Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
559/10.4TBVCT.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: DANO BIOLÓGICO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PRINCÍPIO DA DIFERENÇA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
-Maria Graça Trigo, Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, I, p. 148 a 149.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 566.º, N.ºS 2 E 3.
TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES POR ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADA PELO DL N.º 352/2007, DE 23-10.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 20-10-2011, PROCESSO N.º 428/07.5TBFAF.G1.S1;
- DE 10-10-2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1;
- DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 436/11.1TBRGR.L1.S1;
- DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 99/12.7TCGMR.G1.S1;
- DE 04-06-2015, PROCESSO N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1;
- DE 07-04-2016, PROCESSO N.º 237/13.2TCGMR.G1.S1;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Os índices de Incapacidade Geral Permanente não se confundem com os índices de Incapacidade Profissional, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo DL n.º 352/2007, de 23-10.

II - Nas palavras do preâmbulo deste diploma legal, na incapacidade geral avalia-se “a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia”, a qual pode ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde.

III - Por conseguinte, estando em causa danos patrimoniais resultantes do denominado “dano biológico” – entendidos como “as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais” – não pode ser aceite o procedimento da 1.ª instância ao utilizar como critério-base para o cálculo do montante indemnizatório uma das tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade (neste caso parcial) para o exercício da profissão habitual, presumindo que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos (resultante dos factos provados) corresponderia a uma taxa de incapacidade laboral parcial permanente de 2%.

IV - Não é igualmente de acompanhar a convocação pela Relação para efeitos de fixação do montante indemnizatório, em simultâneo, da equidade (n.º 3 do art. 566.º do CC) e da teoria da diferença (n.º 2 do art. 566.º do CC), já que a fixação da indemnização não pode, neste caso, seguir a teoria da diferença como se tais danos patrimoniais fossem determináveis, quando aquilo que está em causa é a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais indetermináveis, a qual deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados.

VI - Resultando da factualidade provada que a autora: (i) tinha 31 anos de idade à data do sinistro; (ii) a esperança média de vida das mulheres situava-se, na altura, entre 75 e 80 anos; (iii) em consequência do acidente, ficou a padecer de um índice de incapacidade geral permanente de 2 pontos; (iv) apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte no sentido ante-posterior; (v) com toda a probabilidade terá, a médio e longo prazo, repercussões negativas na sua capacidade de trabalho, com diminuição dos seus rendimentos, tanto no exercício da profissão habitual (operária fabril) como no exercício de actividades profissionais alternativas, compatíveis com as suas competências, considera-se justa e adequada a fixação da indemnização pela perda da capacidade de ganho no montante de € 20 000.

VII - Tendo ainda em atenção as lesões que a autora sofreu em consequência do acidente, em concreto traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que teve de se submeter e bem assim as sequelas de que ficou a padecer, considera-se ser de manter o montante indemnizatório fixado pela Relação por danos não patrimoniais no montante de € 15 000.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA instaurou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB - Companhia de Seguros, S.A. (actualmente integrada na CC - Companhia de Seguros, S.A.) pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia global líquida de € 139.680,94 e ainda a indemnização ilíquida que, por força dos factos alegados nos artigos 222º a 250º da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior ou vier a ser liquidada no incidente próprio, a título de indemnização por danos decorrentes da ocorrência de um acidente de viação em que foram intervenientes o ciclomotor de matrícula ...-GM-..., segurado na R. e o veículo automóvel de matrícula ...-...-EP, no qual a A. era transportada como passageira.

Contestou a R., impugnando parcialmente os factos alegados pela A. relativamente a parte do circunstancialismo do embate, aos prejuízos sofridos, e qualificando de exageradas as quantias peticionadas.

O Centro Distrital de … do Instituto de Segurança Social, I.P. veio, ao abrigo do Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Fevereiro, pedir o reembolso das quantias pagas à A. em consequência do acidente, no valor global de € 10.672,77, correspondente ao período de 27/12/2008 a 29/12/2011, a título de subsídio de doença directa.

Notificada deste pedido de reembolso, a R. impugnou os factos em que o mesmo assentou.

A fls. 666 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a R. a pagar à A.:

- A quantia de € 36.765,58, acrescida de juros contados desde data da citação, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento;

- A quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2 do Código Civil e que corresponder às despesas que a Autora comprovar que terá com medicamentos até ao fim da sua vida para debelar as dores na coluna cervical.       

Mais julgou o pedido de reembolso deduzido pelo Centro Distrital de … do Instituto de Segurança Social, I.P. parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a R. a pagar ao demandante, a título de reembolso, a quantia de € 1.082,00, acrescida do valor dos juros contados sobre esse valor, à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação, até integral e efectivo pagamento.

E absolveu a R. do restante peticionado. 

