Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
806/13.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ACÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
DECAIMENTO DA PARTE
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS SUCESSÕES / ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PARTES / LEGITIMIDADE DAS PARTES / LITISCONSSÓRCIO NECESSÁRIO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / EXTENSÃO DO RECURSO AOS NÃO RECORRENTES.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo C.P.C., 2013, 64.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 353.º, N.º2, 2091.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS, 35.º, 634.º, N.ºS 2, AL. A), E 3.
Sumário :
1. Implicando as situações de litsconsórcio necessário que exista uma única acção com pluralidade de sujeitos (art. 35º do CC), esta unidade da acção é manifestamente incompatível com a possibilidade de um dos litisconsortes necessários (activos, no caso) se associar com a parte contrária (neste caso, o R.), praticando actos processuais que, em termos objectivos, só a esta aproveitam (sendo objectivamente desfavoráveis aos interesses – incindíveis - dos demais litisconsortes necessários activos).

2. O vencimento ou decaimento da parte devem ser aferidos segundo um critério material, que tome em consideração o resultado final da acção e a sua projecção na esfera jurídica da parte, e não numa perspectiva formal, em função dos fundamentos ou razões que ditaram a decisão ou da adesão ou não adesão do juiz à posição expressada pela parte sobre a matéria litigiosa.

3. Sendo proferida, em acção de prestação de contas, decisão a condenar o R. a prestá-las ao conjunto dos herdeiros do de cujus, carece de interesse em agir para apelar de tal decisão a herdeira/interveniente litisconsorcial activa, por tal conteúdo decisório não poder ter a menor repercussão negativa na esfera jurídica do interveniente principal activo, independentemente da posição ou entendimento que este expressou no processo acerca da matéria litigiosa.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA, herdeiro e cabeça de casal na herança aberta por óbito de BB, intentou acção de prestação forçada de contas contra CC, alegando ter este incumprido o dever de informar, conforme lhe foi solicitado, sobre o destino dado aos montantes retirados das (duas) contas bancárias na CGD de que o falecido BB era titular, no âmbito da autorização de movimentação por este concedida desde Agosto de 1999, pretendendo a prestação de contas, já que tais movimentações bancárias se destinavam ao pagamento de despesas do de cujus.

O Réu contestou, excepcionando a ilegitimidade do Autor, por o accionar desacompanhado dos restantes herdeiros. Defendeu não se encontrar adstrito a qualquer obrigação de prestar contas, por se encontrar autorizado a movimentar as contas de BB sem qualquer restrição, e não enquanto procurador ou mandatário daquele; e alegou ainda que, até à morte de BB, sempre lhe prestou contas, informando-o das movimentações por si levadas a cabo.

Em resposta, o Autor manteve a posição assumida na petição, deduzindo incidente de intervenção principal provocada dos restantes herdeiros, sendo admitida a intervenção provocada de DD, EE e de FF,

Após citação dos intervenientes, a Interveniente DD declarou não aderir a nenhum dos articulados do Autor e manter a declaração por si subscrita, junta com a contestação do Réu, confirmando a versão por este apresentada nesta peça processual, questionando a existência e subsistência do dever de prestação de contas.

O tribunal a quo convidou o Réu a juntar aos autos as contas prestadas ao de cujus, concedendo para o efeito o prazo de dez dias; e, porque tal documento de prestação de contas ao de cujus não foi junto aos autos, considerou que cumpria apreciar imediatamente, sem necessidade de produção de mais provas, a existência e a subsistência de tal dever do R., afirmando:

Em face da alegação do próprio Requerido, foi confiado a este, por BB, na CGD, o poder de movimentação das contas tituladas, conforme esta instituição confirmou – vide doc. de fls. 8 – o que fez desde 1999 e até, pelo menos, à data do decesso do titular.

Acresce referir que, apesar de alegar na contestação já ter prestado as contas, não comprovou que tenham sido prestadas contas em vida de de cujus, não obstante expressamente notificado para tal.

Conclui-se, por conseguinte, estar o requerido obrigado a prestar contas da administração que levou a cabo em relação às quantias pecuniárias depositadas nos contas supra identificadas, ordenando-se a consequente notificação para, no prazo de 20 dias, prestar as contas, relativas ao período concernente , sob pena de lhe não ser permitido contestar as que os AA apresentem (arts. 1161º/1/d) e 1174º/a) do CC e 942º/5 do NCPC).


