. Consta da informação sobre o tarifário disponível em todos os canais supra referidos que, quando atingidos 80% e 100% do limite de dados do pacote é enviada uma informação aos clientes, através de SMS, informando-o de que atingiram os referidos limites.

49. Caso não queiram pagar a tarifa de dados móveis extra, devem desligar os dados móveis no equipamento telefónico.

50. No software do próprio equipamento podem verificar os níveis de utilização de dados.

51. Instalando a app “My Vodafone” que mostra ao cliente exatamente quanto já gastou do seu plafond de dados móveis e quanto ainda tem disponíveis.

52. Ainda é possível recorrerem ao uso de passwords para bloquear os ecrãs dos equipamentos.


*


Com interesse para a decisão da causa, não resultou provado que:

a) AA é especialista em consumo de produtos e serviços financeiros utiliza os serviços de telecomunicações fornecidos pela Ré por intermédio do contrato estabelecido entre o seu pai e a Ré ao qual é atribuído o número de conta ...99;

b) o contrato de adesão ao serviço de telecomunicações móveis designado comercialmente como “Red” não prevê “serviços adicionais”;

c) o 2.º Autor não contratou um pacote de dados nacionais e/ou dados em roaming para além dos 6.5GB;

d) nem o 2.º Autor nem os utilizadores dos restantes números receberam qualquer alerta de estarem a esgotar os consumos do aludido pacote de “6.5GB”, nem informação que tinha sido ativo um novo serviço (extra) de dados;

e) a única mensagem que o utilizado do número ...86, o 1.º Autor, foi de que já teria consumido 40 euros de dados móveis extras nesse mês/ciclo de faturação atingiu os 40 euros e que para os continuar a usar deveria ligar o ...00, o que este não fez, mas mesmo assim a R. continuou a prestar tal serviço adicional e a cobrar por ele;

f) os Autores procuraram que a Ré retificasse a fatura, procedendo ao crédito ou à anulação do débito de tais serviços, o que a Ré recusou;

g) apesar da independência funcional de serviços, a Ré tem obrigado o consumidor que esteja interessado apenas num serviço a comprar obrigatoriamente outro serviço, mesmo que não o deseje e repudie, em concreto, obriga a contratar dados nacionais e/ou em roaming depois de esgotados os 6.5GB;

h) contrariamente ao que informou, a Ré tinha forma de interromper/“barrar” automaticamente o consumo de dados quando os 6.5GB se encontram esgotados».


B) O Direito

1) Junção de documentos (incidente)

Os recorrentes apresentaram, no Supremo Tribunal de Justiça, os seguintes documentos que não estavam disponíveis à data da interposição do recurso, e que consideram coadjuvar o julgador na análise do presente recurso. 

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, da ... Secção, datado de 12-11-2020, proferido no processo 7617/15....;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-02-2021, proferido no proc. n.º 389/17....

- Queixa do recorrente para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a propósito do processo n.º 7617/15...., por alegada violação do artigo 6.º do TEDH.

Resulta do artigo 423º, nº 1 do CPC que «Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.»; diz-nos o seu nº 2 o seguinte «Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.»; e remata o nº 3 «Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.».

Segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal (Acórdão de 05-05-2020, proc. n.º 1237/14.0TBSXL-B.L1.S2), com as alegações de recurso, a lei prevê que, a título excecional, as partes possam ainda fazer juntar outros documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, como resultado do nº 1 do artigo 651º e do artigo 425º, ambos do Código de Processo Civil, v.g. documentos que estejam em poder de terceiro que só os disponibilize posteriormente, caso de certidão requerida atempadamente mas só subsequentemente emitida.

As regras estabelecidas na lei e na jurisprudência quanto à junção dos documentos, conforme as descreve o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18-04-2006 (processo n.º 06A844), são as seguintes:

«Se o documento não é oferecido com o articulado, poderá ser apresentado até ao encerramento da discussão em primeira instância ou, no recurso, até ao início da fase dos vistos. Então, o apresentante tem de alegar, e demonstrar, a impossibilidade de junção tempestiva, que pode ser objectiva (inexistência do documento no momento anterior) ou subjectiva (ignorância sobre a existência do texto ou impossibilidade de a ele aceder), aqui, mau grado o disposto no artigo 531.º do Código de Processo Civil. Mas se a junção é requerida na fase de recurso, não há intempestividade se a junção só se torna necessária em virtude do julgamento do juízo "a quo". Tal acontece quando a decisão se baseou em meio de prova não esperado ou em preceito jurídico cuja aplicação as partes não pudessem razoavelmente prever, embora o n.º 3 do artigo 3.º do CPC ao garantir o contraditório impeditivo de decisões surpresa, em muito limite essas situações. Se o documento é, face ao demonstrado, oferecido em momento oportuno, há que emitir um juízo sobre a sua necessidade ou pertinência. É impertinente o documento oferecido em recurso para prova de facto não alegado antes, já que os recursos se destinam ao reexame do julgado, que não à decisão de matérias novas».


Resulta de uma análise perfunctória dos documentos que estes pertencem a outros processos e que as questões neles discutidas são necessariamente distintas do problema jurídico que se visa resolver nestes autos.

Um deles, o acórdão proferido neste Supremo Tribunal, em 12-11-2020, é de data anterior à interposição do recurso per saltum e um dos recorrentes também ocupa esta posição processual no presente processo, pelo que, em relação a este não se verifica o requisito da superveniência objetiva, nem da superveniência subjetiva. Por outro lado, trata-se de uma questão de direito bancário, que apesar de reportada a uma ação popular e a um contrato de adesão, assume contornos fáctico-jurídicos distintos. A mesma conclusão vale para a queixa contra o TEDH apresentada no âmbito desse processo, vicissitude que nada tem a ver com a presente ação.

O acórdão destes Supremo de 02-02-2021 apesar de ter data posterior à das alegações de recurso (30-01-2021), todavia, nada tem ver com o presente processo, consistindo num acórdão da formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, proferido num outro processo que correu ou corre termos neste Supremo Tribunal, a reconhecer o interesse público de uma questão, sem se imiscuir no seu mérito.

Deve dizer-se, ainda, que os acórdãos do Supremo estão sempre disponíveis para quem exerce funções judiciárias e também para o público, pelo que tem de se presumir o seu conhecimento, não sendo aceitável que a todo o tempo as partes possam proceder à sua junção nos processos judiciais.

Assim, por não terem os documentos apresentados qualquer relação com o processo em curso ou por serem extemporâneos ou inúteis, devem ser considerados impertinentes, decretando-se o seu desentranhamento.


 Não se admite, portanto, a junção dos referidos documentos, devendo os apresentantes, aqui recorrentes, ser condenados em custas no incidente.


2) Intervenção principal da associação de defesa do consumidor, CITIZENS' VOICE CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION.

Veio a Citizen’s Voice, representada pelo mesmo mandatário que representa os autores, requerer, ao abrigo dos artigos 14.º e 15.º da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, a sua intervenção principal na presente ação no estado em que se encontra.

Entende a recorrida, Vodafone, SA, que este pedido deve ser indeferido uma vez que os autores instauraram uma ação popular e, por via da referida ação, encontram-se já representados os interesses de todos os consumidores portugueses.


Vejamos:

Estamos perante uma intervenção de terceiro espontânea, ao abrigo do artigo 311.º do CPC, em que o interveniente invoca um interesse igual ao dos autores, nos termos do artigo 32.º do CPC, que se reporta às situações de litisconsórcio voluntário.

As associações de defesa do consumidor têm legitimidade ativa para proporem uma ação popular, nos termos dos artigos 1.º, 2.º e 3.º da lei n.º 83/95, de 31 de agosto.

A intervenção de terceiros, aqui peticionada, consubstancia uma modificação subjetiva da instância (artigo 262.º, al. b), do CPC), que se traduz num incidente que leva à integração da lide de alguém que aí poderia estar desde o início em regime de litisconsórcio voluntário. O estatuto do interveniente, por ter um interesse igual ao dos autores no objeto da lide, é de parte principal, segundo o artigo 312.º do CPC.

Todavia, como nos presentes autos o processo já se encontra em fase de recurso de revista, não poderá a requerente, em caso algum, apresentar o seu próprio articulado, podendo apenas, como aliás requereu, aderir aos articulados apresentados pela parte com quem se associa, ficando, portanto, vinculada a tudo quanto se processou nos autos até ao momento em que intervém.

Nos termos do artigo 313.º, n.º 1, do CPC, a intervenção do litisconsorte, realizada mediante adesão aos articulados da parte com quem se associa, é admissível a todo o tempo, enquanto não estiver definitivamente decidida a causa.

A ré Vodafone opôs-se à intervenção principal da requerente, mas não aduziu qualquer fundamento que indiciasse, nos termos do artigo 313.º, n.º 4, do CPC, que o estado do processo já não lhe permite fazer valer defesa pessoal que tenha contra o interveniente.

Embora a intervenção principal por mera adesão tenha um caráter limitado, a mera circunstância, alegada pela Vodafone, de o presente processo resultar de uma ação popular na qual estão já representados os interesses de todos os consumidores, não é suficiente para responder negativamente a uma pretensão que a lei permite a todo o tempo, mesmo em fase de recurso, enquanto não houver decisão definitiva sobre a causa.