Desta sentença apelou a R., pedindo a modificação da decisão relativa à matéria de facto e a redução dos montantes indemnizatórios. A A. recorreu subordinadamente, pedindo o aumento do montante indemnizatório por perda de capacidade de ganho.

Por acórdão de fls. 709 foi alterada a decisão relativa à matéria de facto e, a final, foi proferida a seguinte decisão:

Termos em que se acorda em conceder parcial provimento a ambos os recursos e, em consequência, condenar a Ré, “CC – Companhia de Seguros, SA” a pagar à Autora AA a quantia de euros 21.452,03, acrescida de juros contados desde data da citação, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento, no mais se confirmando a sentença recorrida.


2. Vem a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1ª - não se questiona, no presente recurso, a parte da douta sentença recorrida, em que a mesma se pronuncia sobre a culpa na produção do sinistro, em relação o condutor do veículo automóvel segurado da Recorrida Companhia de Seguros "CC - Companhia de Seguros, S.A.;

2ª - já que, de acordo com a prova produzida e com os factos provados, essa culpa é exclusivamente imputável ao condutor do veículo automóvel segurado da Recorrida "CC - Companhia de Seguros, S.A.;

3ª - discorda, porém, a Recorrente em relação ao montante indemnizatório/compensatório que lhe foi atribuído, a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (perda da capacidade de ganho) - de 2 pontos, com rebate profissional;

4ª - o valor de 3.850,00 €, fixado pela douta sentença recorrida, é insuficiente para ressarcir/compensar os danos a este título sofridos pela Autora/Recorrente, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes;

5ª - pelo que adequada e justa se reputa a quantia de 20.000,00 €, que ora se reclama nas presentes alegações de recurso;

6ª - o valor 15.000,00 €, fixado a título de indemnização/compensação pelos danos de natureza não patrimonial, é, também ela, insuficiente;

7ª - em sua substituição, deve fixar-se, a este título, a quantia de 22.500,00 €;

8ª - decidindo de modo diverso, fez, salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de …, má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496º, nº 1, 562º e 564º, nºs. 1 e 2, do Código Civil.

9ª - quanto ao restante que não foi posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Segunda Instância - Tribunal da Relação de ….


     A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.


3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção da Relação):


a) no dia 27 de Dezembro de 2008, pelas 18,00 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada Nacional nº. 203, ao quilómetro número 05,10, na freguesia de Subportela, comarca de Viana do Castelo;

b) nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos: (i) o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP e (ii) o ciclomotor de matrícula ...-GM-...;

c) o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP era propriedade de DD, residente na Travessa …, 1º. Esquerdo, 4 905-. …, freguesia de Barroselas, comarca de Viana do Castelo;

d) na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era por ele próprio conduzido;

e) o ciclomotor de matrícula ...-GM-... era propriedade de EE, residente no lugar de …, freguesia de Subportela, comarca de Viana do Castelo;

f) e, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção era, também, por ele próprio conduzido;

g) a Estrada Nacional nº. 203, no preciso local do sinistro, configura um traçado rectilíneo, com uma extensão superior a seiscentos e cinquenta (650,00) metros;

h) a sua faixa de rodagem tem uma largura de 06,90 metros;

i) o seu piso era, como é, pavimentado a asfalto;

j) o tempo estava chuvoso e frio;

k) e o pavimento asfáltico da Estrada Nacional nº. 203 encontrava-se limpo e em bom com estado de conservação, mas molhado por força das águas pluviais que, na altura, se precipitavam;

l) pelas suas duas (2) margens, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 203 apresentava, como apresenta, bermas;

m) também pavimentadas a asfalto;

n) com uma largura de 01,55 e 01,55 metros, a situada do lado direito e a situada do lado esquerdo, respectivamente, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque;

o) no preciso local do sinistro, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 203 configura um cruzamento;

p) pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque, no preciso local onde ocorreu o acidente de trânsito que deu origem aos presentes autos, conflui, com ela, a Estrada Municipal que, no sentido Norte-Sul, dá acesso, da Estrada Nacional nº. 203, à Igreja da freguesia de Subportela, comarca de Viana do Castelo;

q) pela sua margem direita, tendo em conta o mesmo indicado sentido de marcha – Nascente- Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque – conflui, com ela – Estrada Nacional nº. 203 –, a via pública que, no sentido Sul-Norte, dá acesso, da Estrada Nacional nº. 203, à margem esquerda do Rio Lima;

r) sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 203, existia, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, como existe, na presente data, pintada a cor branca, uma Linha Sem Quaisquer Soluções de Continuidade – Linha contínua: marca M1;

s) essa Linha Contínua – MARCA M1 – prolonga-se, ao longo do eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 203, ao longo de uma distância superior a 100 metros, quer no sentido Nascente – do lado de Ponte de Lima -, quer no sentido Poente – do lado de Darque, em relação ao local do supra-referido cruzamento;