2. Inconformada com tal decisão – proferida na primeira fase procedimental do processo especial de prestação de contas, considerando existente e subsistente tal obrigação a cargo do R., como administrador de bens alheios – interpôs recurso per saltum a interveniente DD, tendo o R. apresentado requerimento em que adere inteiramente às alegações apresentadas por aquela interveniente, fazendo sua a actividade processual já exercida, nos termos do disposto no art. 634º, nº3, do CPC.

Na contra alegação apresentada, suscita o A. a questão prévia da falta de interesse em agir da interveniente/recorrente, já que a mesma se não podia configurar como parte vencida, questionando ainda a admissibilidade da interposição de recurso per saltum e a possibilidade de o R. aderir a tal recurso, já que a interveniente assumira – como herdeira – posição paralela à dos restantes AA. , de quem era, afinal, litisconsorte.

Foi proferido despacho que – rejeitando a admissibilidade do recurso per saltum – admitiu a apelação interposta, bem como a adesão ao recurso do R., configurando a interveniente como parte vencida quanto à questão da prestação de contas.


3. Remetidos os autos à Relação, começou o acórdão ora recorrido por fixar a matéria de facto apurada, fazendo-o nos seguintes termos:

- Por escritura de habilitação de herdeiros de 18-07-2012, AA, declarou desempenhar o cargo de cabeça-de-casal relativamente à herança deixada por óbito de BB, falecido a 04-06-2012, mais declarando que o autor da herança “não deixou irmãos nem vivos os seus descendentes, não deixou irmãos, ou seus descendentes, nem tios, nem fez testamento ou qualquer outra disposição de sua última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros três primos: AA (…) DD (…) EE”;

- Com data de 23 de Agosto de 2012, sob o título “DECLARAÇÃO” e subscrita pela gerência da Caixa Geral de Depósitos, Agência de …, elaborada declaração subscrita, consta: “Para efeitos de Habilitação de Herdeiros se declara que as contas ….100, …066 e …920, tituladas pelo cliente falecido BB, têm como autorizado a movimentar sem restrições, o cliente CC, desde 02/08/1999 ”.

- Com a contestação o Réu juntou aos autos documento de fls. 37 a 42, intitulado de “DECLARAÇÃO”, datado de 23 de Novembro de 2012, subscrito por DD, e GG, na qual fazem constar que “(…) que é do seu conhecimento pessoal que (…) pelo menos há cerca de 10 anos o seu primo Dr. BB concedera ao Dr. CC o mais amplo poder de movimentar livremente as suas contas de depósito bancário, na Caixa Geral de Depósitos, sem quaisquer restrições e sem necessidade de prestação de contas (…) Os Declarantes sabem que até ao momento da sua morte o Dr. BB sempre continuou a falar com a Dra. HH e com o Dr. CC. (…) Os Declarantes viram as contas prestadas por escrito do Dr. CC e da Dra. HH, as quais estavam em cima da mesa da sala de jantar do primo no momento da morte e bem sabem que o Primo BB sempre analisou e aprovou as respectivas contas (…).”  


4. Passando, de seguida, a apreciar os aspectos jurídicos do pleito, o acórdão recorrido começou por abordar a questão da ilegitimidade activa, suscitada pela apelante, afirmando nomeadamente:

Na situação sob apreciação, o Autor, desacompanhado dos restantes herdeiros, accionou o Réu. Por forma a garantir a legitimidade plural imposta pelo citado artigo 2091, n.º1, foi deferido o incidente de intervenção dos restantes herdeiros, procedendo-se à citação dos mesmos.

Ainda que a intervenção na lide dos herdeiros pressuponha, por natureza, um interesse associado ao Autor no âmbito da relação controvertida, há que reduzir o incidente à sua única finalidade: enquanto medida processual que viabiliza a indispensabilidade da participação do co-herdeiro no processo, sem o obrigar a demandar contra quem não quer, mas também, por forma a garantir que não seja condicionado o direito fundamental de acção de um dos outros interessados - o Autor co-herdeiro -, sujeitando-o à vontade do outro.

