Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLINDO GERALDES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ACIDENTE DE VIAÇÃO DIREITO DE REGRESSO CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL NEXO DE CAUSALIDADE PRESCRIÇÃO INÍCIO DA PRESCRIÇÃO CUMPRIMENTO PAGAMENTO PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES ÓNUS DA PROVA SEGURO AUTOMÓVEL IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO FUNDAMENTAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 07/14/2016 | ||
Nº Único do Processo: | |||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ) / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES. DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO. | ||
Doutrina: | - ADRIANO G. SOARES e MARIA JOSÉ RANGEL DE LIMA, Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, 2008, 239. - DÁRIO M. DE ALMEIDA, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª edição, 1980, 277. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 323.º, N.º 1, 334.º, 342.º, N.º 1, 498.º, N.º2, 762.º, N.º 1, E 763.º, N.º 1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 640.º, N.º2, AL. A), 662.º, N.º1. D.L. N.º 522/85, DE 31-12: - ARTIGO 19.º, AL. C). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 4 DE NOVEMBRO DE 2010 (PROCESSO N.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1), 7 DE ABRIL DE 2011 (PROCESSO N.º 329/06.4TBAGN.C1.S1), AMBOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT, 12 DE ABRIL DE 2016 (PROCESSO N.º 299/12.0TBEVR.E1.S1) E 19 DE MAIO DE 2016 (PROCESSO N.º 645/12.6TVLSB.L1.S1). * ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, DE 28 DE MAIO DE 2002, (DIÁRIO DA REPÚBLICA, 1.ª SÉRIE, DE 18 DE JULHO DE 2002). | ||
Sumário : | I - Resultando do acórdão recorrido que, após reapreciação, a prova produzida não impunha decisão diversa, nomeadamente no sentido indicado pelo recorrente, não podia deixar de se concluir pela inexistência de fundamentação válida para a modificação da decisão relativa à matéria de facto. II - O prazo da prescrição, para o exercício do direito de regresso, nos termos do disposto no art. 498.º, n.º 2, do CC, começa a correr a partir do pagamento da indemnização ou, sendo parcelar, a partir da última prestação, por correspondência ao momento do cumprimento da obrigação de indemnizar. III - Provando-se, efetivamente, o nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e o acidente, assim como a satisfação da indemnização por parte da seguradora, assiste a esta o direito de regresso contra o condutor, consagrado na al. c) do art. 19.º do DL n.º 522/85, de 31-12. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA, Companhia de Seguros, S.A., instaurou, em 18 de setembro de 2012, no então 3.º Juízo da Comarca de Abrantes, contra BB, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que o Réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 449 821,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal. Para tanto, alegou, em síntese, que em resultado do acidente de viação, ocorrido em 14 de dezembro de 2002, pelas 6.30 horas, no acesso à A-23, pela E.N. 358, Mouriscas, Abrantes, Santarém, em que intervieram os veículos de matrícula ...-...-RM, conduzido pelo R. e seguro na A., e ...-...-RZ, despendeu a quantia de € 449 821,00; no momento do acidente, o R. seguia alcoolizado, com uma taxa de alcoolemia de 0,65 g/l; por isso, tem direito de regresso sobre o R., nos termos do art. 19.º, alínea c), do DL n.º 522/85, de 31 de dezembro. Citado o Réu, este contestou por exceção, invocando a prescrição, por já terem decorrido mais de três anos desde o pagamento até à sua citação, em 29 de setembro de 2012, e por impugnação, alegando que o acidente se deveu, exclusivamente, ao excesso de velocidade, e concluiu pela improcedência da ação. Replicou a A., respondendo que só procedeu ao pagamento integral da indemnização, em 6 de novembro de 2009, para além do R. ter sido notificado pela A., em dezembro de 2011, da sua intenção de obter o reembolso da quantia despendida, e concluindo pela improcedência da exceção de prescrição. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 1 de abril de 2015, a sentença que declarou a prescrição do direito de crédito correspondente ao valor de € 10 268,00 e condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de € 439 554,03, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Inconformado, o R. apelou para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão de 17 de dezembro de 2015, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. De novo inconformado, o Réu recorreu (revista excecional) para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões: a) Na matéria de facto, o Recorrente foi penalizado, por se limitar a “realçar”as passagens dos depoimentos das testemunhas que considerou relevantes, quando nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC, tal é permitido. b) A decisão recorrida põe em causa o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/2002, de 28 de maio (Diário da República, I-A, 18 de junho de 2002), que impõe a realização de uma avaliação concreta, casuística e prudencial de todas as circunstâncias envolventes do acidente. c) No caso em apreço não foi realizada tal avaliação, de modo a determinar em que medida é que o concreto estado de alcoolemia pode ter sido determinante das infrações estradais e erros ou falhas na condução e que decisivamente desencadearam ou contribuíram para o acidente. d) O valor de € 95 000,00, pago ao lesado em 9 de fevereiro de 2007, já se encontrava prescrito, uma vez que já haviam decorrido três anos, em 23 de dezembro de 2011. e) O início do prazo de prescrição deve ser contado desde a data de cada um dos pagamentos, conforme acórdão do STJ de 26 de junho de 2007, processo n.º 07A1523. f) De qualquer modo, o pagamento efetuado ao lesado CC, em 9 de fevereiro de 2007, sempre se encontraria prescrito, um vez que foi o único pagamento efetuado a esse lesado, sendo os restantes efetuados pela A. à Companhia de Seguros DD, nomeadamente o pagamento de 13 de novembro de 2009. g) O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 306.º, n.º 1, 498.º, n.º s 1 e 2, 569.º, todos do CC, 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, e o acórdão de uniformização jurisprudência n.º 6/2002, de 28 de maio. Não foram apresentadas contra-alegações. A Formação a que se refere o art. 672.º, n.º 3, do CPC, por acórdão de 12 de maio de 2016, admitiu a revista, nomeadamente nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, quanto às questões das regras do ónus da prova do nexo de causalidade e da prescrição. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Neste recurso, para além da violação do dever de reapreciação da matéria de facto, está em discussão a prescrição do direito de crédito e o ónus da prova do nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e o acidente de viação. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Pelas instâncias foram dados como provados os seguintes factos: 1. No dia 14 de dezembro de 2002, pelas 06:30 horas, ocorreu um embate, no acesso à A-23, pela E.N. 358 – Mouriscas, Abrantes, Santarém. 2. Intervieram os veículos de matrículas ...-...-RM, conduzido pelo R. e seu proprietário, e ...-...-RZ, conduzido por CC, propriedade de EE. 3. Nas circunstâncias de tempo referidas em 1., encontrava-se em vigor o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice 45.80.1…, relativo ao veículo de matrícula ...-...-RM, celebrado entra a A. e o R. 4. Aquando do embate, o R. seguia na E.N. 358, no sentido Mouriscas-Alvega, e o veículo RZ em sentido contrário. 5. A velocidade máxima permitida no local era de 60 Km/h. 6. No momento do embate, o R. conduzia distraído e a uma velocidade não inferior a 90 km/h. 7. Ao entrar no nó de acesso à A-23, Mouriscas para a E.N. 118-Alvega, ao chegar a uma curva para a esquerda, o R. perdeu o controlo do seu veículo. 8. E entrou em derrapagem, começando a circular na berma do seu lado direito, onde percorreu cerca de 36 metros. 9. De seguida, retomou a faixa de rodagem em que seguia, percorrendo 42 metros até invadir a hemifaixa contrária, passando a circular aí numa extensão de cerca de 22,80 metros. 10. Altura em que colidiu com a lateral direito do seu veículo na frente do veículo de matrícula RZ, que seguia em sentido contrário, dentro da sua hemifaixa de rodagem. 11. Aquando do embate, o R. apresentava uma T.A.S. de 0,65 g/l. 12. Essa T.A.S. diminui a perceção visual e capacidade motora do R. e os seus reflexos. 13. E fez com que conduzisse de forma descuidada e desatenta, não conseguindo controlar o automóvel e levando a que entrasse em despiste. 14. O condutor do veículo RZ sofreu, como consequência do embate descrito em 10.: a) Traumatismo craniano encefálico grave; b) Fratura afundada parietal direita com esquirola; c) Fratura linear parietal esquerda com lâmina de hematoma epidural subjacente; d) Múltiplos focos de contusão cerebral; e) Hemorragia subaracnoideia e intra ventricular; f) Pneumoencefalia; g) Pneumonia hemophilus influenza e pneumococos. 15. O que lhe acarretou 447 dias de doença, até alta clínica, todos eles com ITA. 16. O referido CC foi operado em 14/12/2002, tendo estado sujeito a ventilação mecânica assistida durante 16 dias de pós-operatório. 17. Esteve internado no Serviço de Cirurgia do Hospital de Abrantes até 01/05/2003. 18. Após 01/05/2003, continuou a ser acompanhado no Serviço de Neurocirurgia do Hospital de Santa Maria e no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão. 19. Em consequência do embate referido em 10., CC ficou incapacitado para todo e qualquer trabalho e dependente de terceira pessoa para as suas necessidades do dia-a-dia. 20. Na altura do sinistro, CC auferia a quantia mensal de € 564,80, acrescida de € 77,00, de subsídio de almoço, e de € 141,20 de outros subsídios. 21. Em 22 de dezembro de 2008, a Companhia de Seguros DD apresentou à A. um recibo para pagamento no valor de € 131 388,81, correspondente a dois recibos parcelares de € 48 895,32 e € 82 443,49, discriminados da seguinte forma: a) Custas, preparos e cauções judiciais despendidas no processo de acidente de trabalho: € 3 549,54; b) Deslocações e transporte de sinistrado: € 11 548,48; c) Honorários a entidades coletivas: € 2 669,14; d) Serviços hospitalares: € 26 436,65; e) Farmácias e medicamentos: € 4 691,51; Perdas de salário (ITA/ITP): € 11 323,16; g) Subsídios de elevada IP: € 5 555.36; Consultas médicas: € 4 995,98; i) Pensão: € 56 070,63; Bens de uso pessoal e objetos danificados no sinistro € 4 498,36. 22. Essa quantia foi paga pela A. à Companhia de Seguros DD, em 6 de janeiro de 2009. 23. Em 9 de outubro de 2009, a Companhia de Seguros DD apresentou à A. novo pedido de pagamento, no valor global de € 213 215,22, discriminada da seguinte forma: a) Remição das pensões já pagas: € 2 018,32; b) Consultas médicas: € 79,05; c) Pensões pagas até à data: € 21 592,44; d) Remição das pensões futuras: € 181 525,14. 24. Essa quantia foi paga pela A. à Companhia de Seguros DD, em 13 de novembro de 2009. 25. As referidas quantias € 131 388,81 e € 213 215,22 foram pagas pela Companhia de Seguros DD a CC, em consequência do embate referido em 10. e enquanto seguradora de acidentes de trabalho do mesmo. 26. Para além dessas verbas, a A. pagou ainda diretamente ao referido CC, em 09/02/2007, a quantia de € 95 000,00. 27. Aquando do embate referido em 10., seguia no veículo RM, juntamente com o R., FF. 28. O qual, em consequência do mesmo, sofreu traumatismo toráxico e fratura de dedo da mão direita. 29. Tendo estado internado durante três dias e de baixa médica até 5 de junho de 2003. 30. Em consequência as lesões sofridas, a A. pagou a FF, em 11/12/2003, a quantia de € 10 268,00. 31. Em 23 de dezembro de 2011 a A. requereu a notificação judicial avulsa do R. informando-o da intenção de proceder judicialmente contra o mesmo para ser reembolsada da quantia de € 449 821,00. 32. Essa notificação efetivada na pessoa do réu a 3 de janeiro de 2012. 33. A ação foi instaurada a 18 de setembro de 2012. 34. O R. foi citado para contestar no dia 26 de setembro de 2012. ***** 2.2. Delimitada a matéria de facto, expurgada de redundâncias, importa então conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da questão relativa à matéria de facto, da prescrição do direito de crédito e do ónus da prova do nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e o acidente de viação. O Recorrente impugna, desde logo, o acórdão recorrido, na parte relativa à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, alegando ter sido penalizado, por se limitar a “realçar” as passagens dos depoimentos das testemunhas consideradas relevantes, quando, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil (CPC), tal é permitido. Na apelação, o Recorrente impugnou a decisão relativa à matéria de facto, nomeadamente a agora descrita sob os n.º s 12 e 13, entendendo que o resultado da prova fora negativo, especificando, para o efeito, os depoimentos das testemunhas GG, HH e II, e transcrevendo algumas passagens dos depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento. O acórdão recorrido apreciou tal matéria, desenvolvendo uma série de considerações gerais e particulares, e concluiu, por fim, pela sua improcedência, em resultado “da análise global e integral dos depoimentos testemunhais a que o Recorrente alude, após audição das respetivas gravações, conexionadas com os demais elementos documentais juntos aos autos, que tais elementos probatórios não admitem as pretendidas modificações, pois deles não se pode retirar a conclusão de ter havido erro de julgamento por parte do julgador a quo, erro esse traduzido na desconformidade flagrante entre os elementos probatórios e a decisão (…) reafirmar a fundamentação constante na decisão impugnada”. Deste curto extrato transparece como certo que o tribunal recorrido reapreciou a prova produzida, designadamente os depoimentos especificados pelo Recorrente, acabando, no entanto, por concluir pela improcedência da impugnação da matéria de facto. A reapreciação da matéria de facto, ao contrário do que se alega, não se limitou a referir a salvaguarda do princípio da livre apreciação da prova, pois também afirmou, de uma forma clara, não ter havido erro de julgamento, depois de ouvida a gravação e ponderada ainda a prova documental. O acórdão recorrido, por outro lado, também não desconsiderou a transcrição de parte da gravação dos depoimentos das testemunhas especificadas pelo Recorrente, que o disposto na art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, possibilita. O que o acórdão realçou, pelo que se pode interpretar, foi a alegação insuficiente, nomeadamente quanto à afirmação do erro de julgamento sobre os factos impugnados. Esta observação, pela análise das alegações, é inteiramente compreensível, pois o Recorrente, ao invés de acumular razões demonstrativas do erro de julgamento na matéria de facto, ficou, praticamente, pela simples transcrição parcelar da gravação dos depoimentos das testemunhas especificadas. Resultando do acórdão recorrido que, após reapreciação, a prova produzida não impunha decisão diversa, nomeadamente no sentido indicado pelo Recorrente, não podia deixar de se concluir, como sucedeu, pela inexistência de fundamentação válida para a modificação da decisão de facto (art. 662.º, n.º 1, do CPC). Admite-se, porém, que se justificava uma análise bem mais circunstanciada, com a especificação, designadamente, das razões concretas pelas quais os depoimentos, especificados pelo Recorrente, não relevavam no sentido da modificação da decisão relativa à matéria de facto. De qualquer modo, o acórdão recorrido deixou claro não ter havido erro de julgamento, no processo de formação da convicção do juiz, carecendo de fundamento a pretensão de alteração da matéria de facto, que, como resulta do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, e da jurisprudência há muito firmada, não se cinge apenas à “desconformidade flagrante entre os elementos probatórios e a decisão”. Deste modo, no acórdão recorrido, não se surpreende qualquer violação das regras processuais aplicáveis ao julgamento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, designadamente do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC, improcedendo este fundamento do recurso. O Recorrente volta a insistir, no recurso, na alegação da prescrição, relativamente ao crédito de € 95 000,00, pago pela Recorrida em 9 de fevereiro de 2007, invocando o disposto nos arts. 306.º, n.º 1, e 498.º, n.º 2, ambos do Código Civil (CC). Nesta matéria, as instâncias seguiram o entendimento de que, havendo diversos pagamentos, o prazo de prescrição conta-se a partir da data do último pagamento, razão pela qual concluíram pela improcedência da prescrição. De harmonia com o disposto no art. 498.º, n.º 2, do CC, prescreve no prazo de três anos, “a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis”. Nesta disposição legal estabelece-se uma prescrição especial de curto prazo, “baseada em razões de interesse social, mas visando sobretudo despertar a diligência e zelo dos interessados” (DARIO M. DE ALMEIDA, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª edição, 1980, pág. 277). Sobre o prazo da prescrição, porém, não se levanta qualquer controvérsia nos autos, pois a divergência surge apenas quanto ao início do curso da prescrição (dies a quo), refletida também na própria jurisprudência. A controvérsia deve-se, sobretudo, à circunstância do cumprimento da obrigação, donde advém o direito de regresso, se repartir no tempo através da realização de várias prestações. Como se aludiu, a jurisprudência não tem resolvido a questão de forma uniforme, embora ultimamente se venha acentuando a tendência da prescrição contar a partir do último pagamento, quando a indemnização é satisfeita de forma parcelar. Tal tendência, talvez, se deva ao sentido normativo constante do n.º 6 do art. 54.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto (que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), a propósito do reembolso do Fundo de Garantia Automóvel. Neste âmbito, nomeadamente para o disposto no n.º 2 do art. 498.º do CC, considera-se relevante, “em caso de pagamentos fracionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efetuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”. Embora esta norma se refira, especificamente, ao direito de regresso do Fundo de Garantia Automóvel, justifica-se, de igual modo, a sua aplicação ao exercício do direito de regresso por outros responsáveis, designadamente as seguradoras (ADRIANO G. SOARES e MARIA JOSÉ RANGEL DE LIMA, Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, 2008, pág. 239). A norma inscrita no n.º 2 do art. 498.º do CC é muito clara quanto a afirmar que o prazo da prescrição, para o exercício do direito de regresso, se conta a partir do cumprimento, diferente da situação prevista no n.º 1 do art. 498.º do CC, para o lesado, cujo prazo começa a correr a partir do conhecimento do direito que lhe compete. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, podendo realizar-se por partes, conforme convenção, imposição legal ou os usos – arts. 762.º, n.º 1, e 763.º, n.º 1, ambos do CC. Na obrigação de indemnização, o devedor cumpre a obrigação, quando realiza integralmente a prestação, ou seja, quando paga a indemnização total a que estava adstrito. Neste contexto, o prazo da prescrição, para o exercício do direito de regresso, começa a correr a partir do pagamento da indemnização ou, sendo parcelar, a partir da última prestação, por correspondência ao momento do cumprimento da obrigação de indemnizar. Para além do sentido literal da norma inculcar tal interpretação, também o exercício unitário do direito de regresso a justifica, na medida em que seria pouco, ou nada, razoável que o exercício do direito de regresso tivesse lugar a cada pagamento parcelar. Sendo conveniente o exercício do direito de regresso de uma só vez, designadamente por razões de segurança jurídica, será, pois, a partir do último pagamento parcelar da indemnização, momento do cumprimento da obrigação, que se conta o prazo da prescrição. Poderá admitir-se, todavia, a multiplicação de pagamentos parcelares, com o objetivo de prolongar, artificialmente, o prazo curto da prescrição. Esta situação, porém, constituindo uma clara e notória desconformidade legal, poderá ser acautelada, designadamente, por efeito do instituto do abuso do direito (art. 334.º do CC). No essencial, é neste sentido que o Supremo, mais recentemente, tem vindo a pronunciar-se, nomeadamente nos acórdãos de 4 de novembro de 2010 (processo n.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1), 7 de abril de 2011 (processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.S1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt, 12 de abril de 2016 (processo n.º 299/12.0TBEVR.E1.S1) e 19 de maio de 2016 (processo n.º 645/12.6TVLSB.L1.S1). No caso vertente, a Recorrida pagou diretamente ao lesado a quantia de € 95 000,00, em 9 de fevereiro de 2007, sendo certo que a ação de exercício do direito de regresso foi proposta em 18 de setembro de 2012. Por outro lado, a Recorrida, por efeito do mesmo acidente de viação, pagou à seguradora, designadamente a quantia de € 213 215,22, no dia 13 de novembro de 2009. Neste contexto, levando, desde logo, em consideração esta data, correspondente ao último pagamento feito pelo responsável do acidente de viação, é manifesto que não se mostra preenchido o prazo de três anos da prescrição, relativamente ao direito de crédito sobre a quantia de € 95 000,00. Acresce que a prescrição foi interrompida com a notificação judicial avulsa do Recorrente, em 3 de janeiro de 2012, por parte da Recorrida, que, dessa forma, lhe manifestou a intenção de proceder judicialmente, para o reembolso da quantia de € 449 821,00, onde se incluía a quantia de € 95 000,00. A interrupção da prescrição, promovida pelo titular do direito de crédito, decorre do disposto no art. 323.º, n.º 1, do CC, voltando, então, a correr novo prazo. Este prazo, de forma ainda mais evidente, também não transcorreu. Nestas circunstâncias, conclui-se que a Recorrida exerceu, tempestivamente, na ação, o direito de regresso relativo à indemnização que satisfez por efeito da assunção da responsabilidade civil, resultante de contrato de seguro e emergente do acidente de viação ocorrido em 14 de dezembro de 2002, em que interveio, com culpa, o condutor e proprietário do veículo de matrícula ...-...-RM, segurado da Recorrida, nomeadamente quanto ao pagamento da prestação de € 95 000,00, ocorrido em 9 de fevereiro de 2007, confirmando-se o entendimento sufragado no acórdão recorrido. Assim, não procede a prescrição do direito de crédito sobre a quantia de € 95 000,00. O Recorrente alega ainda não se verificar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente de viação, não tendo a Recorrida o direito de regresso invocado na ação. As instâncias, recorde-se, pronunciaram-se ambas no sentido da prova do nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e o acidente de viação. O direito de regresso alegado assenta no disposto na alínea c) do art. 19.º do DL n.º 522/85, de 31 de dezembro, aplicável à data do acidente de viação. O mesmo direito de regresso continua a manter-se, nomeadamente nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 27.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto. Por acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de maio de 2002, foi fixado que “a alínea c) do artigo 19.º do DL n.º 522/85, de 31 de dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente” (Diário da República, 1.ª Série, de 18 de julho de 2002). Perante a jurisprudência fixada, não basta, para a procedência do direito de regresso contra o condutor, que este, no momento do evento, estivesse sob a influência de taxa de alcoolemia proibida por lei, sendo indispensável também a prova do nexo de causalidade adequada entre a condução sob a influência do álcool e o acidente. A prova desse nexo de causalidade, por sua vez, compete a quem invoca o direito de regresso, nos termos da regra da distribuição do ónus da prova, consagrada no art. 342.º, n.º 1, do CC. No caso sub judice, para além de se ter provado que, aquando do embate, o Recorrente apresentava uma T.A.S. de 0,65 g/l, correspondente a taxa de alcoolémia proibida por lei, provou-se também que tal taxa diminuiu a sua perceção visual, capacidade motora e os reflexos, fazendo com que conduzisse de forma descuidada e desatenta, de modo a não conseguir controlar o veículo automóvel e a entrar em despiste, embatendo violentamente no outro veículo automóvel, que seguia, em sentido contrário, dentro da sua faixa de rodagem. É certo também que o Recorrente conduzia com excesso de velocidade, pois seguia a uma velocidade não inferior a 90 Km/h, quando no local o máximo legal permitido era de 60 Km/h. Todavia, apesar da contra-ordenação estradal, não se provou que tal circunstância tivesse sido causa do acidente, podendo até ser o resultado da condução sob o efeito do álcool. Mas se tal prova não se realizou, não podendo daí retirar-se qualquer efeito jurídico, como pretendido pelo Recorrente, para excluir o direito de regresso alegado, o mesmo já não sucede, como se viu, quanto à prova do nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e o acidente, sendo certo ainda que os autos não evidenciam, nem foi alegada de forma concreta, qualquer violação do processo equitativo, nomeadamente no âmbito da instrução. Provando-se, efetivamente, o nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e o acidente, assim como a satisfação da indemnização por parte da seguradora, assiste a esta o direito de regresso contra o condutor, consagrado na alínea c) do art. 19.º do DL n.º 522/85, de 31 de dezembro. Nesta conformidade, não procedem as conclusões do recurso, confirmando-se inteiramente o acórdão recorrido, o qual observou o direito aplicável, e negando-se a revista. 2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante: I. Resultando do acórdão recorrido que, após reapreciação, a prova produzida não impunha decisão diversa, nomeadamente no sentido indicado pelo recorrente, não podia deixar de se concluir pela inexistência de fundamentação válida para a modificação da decisão relativa á matéria de facto. II. O prazo da prescrição, para o exercício do direito de regresso, nos termos do disposto no art. 498.º, n.º 2, do Código Civil, começa a correr a partir do pagamento da indemnização ou, sendo parcelar, a partir da última prestação, por correspondência ao momento do cumprimento da obrigação de indemnizar. III. Provando-se, efetivamente, o nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e o acidente, assim como a satisfação da indemnização por parte da seguradora, assiste a esta o direito de regresso contra o condutor, consagrado na alínea c) do art. 19.º do DL n.º 522/85, de 31 de dezembro. 2.4. O Recorrente, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC. III – DECISÃO Pelo exposto, decide-se: 1) Negar a revista. 2) Condenar o Recorrente no pagamento das custas. Lisboa, 14 de julho de 2016 Olindo Geraldes (Relator) Pires da Rosa Maria dos Prazeres Beleza |