Assim, defere-se o pedido da Citizen’s Voice e admite-se a sua intervenção principal por adesão, aceitando a causa no estado em que esta se encontrar.


Custas do incidente pela Recorrida, Vodafone.


3) Reenvio para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)

Considerando que os recorrentes suscitam a necessidade de proceder ao reenvio prejudicial importa conhecer dessa questão prévia.

 Defendem que o Supremo Tribunal deve proceder ao reenvio prejudicial – obrigatório, no seu entender – junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, nos seguintes termos:

       “Assim, a questão a colocar é saber se devemos extrair do artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU, a interpretação de que os Estados-Membros devem tomar medidas destinadas a garantir que:

1. O consumidor só fica vinculado pelo contrato ou oferta a qualquer pagamento adicional à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual principal quando o consumidor expresse o seu consentimento e só quando esse consentimento resulte de uma comunicação clara e compreensível ao consumidor relativamente aos pagamentos adicionais, nomeadamente, mas não exclusivamente, qual o serviço (ou conjuntos de serviços) a que está aderir ou, se por outro lado, o consentimento aludido no artigo 22.º da Diretiva deve ser interpretado como sendo generalista e sem necessidade de especificar quais os serviços e respetivas condições associados a esses pagamentos adicionais;

2. O consumidor só fica vinculado pelo contrato ou oferta a qualquer pagamento adicional à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual principal quando o consumidor expresse o seu consentimento e só quando lhe é oferecida a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais ou, se por outro lado, o aludido artigo 22.º deve ser interpretado no sentido em que o consumidor não deve beneficiar de qualquer possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais, ficando assim obrigado a contratar os serviços adicionais e a pagar pelos mesmos.

3. Devem os Estados-Membros assegurar este reforço de proteção do consumidor no caso de pagamentos adicionais por imposição do artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU ou estamos perante uma Diretiva de harmonização mínima em que essa faculdade de impor um nível mais elevado de proteção é deixada ao critério dos Estados Membros?”

 

A jurisprudência do TJUE desde o Acórdão Cilfit (Acórdão do TJUE de 06-10-1982, Proc. C-283/81) tem admitido de forma consistente a dispensa da obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação nas seguintes situações:

— Sempre que a questão de direito da UE suscitada for impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio concreto;

— Quando o TJUE já se tenha pronunciado, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em sede de reenvio ou outro meio processual, atento o efeito erga omnes das suas decisões;

— Sempre que o tribunal nacional considere que as normas da UE aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas, ou sejam suficientemente claras e determinadas, aptas para serem aplicadas imediatamente, sendo que a clareza das normas aplicáveis deve resultar da sua interpretação teleológica e sistemática e da referência ao contexto histórico, social e económico em que foram adotadas.

Esta jurisprudência tem sido reafirmada pelo TJUE em sucessivos acórdãos – de 18 de Outubro de 2011 (Processos apensos C‑128/09 a C‑131/09, C‑134/09 e C‑135/09), de 9 de setembro de 2015 (Processo C‑160/14), de 1 de outubro de 2015 (Processo C‑452/14), de 28 de julho de 2016 (Processo C‑379/15), de 4 de outubro de 2018 (processo C‑416/17) e de 30 de janeiro de 2019 (Processo C‑587/17 P), cujo texto integral pode ser consultado nos links que abaixo indicamos.

Também nos pontos 5 e 6 das Recomendações emitidas pelo TJUE à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C 257/1 de 20-7-2018), é esclarecido que: “5.Os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros podem submeter uma questão ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação ou a validade do direito da União se considerarem que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa (ver artigo 267.º, segundo parágrafo, do TFUE). Um reenvio prejudicial pode revelar-se particularmente útil nomeadamente quando for suscitada perante o órgão jurisdicional nacional uma questão de interpretação nova que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento num quadro jurídico ou factual inédito. 6.Quando for suscitada uma questão no âmbito de um processo pendente perante um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão jurisdicional é no entanto obrigado a submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça (ver artigo 267.º, terceiro parágrafo, do TFUE), exceto quando já existir uma jurisprudência bem assente na matéria ou quando a forma correta de interpretar a regra de direito em causa não dê origem a nenhuma dúvida razoável.”

A jurisprudência do TJUE acima referida sobre a dispensa da obrigação de suscitar a questão prejudicial tem sido aplicada de forma reiterada pelo Supremo Tribunal de Justiça – acórdãos de 10-07-2008 (Revista n.º 2944/07), de 29-04-2010 (Revista n.º 622/08.1TVPRT.P1.S1), de 14-03-2017 (Revista n.º 736/14.9TVLSB.L1.S1), de 05-12-2017  (Revista n.º 11256/16.7T8LSB.L1.S2-A), de 02-02-2016 (Revista n.º 326-C/2002.E1.S1), de 04-02-2016 (Revista n.º 536/14.6TVLSB.L1.S1), de 17-03-2016 (Revista n.º 588/13.6TVPRT.P1.S1) de 30-09-2014 (Revista n.º 1020/13.0TBCHV-D.P1.S1), de 16-10-2014 (Revista n.º 1279/06.0TVPRT-C.P1.S1), de 18-12-2002 (Revista n.º 3956/02), e de 29-09-2015 (Revista n.º 1740/12.7TBPVZ.P1.S1).


O carácter facultativo do reenvio constitui a regra, enunciada no parágrafo 2.º do artigo 267.º nos seguintes termos: “Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie”.


O próprio TJUE admite que se não suscite o reenvio prejudicial nas seguintes hipóteses:

(1) impertinência da questão;

(2) resolução prévia pelo TJUE da questão (ou de questão similar); e

(3) evidência do sentido interpretativo da norma convocada.


Consultada a jurisprudência do TJUE verificou-se que não existe um precedente prévio com um recorte exatamente igual ao suscitado nestes autos.

Todavia, o TJUE definiu já o que se deve entender por fornecimento não solicitado de bens ou servidos para o efeito de práticas comerciais desleais ou agressivas (cfr. Acórdão TJUE (Segunda Secção), Processo C-55/17 de 13-09-2018, EU:C:2018:710, n.º 45, à luz do ponto 29 do Anexo I da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, também transposto para o artigo 12.º do DL 57/2008, de 26 de março, que enumera as práticas comerciais consideradas agressivas em qualquer circunstância,  e que na alínea f) tem a redação que reproduz o ponto 29 do anexo I da diretiva: «f) Exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços ou a devolução ou a guarda de bens fornecidos pelo profissional que o consumidor não tenha solicitado, sem prejuízo do disposto no regime dos contratos celebrados à distância acerca da possibilidade de fornecer o bem ou o serviço de qualidade e preço equivalentes».

 


Quanto ao disposto no artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU, entendemos também que a interpretação do preceito não deixa espaço para qualquer dúvida razoável sobre o seu sentido normativo, devendo aplicar-se o aforismo jurídico “in claris non fit interpretativo”.

Com efeito, o artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU, intitulado “Pagamentos Adicionais”, prevê:

 “Antes de o consumidor ficar vinculado pelo contrato ou oferta, o profissional deve obter o consentimento expresso do consumidor para qualquer pagamento adicional à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual principal do profissional. Se o profissional não tiver obtido o consentimento expresso do consumidor mas o tiver deduzido a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor deva recusar para evitar o pagamento adicional, o consumidor tem direito ao reembolso do referido pagamento.”

 

A transposição do artigo 22.º da referida Diretiva para o direito interno foi operada pela Lei nº 47/2014, de 28 de julho, que aditou o artigo 9º-A à Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96 de 31 de julho), cujo teor confere uma proteção até mais intensa do que a conferida pela norma comunitária e responde às questões que os recorrentes pretendem ver resolvidas por via do reenvio prejudicial, contribuindo para a sua desnecessidade.


Preceitua o artigo 9º-A da Lei de Defesa do Consumidor que:

“1 - Antes de o consumidor ficar vinculado pelo contrato ou oferta, o fornecedor de bens ou prestador de serviços tem de obter o acordo expresso do consumidor para qualquer pagamento adicional que acresça à contraprestação acordada relativamente à obrigação contratual principal do fornecedor de bens ou prestador de serviços.

2 - A obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a aceitação pelo consumidor quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais.

3 - Quando, em lugar do acordo explícito do consumidor, a obrigação de pagamento adicional resultar de opções estabelecidas por defeito que tivessem de ser recusadas para evitar o pagamento adicional, o consumidor tem direito à restituição do referido pagamento.

4 - Incumbe ao fornecedor de bens ou prestador de serviços provar o cumprimento do dever de comunicação estabelecido no n.º 2.

5 - O disposto no presente artigo aplica-se à compra e venda, à prestação de serviços, aos contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais de água, gás, eletricidade, comunicações eletrónicas e aquecimento urbano e aos contratos sobre conteúdos digitais”.


Ora, esta norma respeita escrupulosamente o direito comunitário e, tal como o artigo 22.º da Diretiva, não suscita dúvidas interpretativas, não se descortinando, portanto, utilidade no reenvio prejudicial.


Concluímos, pois, que as normas comunitárias aplicáveis aos autos se revestem de um sentido claro e foram já transpostas para o direito nacional.