Esta clarificação de posições evidencia que a intervenção provocada dos restantes herdeiros no processo se revela adequada para sanar a ilegitimidade do Autor – cfr. artigo 316.º, n.º1, do Código de Processo Civil (assegurando, com isso, a possibilidade obtenção de decisão capaz de produzir o efeito útil normal) - independentemente da tomada de posição (processualmente viável – artigo 319.º, n.º3, do Código de Processo Civil) por parte de um dos herdeiros chamados (a aqui Recorrente) ao aderir ao posicionamento assumido pelo Réu nos autos, unindo-se ao articulado (contestação) por este apresentado, e que constitui uma manifestação do seu poder de dispor do objecto do litígio (sem coarctar o direito de acção dos restantes interessados).

Nestes termos, ao invés do pugnado pela Recorrente, encontra-se sanada a ilegitimidade inicial do Autor e a continuação da lide não só não consubstancia qualquer violação do princípio do dispositivo, mas garante a efectivação do mesmo sob a perspectiva da liberdade de disposição do objecto do litígio por parte de cada um dos titulares de interesses protegidos, salvaguardando a unidade substancial da relação jurídica subjacente.


Passando, de seguida, à apreciação da questão de mérito, julgou a Relação a apelação procedente, revogando, nesta parte, a decisão recorrida e absolvendo o R. do pedido; considerou o acórdão recorrido:

A obrigação de prestação de contas tem sido entendida, sob a perspectiva da sua estrutura, como obrigação de informação, tendo por finalidade determinar a definição de um saldo, isto é, estabelecer a situação de crédito ou de débito em função do montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas por quem administra bens alheios.

A lei ao consignar a exigibilidade de prestação de contas, por recurso à via judicial, contra o administrador de bens alheios que se recusa a prestá-las (bem como contra aquele que se recusou a aprová-las na sequência da apresentação extrajudicial), pressupõe a existência de uma obrigação de natureza substantiva adstrita a quem, de alguma forma, administre bens ou interesses alheios.

Inexistindo norma legal que, em termos gerais, consigne o dever de prestar contas, extrai-se um princípio geral - quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses - dos normativos que, casuisticamente, impõem essa obrigação (cfr. entre outros, artigos 95.º, 465.º, alínea c), 662.º, 1161.º, alínea d), 1920.º, n.º2, 1944.º, 2002.ºA, 2332.º, todos do Código Civil).

Acresce que essa obrigação pode ainda resultar de negócio jurídico, ou mesmo impor-se em nome do princípio da boa-fé, constituindo entendimento pacífico o facto não ser necessário que essa administração se funde em contrato, pois que a essência da obrigação de prestação de contas radica, em primeira linha, numa só circunstância: a ocorrência de administração de bens alheios, seja qual for a sua fonte.

Independentemente da respectiva fonte, a administração de bens alheios tem por subjacente uma relação jurídica estabelecida entre o titular dos bens administrados e o respectivo administrador. Nessa medida, no âmbito da acção para prestação provocada de contas, o respectivo autor terá de ser o titular dos bens e o réu o administrador dos mesmos.

No caso dos autos, arroga-se o Autor do direito de exigir do Réu a prestação de contas relativamente aos movimentos efectuados nas (três) contas da Caixa Geral de Depósitos de que era titular BB, no uso de uma autorização de movimentação das contas que lhe foi conferida por este, em Agosto de 1999.

Conforme resulta do processo, o referido BB faleceu, tendo-lhe sucedido, como únicos herdeiros, o Autor e os Intervenientes.

Pretende o Autor que as contas a prestar se reportem às movimentações (levantamentos) levadas a cabo pelo Réu no uso de tal autorização, desde Agosto de 1999 até à data do óbito, ocorrido em 4 de Junho de 2012.

A decisão sob apreciação considerou que o Réu se encontrava obrigado a prestar contas dessa administração. Fundamentou tal obrigação à luz do disposto nos artigos 1161.º, n.º1, alínea d), do Código Civil, ou seja, tendo em conta a existência de uma relação de mandato estabelecida entre o Réu e o titular das contas.

E se é certo que, ao invés do defendido pelo Réu, a mera detenção de poderes de movimentação de uma conta bancária, ainda que sem quaisquer restrições, não permite concluir pela existência de um direito próprio por parte do movimentador às quantias depositadas (porquanto, nessa qualidade, assume a posição de um simples mandatário), não pode ser descurado o facto de que o falecimento de BB extinguiu a relação de mandato – cfr. artigo 1174.º, alínea a), do Código Civil.

Considerando que o Réu, ao administrar essas contas, geria bens alheios – porque pertencentes a BB –, não há dúvida de que, relativamente a essa administração, apenas o seu titular poderia exigir a prestação de contas; por si, ou através de representante legal.

Verificando-se que estão em causa as movimentações levadas a cabo em vida de BB (desde Agosto de 199 até ao seu falecimento – Junho de 2012), isto é, durante a vigência da relação de mandato, não pode a herança substituir-se ao então mandante arrogando-se de um direito que não lhe pertence.

Na verdade e na sequência do referido, a actuação do Réu relativamente ao património de BB, no que respeita à movimentação das suas contas bancárias (independentemente de ter sido motivada pela relação de amizade e confiança), assume subsunção na figura do mandato. Nos termos do art.º 1161º, d), do Código Civil, o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir.

Caducado o mandato com o falecimento do mandante, a herança (e, nessa medida, os respectivos herdeiros) carece de qualquer direito de exigir contas pelo exercício de um mandato relativo a um período em que só o mandante o poderia fazer.

Não está, por isso, o Réu obrigado a prestar contas nos termos exigidos pelo Autor no âmbito desta acção.


5. Inconformado, interpôs o A. a presente revista, que encerrou com as seguintes conclusões:

a) O douto acórdão recorrido é nulo por não se ter pronunciado sobre a questão da falta de interesse em recorrer por parte da interveniente e apelante DD, suscitada na contra-alegação da apelação e que, por isso, deveria ter sido objeto de conhecimento na 2ª instância incluindo por força do disposto no artº 652º nº 1 alínea b) do CPC;

b) Tal nulidade,- artsº 615º nº 1 e 666º nº 1 do CPC,- constitui fundamento da presente revista,- artsº 615º nº 4, 666º nº 1 e 674º nº 1 alínea c) do mesmo diploma;

c) Extinguindo-se o mandato por falecimento do mandante, fica o mandatário obrigado a prestar contas só o podendo, naturalmente, fazer à respetiva herança e, nessa medida, aos respetivos herdeiros,- artº 1161º alínea d) do Código Civil;

d) Outro entendimento, nomeadamente, o sustentado no acórdão recorrido, conduziria à desobrigação de qualquer mandatário, fosse qual fosse o objeto do mesmo, de prestar contas do mandato exercido;

e) Considera-se, pois, que a decisão recorrida fez erradas interpretação e aplicação do disposto no artº 1161º alínea d) do Código Civil, a interpretar nos termos ora propugnados impondo-se, em consequência, que seja concedida a presente revista.

Decidindo-se nos termos expostos, e naqueles que V. Exªs doutamente suprirem, será feita a habitual Justiça!

O R. contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Antes da subida do recurso, a Relação proferiu acórdão a julgar insubsistente a nulidade invocada quanto ao acórdão que julgara a apelação.


6. Importa, pois, começar por abordar a questão prévia suscitada pelo recorrente quanto à regularidade procedimental do recurso de apelação, cujo mérito foi apreciado pela Relação no acórdão objecto da presente revista: na verdade – e como é evidente – se proceder a tese do A. no sentido da falta de interesse em agir da interveniente/ apelante, decorrente de a mesma se não poder configurar como parte vencida, estará naturalmente prejudicada a apreciação feita sobre a substância do litígio, determinando a inviabilidade do recurso de apelação a consolidação – o trânsito em julgado - do despacho apelado, que pôs termo à primeira fase do processo de prestação forçada de contas, ao julgar que o demandado estava efectivamente obrigado a prestá-las aos herdeiros do de cujus.

Embora efectivamente o acórdão recorrido se não haja pronunciado, com inteira clareza e de forma aprofundada, sobre esta exacta questão do interesse em agir da recorrente – que se não confunde com a da pretensa ilegitimidade activa do A., apesar da intervenção provocada na lide dos demais herdeiros do de cujus - considera-se que tal tema acabou por ser dirimido, ao menos de forma implícita, ao aderir, no fim de contas, o colectivo que julgou a apelação ao teor do despacho liminar, proferido a fls. 201, pela Exma. relatora, - onde se afirmou explicitamente que o recurso se tem por interposto por quem tem legitimidade, tendo em conta o posicionamento da interveniente, a decisão recorrida constituiu vencimento para a mesma nos termos do nº1 do art. 631º do CPC-  conhecendo do mérito do recurso sem pôr em causa tal entendimento da relatora sobre um essencial pressuposto processual.