t) no preciso local do cruzamento que a Estrada Nacional nº. 203 configura, no preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, essa Linha Contínua – MARCA M1 – interrompe-se;

u) ao longo de uma distância de cinco metros;

v) pois, nesse preciso local – cruzamento que a E. N. nº. 203 configura, no preciso local do sinistro que está génese da presente acção -, não existia, nem existe, essa referida Linha Contínua: MARCA M1;

w) e, em vez dela – Linha Contínua: Marca M1 – existia e existe, ao longo da referida distância de cinco metros, pintada, a cor branca, sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 203, uma Linha Com Soluções de Continuidade – Linha Descontínua: marca 2;

x) pois, para quem se encontra lá situado, consegue avistar-se a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 203 e suas duas bermas, em toda a sua largura: a) no sentido Nascente, ou seja, em direcção a Ponte de Lima, ao longo de uma distância superior a quinhentos (500,00) metros; b) no sentido Poente, ou seja, em direcção a Darque, ao longo de uma distância superior a cento e cinquenta (150,00) metros;

y) a distância referida na alínea a), do precedente artigo 28º., desta petição inicial, é ditada pela existência de uma curva que a Estrada Nacional nº. 203 configura a Nascente – do lado de Ponte de Lima – do local do sinistro, descrita para o lado esquerdo, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque;

z) a distância referida na alínea b), do precedente artigo 28º., desta petição inicial, é ditada pela existência de uma curva que a Estrada Nacional nº. 203 configura a Poente – do lado de Darque – do local do sinistro, descrita para o lado direito, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque;

aa) para quem circula pela Via Pública, que encontra com a Estrada Nacional nº. 203, pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque, em sentido convergente em relação ao dito entroncamento – Estrada Nacional nº. 203 -, existia, à data do sinistro, como existe na presente data, no topo desta via, no local da confluência com a Estrada Nacional nº 203, um sinal de forma octogonal, com a orla branca e o fundo de cor vermelha, sobre o qual se encontrava, como se encontra, pintada a cor branca, a inscrição “STOP”: Sinal B2 – Paragem Obrigatória na Intersecção;

bb) no dia 27 de Dezembro de 2008, pelas 18.00 horas, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP – propriedade do referido DD - transitava pela Estrada Nacional nº. 203;

cc) o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP desenvolvia a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque;

dd) rigorosamente pela metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 203, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque;

ee) com os seus rodados - do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP – a uma distância não superior a 0,50 metros da linha delimitativa da berma do mesmo lado;

ff) e animado de uma velocidade muito reduzida, não superior a quarenta/cinquenta (40,00/50,00) quilómetros, por hora;

gg) quando rodava rigorosamente nas circunstâncias supra-referidas, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP – propriedade do DD – depois de o mesmo – DD - ter travado o veículo automóvel que tripulava – …-…-EP – com vista a evitar o embate, foi embater contra o ciclomotor de matrícula ...-GM-...;

hh) conduzido pelo EE.

ii) ao mesmo tempo que o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP – propriedade do DD e por ele próprio conduzido – foi, também ele, violentamente embatido pelo ciclomotor de matrícula ...-GM-.... Com efeito,

jj) momentos antes da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos, o ciclomotor de matrícula ...-GM-... circulava pela Via Pública que conflui com a Estrada Nacional nº. 203, pela margem esquerda desta via – Estrada Nacional nº. 203 -, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque;

kk) o ciclomotor de matrícula ...-GM-... desenvolvia a sua marcha no sentido Sul-Norte;

ll) no sentido Igreja de Subportela-Estrada Nacional nº. 203;

mm) ou seja, no sentido convergente em relação à faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 203;

nn) o condutor do ciclomotor de matrícula ...-GM-... – EE – pretendia penetrar, com o ciclomotor de matrícula ...-GM-... -, que tripulava -, na faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 203.

oo) proceder ao atravessamento da faixa de rodagem desta Via: Estrada Nacional nº. 203;

pp) no sentido Sul-Norte;

qq) e prosseguir a sua marcha através da faixa de rodagem da Via Pública que conflui com a Estrada Nacional nº 203, pela margem direita desta Via – Estrada Nacional nº 203 -, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque;

rr) em direcção à margem direita do Rio Lima;

ss) o EE, porém, conduzia de forma completamente distraída;

tt) pois não prestava qualquer atenção à condução que exercia;

uu) nem atentava nos demais veículos automóveis que, na altura, transitavam pela Estrada Nacional nº 203;

vv) ao chegar ao topo da Via Pública, de onde procedia – Via Pública que entronca com a Estrada Nacional nº 203, pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque, de onde provinha -, o EE não imobilizou a sua marcha, nem parou o ciclomotor de matrícula ...-GM-..., que conduzia;

ww) em obediência ao sinal de “STOP”;

xx) que ali se apresentava, à sua frente e que, na altura, se encontrava bem visível e era do seu conhecimento, pois o EE passava ali, diariamente, a conduzir veículos automóveis;

yy) de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, o EE - condutor do ciclomotor de matrícula ...-GM-... -, penetrou com o ciclomotor que conduzia – ciclomotor de matrícula ...-GM-... -, na faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, em total desobediência ao sinal de “STOP”, que se apresentava à sua frente, fixo em suporte vertical;

zz) desse modo, de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, o EE invadiu, com o ciclomotor de matrícula ...-GM-..., a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque;

aaa) também, de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, o EE, sem travar e sem reduzir a velocidade de que seguia animado, transpôs, com o ciclomotor de matrícula …-GM-…, o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 203;

bbb) e ainda, de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, sem travar e sem reduzir a velocidade de que seguia animado, o EE invadiu, com o ciclomotor de matrícula ...-GM-..., a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque;

ccc) desse modo, o EE colocou, assim, o ciclomotor de matrícula ...-GM-..., na linha de trajectória seguida pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP, propriedade do DD;

ddd) ao qual cortou completamente a linha de trânsito;

eee) sendo certo que o EE penetrou, com o ciclomotor de matrícula ...-GM-..., na faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, numa altura em que o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP - propriedade do DD -, se encontrava já muito próximo de si;

fff) a uma distância não superior a 10 metros, de distância dele;

ggg) além disso, o EE, nem antes nem depois de iniciar e de desenvolver a sua manobra de penetração na faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203 e de atravessamento da faixa de rodagem desta Via – E.N. nº. 203 - efectuou qualquer sinal luminoso ou acústico – “buzina” -, que assinalasse a sua presença;

hhh) não ligou, assim, qualquer dispositivo luminoso do ciclomotor de matrícula ...-GM-...;

iii) nem accionou o sinal sonoro - “apito” -, do ciclomotor de matrícula ...-GM-..., que conduzia;

jjj) desse modo, o DD - condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP - ainda travou a fundo o referido veículo automóvel, que tripulava, numa tentativa e com vista a tentar evitar o embate;

kkk) mas foi-lhe de todo impossível evitar o acidente;

lll) até que o DD foi embater com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP, contra o ciclomotor de matrícula ...-GM-...;

mmm) ao mesmo tempo que o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP – propriedade do DD – foi, também ele, embatido pelo ciclomotor de matrícula ...-GM-..., tripulado pelo EE;

nnn) o embate ocorreu totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque;

ooo) no preciso local do cruzamento configurado pela Estrada Nacional nº 203 e pelas Vias Públicas que ali confluem com esta via – E.N. nº 203 – e que dão acesso à Igreja de Subportela e à margem direita do Rio Lima, respectivamente;

ppp) e esse embate verificou-se entre a parte frontal – em cheio – do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP – propriedade do DD - e a parte lateral direita do ciclomotor de matrícula ...-GM-..., tripulado pelo EE;

qqq) e essa colisão ocorreu na linha média – sensivelmente a meio – da metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Ponte de Lima-Darque;

rrr) a Autora – AA – na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção seguia, como passageira, no veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-EP;

sss) no mês de Abril de 2009, a Autora dirigiu-se aos Serviços Clínicos da Ré Companhia de Seguros “BB Companhia de Seguros, S.A.”, na cidade do Porto;

ttt) para avaliação do seu estado clínico;

uuu) os Serviços Clínicos da Ré Companhia de Seguros “BB Companhia de Seguros, S.A.” reencaminharam a Autora para a Policlínica …, Lda., em Viana do Castelo;

vvv) a Autora contava, à data do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, 31 anos de idade, pois nasceu no dia 21 de Agosto de 1977;

www) ela exercia, à data da ocorrência do acidente dos presentes autos, a profissão de operária fabril, por conta da sociedade “FF, Lda.”, com sede no lugar de …, freguesia de …, comarca de Viana do Castelo;

xxx) AA é beneficiária do Centro Distrital de Segurança Social de … do Instituto de Segurança Social, IP, inscrita sob o número 11…3;

yyy) relativamente ao período de 27-12-2008 a 03-03-2010 foi-lhe processada, a título de subsídio de doença, a importância de euros 3.566,73, por se encontrar de baixa médica;

zzz) a autora e beneficiária ainda continua de baixa médica;

aaaa) a responsabilidade civil emergente de danos causados pela circulação do motociclo de matrícula ...-GM-... foi transferida para a Ré BB - Companhia de Seguros, SA, por contrato celebrado entre aquela e EE e titulado pela apólice n.º 0045….4;

bbbb) a Autora seguia, sentada, no assento da frente, ao lado direito do respectivo condutor;

cccc) e levava, apertado e justo ao seu corpo, o cinto de segurança;

dddd) como consequência directa e necessária do despiste, resultou para a Autora um traumatismo da coluna cervical e dores cervicais;

eeee) a Autora foi transportada para o Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de …, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo Serviço de Urgência;

ffff) foram-lhe aí efectuados exames radiológicos, às regiões do seu corpo afectadas e prescritos medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos e anti-inflamatórios, os quais a Autora se viu na necessidade de ingerir, ao longo de um período de tempo superior a um ano;

gggg) na presente data, a Autora ainda tem necessidade de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória;

hhhh) e vai ter necessidade de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória, ao longo de toda a sua vida, num máximo de 2 comprimidos por dia e durante 15 dias em cada mês;

iiii) no Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de …, foi-lhe, também, prescrito um colar cervical, o qual a Autora se viu na necessidade de usar, ao longo de um período de tempo de dois meses;

jjjj) no próprio dia da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, a Autora obteve alta hospitalar, no Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de …;

kkkk) posteriormente, a Autora passou a frequentar a Policlínica …, Lda., com sede em Viana do Castelo Por conta e a expensas da Ré Companhia de Seguros BB Companhia de Seguros, S.A.;

llll) foi-lhe aí prescrita uma Ressonância Magnética – RMN – cervical, à qual, na realidade, a Autora se submeteu;

mmmm) foram-lhe prescritos medicamentos vários – analgésicos e anti-inflamatórios, os quais a Autora se viu na necessidade de ingerir;

nnnn) foi-lhe aí efectuado tratamento de fisioterapia, em sessões múltiplas e contínuas, à coluna lombar, dorsal e cervical, até ao mês de Abril de 2009, consubstanciadas em massagens, calores húmidos, aplicação de gel e sacos de água quente;

oooo) no dia 16 de Abril de 2009, a Policlínica …, Lda. deu por terminados os tratamentos, à Autora e deu-lhe alta com o diagnóstico de cervicalgias e parestesias dos dois membros superiores, medicada com analgésicos e anti-inflamatórios;

pppp) nessa clínica, a Autora foi submetida a uma electromiografia;

qqqq) no momento do acidente e nos instantes que o precederam, a Autora assustou-se;

rrrr) a Autora sofreu dores na zona do corpo atingida sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7;

ssss) como sequelas das lesões sofridas, a Autora apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte no sentido ante-posterior;

tttt) lesões e sequelas que lhe determinaram:

• Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 5 dias;

• Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 106 dias;

• Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 111 dias;

• Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos;

uuuu) as sequelas descritas são, em teremos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares ligeiros;

vvvv) a Autora obteve a consolidação médico-legal no dia 16.04.2009;

wwww) a Autora nasceu no dia 21 de Agosto de 1977;

xxxx) a Autora, antes do acidente que motivou os presentes autos, já sofria e ainda sofre de alterações degenerativas da coluna vertebral cervical que o acidente não agravou;

yyyy) do acidente não resultou para a Autora qualquer lesão óssea ou disco-ligamentar;

zzzz) à data do acidente, a Autora auferia mensalmente, como rendimento do seu trabalho, em termos médios, a quantia de euros 488,50 (ordenado-base: euros 435,00; prémios de produção: euros 6,25; subsídio de refeição: euros 47,25);

aaaaa) além disso, fora das horas de trabalho, a Autora desempenhava as tarefas domésticas, na sua casa de residência, quando vivia com a mãe;

bbbbb) Sendo certo que desempenhava essas tarefas domésticas, ao longo de um período de tempo que se não apurou mas que, no verão, poderia ir até às 21,30 horas;

ccccc) no exercício dessa sua actividade de doméstica, a Autora lavava e passava roupa a ferro, dobrava e arrumava essa roupa, confeccionava e servia as refeições, limpava o pó da casa e dos móveis e, de um modo geral, executava todas as demais tarefas inerentes ao seu lar;

ddddd) em consequência do embate a Autora efectuou as seguintes despesas: a) obtenção do relatório médico junto aos autos: 350,00 euros; b) consultas médicas: 75,00 euros; c) medicamentos: 59,74 euros; d) taxas moderadoras: 23,20 euros; e) deslocações em carro próprio e em transportes públicos: 250,00 euros; f) recolhas (aparcamento de veículo próprio) 7,60 euros; g) custo de certidões 53,40 euros;

eeeee) a Autora não está completamente curada e, por causa disso, vai ter necessidade de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória, ao longo de toda a sua vida, num máximo de 2 comprimidos por dia e durante 15 dias em cada mês;

fffff) o Instituto de Segurança Social, IP, pagou à Autora, a título de subsídio de doença directa, referente ao período de 27.12.2008 a 29.12.2011, a quantia global de euros 10.672,77.

           

4. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, estão em causa neste recurso as seguintes questões:

- Indemnização por danos patrimoniais futuros, pela perda de capacidade de ganho, que a Recorrente pretende que seja elevada de € 3.850 para € 20.000;

- Indemnização por danos não patrimoniais, que a Recorrente pretende que seja elevada de € 15.000 para € 22.500.


5. Antes de apreciar as questões relativas aos montantes indemnizatórios por danos patrimoniais futuros por perda de capacidade de ganho, e por danos não patrimoniais, convém recordar os seguintes critérios gerais (acompanhando-se essencialmente os termos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2016, proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, relatado pela relatora do presente acórdão):

- “O princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, do Código Civil). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações do nº 1, do art. 566º, do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. A indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564º, nº 1, do CC) e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença, prevista no nº 2, do art. 566º, do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”). Contudo, se o montante dos danos for indeterminado e, por isso mesmo, a fórmula da diferença não puder ser aplicada, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (nº 3, do art. 566º, do CC)”;

- “A compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), não pode – por definição – ser feita através da fórmula da diferença. Deve antes ser decidida pelo tribunal, segundo um juízo de equidade (art. 496º, nº 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 494º, do CC”;

- “Como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos em www.dgsi.pt), «a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’»; se é chamado a pronunciar-se sobre «o cálculo da indemnização» que «haja assentado decisivamente em juízos de equidade», não lhe «compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto ‘sub iudicio’»;

- “A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição». Exigência plasmada também no art. 8º, nº 3, do CC: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.””;

- “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt)”.

Tendo presentes os critérios gerais que aqui sumariámos, passamos a aplicá-los ao caso dos autos.


6. Relativamente à questão da indemnização por danos patrimoniais futuros pela perda de capacidade de ganho (que a Recorrente pretende que seja elevada de € 3.850 para € 20.000), relevam os seguintes factos provados:


vvv) a Autora contava, à data do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, 31 anos de idade, pois nasceu no dia 21 de Agosto de 1977;

www) ela exercia, à data da ocorrência do acidente dos presentes autos, a profissão de operária fabril, por conta da sociedade “FF, Lda.”, com sede no lugar de …, freguesia de …, comarca de Viana do Castelo; 

ssss) como sequelas das lesões sofridas, a Autora apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte no sentido ante-posterior;

tttt) lesões e sequelas que lhe determinaram:

• Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 5 dias;

• Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 106 dias;

• Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 111 dias;

Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos;

uuuu) as sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares ligeiros;

xxxx) a Autora, antes do acidente que motivou os presentes autos, já sofria e ainda sofre de alterações degenerativas da coluna vertebral cervical que o acidente não agravou


         Constata-se assim, que, em consequência do acidente, a A. ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos, compatível com o exercício da sua profissão habitual de operária fabril, ainda que com “esforços suplementares ligeiros”.

         Vejamos os termos em que as instâncias decidiram

A 1ª instância ficou a indemnização por perda da capacidade de ganho em € 9.984,64, montante a que chegou através da aplicação de uma das tradicionais fórmulas matemáticas criadas pela jurisprudência para a fixação de indemnização por danos patrimoniais futuros por incapacidade laboral parcial permanente. Para o efeito, presumiu que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos corresponderia a uma taxa de incapacidade laboral parcial permanente de 2%.

A Relação reduziu o montante indemnizatório com a seguinte fundamentação:

“…

Os critérios a atender para a fixação do valor adequado a reparar a perda de capacidade de ganho decorrente da IPP de que o Apelado ficou afectado encontram-se no artigo 566º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil, devendo esse montante ter como medida a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivessem existido os danos; uma vez que se trata de um dano futuro e, por isso, insusceptível de ser apurado o respectivo valor exacto, o tribunal deverá julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados: trata-se da consagração da teoria da diferença e o recurso à equidade como critérios de compensação por danos futuros, sendo que este recurso à equidade se impõe de uma forma especial em casos como o dos autos em que se não verificará uma diminuição efectiva do rendimento do trabalho mas de compensar um acréscimo de esforço.

Conforme vem sendo entendimento unânime da jurisprudência, trata-se de determinar uma quantia em dinheiro que produza o rendimento que o lesado perderá, mas que ao mesmo tempo não propicie um enriquecimento injustificado à custa do lesante e, por isso, importa que a quantia a fixar se encontre esgotada no final do período de tempo que for considerado, para o que o julgador não poderá deixar de lançar mão de critérios de equidade, a par da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso, como sendo a idade da vítima, os rendimentos auferidos, a previsibilidade da sua vida activa, que reputamos ajustado reportar-se aos 70 anos.

Por outro lado, na ausência de critério legalmente estabelecido para o cálculo da quantia a fixar, como salienta Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 112, página 263, “quaisquer tabelas para cálculo da indemnização devida não são directamente aplicáveis ao cômputo da indemnização por acidentes de viação, mas poderão servir de critério geral de orientação para esses acidentes, embora lhes possa ser introduzidas as necessárias correcções impostas pelo circunstancialismo da cada caso concreto”.

Ou, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 1994, Colectânea de Jurisprudência, Ano II, Tomo III, página 92, “Assumindo a falibilidade da capacidade humana para prever, mas tendo em conta o que já aconteceu, as regras da experiência comum e o que é natural e normal que venha a acontecer, há que decidir com a segurança possível e a temperança própria da equidade...”; proceder de outro modo, acrescentaríamos nós, seria reduzir os juízos de equidade que se impõe considerar em simples fórmulas aritméticas, o que não significa que se não recorra a cálculos matemáticos como instrumento auxiliar de quantificação do montante indemnizatório, posto que temperados pelo recurso a critérios de equidade – ver Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2002, Colectânea de Jurisprudência, Ano X, Tomo II, página 132.

Deste modo, considerando que, à data do acidente, a Autora tinha 31 anos e auferia mensalmente a quantia de euros 488,50, consideramos como adequada a quantia de euros 3.850,00 euros.

[negritos nossos]


Vejamos.

A 1ª instância utilizou como critério-base para o cálculo do montante indemnizatório uma das tradicionais fórmulas financeiras, criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade (neste caso parcial) para o exercício da profissão habitual, presumindo que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos corresponderia a uma taxa de incapacidade laboral parcial permanente de 2%.

  Este procedimento não pode ser aceite. Os índices de Incapacidade Geral Permanente não se confundem com os índices de Incapacidade Profissional, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro. Nas palavras do preâmbulo deste diploma legal, na incapacidade geral avalia-se “a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia”, a qual pode ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde (cfr. da autoria da relatora do presente acórdão, Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, I, págs. 148-149).

    A Relação alterou este montante indemnizatório, convocando a equidade (e o nº 3 do art. 566º do Código Civil) como critério essencial para a fixação da indemnização, o que se afigura inteiramente correcto. Não pode, porém, acompanhar-se a aplicação simultânea do critério do nº 2 do mesmo art. 566º (teoria da diferença), nem tampouco alguns dos parâmetros concretos indicados (“rendimentos auferidos”, “previsibilidade da vida activa”). Tudo junto permite concluir que o acórdão recorrido fixou o valor indemnizatório em € 3.850,00 por, no essencial, o ajuizar como se correspondesse a situação de incapacidade parcial profissional permanente. O que, como se viu, não é o caso, uma vez que foi dado como provado que, em consequência do acidente, a A. ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos, compatível com o exercício da sua profissão habitual de operária fabril, ainda que com “esforços suplementares ligeiros”.

    Na verdade, estão em causa os danos patrimoniais resultantes do denominado “dano biológico”, que descrevemos supra como “as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais”. A fixação da indemnização não pode aqui seguir a teoria da diferença (prevista no art. 566º, nº 2, do Código Civil) como se tais danos patrimoniais fossem determináveis, quando aquilo que está em jogo é a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais indetermináveis, a qual (segundo o nº 3, do mesmo art. 566º, do CC) deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados.

Não existindo, no caso sub judice, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou completar o resultado obtido pela aplicação de fórmulas financeiras criadas em função da aplicação de taxas de incapacidade laboral permanente.

No caso dos autos relevam a idade da lesada à data do sinistro (31 anos), a esperança média de vida (que, para as mulheres nascidas em 1977, se situará, no ano de 2008 – ano do acidente –, entre 75 e 80 anos), o índice de incapacidade geral permanente (2 pontos), assim como a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional (operária fabril) exercida pela A. lesada (neste sentido, ver os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2011, proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1, de 10/10/2012, proc. nº 632/2001.G1.S1, de 07/05/2014, proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1, de 19/02/2015, proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 04/06/2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 07/04/2016, proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1, e de 14/12/2016, proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1, consultáveis em www.dgsi.pt). Não pode deixar de se reconhecer que qualquer lesão na coluna vertebral (ficou provado que, “como sequelas das lesões sofridas, a Autora apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte no sentido ante-posterior”) com toda a probabilidade terá, a médio e longo prazo, repercussões negativas na capacidade de trabalho da A., com diminuição dos seus rendimentos, tanto no exercício da profissão habitual como no exercício da actividades profissionais alternativas, compatíveis com as suas competências.

Deste modo, considera-se justa e adequada a fixação da indemnização pela perda da capacidade de ganho no montante de € 20.000.


7. Quanto à questão da indemnização por danos não patrimoniais (que a Recorrente pretende que seja elevada de € 15.000 para € 22.500), relevam os seguintes factos provados:


dddd) como consequência directa e necessária do despiste, resultou para a Autora um traumatismo da coluna cervical e dores cervicais;

eeee) a Autora foi transportada para o Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de …, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo Serviço de Urgência;

ffff) foram-lhe aí efectuados exames radiológicos, às regiões do seu corpo afectadas e prescritos medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos e anti-inflamatórios, os quais a Autora se viu na necessidade de ingerir, ao longo de um período de tempo superior a um ano;

gggg) na presente data, a Autora ainda tem necessidade de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória;

hhhh) e vai ter necessidade de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória, ao longo de toda a sua vida, num máximo de 2 comprimidos por dia e durante 15 dias em cada mês;

iiii) no Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de …, foi-lhe, também, prescrito um colar cervical, o qual a Autora se viu na necessidade de usar, ao longo de um período de tempo de dois meses;

jjjj) no próprio dia da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, a Autora obteve alta hospitalar, no Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de …;

kkkk) posteriormente, a Autora passou a frequentar a Policlínica …, Lda., com sede em Viana do Castelo Por conta e a expensas da Ré Companhia de Seguros BB Companhia de Seguros, S.A.;

llll) foi-lhe aí prescrita uma Ressonância Magnética – RMN – cervical, à qual, na realidade, a Autora se submeteu;

mmmm) foram-lhe prescritos medicamentos vários – analgésicos e anti-inflamatórios, os quais a Autora se viu na necessidade de ingerir;

nnnn) foi-lhe aí efectuado tratamento de fisioterapia, em sessões múltiplas e contínuas, à coluna lombar, dorsal e cervical, até ao mês de Abril de 2009, consubstanciadas em massagens, calores húmidos, aplicação de gel e sacos de água quente;

oooo) no dia 16 de Abril de 2009, a Policlínica …, Lda. deu por terminados os tratamentos, à Autora e deu-lhe alta com o diagnóstico de cervicalgias e parestesias dos dois membros superiores, medicada com analgésicos e anti-inflamatórios;

pppp) nessa clínica, a Autora foi submetida a uma electromiografia;

qqqq) no momento do acidente e nos instantes que o precederam, a Autora assustou-se;

rrrr) a Autora sofreu dores na zona do corpo atingida sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7;

ssss) como sequelas das lesões sofridas, a Autora apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte no sentido ante-posterior;

tttt) lesões e sequelas que lhe determinaram:

• Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 5 dias;

• Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 106 dias;

• Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 111 dias;

• Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos;

uuuu) as sequelas descritas são, em teremos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares ligeiros;

vvvv) a Autora obteve a consolidação médico-legal no dia 16.04.2009;

wwww) a Autora nasceu no dia 21 de Agosto de 1977;

xxxx) a Autora, antes do acidente que motivou os presentes autos, já sofria e ainda sofre de alterações degenerativas da coluna vertebral cervical que o acidente não agravou;

yyyy) do acidente não resultou para a Autora qualquer lesão óssea ou disco-ligamentar;

eeeee) a Autora não está completamente curada e, por causa disso, vai ter necessidade de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória, ao longo de toda a sua vida, num máximo de 2 comprimidos por dia e durante 15 dias em cada mês;


        A 1ª instância fixou o montante indemnizatório em € 22.550, que a Relação reduziu para € 15.000 com a seguinte fundamentação:


“Analisando agora a questão que se prende com o montante arbitrado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, integram-nos todos aqueles que não atingem os bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação patrimonial (formulação negativa) ou que têm por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível de avaliação pecuniária; nesta sede, a indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne, o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido (ver Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, página 560) e o minorem ou façam esquecer (formulação positiva).

Porque já não é possível tirar-lhe o mal que sofreu e continuará a sofrer, importa que a quantia a fixar não seja meramente simbólica, mas susceptível de proporcionar ao lesado um acréscimo de meios que lhe permita compensar-se dos padecimentos que teve e tem de suportar; para isso, importa que o montante arbitrado seja significativo e se afaste do miserabilismo, conforme vem sendo afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que vem sendo seguida pela deste tribunal – ver, por todos, o Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2002, Colectânea de Jurisprudência, Ano X, Tomo II, página 132.

É esta a posição que temos vindo a assumir em relação a esta questão e não vemos que razões ponderosas possam ter surgido que justifiquem alterá-la.

No caso deste processo, tendo em atenção as lesões que a Autora sofreu em consequência do acidente, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar em consequência das mesmas e dos tratamentos a que teve de se submeter e bem assim às sequelas de que ficou a padecer, afigura-se-nos adequada ao seu ressarcimento a quantia de euros 15.000,00.”


De acordo com a orientação da jurisprudência deste Supremo Tribunal de que a este compete “somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto sub iudicio” (acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, cit.), considerando-se correctos os pressupostos em que a Relação se baseou para fixar o montante indemnizatório por danos não patrimoniais, conclui-se ser de manter o referido montante.


8. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, decidindo-se:

a) Revogar parcialmente o acórdão recorrido, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia de € 35.000 (trinta e cinco mil euros), sendo € 20.000 (vinte mil euros) por danos patrimoniais futuros por perda de capacidade de ganho, e € 15.000 (quinze mil euros) por danos não patrimoniais;

b) No mais, manter o acórdão recorrido.


Custas na acção e no recurso na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a A.


Lisboa, 06 de Dezembro de 2017


Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho