Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1010/06.0TBLMG.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
PROPOSITURA DA ACÇÃO
PROPOSITURA DA AÇÃO
NOVA PETIÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL ( AÇÃO, PARTES E TRIBUNAL ) / LEGITIMIDADE DAS PARTES - PROCESSO / INSTÂNCIA.
Doutrina:
- Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, I, Coimbra, 1970, 307.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 384.
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Ldª, 1985, 165.
- Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, 1967, 227; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, 620.
- Pires da Graça, A Legitimidade na Ação de Preferência, CJ, Ano IX (1984), T1, 29 e ss..
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada (reimpressão), com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, 344 e 346;
“Código Civil” Anotado, I, 4ª edição, revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, 297; STJ, de 21-10-1993, CJ, Ano I (STJ), T3, 79.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 327.º, N.ºS2 E 3, 332.º, N.º1, 419.º, 1403.º, N.º1, 1406.º, N.º1, 1410.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 33.º, N.ºS 2 E 3, 279.º, N.ºS 1 E 2,.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22-9-2005, Pº Nº 04B557; STJ, DE 1-7-2004, Pº Nº 04B2078, WWW.DGSI.PT; STJ, DE 9-12-1999, BMJ Nº 492, 391; STJ, DE 7-11-1989, BMJ Nº 391, 574; STJ, DE 5-5-1988, BMJ Nº 377, 478; STJ, DE 14-4-1988, BMJ Nº 376, 569; STJ, DE 22-1-1987, BMJ Nº 363, 523.
-DE 15-11-2006, Pº Nº 06S1732; STJ, DE 6-5-2003, Pº Nº 03A229, WWW.DGSI.PT .
-DE16-2-2012, CJ, ANO XX (STJ), T1, 80.
Sumário :
I - A insusceptibilidade de, na compropriedade, incidirem sobre a mesma coisa dois ou mais direitos, negando-se a cada um dos comproprietários a titularidade autónoma de um direito de propriedade sobre a coisa comum, determina que os contitulares perdem, quase por completo, a autonomia que caracteriza o domínio, porquanto, exceptuando limitadas situações previstas na lei, todos os demais poderes compreendidos no direito de propriedade só podem ser exercidos com a colaboração dos restantes consortes, ora com o consentimento de todos os contitulares, ora através de uma deliberação maioritária, nos termos definidos por lei.

II - O direito de preferência só pode ser exercido, por todos os comproprietários, conjuntamente, em litisconsórcio necessário ativo, em virtude da pluralidade de preferentes resultante da contitularidade de um único direito de preferência, sendo que aquele que se apresente, isoladamente, a preferir, sem provocar a intervenção dos restantes ou sem demonstrar a renúncia dos mesmos, não pode deixar de ser considerado parte ilegítima, por não ser o único titular da relação controvertida, no momento em que a acção é proposta, e esta, pela própria natureza da relação jurídica em causa, exigir a intervenção de todos os interessados para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.

III - E, não vinculando a decisão a obter a pessoa do outro comproprietário, a mesma não produziria o seu efeito útil normal, pois que não regularia, definitivamente, a situação concreta das partes quanto ao pedido formulado, sendo certo que o restante comproprietário não proponente, nem interveniente na acção e que não renunciou ao seu direito, poderia vir a propor uma nova acção que alterasse, completamente, a sorte desta, retirando à mesma o seu efeito útil normal.

IV - É imputável ao autor, a título de culpa, a absolvição da instância, ocorrida em anterior acção, por ter atuado em termos de a sua conduta merecer a reprovação ou a censura do direito, quando, no quadro de um razoável juízo de previsibilidade, fosse de conjeturar uma situação de absolvição da instância, como acontece quando, na condução da acção, a parte, representada pelo seu advogado, não adota um paradigma de proficiência, zelo, atenção e diligência na elaboração das respectivas peças processuais, sendo certo que, face às circunstâncias do caso, poderia e deveria ter agido de outro modo, considerando a manifesta evidência da caraterização dos pressupostos da legitimidade ativa na acção de preferência.

V - Na formulação inicial do art. 294.º, n.º 2, que veio a dar origem ao art. 289.º, n.º 2, do CPC de 1961 (hoje, o art. 279.º, n.º 2, do NCPC (2013)), o autor gozava sempre do prazo adicional de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, para repetir a acção, de modo a obviar à caducidade, independentemente da sua eventual culpa na decisão que se absteve de conhecer do mérito da causa.

VI - Por força do regime substantivo de exceção “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos,…”, que decorre hoje do artigo 279.º, n.º 2, do NCPC, verificando-se a absolvição da instância, em acção sujeita a prazo de caducidade que veio a ser declarada, o autor dispõe agora de um prazo alargado de dois meses, relativamente ao antecedente prazo de trinta dias, a partir do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, muito embora o efeito impeditivo da caducidade se encontre, presentemente, condicionado por um juízo de não culpabilidade quanto à causa da absolvição da instância.

VII - A ratio legis deste regime inovatório leva a considerar que o onerado com um prazo de caducidade deve preocupar-se com a propositura atempada da acção, mas, também, com a sua procedência, em ordem a atingir o fim visado pela mesma, ou seja, a satisfação célere da pretensão do autor, de modo a evitar o insucesso da causa.

VIII - Ao regime mais favorável ao autor que lhe permitia repropor, sucessivamente, a acção, dentro do prazo de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, independentemente da existência de culpa na elaboração dos contornos da petição inicial, seguiu-se um regime em que a sua conduta processual pretérita, desde que isenta de culpa na causa determinante da absolvição da instância, lhe confere um prazo adicional alargado para repetir a acção, mas em que, a ocorrer a censurabilidade do seu comportamento processual, fica privado do prazo de trinta dias do regime processual, então, inaplicável, devido à ressalva do regime substantivo, contemplada na primeira parte do n.º 2, do art. 289.º do CPC de 1961 (hoje, o art. 279.º, n.º 2, do NCPC).

IX - Sendo imputável ao autor a absolvição da instância, ocorrida na acção anterior, o prazo de caducidade do direito da propositura da acção de preferência começa a correr com o ato interruptivo, atento o disposto pelo n.º 2, não gozando o autor do prazo especial, a que alude o n.º 3, ambos do art. 327.º do CC.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

AA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “BB, Lda.” e Massa Falida de CC, todos, suficientemente, identificados, com o requerimento de intervenção principal provocada de DD, pedindo que, na sua procedência, as rés sejam condenadas a reconhecer o direito de preferência do autor na aquisição de [1] uma quarta parte de uma casa com andar e loja, sita em ..., com a área de 90 m2, a confrontar de norte com EE, sul e nascente com FF, CC e AA e poente com rua, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º …, e inscrito na matriz, sob o artigo 141 (verba n.º 1); de [2] uma quarta parte de um terreno de cultura com videiras, ramada e pomar, sito no Lugar ..., com a área de 700 m2, a confrontar de norte com FF, do sul com GG, a nascente com HH e a poente com II, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ..., e inscrito na matriz, sob o artigo 5361 (verba n.º 2); e de [3] uma quarta parte de um terreno de cultura com videiras, vinha e fruteira, sito no lugar ..., com a área de 4.290 m2, a confrontar de norte com JJ, do sul e nascente com herdeiros de KK e a poente com caminho público, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 1151, e inscrito na matriz, sob o artigo 5829 [a] e, por via disso, declarar-se ter o autor o direito a haver para si as referidas verbas, substituindo-se em tal venda à adquirente, aqui primeira ré [b], invocando, para o efeito, factualidade pertinente.

Na contestação, que, apenas, a ré “BB, Lda.” apresentou, esta excepciona a caducidade do direito do autor, a falta de pedido de cancelamento de registo, a favor da ré, e impugna a matéria de facto alegada pelo autor, deduzindo reconvenção, para o caso da procedência do pedido, em que solicita a condenação do autor a pagar-lhe todas as despesas, judiciais e extrajudiciais, que realizou, em consequência dos presentes autos, nomeadamente, as despesas com as escrituras notariais dos bens dos autos, com o pagamento de sisas da transmissão desses bens, com os registos prediais apresentados, na competente Conservatória, com todas as deslocações a Tribunal e com as refeições necessárias do seu representante legal, que estimou, em €10.000,00, mas cuja determinação exacta relegou para execução de sentença.

Na réplica, o autor defende a improcedência das excepções e da reconvenção, tendo, não obstante, ampliado o pedido inicial, por forma a que o Tribunal ordene o cancelamento da inscrição G-1, relativa aos imóveis descritos, na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 03/060201.

Foram admitidas a intervenção principal provocada de DD e a reconvenção.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a exceção de ilegitimidade da ré Massa Falida de CC.

A sentença “julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as rés e a interveniente principal do pedido e julgou ainda prejudicado o conhecimento da reconvenção”.

Desta sentença, o autor interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação “julgado improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida”.

