Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B2935
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Nº do Documento: SJ200711080029352
Data do Acordão: 11/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Sumário : A nulidade, por omissão de pronúncia, prevista na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC, quando cometida pelo Tribunal da Relação, não pode ser suprida pelo STJ, por força do exarado no artº 731º nº 2 do predito Corpo de Leis, antes determinando a anulação do acórdão recorrido e a baixa do processo ao Tribunal "a quo" para que este proceda à reforma da decisão impugnada.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. 1. Nos autos de acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário que, registada sob o nº 182/2001, pende pelo 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, os autores, AA e mulher, BB, bem como CC, nos termos e com os fundamentos que fls. 1 a 8 evidenciam, impetraram a condenação da demandada, "Empresa-A, Lda", a:

a) Reconhecer:
1'. A "existência do direito de servidão consistente no encargo imposto ao prédio identificado no artigo 7º da petição inicial de dar passagem através do referido caminho, e em proveito exclusivo das necessidades de usar a referida servidão, para passar a pé, com carros, tractores e máquinas agrícolas a favor dos prédios identificados nos artigos 1º e 2º desta petição, propriedade dos autores".
2'. Que, "actualmente, a mesma servidão tem a seguinte configuração: é constituída por um caminho, com quatro metros de largura, sendo o seu trajecto desviado para o extremo poente do prédio identificado no artigo 7º desta petição inicial, pertencente à sociedade ré (conforme planta anexa - doc. nº 7).
b) Proceder "às referidas obras (regularização do leito do caminho e colocação de pó de pedra, mantendo-o desimpedido) que, ao abrigo do disposto no artigo 1568º nº 1 do Código Civil, são exclusivamente à sua custa."

2. Contestou a demandada, por impugnação, reconvenção tendo deduzido, como flui de fls. 52 e 53, concluindo no sentido da improcedência da acção e, a assim não ser entendido, na procedência da reconvenção, no dever reconhecer-se à ré a possibilidade de afastar a servidão mediante à aquisição dos prédios encravados pelo seu justo valor.

3. Replicaram os autores, batendo-se pela improcedência da reconvenção e da justeza da condenação da ré, como litigante de má fé, em multa e em indemnização a favor dos demandantes, em montante nunca inferior a Esc. 500.000$00 para cada um.

4. Elaborado despacho saneador tabelar, foi seleccionada a matéria de facto considerada assente e organizada a base instrutória.

5. Os autores, AA e BB, requereram a intervenção principal de DD e mulher, EE, em prol do acerto da dedução de tal incidente aduzindo o que fls. 168 a 171 revelam.

6. Proferido despacho deferindo o suscitado incidente, foram os interessados chamados por meio de citação.
Juntaram procurações forenses.

7. Cumprido o demais legal, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, sentenciada tendo sido:
a) Como decorrência da decretada parcial procedência da acção:
1'. A condenação da ré e dos intervenientes DD e EE a "reconhecer a existência do direito de servidão consistente no encargo imposto no prédio identificado em 3.5 e 3.7., de dar passagem através do referido caminho, e em proveito exclusivo das necessidades de usar a referida servidão, para passar a pé, com carros, tractores (apenas os 1º e 2º Autores para o prédio descrito em 3,1.) a favor dos prédios identificados em 3.1. e 3.2.".
2'. Declarada nula e inválida a mudança de servidão outorgada pelas partes no documento referido em 3.11. a 3.13..
3'. A condenação da ré "a repor caminho de acesso, referido em A), que nesse prédio existia em favor dos prédios dos Autores referidos em 3.1 e 3.2, de forma a restabelecer o acesso de e para o caminho público a que nesse acediam nos termos descritos nessa mesma decisão da al. A).
4'. Absolvida a ré dos restantes pedidos formulados pelos autores.
b) A improcedência da reconvenção, os reconvindos, consequentemente, do pedido reconvencional tendo sido absolvidos.

8. Ordenada a notificação das partes para se pronunciarem nos termos do art. 457º nº 2 do CPC, veio a ser proferida decisão condenando a ré, por litigância de má fé, em, além do pagamento de multa de 5.000 euros (condenação essa ditada na sentença), "2500 euros, sendo 2000 euros a título de honorários e 500 euros de encargos e transportes próprios, 250 para os autores AA e BB, e os outros 250 euros para a autora CC."

9. Apelaram autores e ré.

10. O TRP, por acórdão de 07-03-13, julgou improcedente o recurso instalado por "Empresa-A, Lda", confirmando a sentença impugnada.

11. É do predito acórdão que, ainda irresignada, traz revista a ré, a qual, nas alegações oferecidas, tirou as seguintes conclusões:

A) Devem ser resolvidas todas as questões que a Recorrente submeteu à apreciação do Tribunal. Art. 660º do CPC.
B) O douto acórdão recorrido apenas tomou conhecimento sobre algumas das questões suscitadas na apelação e remeteu a sua decisão para a sentença de 1ª instância Art. 713º.
C) Com efeito, manteve integralmente a matéria de facto dada por assente bem como a integração e aplicação de direito constante da sentença recorrida.
D) Todavia, foi suscitada a questão lato sensu a alteração/eliminação da matéria de facto constante dos pontos 3.11 a 3.16 da sentença, com fundamento na falta de suporte para o apuramento da factualidade em questão e por se tratar de matéria conclusiva.
E) O Tribunal a quo reduziu a questão e apenas apreciou se existia ou não matéria conclusiva.
F) Não foi, assim, ponderada a impugnação inserta na Contestação nem o entendimento da Recorrente derivado da invalidade do acordo/transacção vertido na certidão de fls. 267 dos autos.
G) Por não tomar conhecimento da questão na sua totalidade e no quadro da motivação formulada na apelação, sendo aquela relevante para o litígio, impõe-se concluir pela verificação da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia Art.s 668º-1 d) e 716º do CPC.
H) O Tribunal de 1ª instância assentou a decisão sobre a matéria de facto na confissão da Recorrente, sendo clara a relevância que lhe atribuiu como meio de prova, conforme consta do texto da respectiva fundamentação.
I) Apesar de não ter sido cumprido o dever de fundamentação (análise crítica e a referência aos meios de prova que levaram à formação da convicção), e de se concluir pela inexistência da confissão, o acórdão recorrido manteve inalterados os factos assentes, em violação dos art.s 158º, 653º e 712º do CPC.
J) Não conheceu, também, da nulidade das respostas dada à matéria de facto pela não observância das regras de prova relativas à confissão art.s 352º, 356º e 357º do CC.
K) Foi ainda insuficiente a apreciação pelo Tribunal quanto à matéria de excepção deduzida ao direito de servidão - a existência de um caminho que pelo lado Nascente confronta com o prédio da Recorrida.
L) O tribunal ad quem aprecia a justeza da aplicação do direito substantivo e ainda os apontados vícios, nos termos dos art.s 722º e 729º do CPC.
M) O acórdão recorrido remeteu, in totum, para sentença a análise das pretensões da Recorrente quanto ao exercício do direito potestativo de aquisição dos prédios dominantes pelo justo valor, já determinado nos autos, e a matéria da condenação como litigante de má fé art. 1551º do CC e 456º do CPC.
N) Pelo que não ponderou as questões novas suscitadas no recurso e uma vez que a sentença não continha uma resposta cabal para tais questões.
O) Designadamente, quanto à situação actual do prédio serviente, às construções aí existentes, aos interesses em confronto no exercício da servidão, e à faculdade de se poder subtrair a tal encargo.
P) As servidões são justificadas pelo aproveitamento económico do prédio dominante, mas podem sofrer alterações sempre tendo em conta o menor sacrifício do prédio dominante art. 1565º do CCivil.
Q) Não existe nesta atitude qualquer comportamento abusivo, antes o exercício de um direito legítimo, nem os autos não revelam qualquer conduta dolosa ou dilatória subsumível previsão do art. 456º do CPC.
R) Também não existem nos autos elementos relativos à situação económica da Recorrente nem esta, por se tratar de uma sociedade comercial, pode ser condenada como litigante de má fé, carecendo de fundamento a fixação da multa e indemnização art.s 457º e 458º do CPC.
S) O douto acórdão violou ou fez errada aplicação das normas legais citadas e deve ser revogado, como é de JUSTIÇA.

12. Contra-alegaram os autores, propugnando o demérito da pretensão recursória.

13. Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Eis como se configura a factualidade dada como assente no acórdão sob recurso, doravante tão só denominado por "decisão":
"2. 1) O A. é titular inscrito do prédio rústico denominado "Bouça da Ermida ou Bouça da Joana", com a área de cerca de 4.300 m2, sito no lugar das Cruzes ou Tresarnoso, da freguesia e Arnoso Santa Eulália, V. N. de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de V. N. de Famalicão sob o nº 28.211 e inscrito na matriz respectiva sob o art. 65º rústico, o qual proveio do art. 718º rústico da antiga matriz, confrontando do Norte com a Ré, do Sul com FF, Nascente, com caminho de servidão e Poente com GG.

2.2) A segunda A. é a titular inscrita do prédio rústico, terreno denominado "Bouça da Ermida", a mato, com a área de 8.300 m2, sito no lugar de Cruzes ou Tresarnoso, da freguesia e Arnoso Santa Eulália, V.N.de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob a décima terceira gleba do prazo número dez mil setecentos e noventa e sete, inscrito na matriz sob o art. 610º rústico, que confronta a Norte com a Ré, a Sul com JMAM, a Nascente com JN e a Poente com caminho de servidão7.

2.3) Dou aqui por reproduzida a escritura pública de partilha e divisão de coisa comum celebrada no dia 22.01.59, de folhas 39, verso a folhas 46 do Livro de Escrituras Diversas número H-52, do 2º Cartório Notarial de V. N. Famalicão e constante de fls. 9 a 23.

2.4) Dou aqui por reproduzido o testamento efectuado a 14.10.87, exarado de folhas 49 versos folhas 50 verso do Livro de Testamentos Públicos número sessenta e três, do 10 Cartório Notarial, V.N. de Famalicão e constante de fls. 29 a 31, onde consta, nomeadamente, que LMO, viúva, declarou legar a sua sobrinha CC, filha da sua falecida irmã MGM, nesta casa residente a Bouça da Ermida ou Tabilhão, sito no lugar de Cruzes, Arnoso (Santa Eulália), descrito na Conservatória sob a décima terceira gleba do prazo 10797.

2.5) A Ré é dona e legítima possuidora do prédio rústico denominado "Bouça ou Souto do Tabilhão", de pinhal e mato, com a área de 600 m2, sito no lugar de Agras ou Tresarnoso, da freguesia de Arnoso Santa Eulália, deste concelho, a confrontar do norte com AGC, do Nascente com caminho público, do Sul com AA e CC, e do Poente com MANPS, e descrito na Conservatória do Registo Predial de V.N. de Famalicão sob o nº 32771.

2.6) A Ré "Empresa-A, Lda", por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrada no dia 11.01.2002, no segundo Cartório Notarial de V.N.de Famalicão, exarada a fls. 112 a 114 do livro nº 169-F, declarou vender e os intervenientes declararam comprar, a fracção autónoma denominada pela letra "B", correspondente à habitação no rés do chão e andar, lado esquerdo, anexo destinado a garagem e logradouro, sito no lugar de Tresarnoso, Arnoso, Santa Eulália, deste concelho, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 385, afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição F1 (P), omisso à matriz mas com declaração apresentada para a sua inscrição, fracção esta registada a favor da sociedade vendedora, conforme inscrição G-Dois (P).

2.7) Em fins de Abril e princípios de Maio de 2000, a R. terraplanou todo o prédio descrito em E), e sobre ele iniciou a construção de duas moradias germinadas, de rés-do-chão e andar, com garagens, que se encontram em fase de acabamentos, transformando-o, assim, num prédio urbano.

2.8) Os AA., por si ante-possuídores e ante-proprietários, há mais de 5, 10, 15, 20, 30 e 40 anos que têm vindo a roçar o mato, plantar e derrubar árvores, apanhando a lenha, vendendo a madeira, recebendo o preço, arroteando o terreno, pagando as contribuições e impostos referentes aos prédios identificados em 1. e 2, à vista de toda a gente, sem a oposição de alguém, ininterruptamente, em tudo se comportando como donos e na convicção de quem exerce um direito próprio.

2.9) O prédio da R., enquanto foi rústico, era atravessado a todo o comprimento e no sentido Norte-Sul, respectivamente, estrada camarária - prédios dos AA., por um caminho em terra batida, muito dura, bem calcado e delimitado e sem qualquer vegetação no seu leito, que tinha a largura de cerca de 2,5 metros, que constituía o único acesso ao prédio dos Autores.
2.10) Há mais de 5, 10, 15, 20, 25, 30 e 40 anos, que esse caminho era utilizado frequentemente pelos Autores, que por ele passavam a pé, com carros de bois e, no caso dos Autores AA e BB (nos últimos anos), com tractores, para cederem aos seus prédios, onde iam roçar mato, apanhar lenha, caruma, cortar árvores, transportar a madeira para a venderem, sendo essa utilização efectuada à vista de toda a gente, sem a oposição de alguém, ininterruptamente, na convicção de quem exerce um direito próprio, em tudo se comportando como titulares do direito de passagem e utilização do referido caminho.

2.11) No dia 6 de Junho de 2000, entre os AA. e a R., esta representada por o seu representante legal, AFPS, foi acordado que este reconhecia expressamente que a favor dos prédios identificados em 1. e 2. existia um caminho de passagem através do prédio identificado em 5., caminho este rasgado no sentido Norte/Sul, com a largura de cerca de 4 metros, destinado à passagem a pé, de carro, de tractores, camiões e máquinas agrícolas (cf. certidão de fls. 267 e ss.).

2.12) Mais acordaram em desviar o trajecto do caminho para o extremo poente do prédio identificado em 5., com a mesma largura de 4 metros.

2.13) A Ré, através da pessoa do seu legal representante, obrigou-se a regularizar o leito do caminho, bem como a colocar pó de pedra no mesmo, mantendo-o desimpedido imediatamente.

2.14) A R. não procedeu ainda às obras de delimitação do caminho, regularização do leito, nem colocou o pó de pedra.

2.15) Actualmente o caminho de acesso existente tem piso em terra e fica a poente das construções habitacionais entretanto construídas nesse prédio.

2.16) Só mediante o acordo acima referido foi possível à Ré prosseguir e concluir a construção de duas habitações geminadas no referido prédio.

2.17) A Ré poderá vender essas habitações por mais de 15.000.000$00, cada."

III. 1. Da arguida nulidade da "decisão", por omissão de pronúncia (1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º, o qual joga "ex vi" do exarado no art. 721º nº 2, ambos do CPC, Corpo de Leis este a que pertencem os normativos que, sem indicação de outra fonte, se vierem a citar), vício de limite esse fruto de infracção ao dever consignado na 1ª parte do 1º período do nº 2 do art. 660º (cfr. José Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. V., pág. 142) e fundamento acessório da revista que cumpre apreciar em primeiro lugar (cfr. Amâncio Ferreira, in "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª Edição Revista, Actualizada e Ampliada, Almedina, pág. 258):
2. a) Nas conclusões da alegação da apelação, aquelas balizando o âmbito do recurso (art.s 684º nº 3 e 690º nº 1), a recorrente, exercitando consentida impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (art.s 690º-A e 712º), sustentou, "inter alia", deverem ser "eliminados ou alterados" os pontos de facto" insertos em 3.11 a 3.16 da sentença.

Pois bem:
b) Quanto à supracitada impugnação, atinente aos "pontos de facto" a que se alude em 3.15 e 3.16 da sentença, é totalmente omissa a "decisão", nesta tão só se tendo tratado da vazada, quanto ao nomeado conjunto, nos nºs 3.11 a 3.14 (cfr. fls. 25 e 26 da "decisão"), díspar, adite-se, sendo a questão apreciada a que se reporta a conclusão "E" da alegação da revista (cfr. 3.4.5 da "decisão").
Colhe, pelo explanado nesta medida, a invocada nulidade.
c) No tocante à, em causa, restante impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto ("pontos" 3.11 a 3.14 da sentença), não procede, por mor do sufragado, a invocada omissão de pronúncia, para a tal conclusão se chegar mais necessário não sendo que considerar o teor das conclusões G), H), I) e J) da alegação da ré, em sede do 1º recurso interposto, quais, em suma, os concretos meios probatórios nas mesmas elencados, em obediência ao art. 690º-A, nº 1 b), e o expresso em 3.4.4), 3.4.5) e 3.4.6) da "decisão".

3. CONCLUSÃO:
Termos em que, julgada procedente a relatada nulidade, pelo dilucidado em b) que antecede, e não podendo, não se olvide, a nulidade, por omissão de pronúncia, quando cometida pelo Tribunal da Relação, ser suprida pelo STJ (cfr. art. 731º nº 2), se anula a "decisão" e determina a baixa do processo ao TRP, a fim de se fazer a reforma daquela, pelos mesmos Exmºs Srs. Juízes Desembargadores, se possível.

Custas pelo vencido a final.

Lisboa, 8 de Novembro de 2007

Pereira da Silva (Relator)
Rodrigues dos Santos
João Bernardo.