Estamos perante uma tutela multinível dos direitos fundamentais, em que as relações entre tribunais não podem ser analisadas através de um qualquer conceito de hierarquia, mas através de um conceito de cooperação ou de fortalecimento mútuo. O nível de proteção que os direitos dos consumidores conhecem no direito português é elevado, tendo em conta a norma constitucional plasmada no artigo 60.º da Lei Fundamental, que afirma, nos termos do n.º 1, que «1. Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos» (sublinhado nosso).

    

Assim, de acordo com a orientação deste Supremo Tribunal de Justiça, vertida no Acórdão de 05-12-2017 (Revista n.º 11256/16.7T8LSB.L1.S2-A - 6.ª Secção):

«IV - Admite-se a dispensa do reenvio no caso, como o dos autos, de não ser pertinente a questão suscitada no processo perante o julgador nacional e ainda nos casos de total clareza da norma comunitária interpretanda. destaque nosso

VI - Esta interpretação – que recusa a obrigatoriedade do reenvio prejudicial – não contende com o disposto nas normas constitucionais vertidas na Lei Fundamental sob os arts. 8.º (Primado do Direito da União Europeia); 13.º (Princípio da igualdade); 18.º (Regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias) e 20.º (Acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva)».


     No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão deste Supremo Tribunal de 14-07-2020 (Revista n.º 1843/18.4T8CSC-A.L1-A.S1 - 2.ª Secção), onde se decidiu que «A obrigatoriedade de reenvio prejudicial ao TJUE nos casos de a decisão a proferir não ser susceptível de recurso quando se suscitem questões de interpretação do Direito Europeu, prevista no art. 267.º do TFUE, não tem lugar nos casos em que o tribunal nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma ser claro e evidente», bem como o Acórdão de 14-03-2017 (Revista n.º 736/14.9TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção ), onde se decidiu que «Ocorre fundamento de dispensa de suscitação de reenvio prejudicial de interpretação junto do TJUE, nos termos do art. 267.º do TFUE) se a norma que o recorrente pretende ver interpretada não tem aplicação no caso concreto – o art. 31.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001) – e se as normas aplicadas constantes dos arts. 32.º e 38.º do mesmo Regulamento, contextualizadas e interpretadas à luz do conjunto das disposições respeitantes à competência indireta, das finalidades e requisitos do mecanismo de concessão do exequatur não suscitam dúvidas interpretativas quanto à definição ampla constante do art. 32.º (que não distingue a natureza da tutela jurisdicional provisória concedida), por um lado, e à condição imposta pelo art. 38.º (que tal decisão consubstanciadora da tutela provisória antecipatória concedida constitua título executivo no Estado de origem), por outro lado».  sublinhado nosso

 

Por todo o exposto, concluímos que deve o pedido de reenvio prejudicial ser indeferido.


3) Nulidade por omissão de pronúncia

Os recorrentes começam por alegar que a sentença recorrida não apreciou as concretas questões de direito essenciais submetidas à sua apreciação e que se prendem, em síntese, com a problemática concernente ao direito, cujo reconhecimento requerem, de os consumidores de serviços de telecomunicações recusarem a prestação de serviços adicionais que não tenham prévia e expressamente solicitado.

Entendem os recorrentes que a sentença recorrida apreciou as questões suscitadas sob a perspetiva do cumprimento dos direitos de informação ao consumidor contratante quando a situação sob escrutínio não se prende com essa problemática.

Concluem, dizendo, que existe, pois, uma omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo (cf. ponto 16 das conclusões recursórias), na medida em que as questões essenciais submetidas à sua apreciação não foram efetivamente apreciadas e decididas.

De acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte do CPC “é nula a sentença quando: (…) d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. Esta nulidade decorre do disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Em face do peticionado pelos autores na presente ação, ora recorrentes, as questões a decidir no caso dos autos, tal como delimitadas nos temas de prova em sede de audiência prévia, pressupõem, em síntese, saber se a Ré obriga os consumidores de telecomunicações a pagar por serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado ou que não constituam cumprimento de um contrato válido e saber se a Cláusula 2.ª, alínea d) do Contrato de Adesão ao Serviço Fixo e/ou Serviço Móvel, por referência ao pacote “Red”, se mostra contrária às regras imperativas do diploma que regula as cláusulas contratuais gerais por obrigar o consumidor a adquirir automaticamente e sem hipótese de recusa, serviços extra, pagos.

Ora, compulsado o teor da sentença recorrida, facilmente se verifica que na mesma são apreciadas todas as questões essenciais concernentes à problemática sob escrutínio, mas a interpretação realizada pelo tribunal recorrido, que colocou a tónica no direito/dever de informação ao consumidor e no consentimento contratual subsequente, diverge do entendimento manifestado pelos recorrentes. Ou seja, na sequência da análise das Diretivas comunitárias e da legislação nacional aplicáveis, na sentença recorrida considerou-se que, tendo em conta, quer o que vem dado como provado, quer o que vinha alegado por ambas as partes, tinha de se concluir que “a oferta do pacote “Red” cumprido que seja, em cada caso concreto de contratação, o dever de informação, mostra-se de acordo com as exigências legais, num quadro de proteção ao consumidor, mas também de liberdade contratual”, tendo ademais considerado que o autor deu o seu consentimento expresso ao aderir ao referido pacote de serviços de telecomunicações, tendo sido informado sobre as suas características de forma a permitir uma decisão esclarecida sobre o tarifário escolhido. Aí se acrescenta que “não se trata de ter sido especificamente alertado para a (im)possibilidade do “barramento automático”, sendo certo que, uma vez solicitada tal “informação adicional” e perante a resposta negativa – à época – foi-lhe dada a possibilidade de optar por outro tarifário, o que optou por não fazer”, o que significa que, perante a recusa dos autores, foi reconhecido aos mesmos o direito a proceder à alteração de tarifário, i.e. a recusar o pagamento dos serviços adicionais de telecomunicações previamente contratados, direito que a sentença recorrida, de resto, não contesta.

É assim, manifesto que não se verifica qualquer omissão de pronúncia, confundido a recorrente tal vício com um eventual erro de julgamento, o que terá de ser apreciado noutra sede. 

Improcede, assim, a referida nulidade.


4) Erro de interpretação e de aplicação do direito aplicável

1. A presente ação designa-se por “ação popular”, nos termos da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, e tem como objeto a tutela de interesses difusos (o que compreende os interesses difusos stricto sensu, os interesses coletivos e os interesses individuais homogéneos), os quais se caraterizam por possuírem uma dimensão individual e supra individual, pela sua titularidade caber a todos e a cada um dos membros de uma classe ou de um grupo (independentemente da sua vontade) e por recaírem sobre bens que podem ser gozados de forma concorrente e não exclusiva (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-09-2016, processo n.º 7617/15.7T8PRT.S1).

Estes requisitos estão presentes no caso vertente em que é possível encontrar um interesse partilhado por todos os clientes da ré – o direito de não pagarem serviços adicionais não solicitados, não consentidos expressamente ou até recusados –  que, alegadamente, não está a ser por esta respeitado, devendo considerar-se, seguindo os critérios do citado acórdão deste Supremo, que estamos perante a defesa de interesses coletivos, não revelando a causa de pedir ou o pedido quaisquer particularidades derivadas da multiplicidade dos factos que caraterizam as relações entre a ré e os seus clientes.

O controlo solicitado sobre as cláusulas do contrato subscrito pelos autores tem natureza abstrata, em que aquelas cláusulas são vistas, não apenas como partes do conteúdo de um contrato particular, mas enquanto elementos de uma ordem contratual predisposta para uma generalidade de contratos, desprendendo-se de singularidade da concreta relação negocial em causa.

 

2. Para resolver o litígio destes autos não chega aferir se a ré Vodafone cumpriu o seu dever de informação.

Na verdade, quando estamos perante um contrato de adesão (facto provado n.º 13), a lei exige não apenas um cumprimento rigoroso dos deveres de comunicação e de informação, estando a empresa predisponente não só obrigada a “assinalar com bandeira” as cláusulas potencialmente prejudiciais aos interesses dos clientes (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-12-2013, Proc. n.º 306/10.0TCGMR.G1.S1), mas, também, a obedecer, na fixação das cláusulas contratuais, a um conjunto de restrições e proibições relativas ao conteúdo dos contratos (DL n.º 446/85, de 25-10).

Os contratos de adesão caraterizam-se pela predisposição unilateral e pela generalidade, cabendo apenas a uma das partes a sua pré-elaboração, sem prévia negociação com a outra, e destinam-se a ser subscritos por uma multiplicidade de contraentes potenciais (cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, Conceito. Fontes. Formação, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 162-163).

A questão suscitada pelos recorrentes, nas alegações de recurso, situa-se em sede de liberdade contratual, na dupla vertente de celebração do contrato e de fixação do conteúdo do contrato. Neste sentido, pode afirmar-se que o cumprimento do dever de informação não permite legitimar todo e qualquer conteúdo contratual, sobretudo, porque estamos num domínio em que a lei protege o consumidor e em que, amiúde, algumas soluções estipuladas não estão legitimadas pela autonomia privada.  

É, pois, nesta sede que deve ser analisado o caso concreto, admitindo-se que, ainda que o cliente seja informado de todas as cláusulas do contrato, se algumas dessas cláusulas forem proibidas por lei e/ou implicarem um dever de contratar ou de aceitar serviços não solicitados, podemos estar perante cláusulas cuja licitude é duvidosa e exige, portanto, uma pronúncia judicial.

O que os recorrentes pedem no processo é que os tribunais procedam a um controlo do conteúdo do contrato, ou seja, que averiguem se o contraente que tem o poder de predispor, unilateralmente e sem negociação prévia, as cláusulas contratuais, respeitou ou não o especial dever, imposto pela boa fé, de considerar os interesses dos aderentes. E, para emitir, esse juízo basta atentar no teor objetivo dos termos contratuais e na forma como eles se projetam na posição do aderente, independentemente de questões comportamentais ou relacionais que tenham ocorrido, ou do estado subjetivo do aderente. Não que estas considerações subjetivas não relevem, mas o seu peso resultava já das regras civilísticas gerais consagradas nos artigos 227.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil, que dão primazia à boa fé, em todas as fases da formação do contrato e da sua execução.

O controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, regime consagrado no Decreto-Lei 446/85, de 25-10, está para além dessas considerações, representando, como bem afirma Joaquim de Sousa Ribeiro (“A boa fé como norma de validade”, in Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 261) “(…) o surplus de tutela outorgado compensatoriamente ao aderente, como marca particularmente distintiva do regime especial dos contratos de adesão”.


3. Vejamos, então, os factos do caso concreto e quais são as cláusulas contratuais cujo teor os recorrentes contestam.

Estamos perante um contrato de prestação de serviços de telecomunicações móveis destinados a uso não profissional, com a designação comercial “RED” (factos provados n.º s 3 e 4), que constitui uma oferta de um pacote de serviços (facto provado n.º 5) e prevê a prestação de um serviço de telecomunicações para quatros números de telemóvel, onde se inclui um serviço suplementar de telecomunicações de dados até 6.5.GB por número, perante o pagamento de uma quantia mensal (facto provado n.º 6).

A Ré, alegando que não tem forma de interromper/barrar automaticamente o consumo de dados quando os 6.5GB se encontram esgotados, conforme informou no processo (facto provado n.º 11), presta serviços adicionais e cobra por eles, mesmo que o cliente reclame não pretender tais serviços (factos provados n.ºs 8 e 9). Segundo o facto n.º 10, o serviço de transmissão de dados é funcionalmente independente do serviço de chamadas móveis.

A propósito destes serviços adicionais, a Cláusula 2.ª, al. d) do ponto C das Condições Gerais do contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço móvel relativa à descrição do “Serviço de Acesso à Internet Móvel” dispõe o seguinte: “O serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como por exemplo a Opção Extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a Wi-Fi nos hotspots da Vodafone Portugal. Para mais informações sobre serviços adicionais consulte www.vodafone.pt ou ligue para o Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)”.

O Autor BB aderiu a uma campanha “RED colaboradores”,  que consistia no pagamento da assinatura mensal que conferia ao cliente a possibilidade de consumir até ao limite de 5000 minutos ou SMS dentro da rede Vodafone e 2000 minutos ou sms para outras redes nacionais e em roaming na União Europeia, acrescido um volume de 500 MB para consumir em dados móveis e adicionalmente uma oferta de mais 6,5 GM de dados móveis incluídos na mensalidade, para cada serviço adicionado à conta (factos provados 29, 30 e 46). O tarifário do Autor (e dos restantes utilizadores associados à conta ...99) tinha a característica de implicar a ativação de pacotes extra de 200MB depois de consumidos os GB incluídos na mensalidade (facto provado n.º 32), bem como o envio de uma notificação por SMS ao cliente sempre que este atingisse 80% e 100% do consumo (facto provado n.º 33).

O autor, mesmo antes da alteração do tarifário, reclamou a demora na alteração do mesmo (facto provado n.º 36), bem como contradição na informação prestada quanto à possibilidade de impedir a ativação de dados extra sempre que os dados incluídos na mensalidade eram gastos (facto n.º 37), tendo sido informado que seria possível caso contactasse os serviços da ré (facto provado n.º 38). Conforme ilustra o facto 39, à data em que o A. BB celebrou o contrato, a possibilidade de efetuar o bloqueio à utilização de dados móveis após esgotado o pacote não era automática. Cabia ao cliente contactar a vodafone quando ultrapassasse o pacote a solicitar que fossem barrados os dados móveis (facto provado n.º 40). O autor pretendia que a Ré aplicasse aos seus serviços um “barramento” automático de dados móveis que, naquela altura, não estava previsto (facto provado n.º 42).


4. Entendem os recorrentes que a questão dos autos se prende com o direito de os consumidores de telecomunicações móveis se recusarem a contratar serviços adicionais de telecomunicações, ou seja, saber se as operadoras destes serviços, como é o caso da ré Vodafone, podem deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito o consentimento dos consumidores para a prestação de serviços adicionais de telecomunicações, por falta de recusa expressa dos mesmos (a quem cabe a iniciativa de pedir todos os meses o barramento), e em consequência ativar por defeito e automaticamente tais serviços extra.

Com efeito, tem de ser, desde já, reconhecida aos autores razão quanto à delimitação da questão suscitada.

A vexata questio do presente processo é, pois, a de saber se todos os clientes da ré, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora autores, têm ou não o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações.

Para responder a esta questão, em primeiro lugar importa qualificar a relação jurídica entre as partes.

Sendo a ré uma pessoa que exerce com caráter profissional uma atividade económica que visa a obtenção de benefícios (artigo 2.º, n.º 1, in fine, da Lei n.º 24/96, de 31-07) e os autores pessoas singulares a quem foram fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, e que, por isso, integram a categoria de consumidores, dúvidas não restam de que estamos perante uma relação contratual em que as partes não se encontram numa situação de igualdade no que diz respeito ao poder negocial e à liberdade contratual.

Ficou provado que a ré ativa automaticamente serviços adicionais de telecomunicações aos seus clientes-consumidores, mesmo quando estes recusam, o que sucedeu repetidamente em relação ao 2.º autor, que manifestou a sua vontade de rejeitar esses serviços mesmo antes de o tarifário estar ativado, e que expressamente solicitou à ré o barramento automático destes serviços durante a execução do contrato.

Defende-se a ré, afirmando que não era possível, à data da celebração dos contratos destes autos, barrar, tendo ficado provado que «A Ré informou que não tinha forma de interromper/”barrar” automaticamente o consumo de dados quando os 6.5GB se encontram esgotados».

A forma como a cláusula 2.º al. d) está redigida também não é clara nem precisa, pois não especifica que serviços adicionais está o consumidor a contratar nem o seu preço, não bastando uma remissão genérica para o site da empresa, nem um consentimento genérico presumido, dado que se trata de uma cláusula particularmente gravosa para os consumidores. Note-se que, tratando-se de uma cláusula que pode ter por consequência pagamentos adicionais inesperados para os consumidores, sempre seria exigível à empresa predisponente que especificasse de que serviços adicionais se tratava e qual o preço a cobrar por cada um, assinalando, expressamente e por escrito, que, devido a essa ativação de serviços, os montantes a pagar pelos consumidores podem vir a exceder o valor da mensalidade acordada para o pacote. A cláusula também não informa o consumidor-aderente de que a ativação destes serviços adicionais é automática e que não pode ser barrada. Portanto, ao nível do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação, deve entender-se que a ré Vodafone não os cumpriu integralmente. Em consequência, diferentemente do que sustenta a recorrida Vodafone, o consentimento expresso no momento da celebração do contrato não abrange a ativação automática destes serviços e os respetivos pagamentos adicionais.

A par desta constatação, e aqui reside o cerne da questão suscitada, é que mesmo que o consumidor tenha sido devidamente informado, a ativação automática dos serviços adicionais, com consequência de os consumidores não os poderem recusar, será conforme à lei? Poderá a ré impor esses serviços, sem os especificar e sem conferir aos consumidores a liberdade de optar ou não por beneficiar desses serviços? A circunstância de o consumidor poder controlar o consumo de dados móveis e desligar os dados móveis quando atingir o plafond são mecanismos equivalentes ao direito a recusar o serviço?

Regendo-se a atividade da ré por cláusulas gerais por ela previamente definidas, com as quais os utilizadores deverão necessariamente concordar, sujeita-se a ré ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10), assim como aos deveres perante o consumidor, decorrentes da Lei n.º 24/96, de 31-07 (Lei de Defesa do Consumidor).

Assim, a validade da citada cláusula será apreciada à luz do artigo 15.º, que proíbe cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé, e do artigo 19.º, al. d), que classifica como cláusulas relativamente proibidas aquelas que «Imponham ficções de receção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes», ambos os preceitos aplicáveis às relações com consumidores por força do artigo 20.º do citado diploma legal, bem como à luz do artigo 9.º-A da Lei de Defesa do Consumidor (na redação da Lei n.º 47/2014, de 28-07), que se refere precisamente à questão dos pagamentos adicionais e que resultou da transposição do artigo 22.º da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011.


5. O artigo 9.º-A, sob a epígrafe Pagamentos adicionais, dispõe o seguinte:

«1 - Antes de o consumidor ficar vinculado pelo contrato ou oferta, o fornecedor de bens ou prestador de serviços tem de obter o acordo expresso do consumidor para qualquer pagamento adicional que acresça à contraprestação acordada relativamente à obrigação contratual principal do fornecedor de bens ou prestador de serviços.

2 - A obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a aceitação pelo consumidor quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais.

3 - Quando, em lugar do acordo explícito do consumidor, a obrigação de pagamento adicional resultar de opções estabelecidas por defeito que tivessem de ser recusadas para evitar o pagamento adicional, o consumidor tem direito à restituição do referido pagamento.

4 - Incumbe ao fornecedor de bens ou prestador de serviços provar o cumprimento do dever de comunicação estabelecido no n.º 2.

5 - O disposto no presente artigo aplica-se à compra e venda, à prestação de serviços, aos contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais de água, gás, eletricidade, comunicações eletrónicas e aquecimento urbano e aos contratos sobre conteúdos digitais».

 

O artigo 9.º, n.º 4 da Lei de Defesa do Consumidor prevê ainda, com conexão com o objeto do recurso, que:

“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”  


O n.º 6 do mesmo preceito estipula que:

“É vedado ao fornecedor ou prestador de serviços fazer depender o fornecimento de um bem ou a prestação de um serviço da aquisição ou da prestação de um outro ou outros”.


Os recorrentes invocam, ainda, a aplicabilidade ao caso dos autos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março, que estabelece o regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transação comercial relativa a um bem ou serviço, cujo artigo 11.º, n.º s 1 e 2, al. d) (que corresponde ao artigos 8.º e 9.º, al. d), da Diretiva 2005/29/CE, Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, transposta para o ordenamento jurídico português através do citado diploma legal) estabelece o seguinte:

“1 - É agressiva a prática comercial que, devido a assédio, coação ou influência indevida, limite, ou seja, suscetível de limitar significativamente a liberdade de escolha ou o comportamento do consumidor em relação a um bem ou serviço e, por conseguinte, conduz ou é suscetível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transação que não teria tomado de outro modo.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, atende-se ao caso concreto e a todas as suas características e circunstâncias, devendo ser considerados os seguintes aspetos:

 (…)

d) Qualquer entrave não contratual oneroso ou desproporcionado imposto pelo profissional, quando o consumidor pretenda exercer os seus direitos contratuais, incluindo a resolução do contrato, a troca do bem ou serviço ou a mudança de profissional (…)


Invocam também os recorrentes a Diretiva 2018/1972, de 11 de dezembro de 2018 (ainda não transposta para o direito nacional), cujo artigo 107.º, sob a epígrafe, Ofertas agregadas, dispõe o seguinte:

«1. Se um pacote de serviços ou um pacote de serviços e equipamento terminal oferecido ao consumidor incluir, pelo menos, um serviço de acesso à Internet ou um serviço de comunicações interpessoais com base em números acessível ao público, o artigo 102.º, n.º 3, o artigo 103.º, n.º 1, o artigo 105.º e o artigo 106.º, n.º 1, são aplicáveis a todos os elementos do pacote, incluindo, com as necessárias adaptações, os elementos que, de outro modo, não são abrangidos pelas referidas disposições.

2. Caso o consumidor tenha, ao abrigo do direito da União ou do direito nacional nos termos do direito da União, o direito de rescindir qualquer elemento do pacote, a que se refere o n.º 1, antes do termo acordado da vigência do contrato por motivos de incumprimento do contrato ou de falha no fornecimento, os Estados-Membros preveem que o consumidor tem o direito de rescindir o contrato relativamente a todos os elementos do pacote.

3. A subscrição de serviços suplementares ou de equipamento terminal fornecidos ou distribuídos pelo mesmo fornecedor dos serviços de acesso à Internet ou dos serviços de comunicações interpessoais com base em números acessíveis ao público não prolonga a duração inicial do contrato ao qual são adicionados esses serviços ou equipamento terminal, exceto se o consumidor acordar expressamente o contrário no momento da subscrição dos serviços suplementares ou do equipamento terminal.

(…)»

Uma vez que esta diretiva não foi ainda transposta para o direito nacional (embora já tenha decorrido o prazo para a sua transposição) e que as normas de direito interno aplicáveis se referem expressamente aos pagamentos adicionais (artigo 9.º A da Lei 24/96, de 31-07) e a cláusulas contratuais gerais abusivas (artigos 15.º e seguintes do Decreto Lei 446/85, de 25-10), não se discutirá o sentido desta norma, por desnecessidade para a resolução do caso, sem detrimento de, em tudo o que nela estiver determinado de forma clara e precisa, ser esta diretiva diretamente aplicável, conforme tem sido entendido pela jurisprudência que afirma que “as Directivas Comunitárias têm aplicação directa no ordem jurídica interna – mesmo entre particulares, ou seja, têm efeito horizontal -, mesmo que não transpostas ou transpostas em termos que as violem, desde que haja decorrido o prazo para a sua transposição e sejam suficientemente claras e precisas, se mostrem incondicionais e não estejam dependentes da adopção de ulteriores medidas complementares por parte dos Estados Membros” (cfr., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-01-2010, Proc. n.º 2212/06.4TBMAI.P1.S1).


6. Em face do exposto, há dois vetores fundamentais que norteiam a decisão do caso concreto: 1) a natureza jurídica da ré, enquanto empresa fornecedora de serviços essenciais, e a sua posição jurídica de predisponente de cláusulas contratuais gerais; 2) a pertença dos autores (e de outros sujeitos aderentes a contratos semelhantes com a ré) ao grupo dos consumidores, que subscrevem em bloco, sem possibilidade de negociação prévia, contratos de adesão.

Cruzam-se, pois, duas vertentes que promovem uma tutela jurídica especial dos autores, no direito interno e no direito comunitário: a sua dupla qualidade de consumidores e de aderentes.

Assim, aplica-se ao caso dos autos a Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, com as subsequentes alterações) e o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, com as subsequentes alterações, sendo que o artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 24/96, consagra precisamente esta interação entre a proteção do consumidor e o regime das cláusulas contratuais, estabelecendo que «O consumidor tem direito à proteção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.

2 - Com vista à prevenção de abusos resultantes de contratos pré-elaborados, o fornecedor de bens e o prestador de serviços estão obrigados:

a) À redação clara e precisa, em caracteres facilmente legíveis, das cláusulas contratuais gerais, incluindo as inseridas em contratos singulares;

b) À não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor».

A perspetiva a adotar na resolução das questões de direito suscitadas, por imperativo constitucional (artigo 60.º da CRP) e comunitário (artigo 38.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e artigo 100.º da Diretiva 2018/1972), pressupõe, portanto, uma especial necessidade de tutela do grupo dos consumidores, que se destaca assim, pelas suas especificidades, em relação ao sujeito universal de direito enquanto categoria abstrata.

Trata-se, de certa forma, de uma “inferioridade situacional” dos consumidores, quando colocados perante empresas fornecedoras de bens e serviços essenciais para a sua vida quotidiana (pessoal, profissional e social), pois estas gozam da prerrogativa de impor unilateralmente as condições dos contratos que celebram, cabendo aos aderentes, a aceitação, em bloco, de todas as cláusulas sem discussão, tendo como única alternativa a rejeição do contrato, não beneficiando, em consequência, daquele bem ou serviço. Neste contexto de desigualdade, a capacidade reivindicativa dos consumidores é muito baixa, sendo percecionada pelos cidadãos como um esforço inútil.


7.  O conteúdo das cláusulas contratuais impugnadas é o seguinte:

Nos termos das “Condições Gerais” do “Contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço Móvel”, na descrição do “SERVIÇO DE ACESSO À INTERNET MÓVEL”:

“a) Após a ativação do serviço o cliente poderá usufruir de todas as funcionalidades do mesmo, as quais se encontram descritas em www.vodafone.pt bem como no tarifário subscrito pelo Cliente, o qual faz parte integrante do respetivo contrato.”.


A Cláusula 2ª, al. d), do ponto C. das Condições Gerais do Contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço Móvel, relativa à descrição do “Serviço de Acesso à Internet Móvel”, dispõe que: “O serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como por exemplo a Opção Extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a Wi-Fi nos hotspots da Vodafone Portugal. Para mais informações sobre serviços adicionais consulte www.vodafone.pt ou ligue para o Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)”. sublinhado nosso


Nos termos das “Condições pré-contratuais” enviadas ao Autor BB (facto provado n.º 35), resulta expresso que o “tarifário Red” “Inclui 5000min/SMS na rede móvel Vodafone e 2000min/SMS nas outras redes nacionais e em roaming na União Europeia. Após o limite, aplica-se uma tarifa de € 0,12 por min/SMS. Não inclui MMs, videochamada, chamadas para números especiais e apoio a Clientes ou outros serviços. Após esgotar o pacote de dados incluído, válido em Portugal e em roamig na União Europeia, é ativado um pacote de 200MB por € 2,99. Benefícios: Ativação (€ 60), Portabilidade (€ 20, se aplicável) e desconto mensal de € 12,50 durante 24 meses”.


8. Resulta do conteúdo da cláusula 2.ª d) que o consumidor que subscreve o pacote designado por tarifário Red, após esgotar o limite de dados móveis de internet, aceita automaticamente, de forma presumida ou por defeito, a ativação pela Vodafone de um pacote extra, independentemente de um consentimento expresso contemporâneo da data da ativação do serviço, sem especificação dos serviços em causa e sem indicação do seu preço. A remissão para o sítio da internet da Vodafone ou a indicação nas condições pré-contratuais enviadas ao autor BB de que os serviços de dados móveis extra incluem um “pacote de 200 MB” por € 2,99” – facto 35 –  (sem que tais elementos constem, de forma visível, do texto do contrato assinado pelo aderente) não se podem considerar suficientes para que o aderente tenha consciência do momento em que passa a usar os serviços extra, quais são estes serviços e o seu preço, bem como o impacto terão no aumento de valor do tarifário.

O sentido da cláusula 2.ª al. d) é incompleto e vago, não contém de forma clara e inequívoca todos os elementos necessários para uma cabal compreensão do que está em causa.

A remissão para outros documentos para mais informações não garante que o aderente tenha efetivamente conhecimento de elementos essenciais do contrato como é dever da empresa predisponente. Daí que não estejamos perante uma aceitação consciente suscetível de demonstrar consenso entre as partes e de integrar um acordo vinculativo. O dever das empresas predisponentes é o de fornecerem, por escrito, um resumo do contrato, em linguagem clara, simples e facilmente percetível para os cidadãos comuns, onde se chama a atenção para as cláusulas que contêm riscos de prejudicar o cliente e de frustrar as suas expetativas em relação ao contrato que celebrou. Nos termos do artigo 102.º, n.º 3, da Diretiva 2018/1972, os fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público fornecem aos consumidores um resumo do contrato, conciso e facilmente legível. Esse resumo identifica os principais elementos dos requisitos de informação, que devem incluir no mínimo: “ a) O nome, endereço e os dados de contacto do fornecedor e, se diferentes, os dados de contacto para eventuais reclamações; b) As principais características de cada serviço prestado; c) Os respetivos preços de ativação do serviço de comunicações eletrónicas e de quaisquer encargos recorrentes ou associados ao consumo, se o serviço for prestado contra uma prestação pecuniária direta; d) A duração do contrato e as condições de renovação e cessação; e) A medida em que os produtos e serviços são concebidos para os utilizadores finais com deficiência; f) No que respeita aos serviços de acesso à Internet, um resumo das informações necessárias nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alíneas d) e e) do Regulamento (UE) 2015/2120”. 

Os fornecedores de serviços sujeitos a estas obrigações preenchem devidamente o contrato modelo resumido com as informações necessárias e devem facultar o contrato-modelo resumido gratuitamente aos consumidores antes da celebração do contrato, incluindo os contratos à distância. Se, por razões técnicas objetivas, for impossível facultar o resumo do contrato nesse momento, este deve ser facultado posteriormente, sem demora injustificada, e o contrato entra em vigor quando o consumidor tiver confirmado o seu acordo após a receção do resumo do contrato.

No Anexo VIII da Diretiva, para onde remete o n.º 1 do artigo 102.º, afirma-se o seguinte, para o que aqui releva, a propósito dos requisitos da informação a prestar pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas quanto aos preços e tarifários dos pacotes:

«2) No quadro das informações sobre preços, se e na medida em que tal seja aplicável, os respetivos preços de ativação do serviço de comunicações eletrónicas e de quaisquer encargos recorrentes ou associados ao consumo:

i) os dados do plano ou dos planos tarifários específicos ao abrigo do contrato e, para cada um destes planos tarifários, os tipos de serviços oferecidos, nomeadamente, quando aplicável, os volumes de comunicações (como MB, minutos, mensagens) incluídos por período de faturação e o preço das unidades de comunicação suplementares»;

ii) no caso de um plano ou de planos tarifários com um volume de comunicações pré-definido, a possibilidade de os consumidores diferirem o volume não utilizado do período de faturação anterior para o período de faturação seguinte, se esta opção estiver incluída no contrato;

iii) os mecanismos para salvaguardar a transparência da faturação e controlar o nível de consumo;

iv) informações sobre as tarifas aplicáveis no que se refere a qualquer número ou serviço sujeito a condições tarifárias especiais, relativamente a determinadas categorias de serviços, as autoridades competentes em coordenação, se for caso disso, com as autoridades reguladoras nacionais, podem exigir ainda que essas informações sejam prestadas imediatamente antes de a chamada ser efetuada ou de ser estabelecida a ligação ao fornecedor do serviço;

 v) para serviços integrados e pacotes que incluam serviços e equipamento terminal, o preço dos diferentes elementos do pacote, na medida em que forem comercializados em separado;

 vi) dados e condições, incluindo taxas, de eventuais serviços pós-venda, de manutenção, e de apoio ao cliente, e,

vii) os meios através dos quais podem ser obtidas informações atualizadas sobre as tarifas e as taxas de manutenção aplicáveis».

 

É pertinente, pois, a questão colocada pelos autores sobre a validade do consentimento presumido ou tácito dos consumidores-aderentes para os pagamentos adicionais, no contexto de contratos de adesão de fornecimento de serviços de telecomunicações e internet redigidos por empresas que predispõem unilateralmente, e sem negociação prévia, as cláusulas contratuais gerais desses contratos.

É que, sendo a internet um bem essencial e de utilização frequente, para satisfazer necessidades várias dos consumidores, pode envolver o risco de excesso de utilização, sem consciência clara dos preços dos serviços e do aumento da prestação mensal em virtude dos serviços adicionais.

Uma remissão para o lugar da internet da Vodafone para mais informações (facto provado n.º 27) e um consentimento genérico e presumido, meramente formal, prestado no momento da adesão ao pacote, normalmente com informações sumárias prestadas ao telefone e sem fornecimento prévio do texto escrito do contrato, para reflexão, não são suficientes para permitir aos consumidores uma escolha consciente e para a obtenção de uma vontade esclarecida. É que, como se tem entendido na doutrina e na jurisprudência, «não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal» (cfr. Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2.ª edição revista e aumentada, Almedina, Coimbra, 2001, p. 242; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-11-2020, proferido no proc. n.º 8963/16.8T8ALM-B.L1.S1 e demais jurisprudência nele citada).

No caso vertente, a situação lesiva da autonomia privada dos consumidores surge particularmente agravada, porque o autor BB, expressamente recusou, e de forma reiterada, a ativação dos serviços extra

É certo que ficou provado que a Vodafone informou não ter possibilidade de barrar o consumo de dados quando os 6.5 GB se encontram esgotados (facto n.º 11). Todavia, “informar” não é o mesmo que demonstrar a impossibilidade técnica de barramento automático, como cabia à Vodafone provar neste processo, por se tratar de um facto do seu domínio exclusivo de especialidade técnica. Assim, a circunstância de não se ter provado que a ré podia barrar automaticamente os serviços adicionais (facto não provado h)), perde o relevo probatório que lhe atribuiu a ré Vodafone, tanto mais que é do conhecimento comum que outras empresas que atuam no mercado não ativam serviços adicionais, sem questionar previamente o consumidor e sem obter a sua adesão expressa e específica (permitindo a resposta negativa), em momento contemporâneo da ativação, para cada fração de 1,99 euros. Pelo que a ré tinha meios para evitar esta cobrança adicional contra a vontade do cliente.

A Vodafone prevê, para que os consumidores controlem o consumo de dados, uma notificação sempre que o cliente atinge um consumo de 80% ou de 100% (factos n.º 33 e 48), para lhe permitir desligar os dados móveis caso não pretenda assumir gastos acrescidos.

Mas estes meios, para além de não serem claros na situação mais comum de o aderente não ter sequer consciência que vai pagar serviços extra, não substituem o livre exercício da vontade de decidir ou não contratar, que é, à partida, negado aos consumidores, uma vez que se ficciona, por defeito, a sua aceitação em relação aos serviços adicionais, que não têm a possibilidade de recusar. A própria Ré assume que o barramento do serviço tinha que partir da iniciativa do cliente logo que atingisse o máximo do limite de dados acordado.

Não nos podemos esquecer que a maior parte das famílias em Portugal vive com poucos rendimentos e que as despesas com os bens e serviços que utiliza devem poder ser previstas com antecedência e com segurança, na medida em que oscilações para cima no pagamento da prestação mensal do pacote, em virtude da ativação de serviços adicionais, é suscetível de afetar outras necessidades.

O nível cultural da população portuguesa situa-se também abaixo da média europeia, circunstância que reforça os deveres das empresas fornecedoras do serviço de telecomunicações e internet, não só no cabal esclarecimento dos serviços que não estão incluídos no pacote e que terão ser pagos à parte (questão não suscitada no presente processo, mas que contribui também para o aumento substancial das prestações mensais), mas também, para o que aqui releva, na ativação automática de serviços adicionais.

Acresce que, mesmo que estejamos perante famílias com rendimentos acima da média e com nível cultural elevado, a pressão do quotidiano e o stress laboral impedem os cidadãos, por falta de tempo, de atentar no conteúdo destes contratos e nos pormenores das cláusulas. Até porque sabem de antemão ser infrutífera qualquer tentativa de negociação ou de alteração destes contratos, pré-redigidos, de forma unilateral e em massa, pela empresa fornecedora dos serviços, normalmente celebrados à distância através de representantes das empresas, sem preparação técnica suficiente para esclarecerem dúvidas sobre as condições do contrato e que ganham comissões por cada cliente angariado.

Em virtude desta forma de contratar e dos contextos em que ocorrem as contratações, tudo em vantagem da empresa fornecedora do serviço que assim incrementa os seus lucros, os representantes da empresa não chamam a atenção, como esta tem a obrigação de garantir que façam, para a existência de cláusulas potencialmente prejudiciais aos interesses dos consumidores e que normalmente passam despercebidas.

A Ré tem aplicado os efeitos da cláusula 2.º alínea d) do “Contrato de Adesão ao Serviço Fixo e/ou Serviço Móvel”, no sentido que os Autores estabeleceram um contrato em que ficaram obrigados obrigada a aceitar o fornecimento de um conjunto de serviços adicionais, nomeadamente o pacote de dados extra de 200MB por 2,99 Euros, que é ativado de forma automática após o consumo de GB incluído nos respetivos tarifários e que não é possível barrar/inibir os mesmos.

Ora, no caso vertente não pode entender-se ter sido prestado o consentimento expresso do consumidor para o pagamento adicional à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual principal, pois que o contrato de adesão não estabelece, de forma clara e completa, as caraterísticas do serviço e o seu preço, bem como a sua ativação automática após o consumo de GB incluído nos respetivos tarifários.

Em nenhum momento foi dada a possibilidade aos Autores de optarem pela inclusão ou não desses serviços adicionais, pelo contrário, tal opção foi-lhes frontalmente retirada (cf. factos provados 8, 9 e 10).

Para garantia da autonomia privada dos consumidores, os serviços adicionais devem ser meramente facultativos e disponibilizados apenas a pedido do cliente e nunca impostos por ativação automática pela empresa fornecedora.

 O respeito pela autodeterminação dos consumidores exige que, para cada serviço extra ativado, seja permitido ao cliente aceitar ou rejeitar o serviço no momento contemporâneo da ativação, não sendo suficiente para a observância das exigências legais um consentimento genérico e antecipado, sem a identificação dos serviços extra e do seu valor, de forma clara e completa, e sem a possibilidade de os recusar.   

Provou-se que só é possível celebrar o contrato RED, se o consumidor ficar obrigado a aderir a um serviço adicional de dados que é ativado automaticamente quando se esgota o pacote de 6.5GB, mesmo que o consumidor não pretenda essa ativação e que não seja essa a sua vontade declarada. Mais ainda, se o consumidor afirmou expressamente não pretender esses serviços extra.

 

9. Ao prestador de serviços é vedado, por lei, nos termos do artigo 9.º, n.º 6, da Lei de Defesa do Consumidor e do artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU, fazer depender o fornecimento de um bem ou prestação de um serviço da aquisição ou prestação de outro ou outros serviços.

Dada a obrigatoriedade de aceitação da ativação automática de serviços adicionais e de pagamentos adicionais, sem estarem preenchidos os requisitos de consentimento expresso impostos pela lei, estamos, pois, perante uma modalidade de “venda obrigatória”, proibida por lei e ofensiva da boa fé e da autonomia privada.

As cláusulas que seguem o modelo da cláusula 2.ª al. d) violam o artigo 9.º - A, n.ºs 1, 2 e 3, da Lei n.º 24/96, por imporem serviços adicionais e pagamentos adicionais (que acrescem à contraprestação acordada relativamente à obrigação contratual principal do fornecedor do serviço), independentemente de consentimento expresso do cliente;  por não ter sido observada uma comunicação clara e compreensível ao consumidor da espécie de serviços e do seu preço, nem da ativação automática; por não ter sido dada aos consumidores a possibilidade de optar pela não inclusão desses serviços adicionais; por não se verificar um acordo explícito entre a empresa fornecedora e o cliente, na medida em que a obrigação de pagamento adicional resulta de opções estabelecidas por defeito e de serviços que não podem ser recusados pelo cliente para evitar o pagamento adicional.

Nos termos do n.º 4 do artigo 9.º, o consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido.

Qualquer convenção ou disposição contratual que exclua ou restrinja os direitos atribuídos pela Lei n.º 24/96, de 31-07, como é o caso da venda obrigatória de bens ou de serviços, é nula, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, da citada lei, podendo os consumidores optar pela manutenção do contrato, nos termos do n.º 3 do preceito em causa.


10. A cláusula 2.ª al. d) deve também considerar-se uma cláusula contrária à boa fé, segundo o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10.

Questiona-se o sentido do conceito de boa fé, neste contexto legislativo das cláusulas contratuais gerais abusivas, pela sua natureza indeterminada, que carece de preenchimento valorativo, suscetível, pois, de levantar dificuldades aplicativas.

Todavia, o legislador forneceu no artigo 16.º do DL n.º 446/85, de 25-10, na redação  do DL n.º 220/95, de 31/08, diretrizes de concretização, afirmando que  «Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado».

Estes dois desenvolvimentos concretizadores do conceito de boa fé – a tutela da confiança e a efetivação do objetivo negocial – remetem para parâmetros que correspondem ao seu sentido jurisprudencial corrente ajustado à especificidade dos contratos de adesão.

Todavia, o conceito de boa fé como critério de validade das cláusulas contratuais gerais, como afirma Joaquim de Sousa Ribeiro (“A boa fé como norma de validade”, ob. cit., 2007, p. 268), surge como “(…) externo ao contrato e à relação concreta estabelecida entre as partes, sendo constituído pelos padrões objectivos de uma justa conformação de interesses. As proibições de conteúdo são proibições de fixar, em contratos de adesão, estipulações que se desviem desses padrões, com prejuízo significativo para o aderente. Por isso, a boa fé enquanto base normativa do controlo do conteúdo, é fonte de limitações à liberdade contratual, por isso ela serve aqui de instrumento a um valor directamente conflituante com o da autonomia privada”.

Prossegue o autor (ibidem, p. 270), afirmando que a boa fé como controlo do conteúdo dos contratos, para além de ser concretizada pelos critérios gerais fixados no artigo 16.º, é objeto de tipificações legais exemplificativas do seu alcance que dão corpo a regras de proibição com uma previsão especificada, como sucede nos artigos 18.º, 19.º, 21.º e 22.º do DL n.º 446/85. O que está em causa, como defende Sousa Ribeiro (ibidem, p. 270), “(…) é uma certa disciplina contratual que, em desvio ao regime comum, atribui um poder inusitado ao utilizador, no exercício do qual pode defraudar a confiança do aderente em certos efeitos contratuais”. Este contexto negocial específico exige ao julgador um papel corretor e constitutivo da justiça contratual. Segundo o citado Autor (ibidem, p. 270), “Basta o teor da estipulação e os riscos que ela coenvolve para os interesses do aderente para justificar a proibição, não sendo necessária a prova de que foi efetivamente defraudada a sua confiança legítima”.

O desequilíbrio de interesses constitui um critério concretizador da boa fé, enquanto norma de validade, que está expressamente consagrado na lei alemã das cláusulas contratuais gerais, pioneira no direito europeu, e que serviu de inspiração ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais do direito português tal como consagrado no Decreto-Lei n.º 446/85.

A lei portuguesa contém, em lugares paralelos, preceitos de onde decorre o particular cuidado em relação a cláusulas que provoquem desequilíbrios de interesses contra o consumidor-aderente, existindo base legal para integrar este critério objetivo na noção de boa fé para o efeito do artigo 15.º do DL n.º 446/85. É o caso da alínea b) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 24/1996, que consagra que as empresas predisponentes estão obrigadas em relação aos consumidores «À não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor». Nesta norma a boa fé aparece expressamente relacionada com a proibição de introduzir no contrato cláusulas excessivamente desequilibradas, em prejuízo do consumidor.

O princípio geral de proibição de cláusulas contrárias à boa fé previsto no artigo 15.º, desdobra-se, assim, num duplo critério de valoração, podendo a sua inobservância manifestar-se de duas formas, como esclarece Sousa Ribeiro (ibidem, pp. 273-274):

“Uma delas traduz-se na violação de expectativas geradas pelo processo de relacionamento e pelos efeitos práticos normais do tipo contratual escolhido”, onde se encontra por exemplo “alguma estipulação com influência restritiva certa na prestação a que tem direito ou turbadora da sua relação com o preço” (itálico nosso), cláusulas que são designadas pela doutrina norte americana como invisible terms, porque subvertem os termos que o aceitante inferiu dos visible terms.

A segunda vertente da boa fé incluída no artigo 15.º refere-se ao controlo do conteúdo do contrato no que diz respeito ao desequilíbrio significativo de interesses, em desfavor do consumidor, o que implica a proibição de cláusulas com efeito potencialmente lesivo de interesses substanciais dos aderentes-consumidores.

A cláusula em litígio contraria as duas vertentes da boa fé – a tutela da confiança e a proibição do desequilíbrio significativo de interesses – porque introduzida num pacote de serviços com um preço, a troco de uma prestação principal, a que acrescem custos adicionais atípicos como contrapartida de serviços extra ativados automaticamente, sem que o consumidor tenha a possibilidade de recusar tais serviços. Esta cláusula envolve riscos para os interesses económicos do aderente, desrespeita a autodeterminação e as expetativas deste e provoca, ainda, um desequilíbrio contratual significativo traduzido na circunstância de a ré, onerando os consumidores com custos adicionais com os quais estes não contam no seu orçamento familiar, obter um incremento injustificado nas suas margens de lucro.

Assim, da aplicação conjunta dos artigos 15.º e 16.º do citado diploma, conjugados com a al. d) do artigo 19.º (cláusulas relativamente proibidas), que proíbe cláusulas que impõem ficções de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes, e com a alínea b) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei 24/96, resulta que a cláusula contratual geral em crise nestes autos (Cláusula 2.ª d)) é uma cláusula que contraria a boa fé e proibida pela lei.

Pelo que, padece de nulidade, nos termos do artigo 12.º do diploma em causa, podendo o aderente optar pela manutenção do contrato nos termos do artigo 13.º, sem a citada cláusula, com a obrigação de a empresa fornecedora reembolsar os aderentes dos valores por estes pagos a título de pagamentos adicionais resultantes da ativação automática de serviços extra, sem a autorização expressa do aderente.


11. Consideramos também que a prática aqui descrita, acompanhada da impossibilidade de contratar o serviço principal sem a cláusula de ativação automática, constitui um entrave oneroso ou desproporcionado para o cliente, a quem é imposto um serviço mesmo contra a sua vontade declarada, podendo configurar uma prática comercial desleal para com os consumidores, proibida por lei, nos termos conjugados do artigo 11.º, al. d) e 12.º al. f), do Decreto-Lei n.º 57/2008 de 26 de março, interpretado à luz da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11-05-2005. Esta diretiva veda um fenómeno designado por “coercive tie selling”, que é considerado uma prática comercial agressiva e proibida pelo artigo 9.º, al. d) da Diretiva e pelo ponto 29 do Anexo I, que considera uma prática comercial desleal em quaisquer circunstâncias, «Exigir o pagamento imediato ou diferido ou a devolução ou a guarda de produtos fornecidos pelo profissional que o consumidor não tinha solicitado (…)”.

O TJUE, no Acórdão (Segunda Secção), Processo C-55/17 de 13-09-2018, EU:C:2018:710, n.º 45, com incidência na problemática dos direitos dos consumidores de serviços de telecomunicações, que envolvia a empresa Vodafone italiana, definiu no seu dispositivo o conceito de «fornecimento não solicitado», na aceção do anexo I, ponto 29, da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005.

O TJUE chamado a pronunciar-se sobre o conceito de «práticas comerciais agressivas», que decorre dos artigos 8.º e 9.º da Diretiva 2005/29, e sobre o conceito de «fornecimento não solicitado», na aceção do anexo I, ponto 29, da mesma diretiva,  entendeu que o conceito de “fornecimento não solicitado” «(…) abrange comportamentos (…) que consistem na comercialização por parte de um operador de telecomunicações de cartões SIM (Subscriber Identity Module, módulo de identificação do subscritor), nos quais foram pré-instalados e previamente ativados determinados serviços, tais como a navegação na Internet e o correio de voz, sem ter prévia e adequadamente informado o consumidor desta pré-instalação e ativação prévia, nem dos custos desses serviços».

 Constitui assim um «fornecimento não solicitado», na aceção desse ponto 29, um comportamento do profissional que consiste em exigir ao consumidor o pagamento de um produto ou de um serviço, que foi prestado a esse consumidor, sem que este último o tenha solicitado.

Com efeito, trata-se de uma formulação que permite abranger a situação do caso dos autos, relativa aos pagamentos adicionais cobrados por serviços extra não solicitados (e não expressamente consentidos), pelo que consideramos que, neste sentido, estamos perante uma prática comercial agressiva no plano objetivo, uma vez que os factos são insuficientes para determinar o grau de culpa da ré, embora a Lei n.º 57/2008, de 26-03 preveja a ordenação, por autoridade administrativa, de medidas cautelares contra práticas comerciais desleais iminentes independentemente de culpa ou da prova da ocorrência de um prejuízo real (artigo 20.º, n.º 2).

Todavia, uma vez que, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março, estes contratos são meramente anuláveis a pedido do consumidor, e, como vimos, estas cláusulas são nulas por violação de outros preceitos legais constantes da Lei n.º 24/96 e do Decreto-lei n.º 446/85, sendo o regime da nulidade mais favorável aos consumidores, não existe utilidade prática em tratar a questão nesta sede.

 

12. Em consequência, declara-se a nulidade das cláusulas contratuais gerais impugnadas, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96 e do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 446/85, devendo a Ré Vodafone restituir aos consumidores-aderentes os pagamentos adicionais cobrados pelos serviços extra não expressamente solicitados ou acordados, podendo os consumidores optar pela manutenção do contrato, sem a cláusula de ativação automática dos serviços adicionais, ou pela nulidade de todo o contrato por ser contrário à lei (artigo 280.º do Código Civil).


13. Assim, reconhecemos, nos termos peticionados, a todos os Autores populares, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora Autores, o direito a não pagarem os serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constituam cumprimento de contrato válido, que se desdobra nos seguintes direitos:

 i) o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações;

ii) o direito a não pagarem por esses serviços quando não os tenham solicitado e/ou quando os tenham expressamente recusado;

iii) o direito a que as operadores de serviços de telecomunicações móveis (como a Ré) não possam deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor consentiu na prestação dos serviços adicionais de telecomunicações, por falta de recusa expressa dos mesmos;

iiii) o direito a que não possam estas empresas ativar por defeito e automaticamente tais serviços extras.


14. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

I – Os contratos de adesão caraterizam-se pela predisposição unilateral e pela generalidade, cabendo apenas a uma das partes a sua pré-elaboração, sem prévia negociação com a outra, e destinam-se a ser subscritos por uma multiplicidade de contraentes potenciais.

II – Nos termos do artigo 9.º - A, n.º 2 e n.º 3, da Lei n.º 24/96, de 31-07, a obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a aceitação pelo consumidor quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais; nos casos em que a obrigação de pagamento adicional resultar de opções estabelecidas por defeito que tivessem de ser recusadas para evitar o pagamento adicional (ou que nem admitem a possibilidade de recusa), o consumidor tem direito à restituição do referido pagamento.

III - Uma remissão para o lugar da internet da Vodafone para mais informações (facto provado n.º 27) e um consentimento genérico e presumido, meramente formal, prestado no momento da adesão ao pacote, normalmente com informações sumárias prestadas ao telefone e sem fornecimento prévio do texto escrito do contrato, para reflexão, não são suficientes para permitir aos consumidores uma escolha consciente e para a obtenção de uma vontade esclarecida.

IV – Não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efetivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal.

V – O dever das empresas predisponentes é o de fornecerem, por escrito, um resumo do contrato, em linguagem clara, simples e facilmente percetível para os cidadãos comuns, onde se chama a atenção para as cláusulas que contêm riscos de prejudicar o cliente e de frustrar as suas expetativas.

VI – O conceito de boa fé como critério de validade das cláusulas contratuais gerais (artigo 15.º do Decreto-lei n.º 446/85, de 25-10) surge como externo ao contrato e à relação concreta estabelecida entre as partes, sendo fonte de limitação à liberdade contratual

VII – A boa fé concretiza-se pelos critérios gerais fixados no artigo 16.º do citado diploma – a tutela da expetativa do aderente e o objetivo do contrato – e é objeto de tipificações legais exemplificativas do seu alcance que dão corpo a regras de proibição de conteúdo contratual (artigos 18.º, 19.º, 21.º e 22.º do DL n.º 446/85), como contrapartida de um regime jurídico que atribui um poder inusitado ao predisponente de cláusulas contratuais gerais, contexto negocial que exige ao julgador um papel corretor e constitutivo da justiça contratual. 

VIII – A Cláusula em litígio das Condições Gerais do contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço móvel relativa à descrição do “Serviço de Acesso à Internet Móvel” dispõe o seguinte: “O serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como por exemplo a Opção Extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a Wi-Fi nos hotspots da Vodafone Portugal. Para mais informações sobre serviços adicionais consulte www.vodafone.pt ou ligue para o Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)”.

IX – A citada cláusula contraria as duas vertentes da boa fé – a tutela da confiança e a proibição do desequilíbrio significativo de interesses – porque introduzida num pacote de serviços com um preço, a troco de uma prestação principal, a que acrescem custos adicionais atípicos como contrapartida de serviços extra ativados automaticamente, sem que o consumidor tenha a possibilidade de recusar tais serviços.

X – Esta cláusula envolve riscos para os interesses económicos do aderente, desrespeita a autodeterminação e as expetativas deste e provoca, ainda, um desequilíbrio contratual significativo traduzido na circunstância de a ré, onerando os consumidores com custos adicionais com os quais estes não contam no seu orçamento familiar, obter um incremento injustificado nas suas margens de lucro.

XI – Assim, da aplicação conjunta dos artigos 15.º e 16.º do citado diploma, conjugados com a al. d) do artigo 19.º (cláusulas relativamente proibidas), que proíbe cláusulas que impõem ficções de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes, e com a alínea b) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei 24/96, resulta que a cláusula contratual geral em crise nestes autos é uma cláusula que contraria a boa fé e proibida pela lei.


III – Decisão

Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se a decisão recorrida, condenando-se a Ré Vodafone, S.A., à restituição, aos autores populares, dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados, em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados.

Custas pela recorrida.

Custas do incidente de intervenção de terceiro pela recorrida.

Custas do incidente de junção de documentos pelos recorrentes.


Supremo Tribunal de Justiça, 2 de fevereiro de 2022


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Fernando Samões (2.º Adjunto)

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[1] “sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal” [cf. artigo 267.º (b) § 3 do TFUE].