Do acórdão da Relação do Porto, o autor interpôs agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com a dedução das seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:

1ª - Com a petição inicial da presente acção, foi pelo agora recorrente junta quer a petição inicial da primitiva acção (doc. nº 1), quer a sentença (doc. nº 2), o acórdão do TRP (doc. nº 3).

2ª - De tais documentos, resulta o seguinte, para o que aqui importa:

a) O recorrente instaurou a acção de preferência contra o terceiro que adquiriu a quota ideal do direito de propriedade dos bens de que ele era comproprietário e contra a alienante de tal quota;

b) As rés (BB, Lda e Massa Falida de CC), vieram contestar impugnando os factos articulados pelo Autor e alegando que foi comunicado aos comproprietários o preço e as condições de pagamento, em suma, a venda dos aludidos prédios e se não exerceram o direito de preferência foi porque não quiseram;

c) A acção foi julgada procedente;

d) Em recurso, foi pelas rés pela primeira vez suscitada a questão da ilegitimidade processual activa, por o autor ter instaurado a acção desacompanhado da outra comproprietária.

e) Reconhecendo tratar-se de matéria nova, não suscitada em primeira instância, mas invocando o poder de conhecimento oficioso, o TRP declarou essa ilegitimidade processual activa suscitada pela primeira vez nos autos em sede de recurso e absolveu as rés da instância.

3ª - A propositura da acção por apenas um dos dois comproprietários não constitui comportamento processual subsumível a culpa do autor na propositura da acção para efeitos do disposto no artigo 327°, n° 3 do Código Civil, porquanto, ao contrário do que se diz no acórdão recorrido, a ilegitimidade processual activa não constitui "o único entendimento possível face ao texto dos preceitos legais atinentes", porquanto:

a. A questão da legitimidade processual activa do comproprietário desacompanhado dos demais comproprietários, não tem solução taxativa na lei;

b. A sentença proferida em primeira instância no processo n° 141/2001
julgou a acção procedente nos exactos termos em que foi proposta, designadamente quanto à legitimidade processual activa, pelo que o recorrente não tinha nenhuma razão jurídico-processual que lhe impusesse que a acção devesse ter sido proposta de outra forma ou que no seu decurso devesse ter feito nela intervier a outra comproprietária;

c. O próprio Acórdão do STJ de 22/09/2005 cuja fundamentação em
parte integra a fundamentação da decisão aqui recorrida, tendo decidido embora no mesmo sentido do acórdão aqui recorrido, foi prolatado em processo relativamente ao qual quer o Tribunal da primeira Instância, quer o Tribunal da Relação de Coimbra haviam decidido em sentido absolutamente oposto, ou seja, que qualquer um dos comproprietários pode por si só intentar a acção de preferência.

4ª - Ora tratando-se de questão de direito que não tem solução taxativa e que é objecto de controvérsia, suscitando soluções jurisprudenciais diferentes e opostas, a instauração da acção de preferência de acordo com uma dessas orientações jurisprudenciais, conforme a uma das soluções plausíveis dessa questão de direito processual e que, aliás, foi julgada procedente na primeira instância nos exactos termos em que foi proposta, designadamente quanto à legitimidade processual activa, não pode subsumir-se a culpa do autor na propositura da acção para efeitos do disposto no artigo 327º, nº 23 do Código Civil.

5ª - Proferida decisão que, nas referidas circunstâncias, absolveu as rés da instância, a propositura de nova acção dentro de trinta dias a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância importa que se mantenham todos os efeitos civis da propositura da primeira causa (art.º 289º, nº 2 do CPC).

6ª - A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, as normas constantes dos artigos 289º, nº 2 do CPC e 332º, nº 1 e 327º, nº 3 do Código Civil, devendo por isso ser revogada.

7ª - E revogada a decisão, o processo tem todos os elementos para que o Tribunal “ad quem” se pronuncie quanto ao mérito da acção, substituindo-se ao tribunal recorrido (arts. 715º, nº 2 e 726º do CPC revogado e 665º, nº 2 e 679º do actual CPC).

8ª - Encontrando-se provados todos os factos constitutivos do direito do autor e não tendo as rés cumprido o ónus de prova dos factos extintivos por elas alegados (a comunicação para preferência alegadamente feita aos comproprietários), tem a acção, por força da aplicação aos factos provados do disposto nos artigos 1409º, nºs 1 e 2, 416º a 418º, 1410º, nº1, 1403º, nº 1, todos do Código Civil e 343º, nº2 também do mesmo diploma, que ser julgada procedente, e consequentemente:

a) Reconhecer-se ao Autor aqui recorrente, AA, o direito de preferir na venda judicial operada no âmbito do processo de apreensão de bens apenso ao processo de falência nº 38/98 do 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, operada através do instrumento de venda de 11 de Novembro de 2000 e, por via disso, reconhecer ao mesmo autor o direito de haver para si uma quarta parte do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, inscrito na matriz sob o artigo … e uma quarta parte dos prédios rústicos descritos na mesma Conservatória do Registo Predial sob os nºs 0.../… e …, inscritos na matriz sob os artigos … e … respectivamente, que foram objecto de venda, passando o autor a ocupar na dita venda o lugar de comprador;

b) Ordenar o cancelamento da inscrição G-1 relativa aos imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº …;

c) Condenar as rés no pagamento das custas do processo.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. Em 23 de Julho de 2001, o autor instaurou contra os aqui réus uma acção de preferência que correu, sob o n.º 141/2001, pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, cfr. documento de fls. 25 a 49, cujo teor se deu, por integrado e reproduzido, para os devidos e legais efeitos (al. A) dos Factos Assentes);

2. A acção foi julgada procedente, nos exactos termos do pedido formulado, por sentença proferida, em 31-10-2005, pelo 1.º Juizo deste Tribunal, conforme documento de fls. 434 a 446, cujo teor se deu, por integrado e reproduzido, para os devidos e legais efeitos (cfr. al. B) dos Factos Assentes);

3. De tal sentença foi pela ali ré Massa Falida interposto recurso de apelação e, no âmbito desse recurso, foi proferido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que revogou a sentença referida em 2., por entender que o autor, desacompanhado de sua mãe e comproprietária, era parte ilegítima, pelo que absolveu as rés da instância, cfr. documento de fls. 447 e ss., cujo teor se deu, por integrado e reproduzido, para os devidos e legais efeitos (al. C) dos Factos Assentes).

4. De tal Acórdão foi requerida a aclaração, tendo a mesma sido proferida, em 26 de Outubro de 2006, e dela notificado o autor, por notificação expedida em 30-10-2006, cfr. documento de fls. 81 a 84 cujo teor se deu, por integrado e reproduzido, para os devidos e legais efeitos (al. D) dos Factos Assentes).

5. Nos autos de processo de falência, em que foi declarada falida CC, que corre os seus termos pelo 1.º Juizo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 38/98… (cfr. al. E) dos Factos Assentes);

6. Foi, em 11 de Novembro de 2002, adjudicada à primeira ré, pelo preço de 1.200.000$00, por instrumento de venda e auto de transmissão, o seguinte:

a) - Uma quarta parte de uma casa com andar e loja, sita em ..., com a área de 90 m2, a confrontar de norte com EE, sul e nascente com FF, CC e AA e poente com rua, descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º …, e inscrita na matriz, sob o artigo 141 (verba n.º 1);

b) - Uma quarta parte de um terreno de cultura com videiras, ramada e pomar, sito no Lugar ..., com a área de 700 m2, a confrontar de norte com FF, do sul com GG, a nascente com HH e a poente com II, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ..., e inscrito na matriz, sob o artigo 5361 (verba n.º 2);

c) - Uma quarta parte de um terreno de cultura com videiras, vinha e fruteira, sito no lugar ..., com a área de 4.290 m2, a confrontar de norte com JJ, do sul e nascente com herdeiros de KK e a poente com caminho público, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º …, e inscrito na matriz, sob o artigo …(cfr. al. F) dos Factos Assentes);

7. O autor é comproprietário de tais prédios urbanos e rústicos referidos, tal como consta do auto de apreensão aos bens apreendidos à falida CC (cfr. documento n.º 2, junto com a p.i da acção n.º 141/01, do 1.º Juízo deste Tribunal, cujo teor se deu por reproduzido).

8. Tendo tal direito de compropriedade, na proporção de ¼, vindo ao seu domínio, por o haver adquirido, por sucessão hereditária, na herança aberta por óbito de seu pai, LL, falecido em 12-01-1962, por falecimento do qual correu seus termos Inventário Orfanológico, neste Tribunal (cfr. documento n.º 3, junto com a p. i. da acção n.º 141/01, cujo teor se deu por reproduzido).

9. O autor, no âmbito do processo n.º 141/01, do 1.º Juízo de Lamego, procedeu ao depósito do valor de 1.200.000$00, correspondente ao preço pago pelos bens aludidos em 6. (cfr. artigo 4.º da B.I.).

10. O Acórdão, referido em 3, transitou em julgado (cfr. documento de fls. 434, cujo teor se deu, por integrado e reproduzido, para os devidos e legais efeitos).

                                                    *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão de saber se a propositura de acção de preferência, apenas, por um dos dois comproprietários, constitui comportamento processual subsumível a culpa do autor, para efeitos do disposto no artigo 327°, n° 3, do Código Civil, por se poder considerar tratar-se de questão de direito controvertida.

II – A questão de saber se, não obstante a culpa do autor pela absolvição dos réus da instância, verificada na anterior acção, a propositura desta nova acção tem a virtualidade da manutenção dos efeitos civis da propositura da primeira causa.

I. DA CULPA DO AUTOR NA DECISÃO DE ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA

I. 1. Existe propriedade comum ou compropriedade, segundo a noção dada pelo artigo 1403º, nº 1, do Código Civil (CC), “quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.

Com base neste conceito legal de compropriedade, sendo certo que não é ao legislador que compete definir o conteúdo doutrinário dos institutos jurídicos, deve entender-se o termo compropriedade como um caso de contitularidade num único direito de propriedade sobre a coisa comum, em que os direitos dos consortes sobre a mesma são, qualitativamente, iguais[2], como um único direito de propriedade, mas com pluralidade de titulares, pertencendo a cada um uma quota ideal[3].

A insusceptibilidade de, na compropriedade, incidirem sobre a mesma coisa dois ou mais direitos, negando-se a cada um dos comproprietários a titularidade autónoma de um direito de propriedade sobre a coisa comum, determina que os contitulares perdem, quase por completo, a autonomia que caracteriza o domínio, porquanto, excetuando o poder de uso, ainda, assim, com os limites impostos pelo artigo 1406º, nº 1, do CC, a alienação ou oneração da quota de cada contitular na comunhão e a reivindicação da coisa de terceiro na comunhão, todos os demais poderes compreendidos no direito de propriedade só podem ser exercidos com a colaboração dos restantes consortes, ora com o consentimento de todos os contitulares, ora através de uma deliberação maioritária, nos termos definidos por lei.

I. 2. Desejando o comproprietário, a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento, exercer o seu direito de preferência, goza da faculdade de haver para si a quota alienada, contanto que proponha a acção dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes, em conformidade com o disposto pelo artigo 1410º, nº 1, do CC.

Por isso, um dos elementos constitutivos do direito de preferência, consagrado pelo normativo legal acabado de citar, consiste no pedido do reconhecimento desse direito, no prazo de seis meses.

O acórdão recorrido, em sintonia com a sentença, julgou verificada a exceção peremtória da caducidade do direito invocado pelo autor, absolvendo as rés e a interveniente principal do pedido.

Porém, o autor alega que, na sequência da absolvição das rés da instância, verificada na anterior acção, a propositura desta nova acção, dentro do prazo de trinta dias, a contar do trânsito em julgado daquela decisão de absolvição da instância, importa que se mantenham todos os efeitos civis inerentes à propositura da primeira causa.

Contudo, o acórdão recorrido considerou, neste particular, que “A culpa do autor na forma como propôs a acção de preferência, ignorando a existência de um outro comproprietário, é evidente, uma vez que, perante os preceitos legais aplicáveis e o conteúdo uniforme das decisões jurisprudenciais que se debruçaram sobre a questão, devia saber que o desfecho processualmente correcto para a mesma sempre seria a absolvição da instância, por ilegitimidade”, pelo que, “…, sendo a absolvição da instância imputável ao autor, porque não assegurou a intervenção nos autos do outro comproprietário, não pode este beneficiar do disposto no art. 327º, nº 3 do Cód. Civil,…”.

Com efeito, o direito de preferência só pode ser exercido, por todos os comproprietários, conjuntamente, nos termos do disposto pelo artigo 419º, do CC, em litisconsórcio necessário ativo, em virtude da pluralidade de preferentes resultante da contitularidade de um único direito de preferência, sendo que aquele que se apresente, isoladamente, a preferir, sem provocar a intervenção dos restantes ou sem demonstrar a renúncia dos mesmos, não pode deixar de ser considerado parte ilegítima, por não ser o único titular da relação controvertida, no momento em que a acção é proposta, e esta, pela própria natureza da relação jurídica em causa, exigir a intervenção de todos os interessados para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, atento o preceituado pelo artigo 28º, nº 2, do CPC/1961 [hoje, o artigo 33º, nº 2, do NCPC][4].

Na verdade, não vinculando a decisão a obter a pessoa do outro comproprietário, ou seja, a interveniente DD, a mesma não produziria o seu efeito útil normal, pois que não regularia, definitivamente, a situação concreta das partes quanto ao pedido formulado, o que torna o litisconsórcio necessário, nos termos do estipulado pelo artigo 28º, nº 2, parte final, do CPC/1961 [hoje, o artigo 33º, nº 3, do NCPC], porquanto, como já se disse, a compropriedade é uma contitularidade num único direito de propriedade sobre a coisa comum, e, assim, o restante comproprietário, não proponente, nem interveniente na acção e que não renunciou ao seu direito, poderia vir a propor uma nova acção que alterasse, completamente, a sorte desta, retirando à mesma o seu efeito útil normal.

A admitir-se, em sede de raciocínio académico, estar-se em presença da figura do litisconsórcio voluntário, dada a falta de previsão da lei e da estipulação das partes, afastada que fosse a presença do litisconsórcio obrigatório, em função da natureza da relação jurídica, então, o tribunal conheceria “unicamente da quota-parte do interesse do autor…, ainda que o pedido abrangesse a totalidade (artigo 27º, nº 1)”[5], o que seria incompatível com a finalidade específica da ação de preferência.

Trata-se, pois, de um entendimento, doutrinal e jurisprudencial, uniforme, sustentado, sem divergências, ao longo da vigência do actual Código Civil, que «obrigaria» o autor, no quadro de um razoável juízo de previsibilidade, a conjeturar uma situação de absolvição da instância, na falta do outro comproprietário, ou, no mínimo, uma delonga na prolação de uma decisão favorável.

Na condução da acção, deve ser adotado pelas partes, representadas pelos seus advogados, um paradigma de proficiência, zelo, atenção e diligência na elaboração das respetivas peças processuais.

Deste modo, a absolvição da instância, ocorrida na anterior acção, é imputável ao autor, a título de culpa, por ter atuado em termos de a sua conduta merecer a reprovação ou a censura do direito, sendo certo que, face às circunstâncias do caso, poderia e deveria ter agido de outro modo[6], considerando a manifesta evidência da caraterização dos pressupostos da legitimidade ativa na acção de preferência[7].

II. DA VIRTUALIDADE DA NOVA AÇÃO PARA A MANUTENÇÃO DOS EFEITOS CIVIS DA PROPOSITURA DA PRIMEIRA CAUSA QUE FINDOU POR DECISÃO DE ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA

II. 1. Ora, sem embargo da culpa do autor pela decisão de absolvição das rés da instância, verificada na anterior acção, terá a propositura desta nova acção a virtualidade bastante para a manutenção dos efeitos civis decorrentes da propositura da primeira causa, como sustenta o autor?

Dispunha o artigo 289º, nº 1, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 1, do NCPC], que “a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto”, acrescentando o seu nº 2 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC], que “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância”.

A ressalva “do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos”, convoca, desde logo, o regime normativo do artigo 332º, nº 1, do CC, que estatui que “quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 327º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito”, enquanto que o artigo 327º, nº 3, afirma que “se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo de prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses”.

Por outro lado, preceitua ainda o artigo 327º, nº 2, do CC, que “quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo”.

Explicitado o quadro normativo de referência, qual o significado da ressalva apontada pelo artigo 289º, nº 2, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC], “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos,…”, no contexto da dualidade de regimes, aparentemente, em confronto, isto é, o regime processual que esteve na origem do artigo 289º, nº 2, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC], por um lado, e o regime civilístico dos artigos 332º, nº 1 e 327º, nº 3, do CC, por outro.

Na formulação inicial do artigo 294º, nº 2, que veio a dar origem ao artigo 289º, nº 2, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC], dizia-se que “os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu manter-se-ão, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância”, ou seja, tão-só, se excluía, então, a expressão introdutória “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos,…”, razão pela qual o autor gozava sempre do prazo adicional de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, para repetir a acção, de modo a obviar à caducidade, independentemente da sua eventual culpa na decisão que se absteve de conhecer do mérito da causa.

Porém, por força do mencionado regime substantivo de exceção, verificando-se a absolvição da instância, em acção sujeita a prazo de caducidade que veio a ser declarada, o autor dispõe agora de um prazo alargado de dois meses, relativamente ao antecedente prazo de trinta dias, a partir do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, muito embora o efeito impeditivo da caducidade se encontre, presentemente, condicionado por um juízo de não culpabilidade quanto à causa da absolvição da instância.

II. 2. Será, então, este prazo alargado de dois meses complementar do prazo contido na lei processual, funcionando ambos com autonomia própria, consoante a eventual imputabilidade do autor na situação determinante da absolvição da instância, ou será antes o prazo do regime civilístico o aplicável, sempre que se verifique a ressalva “relativamente à prescrição e caducidade dos direitos,…”, desde que se não demonstre a culpa do autor que, a verificar-se, determina a sua não aplicação, bem assim como, simultaneamente, o regime processual que, desta feita, perderia total autonomia?

O sentido da analisada «ressalva» tem de ser obtido, através do elemento literal dos dois regimes em confronto, em conjugação com o elemento histórico da evolução da lei, já referido, mas, especialmente, com o elemento teleológico da interpretação.

Ora, a «ratio legis» deste regime inovatório leva a considerar que o onerado com um prazo de caducidade deve preocupar-se com a propositura atempada da acção, mas, também, com a sua procedência, em ordem a atingir o fim visado pela mesma, ou seja, a satisfação célere da pretensão do autor, de modo a evitar o insucesso da causa, por motivo imputável em exclusivo ao autor a uma automática renovação do prazo de caducidade, entretanto consumado, decorrente da irrestrita oportunidade de repetir a causa e com isso obter automaticamente a sobrevivência dos efeitos civis decorrentes, no âmbito do instituto da caducidade, da proposição atempada da acção originária”[8].

Este efeito já não teria lugar, por não se justificar, quando a decisão de absolvição da instância não seja imputável ao autor, como acontece quando subsistem dúvidas razoáveis sobre a definição de pressupostos processuais, cuja falta veio a determinar a absolvição da instância, mas que se não demonstrou, na hipótese em apreço,

Ao regime mais favorável ao autor, que lhe permitia repropor, sucessivamente, a acção, dentro do prazo de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, independentemente da existência de culpa na elaboração dos contornos da petição inicial, seguiu-se um regime em que a sua conduta processual pretérita, desde que isenta de culpa na causa determinante da absolvição da instância, lhe confere um prazo adicional alargado para repetir a acção, mas em que, ocorrendo censurabilidade do seu comportamento processual, fica privado do prazo de trinta dias do regime processual, então, inaplicável, devido à ressalva do regime substantivo, contemplada na primeira parte do nº 2, do artigo 289º, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC].

Trata-se de uma manifestação do princípio processual da auto-responsabilidade das partes na condução do processo, segundo o qual determinadas insuficiências que venham a ter lugar, na preparação e condução da acção, nomeadamente, por imprudência, descuido ou imprevisão dos seus mandatários, são geradoras de efeitos preclusivos que a inviabilizam, irreversivelmente.

Deste modo, sendo imputável ao autor a absolvição da instância, ocorrida na acção anterior, o prazo de caducidade do direito da propositura da acção de preferência começa a correr com o ato interruptivo, atento o disposto pelo nº 2, não gozando o autor do prazo especial, a que alude o nº 3, ambos do artigo 327º, do CC[9].

Assim sendo, quando o autor propôs a presente acção já havia decorrido, largamente, o prazo de caducidade de seis meses, a que se reporta o artigo 1410º, nº 1, do CC.

Não colhem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da revista do autor.

CONCLUSÕES:

I - A insusceptibilidade de, na compropriedade, incidirem sobre a mesma coisa dois ou mais direitos, negando-se a cada um dos comproprietários a titularidade autónoma de um direito de propriedade sobre a coisa comum, determina que os contitulares perdem, quase por completo, a autonomia que caracteriza o domínio, porquanto, exceptuando limitadas situações previstas na lei, todos os demais poderes compreendidos no direito de propriedade só podem ser exercidos com a colaboração dos restantes consortes, ora com o consentimento de todos os contitulares, ora através de uma deliberação maioritária, nos termos definidos por lei.

II - O direito de preferência só pode ser exercido, por todos os comproprietários, conjuntamente, em litisconsórcio necessário ativo, em virtude da pluralidade de preferentes resultante da contitularidade de um único direito de preferência, sendo que aquele que se apresente, isoladamente, a preferir, sem provocar a intervenção dos restantes ou sem demonstrar a renúncia dos mesmos, não pode deixar de ser considerado parte ilegítima, por não ser o único titular da relação controvertida, no momento em que a acção é proposta, e esta, pela própria natureza da relação jurídica em causa, exigir a intervenção de todos os interessados para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.

III – E, não vinculando a decisão a obter a pessoa do outro comproprietário, a mesma não produziria o seu efeito útil normal, pois que não regularia, definitivamente, a situação concreta das partes quanto ao pedido formulado, sendo certo que o restante comproprietário não proponente, nem interveniente na acção e que não renunciou ao seu direito, poderia vir a propor uma nova acção que alterasse, completamente, a sorte desta, retirando à mesma o seu efeito útil normal.

IV - É imputável ao autor, a título de culpa, a absolvição da instância, ocorrida em anterior acção, por ter atuado em termos de a sua conduta merecer a reprovação ou a censura do direito, quando, no quadro de um razoável juízo de previsibilidade, fosse de conjeturar uma situação de absolvição da instância, como acontece quando, na condução da acção, a parte, representada pelo seu advogado, não adota um paradigma de proficiência, zelo, atenção e diligência na elaboração das respectivas peças processuais, sendo certo que, face às circunstâncias do caso, poderia e deveria ter agido de outro modo, considerando a manifesta evidência da caraterização dos pressupostos da legitimidade ativa na acção de preferência.

V - Na formulação inicial do artigo 294º, nº 2, que veio a dar origem ao artigo 289º, nº 2, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC], o autor gozava sempre do prazo adicional de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, para repetir a acção, de modo a obviar à caducidade, independentemente da sua eventual culpa na decisão que se absteve de conhecer do mérito da causa.

VI - Por força do regime substantivo de exceção “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos,…”, que decorre hoje do artigo 279º, nº 2, do NCPC, verificando-se a absolvição da instância, em acção sujeita a prazo de caducidade que veio a ser declarada, o autor dispõe agora de um prazo alargado de dois meses, relativamente ao antecedente prazo de trinta dias, a partir do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, muito embora o efeito impeditivo da caducidade se encontre, presentemente, condicionado por um juízo de não culpabilidade quanto à causa da absolvição da instância.

VII - A «ratio legis» deste regime inovatório leva a considerar que o onerado com um prazo de caducidade deve preocupar-se com a propositura atempada da acção, mas, também, com a sua procedência, em ordem a atingir o fim visado pela mesma, ou seja, a satisfação célere da pretensão do autor, de modo a evitar o insucesso da causa.

VIII - Ao regime mais favorável ao autor que lhe permitia repropor, sucessivamente, a acção, dentro do prazo de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, independentemente da existência de culpa na elaboração dos contornos da petição inicial, seguiu-se um regime em que a sua conduta processual pretérita, desde que isenta de culpa na causa determinante da absolvição da instância, lhe confere um prazo adicional alargado para repetir a acção, mas em que, a ocorrer a censurabilidade do seu comportamento processual, fica privado do prazo de trinta dias do regime processual, então, inaplicável, devido à ressalva do regime substantivo, contemplada na primeira parte do nº 2, do artigo 289º, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC].

IX - Sendo imputável ao autor a absolvição da instância, ocorrida na acção anterior, o prazo de caducidade do direito da propositura da acção de preferência começa a correr com o ato interruptivo, atento o disposto pelo nº 2, não gozando o autor do prazo especial, a que alude o nº 3, ambos do artigo 327º, do CC.

DECISÃO[10]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista do autor, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.

                                                         *

Custas da revista, a cargo do autor.

                                               *

Notifique.

Lisboa, 16 de Junho de 2015

Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

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[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada (reimpressão), com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, 344 e 346.
[3] Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, 1967, 227; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, 620.
[4] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Ldª, 1985, 165; Pires da Graça, A Legitimidade na Ação de Preferência, CJ, Ano IX (1984), T1, 29 e ss.; STJ, de 22-9-2005, Pº nº 04B557; STJ, de 1-7-2004, Pº nº 04B2078, www.dgsi.pt; STJ, de 9-12-1999, BMJ nº 492, 391; STJ, de 7-11-1989, BMJ nº 391, 574; STJ, de 5-5-1988, BMJ nº 377, 478; STJ, de 14-4-1988, BMJ nº 376, 569; STJ, de 22-1-1987, BMJ nº 363, 523.
[5] Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, I, Coimbra, 1970, 307.
[6] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 384.
[7] STJ, de 15-11-2006, Pº nº 06S1732; STJ, de 6-5-2003, Pº nº 03A229, www.dgsi.pt
[8] STJ, de16-2-2012, CJ, Ano XX (STJ), T1, 80.
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, 297; STJ, de 21-10-1993, CJ, Ano I (STJ), T3, 79. 
[10] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.