Tal entendimento resulta, aliás, confirmado pelo acórdão de fls. 280, em que a Relação se pronunciou sobre a invocada nulidade, tendo-a por insubsistente, por considerar que tal questão encontrava resposta adequada no acórdão proferido sobre a apelação, se devidamente interpretado e conjugado com o teor daquele despacho.


Deste modo – e para evitar maiores delongas – considera-se ultrapassada a questão da referida nulidade por omissão de pronúncia, passando, desde já, a apreciar-se a substância da questão processual em causa, apurando se houve, porventura, erro na aplicação da lei de processo ao considerar a interveniente parte vencida, perante o concreto teor e efeitos do despacho recorrido, que considerou o R. vinculado à obrigação de prestação de contas perante o conjunto dos herdeiros do de cujus.


7. Como decorre da tramitação processual atrás referida, na sequência da decisão da 1ª instância que considerou o R. obrigado a prestar contas da administração de bens do de cujus aos herdeiros/litisconsortes, apenas foi interposto recurso de apelação pela interveniente activa, a co-herdeira DD, tendo posteriormente o R. manifestado a sua adesão ao recurso, pretendendo fazer sua a actividade já exercida pela apelante, nos termos do nº3 do art. 634º do CPC.

As questões adjectivas a dirimir na presente revista –em consequência de tal tramitação processual atípica, em que quem aparece como recorrente originário não é o R. /obrigado à prestação de contas aos herdeiros, mas antes um dos herdeiros/litisconsortes necessários activos naquele processo especial - podem, assim, equacionar-se nos seguintes termos:

- será compatível com a fisionomia do litisconsórcio necessário activo a possibilidade de um dos litisconsortes necessários (um dos vários herdeiros considerados colectivamente como  parte legítima na acção de prestação de contas movida ao R.) se associar ao R., recorrendo da decisão que teve este por vinculado à obrigação de prestação de contas ao conjunto dos herdeiros do de cujus?

- poderá considerar-se parte vencida, perante o conteúdo de tal decisão, o herdeiro/litisconsorte necessário activo, pela simples circunstância de ter tomado posição processual no sentido de que entendia não se verificarem os pressupostos de que dependeria a prestação de contas pelo R.?

- será processualmente admissível que o R. adira ao recurso de apelação interposto pelo referido herdeiro – litisconsorte necessário activo na causa?


Considera-se que deve ser negativa a resposta às interrogações atrás formuladas – o que, conduzindo à falta de interesse em agir da recorrente, dita a consolidação do despacho que considerou existente a obrigação de prestação de contas do R. ao conjunto dos herdeiros.

Como é sabido, as situações de litsconsórcio necessário – em que se integra o litisconsórcio necessário legal dos herdeiros para o exercício de direitos da herança, previsto no art. 2091º do CC, suprido, no caso dos autos, pela suscitação do incidente de intervenção principal provocada de todos os herdeiros, como se refere no acórdão recorrido – implicam que exista uma única acção com pluralidade de sujeitos (art. 35º do CC): ora, como é evidente, esta unidade da acção que caracteriza as situações de litisconsórcio necessário é manifestamente incompatível com a possibilidade de um dos litisconsortes necessários (activos, no caso) se associar com a parte contrária (neste caso, o R.), praticando actos processuais que a esta aproveitam (sendo objectivamente desfavoráveis aos interesses – incindíveis - dos demais litisconsortes necessários activos). Na verdade, o litisconsorte necessário não detém uma posição de autonomia relativamente aos demais litisconsortes necessários, que lhe permita associar-se com a parte contrária na lide, praticando actos processuais que a esta aproveitam, contra o interesse objectivado e uno dos demais litisconsortes necessários.

Como é evidente, esta conclusão não cerceia em nada o direito de livre expressão processual por parte do litisconsorte necessário cuja intervenção principal foi provocada para assegurar a legitimidade plural dos respectivos compartes, ou seja, a livre expressão no processo do seu entendimento ou opinião acerca da matéria litigiosa – podendo obviamente tomar posição no sentido da inexistência ou inverificação dos factos invocados como suporte da relação material controvertida, imputada pelos litisconsortes/AA. ao R.: simplesmente, a expressão de tal posição pessoal sobre a matéria litigiosa – que , em nenhuma circunstância, pode valer como confissão (art. 353º, nº2, do CC) – apenas assume relevância no plano probatório, podendo naturalmente  o juiz, ao apreciar livremente as provas, ter em consideração as afirmações de facto feitas no processo pelo litisconsorte necessário; o que já não consideramos possível é que o litisconsorte necessário vá além de tal plano probatório, assumindo uma estratégia que conduza à prática, por ele próprio, no processo de actos processuais destinados objectivamente à tutela, não do interesse dos demais litisconsortes necessários que figuram como seus compartes na causa, mas da contraparte de todos eles, a esta se associando na defesa de interesses estranhos e opostos aos dos demais litisconsortes necessários activos.

Em segundo lugar, afigura-se que o herdeiro/ interveniente principal provocado não pode efectivamente considerar-se parte vencida perante a decisão que considerou terceiro obrigado a prestar contas à herança: é que tal decisão não pode obviamente ter a menor repercussão negativa na esfera jurídica do interveniente principal activo – ou seja o co-herdeiro não pode considerar-se parte directa e efectivamente prejudicada pela decisão que considerou um terceiro vinculado a prestar contas da administração patrimonial dos bens do de cujus à respectiva herança ; e não é obviamente a circunstância de ele  ter tomado posição no processo no sentido de que tal obrigação, afinal, não existiria – não aderindo o Tribunal a tal opinião ou entendimento -  que é susceptível de ocasionar sucumbência ou decaimento, legitimadores da interposição de recurso: na verdade, e como vem sendo admitido, o vencimento ou decaimento devem ser aferidos segundo um critério material, que tome em consideração o resultado final da acção e a sua projecção na esfera jurídica da parte,-  e não numa perspectiva formal, em função dos fundamentos ou razões que ditaram a decisão ou da adesão ou não adesão do juiz à posição expressada pela parte sobre a matéria litigiosa.

E, assim sendo, por via deste critério material e objectivo, só pode considerar-se como parte vencida aquela que não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses objectivados, independentemente da procedência ou improcedência das razões esgrimidas sobre a matéria litigiosa: ora, no caso dos autos é manifesto que a herdeira/interveniente activa não pode considerar-se como parte objectivamente prejudicada pela decisão que considerou terceiro obrigado a prestar contas à herança, não podendo a utilidade inerente à interposição de recurso basear-se apenas na satisfação de interesses meramente subjectivos do recorrente, para dirimir questões puramente académicas ou para mero conforto moral do recorrente, sem qualquer repercussão relevante e efectiva na sua esfera jurídica ( Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, pag. 64).

Finalmente, importa ainda realçar que a possibilidade de adesão ao recurso, prevista no art. 634º do CPC – e efectivamente exercitada nos autos pelo R.- está circunscrita aos casos de litisconsórcio voluntário, pressupondo que um dos compartes adere ao recurso interposto na parte em que o interesse for comum, nos termos da al. a) do nº2 do art. 634º; ora nenhum destes pressupostos se verifica, já que estamos confrontados com uma situação de litisconsórcio necessário: na verdade, o R./aderente não pode naturalmente configurar-se como comparte do interveniente litisconsorcial activo, não existindo, por outro lado, nenhum interesse jurídico comum entre o herdeiro/ interveniente activo na lide e o R. a quem é imputada a obrigação de prestar contas da administração dos bens de cujus à herança.

Procede, deste modo, a questão prévia suscitada quanto à admissibilidade do recurso interposto da decisão que julgou verificada a obrigação de prestação de contas pelo R., por faltar, desde logo, o requisito fundamental do interesse processual da interveniente litisconsorcial activa na impugnação deduzida, - sendo consequentemente inviável a adesão ou aproveitamento de tal recurso por parte de quem era, afinal, o verdadeiro interessado legítimo em impugnar a decisão proferida acerca da obrigação de prestação de contas aos herdeiros: e a procedência desta questão prévia quanto à recorribilidade – levando à inadmissibilidade do próprio recurso de apelação, por falta de interesse em agir da apelante-torna naturalmente inútil a abordagem da questão de mérito, dirimida pela Relação no acórdão recorrido .


8. Nestes termos e pelos fundamentos apontados julga-se procedente a revista, revogando o acórdão recorrido na parte em que considerou como recorrente legítima a interveniente principal DD, ficando, consequentemente, prejudicada a reapreciação do mérito da causa pela Relação, por a inadmissibilidade processual do recurso de apelação, interposto pela referida interveniente, desencadear o trânsito em julgado da decisão de 1ª instância que julgou o R. obrigado a prestar contas aos co-herdeiros.

Custas pelo R./ recorrido.


Lisboa, 17 de Março de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor